Côn. Henrique Soares da Costa
A Eucaristia faz a Igreja ser corpo de Cristo. Neste corpo, formado por
muitos membros, nem todos fazem a mesma coisa, mas cada um tem sua função, seu dom, seu modo específico de enriquecer e fazer crescer o corpo. Assim, aqueles que, celebrando o Banquete eucarístico, formam um só corpo, assumem seu lugar de serviço no corpo de Cristo que é a Igreja. Quem não sabe e não quer servir, não serve para ser Igreja e não pode participar do Corpo do Senhor!
O Papa João Paulo II Magno afirma no número 34 da Ecclesia de
Eucharistia : “Enq
uanto durar a sua peregrinação aqui na terra, a Igreja é chamada a conservar e promover tanto a comunhão com a Trindade divina como a comunhão entre os fiéis. Para isso, possui a Palavra e os sacramentos, sobretudo a Eucaristia; desta vive e cresce e ao mesmo tempo exprime-se nela. Não foi sem razão que o termo comunhão se tornou um dos nomes específicos deste sacramento excelso”
. A Celebração eucarística é o lugar, o momento, a ocasião em que a Igreja aparece de modo mais completo e verdadeiro. Ali, o Povo de Deus, reunido para escutar a Palavra e com fé responder o “Amém”, oferece ao Pai com Cristo o sacrifício perfeito e santo e, comungando no mesmo Corpo do Senhor,
torna-se também ele corpo do Senhor. Na Celebração, este corpo de Cristo que é a Igreja aparece todo unido e todo articulado num só Espírito Santo, mas também diversificado nos seus vários membros, com seus carismas e
ministérios. Assim, Unir-se na comunhão com o Corpo eucarístico de Cristo nos compromete a construir o seu corpo que é a Igreja, cada um segundo o dom que a graça de Cristo lhe concedeu. Da Eucaristia, portanto, brotam e na
Eucaristia encontram lugar e sentido os diversos carismas e ministérios para a edificação do corpo de Cristo.
É verdade que na sua realidade mais fundamental, a Igreja é um corpo de iguais, pois, pelo Batismo, todos têm a comum dignidade de filhos de Deus, chamados a viver o Evangelho na caridade e a testemunhá-lo diante do mundo pela palavra e pela vida. Mas, também é verdade que, no interior desse corpo, há diversidade de ministérios e carismas. A primeira grande diferenciação que aparece na Celebração é aquela entre os ministros ordenados, marcados pelo sacramento da Ordem e os demais membros do povo de Deus. Assim
exprime-se o Papa João Paulo: “Como ensina o Concílio Vaticano II, os fiéis
por sua parte concorrem para a oblação da Eucaristia, em virtude do seu
sacerdócio real, mas é o sacerdote ministerial que realiza o sacrifício eucarístico fazendo as vezes de Cristo e oferece-o a Deus em nome de todo o povo. Por isso se prescreve no Missal Romano que seja unicamente o sacerdote a recitar a oração eucarística, enquanto o povo se lhe associa com fé e em silêncio. A afirmação, várias vezes feita no Concílio Vaticano II, de que o sacerdote
ministerial realiza o sacrifício eucarístico fazendo as vezes de Cristo (in persona Christi), estava já bem radicada no magistério pontifício. Como já tive
oportunidade de esclarecer noutras ocasiões, a expressão in persona Christi quer dizer algo mais do que em nome, ou então “nas vezes” de Cristo. “In
persona”, isto é, na específica e sacramental identificação com o Sumo e Eterno Sacerdote, que é o Autor e o principal Sujeito deste seu próprio sacrifício, no que verdadeiramente não pode ser substituído por ninguém. Na economia de salvação escolhida por Cristo, o ministério dos sacerdotes que receberam o sacramento da Ordem manifesta que a Eucaristia, por eles celebrada, é um dom que supera radicalmente o poder da assembléia e, em todo o caso, é
insubstituível para ligar validamente a consagração eucarística ao sacrifício da cruz e à Última Ceia” (Ecclesia de Eucharistia, 28s)
. É todo o povo de Deus reunido para a Eucaristia quem celebra, como povo sacerdotal, inserido no corpo eclesial de Cristo. Mas, é o sacerdócio ministerial que coloca o povo sacerdotal em condição de oferecer o Santo Sacrifício. Assim, com a unção do Espírito recebida não da assembléia, mas do próprio Senhor, pelo sacramento da Ordem, os ministros sagrados têm a capacidade de oferecer a Eucaristia pela Igreja e pelo mundo inteiro. Já o povo sacerdotal, corpo do Senhor, que é a Igreja, participa dessa oferta trazendo ao Altar seu sacrifício espiritual, isto é, uma existência vivida na potência do Santo Espírito, feita de lutas, lágrimas, alegrias e tristezas, de virtudes e esperanças. Tudo isso é oferecido com o Cristo pelo mundo inteiro.
Igreja e na construção do Reino de Deus neste mundo. Seja como ministro ordenado, leigo no mundo nas suas verias profissões, estados de vida ou
ocupações, religiosos consagrados pelos votos, todos devemos com nossa vida e ação edificar o corpo do Senhor. Como todos participam da Eucaristia, todos têm o dever sagrado de assumir seu papel de batizado e crismado, assumindo sua parte de responsabilidade na edificação do Reino de Deus. Seja solteiro, seja casado, seja religioso, seja secular, ninguém está dispensado de assumir seu serviço, isto é, seu ministério, na Igreja em favor do mundo.
Assim, a partir da Eucaristia celebrada por todos, aparece claramente
que a Igreja é uma comunidade toda ministerial, isto é, toda formada por gente chamada a servir, como Cristo, que veio para servir, e na Eucaristia torna sempre presente o memorial de sua vida dada por nós e pelo mundo inteiro como serviço de amor. Esta realidade é muito bem expressa nos próprios textos litúrgicos, quando se reza pelo Papa, o Bispo local, o Episcopado em geral, os ministros ordenados, todo o povo de Deus “e todos aqueles que vos procuram
de coração sincero” (Oração Eucarística IV).
Eis as conseqüências de tal realidade:
(1) Todo o modo de viver e de agir dos que participam da Eucaristia deve ter
como objetivo a edificação do corpo do Senhor. Participando do Corpo eucarístico eles assumem o compromisso de tudo realizarem na vida para
edificar o corpo eclesial do Senhor. Seria uma Eucaristia mentirosa participar do mesmo Pão e do mesmo Cálice e fechar-se em si mesmo, buscando seus
próprios interesses e não a edificação comum da comunidade dos irmãos em Cristo, que é a Igreja. A este respeito, diz o Apóstolo que Cristo suprimiu na sua carne (a da cruz e a do Altar) a inimizade “a fim de criar em si mesmo um só
Homem Novo, estabelecendo a paz e de reconciliar a ambos com Deus em um só Corpo por meio da cruz, na qual ele matou a inimizade” (Ef 2,15s).
São Paulo fala na reconciliação que judeus e pagãos podem encontrar no Corpo do Senhor. Mais ainda esta reconciliação, que é compreensão, partilha, amor fraterno, deve ser vivida e testemunhada pelos que já pertencem a este corpo, que é a Igreja e dele comungam na Eucaristia!
(2) A comunhão no mesmo Corpo eucarístico e a vivência no corpo que é a
Igreja, fazem-nos experimentar a diversidade de dons e ministérios que o Espírito do Cristo suscita na Comunidade. O mesmo Espírito Santo que
consagra o pão e o vinho eucarísticos – “Mandai o vosso Espírito Santo, a fim
de que as nossas ofertas se mudem no Corpo e no Sangue de nosso Senhor
Jesus Cristo” (Oração Eucarística V) ,
– consagra a Comunidade para que seja corpo de Cristo –
“O Espírito nos uma num só corpo (Oração Eucarística II)
. É esse Espírito Santo quem suscita inúmeros carismas e ministérios na Igreja para a edificação do corpo do Senhor:
“Há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo... Cada um recebe o dom de manifestar o Espírito para a utilidade de todos. Com efeito, o corpo é um e, não obstante, tem muitos membros, mas todos os membros do corpo, apesar de serem muitos, formam um só corpo. Assim também acontece com Cristo. Pois fomos todos batizados num só Espírito para ser um só corpo e todos bebemos de um só Espírito” (1Cor 12,4.7.12-13).
É na Eucaristia que a Igreja aparece como comunidade toda articulada em ministérios e carismas para a edificação do corpo de Cristo. A Eucaristia deve ser o centro e o motivo da Comunidade viva, toda atuante, na qual todos sabem que são responsáveis pela Igreja e pela evangelização no ambiente e no modo que é próprio de cada um.
(3) Sendo assim, toda a atividade na Igreja, todo ministério, todo carisma,
devem estar orientados não para a própria satisfação ou, o que é pior, para interesses e vaidades pessoais, mas unicamente para o crescimento do corpo de Cristo. Como o Cristo que se imola no Altar para que todos tenham a vida, e assim presta ao Pai o verdadeiro louvor, também os membros da Igreja devem imolar-se, deixando de lado seus interesses particulares em benefício da
Comunidade. Este é o espírito verdadeiramente eucarístico de se viver como Igreja, comunhão na diversidade. Assim, todos se valorizam, todos se
respeitam, mesmo com carismas diversos, ministérios variados e modos de pensar diferentes. Como no Corpo eucarístico, os vários grãos formam um só pão e os vários cachos de uva formam um só vinho, também a Comunidade que celebra o Santo Mistério, é unida no Espírito Santo, respeitando toda a riqueza da diversidade, buscando sempre o crescimento do corpo do Senhor, que é a Igreja: “Há um só corpo e um só Espírito, assim como é uma só a esperança
da vocação a que fostes chamados; há um só Senhor, uma só fé, um só batismo; há um só Deus e Pai de todos, que é sobre todos, por meio de todos e em todos. E ele é que concedeu a uns ser apóstolos, a outros profetas, a outros evangelistas, a outros pastores e mestres, para aperfeiçoar os santos em vista do ministério, para a edificação do corpo de Cristo” (Ef 4,4s.11-13).
(4) Se participando do mistério da Eucaristia, descobrimos e vivenciamos que
somos membros de um só corpo, cada qual com seu carisma próprio e seu lugar na Comunidade, então compreendemos também que a Igreja é mistério, isto é, uma Comunidade reunida não por nossa vontade ou capricho, mas pelo Espírito do Filho para realizar o Reino do Pai. Esta consciência nos faz assumir nosso papel na Comunidade com santo temor e espírito de fé. Quem canta no coral, quem varre a igreja, quem visita os doentes, quem participa do Conselho paroquial, quem coordena um grupo, quem anima a liturgia, deve saber que faz isso como uma realização de sua vocação e batizado e crismado, membro ativo do corpo do Senhor porque participado Corpo eucarístico de Cristo no Altar da missa. Sem esta visão de fé, a Igreja não passaria de um clube, uma
agremiação fundada na simpatia dos membros ou em interesses comum. Mas não: o amor de Cristo, dado e recebido em comunhão, nos uniu no Santo Espírito!
(5) A Celebração eucarística, unindo-nos na variedade em torno do Corpo do
Senhor e como corpo do Senhor, é sempre celebrada em comunhão com os ministros da unidade: o Papa, Bispo de Roma, primeiro responsável pela unidade de toda a Igreja na fé e na caridade, e o Bispo local. O Concílio Vaticano II, na Lumen Gentium, 26 exprimiu isso muito bem: “Em toda a
comunidade de Altar unida para o sacrifício, sob o ministério sagrado do Bispo, manifesta-se o símbolo daquela caridade e unidade do corpo místico, sem a qual não pode haver salvação. Nestas comunidades, embora muitas vezes pequenas e pobres, ou vivendo na dispersão, está presente Cristo, por cuja virtude se consocia a Igreja una, santa católica e apostólica”
. Jamais haveria uma Celebração eucarística lícita sem a comunhão com o Sucessor de Pedro e com o Bispo local. Tinha razão Santo Agostinho, ao afirmar que a Eucaristia é
“sacramento de piedade, sinal de unidade, vínculo de caridade”.
Se levarmos a sério toda esta riqueza, toda a nossa vivência de Igreja, todo a nossa atividade na Comunidade tornam-se meio união com o Senhor morto e ressuscitado e com os irmãos no mistério do Corpo do Senhor, unidos num só Espírito, para a glória do Pai: “Há um só corpo e um só Espírito, assim
como é uma só a esperança da vocação a que fostes chamados; há um só Senhor, uma só fé, um só batismo; há um só Deus e Pai de todos, que é sobre todos, por meio de todos e em todos” (Ef 4,4s).