• Nenhum resultado encontrado

Mulheres encarceradas x profissionalização: alternativas a exploração a reinserção sociolaboral

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Mulheres encarceradas x profissionalização: alternativas a exploração a reinserção sociolaboral"

Copied!
13
0
0

Texto

(1)

MULHERES ENCARCERADAS X PROFISSIONALIZAÇÃO: ALTERNATIVAS À EXPLORAÇÃO À REINSERÇÃO SOCIOLABORAL1

Adriane Giugni da Silva2 Marisa Andrade3

INTRODUÇÃO

O presente artigo é resultado de uma pesquisa realizada com mulheres em cumprimento de pena, do regime semiaberto e fechado, de duas penitenciárias femininas, localizadas na cidade de São Paulo. Nessa pesquisa, objetivou-se investigar a avaliação das encarceradas quanto à profissionalização efetivada por meio de cursos de curta duração, que visaram influir qualitativa e positivamente na reinserção sociolaboral dessas mulheres pós-regime de privação de liberdade.

Trata-se de uma pesquisa qualitativa, descritiva, mediada por pesquisa de campo, do tipo participante. O processo de investigação foi efetivado em dois momentos: no primeiro, realizou-se o aprofundamento teórico-bibliográfico e documental, que fundamentou a pesquisa, e no segundo, procedeu-se à pesquisa de campo, mediada pelas técnicas da observação participante, da aplicação de questionários e efetivação de entrevistas (LÜDKE; ANDRÉ, 1986).

A profissionalização ocorreu mediante a oferta de cursos relacionados ao mercado da beleza, na área da estética. A Instituição proponente buscou oferecer às participes qualificação à inserção destas em um segmento de mercado que tem crescido nas duas últimas décadas no Brasil, apesar da atual crise socioeconômica e política.

A partir desta investigação, intenta-se divulgar e dar visibilidade às experiências e vivências proporcionadas às mulheres encarceradas, partícipes dos cursos de profissionalização, no intuito de suscitar novos estudos e alavancar

1

Trabalho apresentado no Encontro Nacional sobre População, Trabalho, Gênero e Políticas Públicas, realizado na Universidade Estadual de Campinas, em Campinas, SP, entre os dias 27 a 29 de novembro de 2019.

2

Doutora em Educação/Unicamp; Pesquisadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferenças (LEPED/FE-Unicamp). E-mail: agiugni@bol.com.br.

3 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social – UFRJ; Mestre em Serviço Social –

PUC-SP; Pesquisadora do Laboratório Interdisciplinar de Estudos e Intervenção em Políticas Públicas de Gênero – UFRJ. Diretora do Centro de Acolhida para Mulheres Imigrantes e Refugiadas. E-mail: andrademandrade@bol.com.br.

(2)

políticas públicas sociais dirigidas a essa população, de modo a influir na reinserção sociolaboral dessas pessoas.

CONSIDERAÇÕES SOBRE O ENCARCERAMENTO E EXPLORAÇÃO DO TRABALHO

A exploração da força de trabalho é comum nas sociedades capitalistas de produção. A imposição ao trabalho com cerceamento da liberdade é uma dentre as várias formas milenares de exploração da força de trabalho humano. Tal prática, historicamente conhecida como trabalho escravo, na contemporaneidade constitui-se como trabalho forçado que envolve restrições diversas, entre as quais a percepção salarial insuficiente para a sobrevivência digna, geralmente inferior ao salário mínimo.

Nas sociedades capitalistas a exploração da força de trabalho é um dos pilares da permanência do capital, constituindo-se como a principal causa da desigualdade social. Essa exploração gera a naturalização da miséria e da espoliação do/a trabalhador/a, haja vista este/a vivenciar um processo de neoescravidão, consequência do desemprego ou do emprego informal, subemprego, empobrecimento das famílias, diminuição do consumo, desaparecimento do emprego protegido, trabalho sem garantias, aumento da violência, condições precarizadas de subsistência, demarcada pela revogação dos direitos trabalhistas historicamente conquistados.

O capitalismo contemporâneo oferece como horizonte ao trabalhador/a o “privilégio da servidão” (ANTUNES, 2018). Nesse contexto, de neoliberalismo e globalização, gerador da superexploração da “classe-que-vive-do-trabalho”, do trabalho terceirizado, intermitente, uberizado e pejotizado, surgem novas modalidades de trabalhos que em razão de suas características assemelham-se a trabalhos escravos (ANTUNES, 2018).

Mas e a população encarcerada? Esta também está incorporada à classe trabalhadora, haja vista que o capitalismo contemporâneo incorpora a totalidade de trabalhadores/as que vendem sua força de trabalho como mercadoria, que historicamente foi e é explorada pelo capital, a despeito de receberem valores inferiores ao trabalhador livre, sem direitos trabalhistas, porém com direito à progressão de pena.

(3)

O encarceramento em massa no Brasil, sobretudo em torno de tipos penais mais leves como roubo, furto e tráfico de pequenas quantidades de drogas, gera a superlotação dos presídios masculinos e femininos, inviabilizando as políticas de trabalho, educação e profissionalização capazes de influir na ressocialização dos apenados. Trata-se de um modelo prisional direcionado à criminalização da pobreza, da população excluída e marginalizada que ou está desempregada, ou inserida informalmente, ou exerce função precarizada como trabalhador/a superexplorado/a.

O atual governo de Bolsonaro segue uma política de encarceramento em massa, mediante a construção de mais presídios em todo país, os quais serão entregues a iniciativa privada. Trata-se de uma política contrária a agenda mundial que discute o encarceramento, haja vista que esta possui uma agenda capaz de abrigar diferentes atores com diferentes pontos de vista.

A atual agenda mundial detém uma perspectiva crítica da instituição prisional e do encarceramento massivo da população jovem, negra e pobre do país, além de tratar de maneira particular as mulheres que estão inseridas no sistema de justiça. Nela estão presentes as Regras de Bangkok (2016), Regras das Nações Unidas para o tratamento das mulheres encarceradas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras.

As Regras de Bangkok (2016) impõem que as especificidades de gênero necessitam ser observadas pelos gestores e membros do sistema de justiça, os quais devem priorizar todas as medidas alternativas à prisão de mulheres, porém tais regras quase sempre são ignoradas ou negligenciadas no Brasil.

Diversos estudos, relatórios e pesquisas sobre o encarceramento feminino revelam as constantes violações de direitos humanos, seja pelo encarceramento maciço da classe proletária, de raça negra, em sua maioria detentora de ensino fundamental incompleto, seja pela estrutura da instituição carcerária, a qual historicamente foi construída para o aprisionamento do gênero masculino, seja pela violência de cunho patriarcal, presente na oferta dos serviços oferecidos, que viola os direitos das mulheres.

Observa-se também nas pesquisas com encarcerados/as que a sociedade classista e racista ignora as condições vivenciadas pelos/as encarcerados/as nos cárceres, em especial as relacionadas à dignidade humana, vez que os/as encarcerados/as estão submetidos/as a violências diversas e desumanas, assim como à tortura psicológica, mecanismos de repressão utilizados no interior do

(4)

sistema de justiça que ferem o princípio fundamental da dignidade humana, inerente a todos os sujeitos sociais.

Contudo, essa mesma sociedade classista e racista, que invisibiliza a massa encarcerada, esquece que essa população um dia terá sua pena cumprida, o que lhe garantirá o retorno ao convívio social. Diante do modus operandi vivenciado no cárcere por essa população, será que a mesma estará “adequada” à expectativa da sociedade capitalista (“regenerada”) ao convívio social? Estará “regenerada” e apta à reinserção no mercado de trabalho, condição necessária para evitar a reincidência, como prescreve a Lei de Execução Penal (LEP)? Estará apta à sobrevivência social com direitos e garantias, conforme preconizado na Constituição Federal (1988) e demais ordenamentos jurídicos legais?

Estas e outras questões derivadas devem ser arrazoadas e solucionadas pela sociedade capitalista, classista e racista, cujo objetivo econômico e social pautam-se na exploração da massa populacional, caso tenha interesse na redução da violência, na inserção no mercado de trabalho e na ressocialização da população egressa do cárcere!

A REALIDADE DO ENCARCERAMENTO FEMININO NO BRASIL

Segundo dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública, por meio da divulgação do Segundo Relatório Nacional sobre a População Penitenciária Feminina (INFOPEN, 2017), constatou-se que no período de 2000 a 2016 a taxa de aprisionamento de mulheres aumentou em 525% no Brasil. Em números exatos essa população saltou de 5.601 para aproximadamente 42.000 mulheres privadas de liberdade, o que representou um aumento 656% em relação ao registrado em 2000.

Esses números inserem o Brasil na quarta posição mundial do ranking entre os doze países que mais encarceram mulheres no mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, da China e da Rússia, em relação ao tamanho absoluto de sua população prisional feminina. Em relação à taxa de aprisionamento, que indica o número de mulheres presas para cada grupo de 100 mil mulheres, o Brasil figura na terceira posição entre os países que mais encarceram, ficando atrás apenas dos Estados Unidos e da Tailândia (INFOPEN, 2017).

O referido relatório traçou o perfil desse agrupamento: 50% de mulheres com idade entre 18 a 29 anos; 62% são negras, população de baixa renda e

(5)

respondem por crimes distintos; 88% das encarceradas enquadram-se no crime de tráfico de drogas. Quanto à escolaridade, 66% das mulheres privadas de liberdade no Brasil sequer possuem o ensino médio, tendo concluído, no máximo, o ensino fundamental, das quais 50% possuem ensino fundamental incompleto.

Conforme o INFOPEN (2017) o estado de São Paulo concentra 36% de toda a população prisional feminina do país, com 15.104 mulheres encarceradas. Lima (2015) assinala que são muitos os fatores negativos que influem para o crescimento da população carcerária feminina, como, por exemplo: baixa escolaridade, desemprego, desigualdade social, dificuldades financeiras, dificuldades de inserção no mercado de trabalho, promiscuidade, desvalorização da vida, entre outros. Somam-se a esses os fatores psicológicos e patológicos como agressões físicas e verbais e os abusos sexuais na infância e na adolescência, e na fase adulta a violência física, psicológica, sexual, moral e patrimonial.

Segundo Lima, historicamente o lugar definido às mulheres na sociedade patriarcal/machista sempre foi o de subalternidade em relação ao gênero masculino. O autor também assinala que na estrutura sociolaboral as mulheres são as que estão em posições mais baixas, são menos remuneradas, são recrutadas para atividades mais expostas e desvalorizadas no mercado de trabalho, são facilmente substituídas, além de outros fatores geradores de exclusão (LIMA, 2015). Abreu e Guedes (2012) acrescentam aos fatores geradores de exclusão e às causas da desigualdade a baixa escolaridade dessa população.

Nesse particular, o INFOPEN (2017) informa que 50% das mulheres encarceradas não concluíram o ensino fundamental e somente 11% delas concluíram o ensino médio. Essa condição de vida precarizada, associada à baixa escolaridade, potencializa a prática de crimes, em que os mais cometidos por elas são: tráfico de drogas, furto, roubo, lesão corporal, homicídio, entre outros.

Os dados do INFOPEN (2017) também revelam como consequências do encarceramento em massa o grande número de processos criminais, que intensifica a morosidade do judiciário e penaliza ainda mais as mulheres pela extensão do tempo de cumprimento de pena, pois permanecem encarceradas por longos períodos sem serem sentenciadas, além da privação de liberdade, quase sempre por tempo maior do que o determinado pelo juiz.

Esses fatos acarretam imensos gastos aos cofres públicos para a manutenção dessas mulheres em condição de encarceramento, além dos demais

(6)

prejuízos irreparáveis a esse ser humano, o que intensifica as problemáticas sociais. Além disso, essas mulheres são relegadas a condições de extrema precarização, resultante das péssimas condições de encarceramento, portanto, condicionadas a uma desumana subsobrevivência.

Tudo isso produz consequências gravíssimas às mulheres, ao Estado e a sociedade, especialmente quando se considera o aumento da criminalidade e de reincidentes. Pesquisas sobre o sistema prisional brasileiro relatam as péssimas condições vivenciadas nos cárceres (IRELAND; RODRIGUES DE LUCENA, 2013). Segundo esses autores essas condições influem no agravamento da exclusão, da ressocialização e da reabilitação dessas mulheres.

O benefício previsto na Lei de Execução Penal (BRASIL, 1984), associado à oferta de trabalho, mediado pelo sistema judicial, além de desonerar os cofres públicos também pode propiciar o desmantelando das “escolas” do crime no cárcere, financiadas pelo governo. Talvez esta seja uma solução!

A INSTITUIÇÃO PROMOTORA DOS CURSOS PROFISSIONALIZANTES

Para realizar esta pesquisa buscou-se preliminarmente identificar algumas instituições da sociedade civil que atuavam com mulheres encarceradas. Para essa identificação levantou-se informações em editais públicos da Justiça Federal do Estado de São Paulo que subsidiam ações de instituições que atuam com a população encarcerada e egressa do sistema prisional. Os dados permitiram a identificação de duas associações atuantes com mulheres encarceradas.

Em um segundo momento fez-se contato com ambas, a fim de esclarecer a finalidade da pesquisa e solicitar a autorização de realização desta. A solicitação formal foi entregue na ocasião, juntamente com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, contendo todas as informações às partícipes sobre: as garantias de sigilo absoluto de identificação; possibilidade de desistência de participação a qualquer momento; de recusar-se a responder qualquer pergunta que considere gerar desconforto; de receber respostas a possíveis perguntas; de esclarecimento a qualquer dúvida e de procedimento; de não exposição a qualquer risco; dos possíveis benefícios; além de outros assuntos relacionados com a ética na pesquisa, conforme prescreve a Resolução 510, de 7 de abril de 2016, aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde, que trata dos aspectos éticos das pesquisas em Ciências Humanas e Sociais (BRASIL, 2016).

(7)

Após alguns dias, uma das instituições contatadas solicitou o comparecimento das pesquisadoras na sua sede para uma reunião com a dirigente. Nessa ocasião as dúvidas foram esclarecidas e em poucos dias obteve-se o autorizo da instituição para a realização da pesquisa. A seguir serão apresentados alguns dados da Instituição.

A coleta de informações iniciou com as observações participantes na Instituição. Identificou-se que a mesma já desenvolvia cursos profissionalizantes com mulheres imigrantes em geral, apenadas e egressas do cárcere.

Detectou-se em seu histórico, mediante exame em documentos de sua fundação, que desde o início de suas atividades, em setembro de 2006, representou um projeto pioneiro no Brasil, iniciando seu trabalho como resposta à grande problemática enfrentada por esse grupo social, isto é, a falta de políticas públicas sociais dirigidas a essa população.

Desde sua fundação teve como objetivo ofertar condições dignas de vida a essas mulheres, com vistas a lhes auxiliar na busca de emancipação, reinserção social e inserção no mercado de trabalho. Atualmente a Instituição se constitui como referência no trabalho junto a essa população, “[...] propiciando a essas mulheres meios à reconstrução de suas vidas, a partir do seu empoderamento como sujeitos de sua própria história” (DOC. INSTITUIÇÃO, 2017).

Em razão da existência desta Instituição em São Paulo, mulheres apenadas imigrantes que possuem filhos podem cumprir a pena domiciliar nela, conforme preconizado na Lei de Execução Penal (BRASIL, 1984), reforçada pela recente sanção presidencial da Lei n. 13.769 (BRASIL, 2018).

Trata-se de uma Instituição atuante socialmente, cujo projeto de trabalho, vinculado e administrado por sua mantenedora, oferta atendimento integral e ininterrupto a essas mulheres desde 2006, oferecendo-lhes moradia provisória, alimentação e formação por um período de permanência de até doze meses, podendo ser estendido em situações especiais.

A Instituição, mediante subvenção da Central de Penas e Medidas Alternativas da Justiça Federal de São Paulo (CEPEMA), promoveu a execução dos cursos profissionalizantes (2017 a 2018), realizados em duas penitenciárias femininas de São Paulo e na própria Instituição, no decorrer de doze meses, destinados à formação de cinquenta (50) mulheres privadas de liberdade.

(8)

O primeiro e o segundo curso profissionalizantes, “Assistente de Cabeleireira” e “Manicure e Pedicure com Especialização em Designer de Unhas”, foram executados em quatro meses. O terceiro, “Designer de Sobrancelhas, Manicure e Pedicure com Especialização em Designer de Unhas”, foi desenvolvido em dois meses e reeditado pelo mesmo período.

Os cursos foram ministrados por professoras especializadas e desenvolvidos tanto na sede da Instituição promotora quanto nas duas penitenciárias partícipes do processo de profissionalização. As alunas do regime semiaberto foram autorizadas a realizarem a formação na sede da Instituição, mediante a subvenção financeira da CEPEMA, a qual custeou o transporte, a alimentação, a remuneração da equipe profissional e todo o material didático-pedagógico dos cursos (regime semiaberto - Lei nº 7.210/84; Lei nº 8.072/90). As encarceradas do regime fechado os realizaram nas dependências das penitenciárias partícipes da pesquisa, com a subvenção financeira também da CEPEMA.

Para as alunas do regime semiaberto, em razão da distância das Penitenciárias à sede da Instituição promotora, esta ofertou três refeições às participantes (café da manhã, almoço e lanche da tarde), pois entendeu que a oferta destas refeições seria essencial à participação no período integral das mulheres nos cursos.

Segundo a diretora da Instituição, o procedimento referente à oferta das refeições objetivou além de fomentar a participação integral nos cursos também oferecer a essas mulheres, em situação de privação e marginalização social, alguns momentos de “liberdade”, de respeito à dignidade, pois se a intenção do Estado é recuperar, mediante educação e qualificação profissional para a reinserção sociolaboral, é fundamental tratar essas pessoas como sujeitos de direitos, a partir da oferta de oportunidades concretas para que possam acreditar que será possível construir novos caminhos.

A despeito desse entendimento, a diretora da Instituição promotora dos cursos ainda observou que a situação das encarceradas é muito complexa, haja vista que “[...] na sua quase totalidade compreendem mulheres negras, de baixa escolaridade e renda, moradoras da periferia, sem qualificação profissional, vivendo em condição de miserabilidade e exclusão social. Essas condições, associadas a outras, as torna vulneráveis à prática de delitos” (ENTREVISTA DA DIRETORA DA INSTITUIÇÃO, 2018).

(9)

A EFETIVAÇÃO DOS CURSOS PROFISSIONALIZANTES

Os cursos foram desenvolvidos a partir de aulas expositivas e práticas. Concomitante a elas, a Instituição realizou palestras relacionadas à promoção da autoestima, orientações trabalhistas (leis), postura profissional, trabalho em equipe, orientação das normas na área da estética, discutindo, entre outras questões, a reinserção social e inclusão do público supracitado no mercado de trabalho. Nos referidos cursos foram disponibilizados textos apostilados que visaram auxiliar o estudo e a apropriação do conhecimento ministrado. Tais procedimentos foram reproduzidos em todos os cursos.

No decorrer do acompanhamento dos cursos, no exame do projeto e no planejamento destes, observou-se que as avaliações dos conhecimentos apreendidos pelas alunas foram processuais, uma vez que visaram estimular o estudo, a apreensão destes, o domínio de técnicas, assim como o desenvolvimento de habilidades diversas, tais como: o convívio coletivo (ressocialização social), a promoção de autoestima e autoconfiança, entre outras habilidades e qualificações capazes de auxiliar na reinserção sociolaboral.

Conforme expresso no projeto, a Instituição, mediante o trabalho efetivado, planejou alcançar três objetivos. O primeiro, voltado à instrução e formação das mulheres partícipes dos cursos, buscou capacitar as partícipes do curso a fim de qualificá-las, profissionalizá-las para a reinserção sociolaboral. O segundo, relacionado à promoção da autoestima positiva, objetivou habilitar psicologicamente as mulheres para o enfrentamento da realidade social de forma digna, no intuito de assumirem o seu protagonismo como ser social, reconhecendo-se como ser humano digno de uma vida melhor. E o terceiro objetivo, centrou-se na capacitação profissional dessas mulheres para corresponderem às exigências sociais e do mercado de trabalho, a fim de obterem sua autonomia pessoal e financeira, assim como a de sua família.

RESULTADOS OBTIDOS

A partir do cruzamento dos dados, detectou-se que as alunas avaliaram os cursos como positivos. As análises dos resultados expressaram satisfação na participação, no convívio com as professoras, no respeito nas relações interpessoais. Todas as partícipes relataram que se sentiram livres para se expressarem, para questionarem, sem o temor de serem repreendidas ou punidas.

(10)

No decorrer dos cursos, observou-se mudança nos comportamentos das partícipes, pois no primeiro curso apresentaram comportamentos animosos, algumas vezes com agiam com agressividade entre si. Conforme os cursos foram realizados, detectou-se um comportamento mais sociável e colaborativo. Também se detectou um maior interesse na participação das atividades desenvolvidas, internas e externas, pois demonstraram e relataram satisfação na realização das tarefas executadas.

A análise dos dados revelou que 90% das partícipes são negras, provenientes da periferia de São Paulo, pobres, possuem idade entre 18 e 39 anos. Quanto à escolaridade, os dados revelaram que a maioria (86%) possui ensino fundamental incompleto e somente 14% tem ensino médio incompleto. Em relação ao crime praticado, detectou-se que 78% das mulheres relataram envolvimento com o tráfico de drogas, 18% com roubos e furtos e 4% a outros crimes.

Pode-se constatar, mediante o exame das avaliações efetivadas pelas alunas, confirmadas no relato das mesmas, que ocorreu a apreensão dos conhecimentos trabalhados e orientados nos cursos. As alunas também relataram que as atividades práticas realizadas facilitaram a apreensão de habilidades técnicas, uma vez que treinaram e executaram as técnicas entre as próprias partícipes.

Em relação às alunas do sistema semiaberto, estas tiveram a oportunidade de praticar a função fora da sede e do cárcere, em associações parceiras da Instituição promotora, as quais atendem a população desabrigada, como os moradores de rua.

Constatou-se nos relatos das alunas, tanto as do sistema semiaberto quanto as do sistema fechado, que todas sentiram grande satisfação na realização dos cursos, assim como na qualificação apreendida e no envolvimento das atividades realizadas entre as partícipes e com o público atendido.

Em relação à metodologia utilizada nos cursos, analisando-se os relatos das entrevistas e os questionários aplicados, detectou-se que as alunas se sentiram estimuladas a realizarem as atividades práticas, assim como comprovou-se a apreensão dos conhecimentos teórico-práticos repassados mediante os procedimentos desenvolvidas no coletivo.

Na análise dos relatos, resultantes das entrevistas, detectou-se que a metodologia estimulou a aprendizagem coletiva e a socialização colaborativa,

(11)

favorecendo a participação de todas, o que motivou o interesse e o envolvimento das partícipes, resultando na melhora significativa no modo de convivência coletivo e na autoestima, assim como no desempenho das atividades, além de outros comportamentos sociais de resgate da dignidade humana. Esses comportamentos talvez favoreçam o retorno ao convívio social após o cumprimento de suas penas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Após a realização da pesquisa, com base na análise dos dados coletados, dos relatórios periódicos da Instituição implementadora dos cursos, nas observações das atividades desenvolvidas, detectou-se que os cursos realizados resultaram em melhorias às mulheres privadas de liberdade, pois lhes possibilitou novos conhecimentos, melhoria na convivência coletiva e na autoestima.

Sabe-se, contudo, que sistema prisional brasileiro não recupera o/a apenado/a, mas em contrassenso serve como escola do crime! Reproduzir esse sistema e mesmo ampliá-lo não reduzirá a criminalidade no país! A elevação dos percentuais de criminalidade no Brasil é consequência da grave desigualdade social presente no país.

As péssimas condições socioeconômicas, a alta concentração de renda de alguns poucos, a péssima formação educacional da maioria (precarizada qualidade de educação/formação profissional), a falta de investimentos governamentais em políticas públicas e sociais, a má ou inexistente administração de recursos públicos e aplicação do uso do dinheiro público em benefício da maioria, tudo isso associado se reflete na vida precária da maioria da população brasileira que não tem acesso a direitos básicos de alimentação, moradia, educação, saúde, segurança e oportunidades de trabalho.

A consequência dessa desigualdade socioeconômica resulta no aumento da criminalidade no país! É inútil construir mais penitenciárias diante dessa realidade! Causa estranheza também que o Estado suscite ou intente a entrega da administração penitenciária do país ao setor privado, vez que dessa forma propiciará o comércio da mercadoria “ser humano infrator/a apenado/a”!

Diante dessa realidade e do atual contexto socioeconômico e político do país, de crise estrutural ultraneoliberal, com crescimento sem precedentes na história do país da violência e da criminalidade, urge que o Estado brasileiro (ao menos) repense suas políticas de encarceramento e o modo de cumprimento das

(12)

penas, haja vista que o sistema penitenciário brasileiro, com raríssimas exceções, tem servido apenas como depósito para aqueles/as que infringem as leis, ao invés de propiciar de fato a recuperação do/a infrator/a apenado/a, conforme prescrevem a LEP e demais legislações brasileiras.

A ineficácia (e a falência) do sistema penitenciário acaba por reproduzir a prática criminal, induzir à reincidência, provocar a superlotação carcerária, disseminar mais violência (dentro e fora dos presídios), favorecer a proliferação de organizações criminosas dentro dos presídios, de rebeliões, além de não recuperar o transgressor/a encarcerado/a.

Enquanto o Estado não assumir sua responsabilidade pela educação/formação do sujeito social, oferecendo a todos, desde a mais tenra idade, políticas públicas sociais (de qualidade) de educação, saúde, assistência social e trabalho, isto é, condições dignas de sobrevivência, garantindo a todos trabalho como categoria fundante (políticas públicas sociais e direitos à dignidade humana), o cárcere se manterá com sua função precípua: alijamento e depósito humano para pobres, negros/as infratores/as e transgressores/as penais.

Sabe-se que essa discussão não se esgota nesse artigo, entretanto, espera-se que o mesmo possa contribuir na discussão relativa às políticas públicas sociais às mulheres encarceradas e que estimule pesquisadores e interessados na discussão a investigarem e requererem do Estado à implementação de políticas públicas sociais que visem o acolhimento digno da população brasileira.

REFERÊNCIAS

ABREU, T. D.; GUEDES, R. V. Práticas educativas aplicadas no presídio feminino do distrito federal como instrumento de ressocialização. Periódico Científico

Outras Palavras, Brasília, DF, v. 8, n. 2, p. 1-11, 2012.

ANTUNES, R. O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital. São Paulo, SP: Boitempo, 2018.

BOGDAN, R.; BIKLEN, S. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos. 12. ed. Portugal: Porto Editora, 2013.

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Lei n. 13.769, de 19 de dezembro

de 2018. Altera o Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de

Processo Penal) as Leis n. 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), 8.072, de 25 de julho de 1990 (Lei dos Crimes Hediondos), para estabelecer a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar da mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência e para disciplinar o regime de cumprimento de pena privativa de liberdade de condenadas na mesma

(13)

situação. Brasília, DF, 2018. Disponível em: http://planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2018/Lei/L13769.htm. Acesso em: 25 ago. 2019.

BRASIL. Ministério da Justiça e Segurança Pública. Departamento Penitenciário Nacional. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – INFOPEN

Mulheres. 2. ed. Brasília, DF: DEPEN, 2017.

BRASIL. Conselho Nacional de Justiça. Regras das Nações Unidas para o

tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras (Regras de Bangkok). Brasília, DF, 2016.

BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. Resolução n. 510, de 7 de abril de 2016. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF,

24 maio 2016. Seção 1, p. 44-46. Disponível em:

http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2016/Reso510.pdf. Acesso em: 18 ago. 2019.

BRASIL. Câmara dos Deputados. Lei de Execução Penal (1984). Lei de Execução Penal: Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984: institui a Lei de Execução Penal. Série

Legislação, Brasília, DF, n. 11, 2008.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil 1988. Brasília, DF,

1988. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 25 ago. 2019.

IRELAND, T. D.; RODRIGUES DE LUCENA, H. H. O Presídio Feminino como espaço de aprendizagens. Educação & Realidade, Porto Alegre, RS, v. 38, n. 1, p. 113-136, 2013. Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=317227369008. Acesso em: 25 ago. 2019.

LIMA, R. C. Situação das mulheres presas no Brasil. ADITAL, 2015. Disponível em: http://www.adital.com.br/site/noticia_imp.asp. Acesso em: 25 ago. 2019.

LÜDKE, M.; ANDRÉ, M. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo, SP: EPU, 1986.

Referências

Documentos relacionados

Em três dos quatro municípios estudados foi constatada uma redução na área total dos apicuns: em Jaguaripe essa redução foi provocada principalmente pelo

Agora quando eles brigam eu não sinto mais medo: sinto apenas ódio deles e fico nervoso e meu estômago ferve.. Mas do verão eu

Excluindo as operações de Santos, os demais terminais da Ultracargo apresentaram EBITDA de R$ 15 milhões, redução de 30% e 40% em relação ao 4T14 e ao 3T15,

b) Execução dos serviços em período a ser combinado com equipe técnica. c) Orientação para alocação do equipamento no local de instalação. d) Serviço de ligação das

13 de Fevereiro; (ii) ou a entidades residentes em território português sujeitas a um regime especial de tributação. Não são igualmente dedutíveis para efeitos de

Presidente--- Para Deliberação:Aprovado por maioria com a abstenção do Vereador António Moreira.--- Remeter à Assembleia Municipal para apreciação e votação.--- Ponto 4

Os dados experimentais de temperatura na secagem da pêra em estufa a 40 o C estão apresentados na Figura 6, assim como os valores calculados pelo modelo

A sexualidade também, segundo ele, é um grande problema entre os jovens internados, pois eles não respeitam as regras e acabam tendo relações sexuais, o que implica em