Comunicação do Ministro da Saúde, “Decisão em Saúde: Conceitos e Problemas”no Seminário da FLAD “A informação científica como base da decisão, na Educação, na Saúde e na Justiça”, em 06.05.05
DECISÃO EM SAÚDE: CONCEITOS E PROBLEMAS
Em Saúde, a decisão política é influenciada por múltiplos factores, sendo a evidência científica apenas um deles. Entre os factores que moldam as
decisões políticas na Saúde contam-se:
- Ideologia / juízos políticos - Pressão da opinião pública
- Pressão de lobbies privados (indústria farmacêutica, prestadores privados,..) -Pressão de lobbies ligados ao sector público (sindicatos, grupos de profissionais, “burocratas”, poder regional e poder local..)
- Pressão de associações de utentes - Evidência científica.
Naturalmente, o desejável é que haja uma orientação política clara no sentido de a evidência científica ganhar peso, entre os factores que condicionam a tomada de decisão na Saúde, a todos os níveis decisores.
DECIDIR PORQUÊ E PARA QUEM?
A decisão política em Saúde tem que se orientar claramente para a obtenção
de ganhos em saúde. O utente tem que ser o centro do sistema de saúde, o
eixo em função do qual se decide e, portanto, toda e qualquer decisão, desde o planeamento estratégico à implementação ao nível micro, se deve nortear por estes princípios. Ora, de entre aqueles factores, só a produção e disponibilização de informação credível pode informar a tomada de decisão com este objectivo.
Por outras palavras, decidir com base na evidência é importante porque, em princípio, gera melhores decisões, do ponto de vista do interesse público, do que decidir com base noutro tipo de factores.
Para além disto, decidir com base noutro tipo de factores (ou apenas não-decidir) tem consequências fortes no incremento ineficiente da despesa pública em Saúde – basta pensar no exemplo do não-planeamento hospitalar e do excesso de capacidade que tal tem gerado em certas regiões do país, por contraponto com a escassez de capacidade noutras.
Persistem, no entanto, problemas ou circunstâncias importantes que
podem obstar a que a decisão política seja baseada na evidência, ou limitam o grau em que o possa ser:
1) para poder ser usada, a evidência tem que ser clara e directamente
relevante para o problema em questão, o que nem sempre sucede.
2) se a evidência não for ao encontro da ideologia política por trás da decisão, conflituará com o poder e provavelmente será ignorada – os tempos são de pragmatismo e de uma certa “desideologização”, mas a decisão política em Saúde nunca é neutral do ponto de vista ideológico.
3) pode suceder que tenha que haver decisão política em áreas nas quais não
exista (ainda) investigação produzida, nem nenhum tipo de informação que
esclareça a decisão de modo independente.. e em que não seja possível produzi-la em tempo útil – a decisão política é rápida, a produção de evidência muitas vezes lenta.
4) a evidência só é útil para a decisão política se apontar caminhos de fácil
implementação – o que passa pela concepção dos esquemas de
monitorização e incentivos adequados.
Assim, e dado que a evidência é apenas um dos factores condicionantes da elaboração de políticas, talvez fizesse mais sentido falar em políticas
alertadas para a evidência (“evidence-aware policies”), do que em políticas
baseadas na evidência (“evidence-based policies”) (terminologia de Davies e
Nutley, 20011). Vale a pena acordar um conjunto de axiomas para a
Governação dos sistemas de saúde, que sejam o fio condutor de todas as
decisões de um modo não-negociável. Se por Governação, na linha do que propõe Braithwaite2, entendermos um “esforço sustentado de conduzir, gerir,
1 Davies, H. e Nutley, S. “Evidence-based policy and practice: moving from rhetoric to reality” – 3rd International and
Interdisciplinary Evidence-based Policies and Indicator Systems Conference, July 2001.
organizar e melhorar os serviços de saúde desde o nível decisor de topo, ao nível micro da clinical governance”, há 5 axiomas que podem ser considerados:
1. A prestação de cuidados tem que ser segura, sempre: lidar com os doentes como se eles fossem nós mesmos.
2. É preciso promover a transparência e a equidade e tratar os utentes como
parceiros iguais em todos os processos de prestação de cuidados.
3. É necessário envolver os prestadores de cuidados nas tomadas de decisão, aos vários níveis do sistema, de modo a complementar tendências de governação “do topo para a base”.
4. Há que reconhecer e inculcar na prática que as abordagens assentes em
“nós” são muito mais construtivas do que as abordagens do tipo “nós e eles”.
5. Deste último axioma decorre tudo o resto… sublinhar, em cada momento, que os elementos essenciais para um serviço de qualidade são uma soma de competências e de boa vontade; a existência de recursos e tecnologia adequados; boas estruturas de apoio; boa informação na qual basear a
tomada de decisão; o enfoque nas necessidades dos utentes; no seu
percurso no sistema e nos seus resultados em saúde; liderança efectiva; melhoria contínua; e relações interpessoais positivas.
MAS, O QUE É A POLÍTICA BASEADA NA EVIDÊNCIA?
A política de saúde baseia-se na evidência quando as decisões que afectam o atingir de ganhos em saúde dos portugueses, são tomadas considerando, de modo adequado, toda a informação válida, e relevante para o problema, que estiver disponível.
Estas decisões são tomadas ao nível ministerial, mas também ao nível regional, local, e no quotidiano, pelas organizações e prestadores de cuidados. A existência e disponibilidade de informação válida e relevante que apoie a tomada de decisões, aponta para o facto de ser absolutamente crucial, e talvez na área da Saúde de forma mais intensa do que em outras áreas, o investimento estratégico nos sistemas de informação na saúde. Neste domínio, ideias-chave são a compatibilidade dos sistemas de informação (inter-operabilidade), a sua flexibilidade e a sua permanente actualização.
Esta informação, concretamente, abarca tudo o que se centre nos outcomes: ganhos em saúde (mortalidade e morbilidade, ou ganhos em qualidade de vida, etc), ou nos outputs como proxies dos outcomes (resultados em termos de qualidade clínica – readmissões, infecção, etc, de satisfação / reclamação dos utentes), ou ainda em indicadores de processo (como os custos unitários.) A política baseada na evidência, em Saúde, utiliza então a melhor evidência disponível para decidir sobre aspectos como:
- prioridades da própria agenda política, - planeamento estratégico em Saúde,
- planeamento de instalações e equipamentos de saúde,
- escolha das formas organizacionais mais adequadas para as organizações do SNS atingirem os seus fins,
- formulação e aplicação de Normas de Orientação Clínica nas organizações do SNS,
- implementação eficaz das decisões políticas ao nível micro.
Isto significa que a melhor evidência disponível é importante não apenas para o
desenvolvimento da política de saúde - informando “o que fazer” - , mas
também, e cada vez mais, para a implementação das políticas - informando qual o modo mais eficaz de implementar, no terreno, o que tiver sido decidido.
QUE TIPO DE DECISÕES POLÍTICAS BASEADAS NA EVIDÊNCIA SE TOMAM EM SAÚDE?
Há sobretudo 3 tipos de abordagens:
- Avaliação de necessidades em saúde: apoia o estabelecimento de
prioridades e as decisões de afectação de recursos, a partir do estudo das necessidades em saúde de certa população. Ex: estudo de avaliação económica da vacinação contra o meningococo C ou, de modo mais vasto e estratégico, o Plano Nacional de Saúde, documento central da política do Ministério.
- Avaliação do impacto na saúde: apoia a decisão sobre medidas a
implementar, não directamente relacionadas com o sector da saúde, mas que têm impacto potencial na saúde dos portugueses. Ex: informar a decisão sobre a co-incineração.
- Avaliação do impacto na equidade em saúde: pode-se considerar um subproduto da 1ª abordagem, pois identifica se a distribuição dos serviços de saúde e outros recursos é equitativa, face às necessidades da população, e visa actuar sobre essa distribuição de modo a torná-la mais justa, dadas as necessidades. Informa particularmente as decisões de investimento e planeamento de serviços, mas ainda é pouco comum em Portugal.
A DECISÃO EM SAÚDE: PROBLEMAS QUE SE COLOCAM À UTILIZAÇÃO DA EVIDÊNCIA NO SNS
1) A implementação do PNS, desenvolvendo-se programas, e descendo-se
ao nível organizacional (participação, monitorização, medição de resultados, coerência estratégica…) – o problema do SNS, em termos de política baseada na evidência, não se encontra tanto ao nível conceptual das políticas, mas antes ao nível da sua eficaz implementação, sendo este o verdadeiro desafio. A evidência disponível aponta para as estratégias de implementação mais
eficazes serem as que se baseiam em acompanhamento / monitorização
próximos, associados a esquemas de incentivos financeiros (organizacionais e/ou profissionais), ao passo que as que assentam na disseminação passiva serem, em geral, ineficazes.
2) A escassez de uso de avaliação económica independente – análise
custo-benefício – na área da decisão sobre adopção de novas tecnologias (medicamento, terapêuticas avançadas, investimentos em tecnologias / equipamentos pesados), com consequências problemáticas: não garantia de ganhos em saúde, crescimento acelerado da despesa.
Possíveis respostas:
- a proposta do programa do PS: reinstituir planeamento de instalações e equipamentos de saúde, em função da avaliação de necessidades e da estratégia do PNS; lançar programa nacional de auditoria clínica; desenvolver normas nacionais de orientação e gestão clínica, aplicáveis no SNS;
- deverá ser ponderada a criação de uma Agência de Avaliação Tecnológica para a Saúde (ideia do programa das Novas Fronteiras da Saúde, não no de Governo), tipo NICE.
3) A qualidade das perguntas que os decisores políticos elaboram e a
“escala” da evidência disponível: p.ex. o estudo sobre a vacina da meningite diz que é efectivo incluí-la no PNV, mas nada nos diz sobre se é mais custo-efectivo investir nesta vacina ou na prevenção do cancro do cólon e muitas vezes, as decisões políticas passam não pela decisão acerca da relevância de uma medida isolada, mas pelo estabelecimento de prioridades em Saúde.
4) A cultura do SNS, profundamente avessa à avaliação, e à ponderação da
evidência como condição prévia à decisão, ao nível macro e micro. Mais uma vez, o desafio encontra-se na implementação de políticas baseadas na evidência, só possível com o desenvolvimento de sistemas de avaliação desempenho, acompanhados por sistemas de incentivos ligados aos resultados alcançados.