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Pesquisas em História da Educação no Brasil e em Portugal: caminhos da polifonia

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Academic year: 2021

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Cynthia Greive Veiga

Faculdade de Educação - UFMG – Brasil Joaquim Pintassilgo

Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa - Portugal Temos aqui a difícil tarefa de comentar e refletir sobre a produção intelectual apresentada neste evento, ou talvez esta seja uma dificuldade presente em todos os momentos de balanço, principalmente quando o instrumento – resumos de pesquisas – somente nos possibilitam análises restritas do ponto de vista mais quantitativo. Por outro lado, os resumos foram a forma estabelecida pela Comissão Organizadora para a seleção dos trabalhos a serem apresentados neste congresso, portanto, a partir da estruturação dada pelos(as) autores(as) no objetivo de dar visibilidade às suas pesquisas, ficamos mais ou menos autorizados a estabelecer os comentários, ou seja, é a partir deste instrumento que todos nós nos situamos no Congresso. Entretanto, localizarmo-nos num evento é uma coisa, fazer um balanço mais rigoroso da produção historiográfica da educação do (e no) Brasil e de (e em) Portugal, que de uma certa forma o evento nos proporciona, é outra bem diferente. Com todos estes limites, ousaremos falar.

As presenças no Congresso

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O Congresso Luso Brasileiro de História da Educação possui 05 (cinco) anos de efetivação (1996, 23-26/01 em Lisboa; 1998, 16-19/02 em São Paulo e 2000, 23-26/02 em Coimbra) e mesmo em sua história recente é possível detectar diferenças e particularidades na trajetória da participação brasileira e portuguesa. Um balanço quantitativo já nos demonstra isso.

Comunicações aprovadas para apresentação2

Ano Portugal Macau Moçambique Brasil

19963 57 02 01 130

1998 25 01 00 174

2000 61 00 00 285

Começando pelo caso brasileiro, houve um crescimento significativo desta participação, refletido inclusive na configuração regional. A partir das análises dos congressos anteriores4 e deste observa-se que basicamente quase todos os Estados

brasileiros estiveram representados. Tanto no primeiro como no segundo, a predominância é das regiões sudeste e sul, sendo a mesma para este terceiro congresso, mas também observou-se um crescimento da presença de pesquisadores(as) do nordeste (53), norte (06) e centro oeste (15), com destaque à participação do Rio Grande do Norte (33). Também

2Dados colhidos nos resumos publicados nos anais dos Congressos.

3 Neste ano aconteceram 05 oficinas, sendo 04 brasileiras e 01 portuguesa e estão aí

incluídas.

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como nos congressos anteriores, predominaram trabalhos cujos vínculos são as universidades públicas – federais e estaduais.

Clarice NUNES (1998) já havia chamado a atenção a respeito dos lugares da produção de pesquisas em História da Educação, observando o tempo recente dos cursos de Pós-Graduação em Educação no Brasil e mesmo das associações e eventos que vêm tornando possível a socialização de trabalhos, agora acrescido de mais uma, a fundação, em setembro de 1999, da Sociedade Brasileira de História da Educação. Posto alguns dos números, não há dúvida quanto ao crescimento de pessoas envolvidas com pesquisa de História da Educação, mesmo que de formas diferentes.

Queremos chamar a atenção aqui para uma peculiaridade presente nesta comunidade de pesquisadores, conhecido por todos(as) nós e que, sem dúvida, reflete na sua produção intelectual. Trata-se do fato de comportar uma diversidade de formação acadêmica, e mais, são pessoas que possuem perspectivas e caminhos diferentes em relação ao campo de pesquisa em que hoje se encontram. Há um contingente de pesquisadores que não necessariamente permanecerão nesta linha de pesquisa, apenas estão de passagem. Mas, de outro lado, foi possível detectar neste Congresso trabalhos que são oriundos de Grupos de Pesquisa de História da Educação, além de uma crescente presença de pesquisadores(as) envolvidos(as) na organização de acervos, arquivos e ainda na elaboração de guia de fontes para a História da Educação.

O mesmo, em certa medida, se aplica à comunidade portuguesa presente no congresso. Estiveram presentes investigadores oriundos das diversas regiões do país, ainda que com um destaque especial para algumas das principais cidades universitárias – Lisboa, Porto, Braga, Coimbra, ... Uma parte significativa dos investigadores portugueses em História da Educação possui um enquadramento institucional universitário, em particular

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associado à formação de professores. Se o setor público está claramente mais representado, destaque-se, no entanto, a presença de vários colegas oriundos de universidades privadas.

É ainda de realçar, neste contexto, uma importante presença de investigadores oriundos das Escolas Superiores de Educação. A diversidade regional é aqui, naturalmente, acentuada. Esteve, por fim, presente um conjunto de investigadores desempenhando funções docentes nos ensinos Básico e Secundário. Também no caso português se faz sentir, embora de forma menos acentuada, alguma diversidade dos percursos de formação dos investigadores, embora pareça prevalecente uma formação acadêmica inicial assente na História.

Ainda nesta ordem geral de comentários, gostaríamos de observar, como Clarice Nunes, a ausência de trabalhos no âmbito da “história comparada”, e aqui incorporar todas as advertências feitas pelos(as) historiadores(as), quanto aos problemas e riscos da abordagem comparada. Entendemos que precisamos fazer um esforço maior em relação a intercâmbios, através de organização de grupos de pesquisas luso-brasileiros e trocas de espaços de pesquisas em arquivos e acervos, afinal de contas foram mais de três séculos de histórias compartilhadas5.

Organização temática do Congresso

Na organização de um Congresso procura-se, em geral, dar a ver os temas mais problematizados pelos pesquisadores em exigência às circunstâncias históricas, mas que por sua vez também demarcam lugares através das escolhas acadêmicas feitas e da direção

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aí implicada. Retomamos brevemente os congressos anteriores com dados que podem nos ajudar a refletir sobre os temas e as escolhas das pesquisas apresentadas por brasileiros(as) e portugueses(as). Evidentemente que aqui há problemas, pois em muitos casos o resumo das pesquisas ou mesmo os trabalhos acabam sendo redirecionados para se adequarem à proposta do Congresso, entretanto o eixo na qual o(a) pesquisador(a) se inscreve é, na maioria das vezes, sua opção. Dizemos na maioria das vezes, porque há casos em que os(as) autores(as) não definem o eixo, o que é feito pela Comissão Organizadora. De qualquer forma, as atas nos indicam minimamente a distribuição dos trabalhos em temas, e para um balanço mais geral consideramos importante localizá-los nas temáticas dos congressos.

O 1º Congresso intitulou-se “Leitura e Escrita em Portugal e no Brasil (1500-1970)”, abrindo para 06 eixos de pesquisa: Políticas Educacionais e formas de ensino da leitura e da escrita; O Oral e o Escrito: duas Mentalidades, duas culturas; Práticas educativas e opções pedagógico-didáticas; A escolarização de rapazes e raparigas; Mestres, professores e alfabetizadores; História da Educação: fontes, categorias históricas. Estes eixos, por sua vez, se desdobraram em 18 seções, sendo que 08 não tiveram trabalhos neles inscritos6. Em relação numérica temos uma presença equilibrada de trabalhos em grande

parte das seções: Alfabetização, ensino e modernidade (26)7; Livros, folhetos, cancioneiros:

o oral e o escrito no universo popular (27); Gênero e classe social, uma distinção geradora de modelos diferentes na educação dos sexos? (22); Associativismo docente e lutas

5Destaca-se a presença de um Grupo de Pesquisa Luso-Brasileiro “Estudos sobre a Escola, Brasil e Portugal (sec. XIX e XX)” coordenado pelo Prof. Antonio NÓVOA (Universidade de Lisboa) e Profa. Denice CATANI (USP-Brasil).

6Foram estes: Estado, família, municipalidades na educação do Antigo Regime; O pombalismo e a educação primária; Cultura oral e cultura escrita: coexistência e contrapontos; Escolarização de base: imposição ou procura?; A cidadania confronta a domesticidade: a educação dos dois sexos; Formação e carreira; Para uma rede de historiadores da Educação de Portugal e Brasil. (O Congresso em Livro, 1996).

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professoraes (21); História da educação: fontes, categorias históricas, métodos de investigação (25). O maior volume de comunicações ficou no eixo Práticas Educativas e opções pedagógico-didáticas (49), distribuídas nas sessões Métodos de ensino escolar e extra-escolar (36) e Campanhas de alfabetização e metodologias educativas (13).

O 2º Congresso, “Práticas Educativas, Culturas Escolares e Profissão Docente”, amplia para 10 eixos, sendo que as seções se organizam sem desdobramentos. Os eixos se organizam de formas diferenciadas, 08 remetem mais propriamente para temáticas: História da Profissão Docente (25); História da Colonização: práticas culturais, educativas e pedagógicas (05); Crenças, religiões e processos educativos em História da Educação (07); História das culturas escolares: práticas educativas e práticas pedagógicas (43); História das Políticas educacionais e Instituições escolares (39); História das Instituições Universitárias e Científicas (19); História da Imprensa e dos Impressos Educacionais (08); História da Leitura e da Escrita (04). Outros dois dizem respeito mais a categorias de análise: Gênero, Etnia e Geração em História da Educação (14) e à escrita da história: Fontes, Categorias e Métodos de Pesquisa em História da Educação (25).

Observa-se a permanência de um número reduzido de trabalhos referentes à colonização e, por outro lado, um número também bem pequeno de trabalhos no eixo específico que deu nome ao congresso anterior, História da Leitura e da Escrita, embora a temática esteja diluída em outros eixos, mas não como questão central. Nos dois congressos permanecem o alto índice de trabalhos na temática relativa à História das Práticas Educativas, sobressaindo também no 2º Congresso, História das Políticas Educacionais e História da Profissão Docente. Gostaríamos de destacar ainda para o 2º Congresso a introdução do tema relativo a Crenças e Religiões.

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Neste 3º Congresso, “Escola, Culturas e Identidades”, houve uma reestruturação dos eixos, em número de 09: História da Profissão Docente (25)8; História da Educação e

processos colonizadores (12), Culturas e identidades em História da Educação (52); História das políticas educativas e das instituições educacionais e científicas (80); História da imprensa educacional e dos materiais escolares (32); História dos processos educativos (39); História do cotidiano escolar e práticas pedagógicas (51). Como no congresso anterior, os dois outros eixos não são propriamente temáticos: Gênero, etnia e geração em História da Educação (32) e Fontes, categorias e métodos de pesquisa em História da Educação (21).

Antes de comentar a distribuição por temas, achamos importante observar que os dois eixos acima possuem uma especificidade que talvez devesse ser o de problematizar as categorias de pesquisa e a metodologia histórica, mas nem sempre é assim que se apresentam. Tomando este congresso como exemplo, temos que, em relação ao primeiro eixo, os trabalhos caberiam perfeitamente em outros, ao mesmo tempo em que há trabalhos que elegem as categorias gênero e/ou etnia e/ou geração como algo que faz parte da própria problemática, e por isso se inscrevem nos outros eixos. Estamos chamando a atenção para o fato de que, às vezes, a categoria é tomada como objeto, em outros momentos como categoria mediadora do estudo, ambos se distribuem em todos os eixos, não havendo uma identificação naquilo que se espera de trabalhos inscritos em gênero, etnia e geração em História da Educação. Portanto, é possível detectar um grande número de trabalhos em que gêneros, etnias e gerações estão presentes, entretanto não restritos à inscrição neste eixo.

Em relação às pesquisas inscritas em Fontes, Categorias e Métodos de Pesquisa em História da Educação, em alguns deles estes assuntos não são tomados como problema

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central, na perspectiva de teorizar, ou ainda nas palavras de Clarice NUNES (1998), este processo implica na “...problematização do ponto de vista da materialidade, da proveniência e geografia, das regras de criação e preservação, dos núcleos temáticos e silenciosos, do modo de exposição, do ritmo de elaboração, das características de separação e integração com outras fontes, etc...” (p.583). Neste sentido, também o eixo fica sem identidade, por exemplo, a literatura como fonte aparece em vários eixos, entretanto não é teorizada enquanto fonte.

Posto estas considerações, observa-se ainda que, embora o tema Crenças e Religiões, presente no Congresso anterior, não esteja neste, há um número razoável de trabalhos cuja temática esteve presente, embora mais na perspectiva da ação da Igreja nos processos educacionais. De acordo com os dados numéricos, não é o título do congresso que dá o tom dos trabalhos, figuram novamente entre os eixos de maior volume de comunicação o da “História das políticas educativas e das instituições educacionais e científicas” e “História do cotidiano escolar e práticas pedagógicas”. Esta permanência pode ser localizada de diferentes formas, embora não seja evidentemente nosso intento analisá-las, mas apenas apontar alguns dados.

No 1º congresso, a temática teve em “Métodos de Ensino Escolar e Extra Escolar”, 07 comunicações de portugueses, e 29 de brasileiros, ambos com predominância de pesquisas no século XX e relativos ao ensino de leitura, escrita, livros, manuais didáticos. Em “Campanhas de alfabetização e metodologias educativas” foram 08 comunicações portuguesas, com predominância de estudos nos séculos XVIII-XIX e no período do Estado Novo, e 05 brasileiros, com maior referência no século XX.

Em relação ao 2º congresso, o eixo “História das Culturas Escolares: Práticas Educativas e Práticas Pedagógicas” apresentou 04 trabalhos de portugueses(as), 01 de

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Macau e 38 brasileiros. A predominância é do século XX, e no caso brasileiro, incide sobre os últimos 50 anos e alguns na última década. O eixo “História das Políticas e Instituições Escolares” teve 06 comunicações portuguesas e 33 brasileiras, com uma periodização diversificada, séculos XIX e XX, sendo que nos trabalhos brasileiros há novamente um predomínio de pesquisas relativas a décadas mais recentes.

Neste 3º Congresso foram 15 comunicações portuguesas e 65 comunicações brasileiras no eixo “História das políticas educativas e das instituições educacionais e científicas”. Tanto no caso dos trabalhos brasileiros como no dos portugueses, o recorte temático foi diversificado: ensino superior, ensino secundário, escola normal, grupos escolares, ensino técnico industrial, políticas públicas localizadas, entre outras. A predominância dos períodos históricos é novamente, no caso brasileiro, de trabalhos que pesquisam os últimos 50 anos e a última década. O mesmo acontecendo em relação à “História do cotidiano escolar e práticas pedagógicas” (51), cujas pesquisas tomam os períodos mais recentes, privilegiando relato de experiências de práticas pedagógicas diversas.

Ainda quanto à organização temática, observa-se em relação aos outros eixos também uma diversidade de recortes com algumas predominâncias. História da profissão docente: escola normal, ensino superior, disciplinas curriculares, educação especial, representação de professores na imprensa através de imagens, mas sobretudo questões relativas à memórias e construção de identidade profissional. História da imprensa educacional e dos materiais escolares: presença da imprensa na formação dos professores, estratégias discursivas em impressos, literatura e principalmente livros didáticos. História da educação e processos colonizadores: os trabalhos estão mais no campo da filosofia da educação e ação da religiosidade. Culturas e identidades em História da Educação: houve

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uma pluralidade de enfoques: escola primária, educação indígena, escola de imigrantes, experiências de professores, movimentos sociais, ações religiosas; neste eixo foram explicitadas com maior ênfase as diferentes categorias etnia, gênero e geração. Em História dos processos educativos, a ênfase recaiu sobre os discursos pedagógicos, projetos políticos, legislações presentes na escola primária, secundárias, ensino superior, educação de jovens e adultos, trabalhadores rurais. Finalmente, entre os trabalhos de uma maneira geral, observou-se algumas temáticas novas e outras em crescimento, como a questão indígena, discussões relacionadas a espaço, arquitetura, cidade e processos de educação, e ainda uma grande predominância de memórias e relatos orais, seja como objeto ou como fonte documental.

Aspectos metodológicos

Este item será analisado tomando em conjunto as questões relativas à periodização e fontes documentais das escritas das histórias da educação apresentadas por brasileiros(as) e portugueses(as) neste congresso. Retomando as observações anteriores, reafirmamos que os resumos são insuficientes para uma reflexão mais aprofundada, mesmo porque uma parte significativa deles não explicitam objetivamente o período e a fonte e, às vezes, nem o objeto de estudo e os sujeitos de pesquisa. Também dado o caráter diversificado das experiências dos(as) pesquisadores(as), observou-se uma característica já assinalada por Clarice Nunes no 1º Congresso, ou seja, a grande presença de pessoas que ainda estão pouco familiarizadas com o ofício do(a) historiador(a), o que vai refletir na estruturação dos próprios resumos.

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Tomando para análise primeiramente a periodização, novamente está presente a diversidade observada nos congressos anteriores, sendo que no 2º Congresso Cláudia Costa ALVES (1998) chamou a atenção para a presença de 05 grandes zonas temporais, com predominância para o século XX. Utilizando-nos da sua elaboração, mas adequando a este congresso, temos mais ou menos a seguinte quantificação9:

1) Antes do século XIX, às vezes adentrando ao início do XX (22 ) 2) O século XIX até cerca de 1890 (32)

3) Meados do século XIX e início do XX (até anos 30) (64) 4) Anos 20-60 do século XX (82)

5) Anos 50-90 do século XX (70) 6) Década de 90 do século XX (27) 7) Século XX (22)

Estes dados permitem-nos vários comentários. É visível, em primeiro lugar, na maioria das comunicações, uma clara libertação da sua delimitação temporal relativamente à cronologia política. É também de sublinhar a maleabilidade, visível em muitos trabalhos, na utilização das diversas dimensões do tempo, do tempo curto à longa duração, em adequação à abordagem pretendida. Chamou-nos a atenção, por outro lado, o facto de algumas pesquisas, designadamente no caso brasileiro, abarcarem um século ou mais, sobre isso falaremos um pouco mais adiante.

Verificamos uma significativa concentração das pesquisas no período contemporâneo – séculos XIX e XX. No caso português é, mesmo, preocupante o reduzido número de comunicações dedicadas aos períodos anteriores (2 sobre o séc. XVIII e 1 sobre

9Estes dados não são da totalidade dos trabalhos, mas daqueles que indicam o período ou onde minimamente apontam pistas que possibilitam inferir o tempo a que se refere a pesquisa.

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o séc. XVII), indiciando uma ausência de investigação sobre grande parte da nossa história educativa, pelo menos da efetuada pela comunidade científica que se reclama da História da Educação.

No caso brasileiro, um certo “presentismo” é ainda mais acentuado. Muitos dos trabalhos debruçam-se, como vimos, sobre os últimos 50 anos, havendo um número significativo – mais precisamente 27 – dedicados à última década do século XX. No caso português é reduzido o número de trabalhos centrados no último quartel do século. Esta é, aliás, uma diferença significativa no que se refere às opções de ambas as comunidades. Os historiadores portugueses da educação parecem preferir, neste momento, a transição do século XIX para o século XX e, em particular, o Estado Novo.

Como já observado na análise dos congressos anteriores, a trajetória da historiografia da educação brasileira e portuguesa vem se caracterizando, nos últimos tempos, pela significativa utilização das mais variadas fontes documentais: registros oficiais, literatura, iconografia, imprensa especializada ou não, livros didáticos. Há de se refletir neste aspecto algumas tendências, como trabalhos que utilizam uma única fonte e trabalhos que tomam a fonte como o objeto de pesquisa. Como já observou Clarice NUNES, evidentemente que a qualidade de uma pesquisa não se mede pela quantidade de fontes, por outro lado é ofício do(a) historiador(a) se acercar do maior número de fontes possíveis, no intuito não só de dar visibilidade ao problema, mas de buscar maior objetividade e evitar generalizações.

A variedade de fontes nos possibilitam como maior cientificidade proceder a crítica interna e externa dos documentos, tornando-os menos monumentalizados. Mesmo quando a fonte é o próprio objeto de pesquisa, para delimitarmos as problematizações são necessários diálogos com outras fontes e com as teorias.

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Relacionando as periodizações e as fontes, várias questões se colocam. Trabalhos de longa duração com uma diversidade grande de fontes estiveram presentes neste evento. Esta tendência é muito significativa, exatamente por não ser tradição na produção historiográfica da educação; entretanto na leitura dos resumos ficou a impressão de que são trabalhos descritivos e exploratórios, uma vez que pesquisas deste tipo envolvem anos de trabalho, além de equipe de auxiliares e recursos financeiros.

Os trabalhos de história mais recente ou até da imediata, por sua vez, exploram amplamente – em particular no caso brasileiro - as fontes orais. Aí se colocam várias questões para reflexão: “história do presente”, “história imediata”, fonte oral e história oral, fronteiras da história, e uma questão básica: o que é história da educação? Parece um delírio esta pergunta nestas alturas do acontecimento, mas após a leitura de tantos resumos observamos que esta questão, permanentemente reposta pela comunidade de historiadores(as), procede sempre. Entendemos que a pergunta assinala positivamente quando reafirmamos as concordâncias mínimas básicas do ofício do(a) historiador(a) e também quando nos remetemos a reflexões que envolvem as multiplicidades de problemas, temas e fontes documentais presentes na historiografia da educação.

Entretanto, pode assinalar negativamente quando o mínimo que identifica uma pesquisa histórica, “a preocupação com a temporalidade e a indispensabilidade do documento” (CARVALHO, 1998; 454), não está explicitado e problematizado. Uma outra questão diz ainda respeito à necessidade de clareza em relação às diferenças entre narrativa histórica e narrativa ficcional, embora haja uma fascinação recíproca entre ambas, não é possível suprimir ausência de dados com a imaginação histórica, nem reduzir o uso das fontes à mera subjetividade dos(as) historiadores(as). O procedimento de crítica externa e interna dos documentos é algo produzido, não sem muito esforço, por gerações e gerações

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de historiadores e que constituíram minimamente a identidade de pesquisa histórica. Achamos que vale a pena reforçarmos as regras elementares do ofício, quais sejam: problematização do lugar das fontes, seus ditos e silêncios, pois suas leituras não podem se improvisar; as fontes falam a partir do momento que as interrogamos – a qualidade das respostas são coincidentes com a qualidade das perguntas e as fontes, mesmo que variadas, não dizem tudo, não esgotam o problema (FRANÇOIS, 1998)10.

Estas questões se colocam mais prementes quando a busca de história do passado recente ou da “história imediata” constitui uma parcela importante das comunicações apresentadas neste congresso.

Hobbsbawn (1995) comentava que “não é possível escrever a história do século XX como a de qualquer outra época”, ele nos remete à necessidade de refletirmos sobre as particularidades e cuidados relativos à escrita da história do presente. Dos pontos abordados pelo autor, destacamos as suas preocupações em relação ao tempo no qual o historiador está imerso, ou seja, o fato de pesquisar o próprio tempo em que vive, onde a tentação de julgar e estabelecer preconceitos pode trazer problemas em relação à principal tarefa do historiador, que é a de compreender e dar a ver na perspectiva de CHARTIER. Por outro lado, Hobbsbawn observa o compromisso que o(a) historiador(a) passa a ter com a multiplicidade de fontes disponíveis, particularmente as estratégias discursivas da imprensa e da mídia e com as fontes orais. Neste particular, é interessante estarmos atentos para os debates recentes sobre fontes orais, entrevistas e história oral, pois não são a mesma coisa, e possuem procedimentos metodológicos diferenciados.

Ainda em relação à história do presente é particularmente interessante a discussão de ÀRIES (1989), quando sinaliza em relação à evolução humana para o momento de

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construção de necessidade de tomar consciência das diferenças em que estamos imersos, dessa forma o discurso generalizante, descritivo esvazia o conteúdo da memória. Finalmente, em relação aos cuidados de escrever a história do tempo em que vivemos é assinalada por LACOUTURE (1990), na questão relativa às dificuldades de lidar com determinadas fontes (aquelas que, por questões políticas ou outras, não têm o acesso disponibilizado, mas que sabemos que existem), a necessária rediscussão do “acontecimento” e principalmente o excesso de subjetividade.

Finalmente, que diálogos conceituais os pesquisadores têm estabelecido em suas pesquisas? Podemos dizer neste aspecto que curiosamente os caminhos não são tão polifônicos se tomarmos os resumos de uma maneira geral, evidentemente que há diferenças entre as proposições dos autores. Do ponto de vista conceitual, entre os autores mais referidos estão FOUCAULT, BOURDIEU, CERTEAU, CHARTIER, LE GOFF, GINSBURG, ÀRIES, DUBY, E. P. THOMPSON, HELLER, PERROT, LEFÈBVRE, ELIAS, CHERVEL, BENJAMIN, MORIN, CASTORIADES, HOBBSBAWN, VARELA, ESCOLANO, ÁLVARES-ÚRIA, VIÑAO-FRAGO, NÓVOA, além de outros autores brasileiros e portugueses também contemporâneos, entretanto são apresentados de forma muito pontual, o que inviabiliza a nomeação de todos. Há ainda, no caso brasileiro, uma significativa presença de autores clássicos, seja como referência ou como objeto de estudo, tais como: Fernando de AZEVEDO, Afrânio PEIXOTO, Monteiro LOBATO, Câmara CASCUDO, Paulo FREIRE, entre outros.

A referência específica a autores ou a teorias é, curiosamente, muito mais visível no conjunto das comunicações brasileiras. No caso português o quadro conceptual, ainda que presente – nos conceitos, interrogações, etc. – encontra-se muito mais diluído, sendo mais rara a explicitação dos autores de referência.

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Considerações finais

Não há dúvida quanto às mudanças na escrita da história da educação, tanto no Brasil como em Portugal, como vem sugerindo os três últimos Congressos. Tais alterações refletem na quantidade crescente de pessoas envolvidas com pesquisas nesta linha; na polifonia presente nos temas, periodizações e fontes; na articulação de grupos de pesquisas e esforços relativos à organização de acervos e guia de fontes.

A sequência dos congressos mostra-nos que o ritmo dessas transformações tem sido, porventura, mais intenso no seio da comunidade brasileira – uma comunidade em acentuado crescimento – do que na portuguesa. A abertura aos novos temas e às novas abordagens é aí mais visível, mas também mais sensíveis os efeitos de moda na adesão às concepções teóricas e metodológicas.

Podemos hoje afirmar que a História da Educação possui uma certa visibilidade no campo das ciências sociais, mas, entretanto, precisamos estar atentos à maneira como vem se constituindo em seus aspectos metodológicos, para que este campo de conhecimento tenha visibilidade científica que identifique uma comunidade de historiadores polifônica, mas cuja identidade precisa passar pelos ofícios do historiador no compromisso com a escrita da história. Qual escrita? José Murilo de CARVALHO, inspirando-se em Ítalo CALVINO, nos dá algumas pistas:

“A escrita da história deverá ter a leveza de um estilo despojado e de uma imaginação criativa. Deverá ter a rapidez e agilidade que lhe permita escapar de armadilhas metodológicas e ideológicas. Deverá buscar a exatidão da linguagem e dos conceitos e

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evitar vender como sendo profundidade o que não passa de incapacidade de formular idéias claras. Deverá deixar visível sua orientação humanista, fugindo às fortes tentações da ironia, do ceticismo e do pessimismo. Finalmente, a escrita terá como característica a multiplicidade tanto na busca de fontes, abordagens e temas, como na aceitação democrática da diversidade característica do predicamento humano.”(CARVALHO, 1999, p.457)

Bibliografia

ALVES, Cláudia Costa. Os resumos das comunicações e as possibilidades esboçadas no II Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação. In: SOUSA, C. P. de e CATANI, D. B. (org.). Práticas Educativas, Culturas Escolares, Profissão Docente. II Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação. São Paulo: Escrituras, 1998.

ÀRIES, Philippe. O tempo da História. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1989.

BOUTIER, Jean e JULIA, Dominique (org.). Passados recompostos. Campos e canteiros da História. Rio de Janeiro: UFRJ/FGV, 1998.

CARVALHO, José Murilo de. Pontos e Bordados. Escritos de história e política. Belo Horizonte: UFMG, 1999.

FRANÇOIS, Étienne. Os “Tesouros da Stasi” ou a miragem dos arquivos in BOUTIER, Jean e JULIA, Dominique (org.) Passados recompostos. Campos e canteiros da História. Rio de Janeiro: UFRJ/FGV, 1998.

HOBBSBAWN, Eric. Era dos extremos. O breve século XX. (1914-1991). São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

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LACOUTURE, Jean. A história imediata. In: LE GOFF e outros (org.). A nova história. Coimbra: Almedina, 1990.

NUNES, Clarice. Leitura e escrita em Portugal e no Brasil 1500-1970. Lisboa: Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação, 1998, vol. III.

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