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Relatório de estágio : análise de uma base terminológica da área jurídica e questões de tradução

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Academic year: 2021

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FACULDADE DE LETRAS

RELATÓRIO DE ESTÁGIO: ANÁLISE DE

UMA BASE TERMINOLÓGICA DA ÁREA

JURÍDICA E QUESTÕES DE TRADUÇÃO

ANA CAROLINA FERREIRA SANTOS

Relatório de estágio orientado pelo Prof. Doutor Telmo Móia,

especialmente elaborado para a obtenção do grau de Mestre em

TRADUÇÃO

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Os limites da minha linguagem denotam os limites do meu mundo.

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AGRADECIMENTOS

Tenho a agradecer,

à minha família, em especial aos meus pais e à minha avó, por serem os meus eternos conselheiros e fãs número um;

ao Professor Doutor Telmo Móia, por todo o apoio prestado na elaboração deste relatório; à Doutora Sofia Favila-Vieira, por todo o apoio prestado, pela confiança depositada e por me incentivar a atingir sempre o meu melhor;

ao Doutor João Moniz, pela sua boa-disposição, disponibilidade e companheirismo ao longo do estágio;

à Doutora Dora Martins, pela sua amabilidade e simpatia, por todo o acompanhamento e apoio ao longo do estágio;

a toda a equipa do Departamento de Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, assistentes técnicos e juristas, pela boa-disposição, simpatia e profissionalismo com que fui acolhida;

à Professora Doutora Sara Mendes e à Professora Doutora Claudia Fischer, pelas palavras de incentivo;

aos meus amigos, pela evasão, e em especial à Maria, pelo esclarecimento de dúvidas existenciais e jurídicas;

à Tatiana, por todo o apoio e paciência;

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NOTA PRÉVIA

A redação do presente relatório é resultado do estágio profissionalizante inserido na componente não letiva do curso de Mestrado em Tradução da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. O estágio teve lugar na Área de Tradução do Serviço de Direito Internacional Público do Departamento de Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, sediado no Palácio das Necessidades, com a duração total de 400 horas. O estágio decorreu entre 8 de outubro de 2018 e 28 de março de 2019, num regime fixo, 4 dias por semana, o que permitiu um acompanhamento contínuo do trabalho realizado.

Este relatório incide sobre a análise do processo de tradução, tendo em vista a construção de uma ferramenta linguística da temática jurídica. Contudo, sendo a minha formação académica exclusivamente da área de Tradução, seria ambicioso realizar uma análise exaustiva de comparação interlinguística entre sistemas jurídicos diferentes, não sendo esse o foco desta reflexão. Também não pretendo analisar questões relacionadas com a construção de ferramentas linguísticas de forma exaustiva ou pormenorizada. Não obstante, é impossível não abordar estas duas esferas, fortemente influentes na realização deste trabalho.

No que ao objeto de estudo diz respeito, é de mencionar que a reflexão que dou a conhecer neste relatório incide apenas sobre o segmento de entradas traduzidas por mim durante o estágio, fazendo este parte de um trabalho mais vasto que tem vindo a ser desenvolvido ao longo de vários anos, com o contributo e envolvimento de várias instituições e colaboradores, da área da Tradução, Revisão, Direito e Informática, entre os quais a Dra. Sofia Favila-Vieira, a Dra. Constança da Camara Bobone e, mais recentemente, o Dr. João Bacelar Moniz. A utilização de traduções realizadas por outros tradutores serve para efeitos de explicitação e é devidamente assinalada. Convém destacar, ainda, a distinção entre o Trad-Iure, o “tradutor jurídico” disponível ao público no sítio da Internet do Diário da República Eletrónico (DRE), e o glossário ms-excel, o “proto-documento” no qual baseio a reflexão da segunda e da terceira parte do presente relatório.

Devido a questões de sigilo profissional e à extensão de alguns dados, não é possível apresentar em anexo a totalidade dos documentos e trabalhos realizados, mas considero que os exemplos apresentados são suficientes para avaliar as questões de tradução discutidas.

Salvo a ortografia utilizada em alguns exemplos, que importa preservar, e transcrições, a redação deste trabalho segue a grafia do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990.

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RESUMO

O presente trabalho consiste no relatório de estágio realizado no âmbito do Mestrado em Tradução da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. A primeira parte tem uma função descritiva, e nela pretendo dar a conhecer o trabalho desenvolvido na instituição de acolhimento, através da apresentação da organização interna, funcionamento e metodologia de trabalho corrente, e da identificação dos textos traduzidos e revistos. Nesta parte também introduzirei as características contextuais que levaram à delimitação do objeto de estudo e as instruções de tradução recebidas. Mencionarei ainda algumas das circunstâncias práticas envolvidas neste tipo de projeto de tradução, bem como os principais agentes envolvidos no processo. A segunda parte está dividida segundo as três dimensões que confluíram no produto final de tradução. Na primeira secção, identificarei brevemente as principais características do texto jurídico e da terminologia jurídica. Na segunda secção, serão abordados aspetos relevantes para as ferramentas linguísticas, entre os quais a distinção entre conhecimento linguístico e conhecimento enciclopédico, a direção linguística e a organização estrutural (micro-estrutura). No final desta secção, irei ainda refletir sobre os problemas de atualização dos termos. Na terceira secção, focar-me-ei em questões práticas de receção por parte do utilizador, como a usabilidade do sistema, a conceção de um “utilizador ideal”, o nível de literacia e as principais funções das obras de referência para questões linguísticas. A terceira parte (com exceção do último subcapítulo) é uma reflexão linguística tendo em conta os fatores acima mencionados, na qual enfatizarei as dificuldades de tradução encontradas na passagem dos termos de partida para os equivalentes em português e farei pequenas sugestões de melhoria do sistema utilizado na instituição de acolhimento.

PALAVRAS-CHAVE: tradução jurídica; terminologia multilinguística; bases de dados terminológicas; dicionários; lexicografia.

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ABSTRACT

The present work is an internship report made as part of the Master’s degree in Translation offered by the School of Arts and Humanities of the University of Lisbon. The first part of this work has a descriptive function, and in it I aim to present the work developed in the host institution, by presenting its internal organization and work methodology, and by identifiying the textual genres that were translated and revised. In this part, I will also introduce the contextual characteristics involved in the delimitation of the object of study and the translation brief received. I will mention some of the practical circumstances involved in this particular type of translation project, as well as the main agents involved in the process. The second part is divided according to the three dimensions that led to the final translation product. In the first section, I will briefly identify the main features of the legal text(s) and of the legal terminology. The second section will cover aspects related to language tools, including the distinction between linguistic and encyclopedic knowledge, linguistic direction and structural organization (microstructure). At the end of this section, I will also reflect on the possible obsolescence of terms. In the third section, I will focus on practical reception issues related to the receiver and the usability of the system, in particular the translator’s model of an “ideal user”, the level of literacy and the main functions of reference works for language issues. The third part is (with the exception of the last subchapter) a linguistic reflection taking into account the factors mentioned above, in which I emphasize the difficulties encountered in translating the source terms into Portuguese equivalents. Simultaneously, I will suggest some minor actions to improve the system used at the host institution.

KEYWORDS: legal translation; multilingual terminology; terminological databases; dictionaries; lexicography.

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LISTA DE ABREVIATURAS

AO – Acordo Ortográfico

AT – Área de Tradução (do Departamento de Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros)

DAJ – Departamento de Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros CPC – Código de Processo Civil

CPP – Código de Processo Penal DRE – Diário da República Eletrónico DIN – Serviço de Direito Interno

DIP – Serviço de Direito Internacional Público INCM – Imprensa Nacional - Casa da Moeda

ISO – Organização Internacional de Normalização (International Organization for

Standardization)

MNE – Ministério dos Negócios Estrangeiros SL – Source language

TL – Target language TT – Target text

TPI – Tribunal Penal Internacional ONU – Organização das Nações Unidas

OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte UE – União Europeia

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ÍNDICE

AGRADECIMENTOS ...3 NOTA PRÉVIA ...4 RESUMO ...5 ABSTRACT ...6 LISTA DE ABREVIATURAS...7 ÍNDICE ...8 INTRODUÇÃO ... 10 1. CARACTERIZAÇÃO DO ESTÁGIO ... 12

1.1 A Área de Tradução enquadrada no Departamento de Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros ... 12

1.2 Descrição das atividades realizadas ... 12

1.3 Lista de textos traduzidos e lista de textos revistos ... 13

1.4 Subtipos de textos jurídicos traduzidos ... 15

1.5 As ferramentas jurídicas Jurislingue e Trad-Iure ... 16

1.6 Translation brief ... 18

1.7 Circunstâncias e agentes envolvidos na produção de documentação multilinguística ... 19

2. ALGUMAS QUESTÕES TEÓRICAS ... 22

2.1 O texto jurídico ... 23

2.1.1 Terminologia (jurídica)... 25

2.2 Questões relacionadas com as obras de referência para questões linguísticas (incluindo bases de dados terminológicas, do tipo do Trad-Iure) ... 27

2.2.1 Principais características das obras de referência para questões linguísticas ... 27

2.2.2 Conhecimento linguístico versus conhecimento enciclopédico nas obras de referência ... 29

2.2.3 Direção linguística em dicionários e em bases de dados multilingues ... 30

2.2.4 Informação geográfica sobre as línguas em bases de dados terminológicas ... 32

2.2.5 Organização estrutural em bases de dados terminológicas ... 34

2.2.6 Fontes consultadas na criação de bases de dados terminológicas (breve nota) ... 37

2.2.7 Parâmetros temporais e de atualização dos termos em bases de dados terminológicas ... 38

2.2.8 Parâmetros linguísticos em bases de dados terminológicas ... 39

2.2.9 Parâmetros temáticos (classificação de subdomínios) em bases de dados terminológicas ... 41

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9 2.3 Questões relacionadas com a receção em bases de dados terminológicas: utilizador e

usabilidade ... 42

2.3.1 As funções das bases de dados terminológicas (enquanto dicionários especalizados) adaptadas ao perfil do utilizador ... 42

2.3.2 Maximização da usabilidade... 46

3. QUESTÕES PRÁTICAS DE TRADUÇÃO (INTEGRANDO SUGESTÕES DE MELHORIA NA BASE DE DADOS) ... 49

3.1 Palavras da linguagem geral e termos provenientes de domínios especializados do conhecimento ... 49

3.1.1 Termos provenientes da linguagem geral ... 50

3.1.2 Terminologia médica (ou relacionada com questões de saúde) na linguagem jurídica ... 52

3.2 Sinonímia, homonímia e univocidade terminológica ... 58

3.3 Siglas, acrónimos e outras abreviaturas ... 62

3.4 Estrangeirismos ... 78

3.5 Entidades, cargos e institutos jurídicos sem equivalência exata ... 85

3.6 Antropónimos ... 93

3.7 Expressões eufemísticas e o politicamente correto na linguagem jurídica ... 96

3.8 Fraseologia e colocações ... 102

3.9 Exemplos de alguns dos erros de codificação mais frequentes ... 106

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 112

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 114

5.1 Obras citadas e bibliografia consultada ... 114

5.2 Páginas eletrónicas (consultadas) ... 118

A. Fontes de Legislação ... 118

B. Dicionários online, aplicações de tradução e bases de dados terminológicas ... 118

C. Dicionários generalistas ... 119

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho consiste no relatório de estágio realizado na Área de Tradução do Departamento de Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, no âmbito do Mestrado em Tradução da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Este trabalho, que representa o culminar de um ciclo de estudos, tem como ponto de partida a reflexão advinda da realização de uma atividade concreta do estágio e pretende buscar respostas para as questões e dificuldades levantadas pela tradução de terminologia jurídica e por outros aspetos que confluem na criação e construção de ferramentas linguísticas.

A tradução especializada do domínio jurídico é uma prática cada vez mais importante no mercado de Tradução. Por um lado, o fenómeno da globalização tem originado uma maior comunicação e cooperação internacionais entre diferentes órgãos, sejam eles entidades judiciais, administrativas, ou outras; estas implicam, por sua vez, uma frequente troca e partilha de informação entre entidades e, consequentemente, a necessidade de traduzir enormes volumes de texto jurídico e de outro tipo de documentos relacionados. Escusado será dizer que a maioria desta documentação tem caráter de urgência, necessitando de ser processada rápida e eficazmente. Por outro lado, as tecnologias de informação, que agilizam em muito quer o processo de tradução quer a comunicação interinstitucional e entre entidades e cidadãos – aliada ao crescente interesse da sociedade em adquirir conhecimento jurídico – têm vindo a ser utilizadas de forma a encurtar a distância entre os cidadãos e os órgãos de soberania e a promover o acesso à Justiça. Paralelamente, tem-se sentido uma necessidade crescente de material de apoio, fomentando a construção de ferramentas de léxico especializado da área do Direito.

A primeira parte deste relatório remete para questões contextuais, nomeadamente para a caracterização da instituição de acolhimento e das atividades aí realizadas. Nesta parte também irei dar a conhecer o objeto de estudo, bem como as circunstâncias práticas envolvidas neste tipo de projeto de tradução e os principais agentes envolvidos no processo.

A segunda parte deste relatório incide sobre as questões teóricas que considerei relevantes para a parte prática de tradução e de codificação de informação, sendo envolvidas três dimensões distintas: o texto, o meio e o recetor. Na primeira secção irei abordar questões relacionadas com o texto e com a terminologia jurídica. Numa segunda secção, irei abordar questões relacionadas com os auxiliares linguísticos e numa terceira secção irei abordar, por um lado, algumas das necessidades do utilizador e, por outro, questões relacionadas com a usabilidade do sistema.

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11 A terceira parte deste relatório constitui o núcleo do trabalho. Nela abordarei, sob uma perspetiva de análise linguística, as questões e as dificuldades concretas de tradução levantadas durante o trabalho realizado, e analisarei questões de codificação linguística que confluem no produto final de tradução e que estão intimamente relacionadas com as questões teóricas abordadas na segunda parte. Para tal, irei selecionar entradas da base de dados terminológica e comparar aspetos da significação quer de diferentes termos de partida, quando se encontram discrepâncias entre a versão francesa e a versão inglesa, quer entre termo de partida e termo equivalente, discutindo a solução de tradução encontrada no contexto jurídico de chegada. Os problemas de tradução abordados estão agrupados do seguinte modo:

 Palavras da linguagem geral e termos provenientes de outros domínios de conhecimento;

 Sinonímia, homonímia e univocidade terminológica;  Siglas, acrónimos e outras abreviaturas;

 Estrangeirismos;

 Entidades, cargos e institutos jurídicos sem equivalência exata;  Antropónimos;

 Expressões eufemísticas e o “politicamente correto”;  Fraseologias e colocações;

 Erros mais frequentes na codificação de informação.

Paralelamente às questões de tradução, na versão final dos exemplos analisados são introduzidas sugestões de melhoria ao nível da codificação da informação, tendo também em conta os aspetos teóricos abordados na segunda parte.

A última parte deste relatório apresenta e discute as principais conclusões a retirar deste trabalho, e integra uma avaliação da globalidade do trabalho realizado. Sumariamente, este relatório pretende servir de modesta contribuição para outros alunos de cursos de Tradução e tradutores em exercício que se deparem com situações semelhantes aos desafios que enfrentei durante a realização das atividades do estágio, avaliando criticamente as decisões por mim tomadas.

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1. CARACTERIZAÇÃO DO ESTÁGIO

1.1 A Área de Tradução enquadrada no Departamento de Assuntos

Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros

O Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) é responsável por coordenar e executar a política externa de Portugal e é o órgão governamental através do qual o Estado Português assegura a sua representação no estrangeiro, mediante missões diplomáticas junto de organizações internacionais, embaixadas e postos consulares. Da Secretaria-Geral do MNE fazem parte organismos como o Protocolo de Estado, o Departamento Geral de Administração, o Instituto Diplomático e o Departamento de Assuntos Jurídicos (DAJ). Os serviços internos do MNE contam ainda com secções como a Direção-Geral de Política Externa e a Comissão Nacional da UNESCO.

O DAJ, sob alçada da Dra. Susana Vaz Patto, dispõe de duas direções de serviço distintas: o Serviço de Direito Interno (DIN), dirigido pela Dra. Sílvia Galvão Teles, e o Serviço de Direito Internacional Público (DIP), dirigido pelo Dr. Mateus Kowalski. Ao DIN compete a elaboração de pareceres e estudos sobre matérias de natureza jurídica interna. Este serviço assegura também a preparação e redação de diplomas e apoia outras autoridades competentes na preparação e acompanhamento de processos em que estejam envolvidos outros órgãos ou serviços do MNE. Ao DIP compete a elaboração de estudos de natureza jurídica internacional e a participação portuguesa na negociação de acordos e tratados internacionais, exercendo ainda as funções de depositário dos tratados e acordos internacionais de que faça parte o Estado Português. Através da Área de Tradução (AT), chefiada pela Dra. Sofia Favila-Vieira, o DIP assegura a tradução e revisão de todos os documentos necessários para o departamento, nomeadamente tratados e acordos internacionais.

1.2 Descrição das atividades realizadas

Ao definir genericamente as atividades realizadas ao longo do estágio distinguem-se duas grandes áreas: a primeira, relativa à tradução, retroversão e/ou revisão de documentos necessários ao normal funcionamento do DIP; a segunda, relativa à colaboração nos projetos

Jurislingue e Trad-Iure, através da tradução de entradas dos mesmos. De seguida, irei

apresentar uma lista dos documentos traduzidos e revistos durante o estágio e na secção seguinte irei identificar brevemente as principais características dos textos traduzidos, segundo tipologias textuais específicas, já que, como afirma Vaz (2018: 23), o texto jurídico «constitui uma

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13 subclasse dos textos de linguagem especializada, a qual, por sua vez, também possui as suas próprias subclasses de texto, devido ao facto de o género não ser homogéneo, agrupando textos de naturezas diferentes, com características e estruturas diferentes». Assim sendo, o tradutor deve estar preparado para as características dos diferentes subtipos de textos jurídicos, adaptando as decisões de tradução às necessidades da situação comunicativa: «It is widely accepted today that a court judgement needs different ways of interpretation than an Act of Parliament. Less well disseminated is knowledge about the need to assess different styles in writing and the need to adapt one’s hermeneutics to style» (Brand, 2009: 21).

A lista de textos traduzidos foi concebida de forma cronológica, do primeiro ao último documento traduzido durante o estágio. O mesmo acontece com a lista de documentos revistos. Excetuando o último documento revisto, cuja revisão e cujas alterações foram debatidas em conjunto com a outra estagiária da FLUL da AT, Joana Guimarães, todos os textos trabalhados foram traduzidos ou revistos individualmente por mim.

1.3 Lista de textos traduzidos e lista de textos revistos

1. Aviso da Convenção de Haia: Convenção Relativa à Supressão da Exigência da

Legalização dos Atos Públicos Estrangeiros n.º 17/2018 (1 página, 105 palavras).

2. Aviso da Convenção de Haia: Convenção Relativa à Supressão da Exigência da

Legalização dos Atos Públicos Estrangeiros n.º 18/2018 (2 páginas, 446 palavras).

3. Aviso da Convenção de Haia: Convenção Sobre os Aspetos Civis do Rapto

Internacional de Crianças n.º 23/2018 (2 páginas, 446 palavras).

4. Aviso da Convenção de Haia: Convenção Sobre a Obtenção de Provas no

Estrangeiro em Matéria Civil ou Comercial n.º 22/2018 (2 páginas, 449 palavras).

5. Aviso da Convenção de Haia: Convenção Relativa ao Processo Civil n.º 6/2018 (2 páginas, 432 palavras).

6. Notificação da ONU: Emendas ao Estatuto de Roma do Tribunal Penal

Internacional Relativas ao Crime de Agressão n.º 462/2018 (2 páginas, 470

palavras).

7. Aviso da Convenção de Haia: Convenção Relativa à Supressão da Exigência da

Legalização dos Atos Públicos Estrangeiros n.º 1/2019 (1 página, 98 palavras).

8. Aviso da Convenção de Haia: Convenção Relativa à Citação e Notificação no

Estrangeiro dos Atos Judiciais e Extrajudiciais em Matéria Civil e Comercial n.º 1/2019 (1 página, 164 palavras).

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14 9. Aviso da Convenção de Haia: Convenção Sobre os Aspetos Civis do Rapto

Internacional de Crianças n.º 5/2019 (1 página, 99 palavras).

10. Aviso da Convenção de Haia: Convenção Sobre Cobrança Internacional de

Alimentos em Benefício dos Filhos e de Outros Membros da Família n.º 1/2019 (9

páginas, 3.657 palavras).

11. Mensagem de correio eletrónico entre o MNE e o Consulado de Portugal em Londres (1 página, 144 palavras).

12. Aviso da Convenção de Haia: Convenção Sobre os Aspetos Civis do Rapto

Internacional de Crianças n.º7/2019 (1 página, 119 palavras).

13. Aviso da Convenção de Haia: Convenção Relativa à Supressão da Exigência da

Legalização dos Atos Públicos Estrangeiros n.º3/2019 (1 página, 142 palavras).

14. Aviso da Convenção de Haia: Convenção Relativa à Competência, à Lei Aplicável,

ao Reconhecimento, à Execução e à Cooperação em Matéria de Responsabilidade Parental e Medidas de Proteção das Crianças n.º 2/2019 (1 página, 151 palavras).

15. Notificação da ONU: ESTATUTO DE ROMA DO TRIBUNAL PENAL

INTERNACIONAL n.º 69/2019 (1 página, 148 palavras).

Lista 1: documentos traduzidos durante o estágio.

Total de páginas e palavras traduzidas durante o estágio: 26 páginas e 6.638 palavras.

1. Artigo para publicação: Acerca da Ativação da Jurisdição do TPI sobre o Crime de

Agressão de Claus Kreß (18 páginas, 11.586 palavras).

2. Acordo: Acordo entre a República Portuguesa e a Organização Europeia de

Direito Público para o Estabelecimento de um Escritório Regional da Organização em Portugal (13 páginas, 2.836 palavras).

3. Acordo: Acordo sobre Serviços Aéreos entre a República Portuguesa e a República

da Coreia – Elementos para o processo de aprovação interna (24 páginas da versão

inglesa, 25 páginas da versão portuguesa, 32 páginas da versão coreana, 17.680 palavras).

4. Protocolo: Protocolo Adicional à Convenção relativa ao Contrato de Transporte

Internacional de Mercadorias por Estrada (CMR) (7 páginas da versão inglesa, 8

páginas da versão portuguesa, 4.517 palavras).

5. Acordo: Acordo entre a República Portuguesa e o Reino Unido da Grã-Bretanha e

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15

cada um dos Estados que residam no território do outro nas eleições locais (5

páginas, 1.032 palavras).

Lista 2: documentos revistos durante o estágio.

Total de páginas e palavras revistas durante o estágio: 132 páginas e 37.654 palavras.

1.4 Subtipos de textos jurídicos traduzidos

Ilustrando a pluralidade de subtipos textuais existentes dentro do domínio jurídico, de seguida passarei a identificar alguns exemplos de textos da área do Direito Internacional traduzidos durante o estágio e as suas principais características.

Avisos

Os avisos são um tipo de documento escrito, transversal a diversas comunidades, distinguíveis pelas suas particularidades linguístico-discursivas (e.g. empresas, instituições públicas, organizações internacionais), mediante o qual se pretende transmitir informações com eficácia. Apesar de serem um texto do tipo expositivo, os avisos têm predominantemente uma função injuntiva, ou normativa, uma vez que as partes implicadas são – por força deles – obrigadas a cumprir o que foi estipulado com a entidade emissora. Quanto à estrutura formal, o registo (grau de formalidade) e a presença ou ausência de algumas características poderão variar consoante o tipo de aviso e a entidade emissora.

Acordos (Tratados)

Na área do Direito Internacional, o termo «acordo» é utilizado, de uma maneira geral, para definir textos em que é expressa uma concordância de vontades entre duas ou mais entidades do Direito Internacional Público. Assim, consoante o que for determinado pelas partes, «acordos» da mesma natureza podem ter várias designações mais específicas, como, por exemplo, «tratado», «convenção», «convénio», «concordata», «pacto», «protocolo», etc. A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados,1 assinada a 23 de maio de 1969 (e cuja vigência em Portugal se iniciou a 7 de março de 2004), contém a seguinte definição de tratado: «acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo direito internacional, quer esteja consignado num instrumento único, quer em dois ou mais instrumentos conexos, e qualquer que seja a sua denominação particular». Em suma, o termo «tratado» designa um

1

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16 acordo, sob a forma de documento escrito, entre entidades do Direito Internacional, com efeitos jurídicos a nível internacional.

Protocolos

Em Direito Internacional, os protocolos são adendas a tratados, i.e., acréscimos, complementos e modificações que não invalidam o conteúdo do documento para o qual remetem. Um caso bastante famoso é o Protocolo de Quioto, que faz parte da Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas. Outro exemplo é o apresentado de seguida, sob «Convenções».

Convenções

Apesar de não ter traduzido ou revisto nenhuma convenção durante o estágio, um dos documentos por mim revistos, o Protocolo Adicional à Convenção relativa ao Contrato de

Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada (CMR), remete, como o próprio nome

indica, para um documento original, do tipo «convenção», cuja definição passo a apresentar. O termo «convenção» é utilizado no âmbito do Direito Internacional para definir um acordo adotado entre organizações internacionais e que os Estados-membros dessas mesmas organizações podem ratificar. No caso referido, a República Portuguesa é Parte na Convenção relativa ao Contrato de Transporte Internacional de Mercadorias por Estrada (CMR), adotada em Genebra em 1956. Esta convenção visa, entre outras coisas, regular as condições do contrato de transporte internacional de mercadorias por estrada. O Protocolo adicional à Convenção, adotado em 2008, tem como finalidade favorecer o estabelecimento da versão eletrónica da declaração de expedição que acompanha as mercadorias no transporte internacional rodoviário, de modo a assegurar com maior facilidade o cumprimento da legislação aplicável e a criação de condições de concorrência equitativas para os operadores de transportes.

1.5 As ferramentas jurídicas Jurislingue e Trad-Iure

Para além das atividades de tradução e de revisão de documentos, necessárias ao normal funcionamento do DAJ, a AT está envolvida noutras iniciativas, entre as quais no projeto

Jurislingue e no projeto Trad-Iure, que reúnem conhecimentos do domínio jurídico e do

domínio linguístico.2

O Jurislingue é um projeto que está sob alçada da Procuradoria-Geral da República, resultando da iniciativa conjunta de vários organismos do Estado, entre os quais os ministérios

2

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17 da Administração Interna, Justiça e Negócios Estrangeiros, e conta com o apoio de diversas entidades, entre as quais a Fundação para a Ciência e Tecnologia, a Universidade de Lisboa, a Universidade Nova de Lisboa e a Universidade Católica Portuguesa. Intitula-se como um dicionário jurídico e está disponível na página da Internet do Gabinete de Documentação e Direito Comparado da Procuradoria-Geral da República. O acervo é agrupado segundo cinco áreas distintas: Terminologia Jurídica; Organismos (nacionais e internacionais); Instrumentos (bilaterais e multilaterais); Expressões Jurídicas; e Abreviaturas. As entradas são redigidas em português por juristas envolvidos no projeto e cada entrada conta com informação relativa à definição do termo, à abreviatura (quando existente), aos termos relacionados, às fonte de referência e à área do Direito correspondente.

Foi-nos pedido (à minha colega de estágio e a mim) que retrovertêssemos o conteúdo das entradas do Jurislingue de português para inglês. O documento ms-word que nos foi fornecido contava já com uma lista de entradas em inglês e francês previamente retrovertidas do português pelos anteriores colaboradores do projeto, organizada sob a forma de tabela. Na primeira coluna é identificado o termo na língua de partida (em português) e o termo equivalente na língua de chegada (e.g. francês), separados por uma barra. Na segunda coluna é codificada a restante informação (definição, abreviatura, termos relacionados, fonte de referência e área do Direito) na mesma língua de chegada. Na linha imediatamente a seguir, a informação relativa ao mesmo termo era retraduzida de português para a outra língua de chegada (inglês).

A criação do projeto Trad-Iure, objeto de estudo deste trabalho, teve como ponto de partida o projeto Jurislingue, apresentando-se como

um glossário jurídico que compreende um léxico específico e especializado no domínio do Direito, tendo sido concebido para auxiliar todo aquele que, num dado momento, contacta com o Direito aplicável em Portugal e necessita de material de apoio qualificado que contribua para a compreensão correta e, por conseguinte, para o tratamento adequado da informação jurídica que lhe é transmitida ou que ele quer transmitir.3

Enquanto ferramenta de acesso público através do portal do DRE, o Trad-Iure foi um projeto iniciado pelo XVII Governo Constitucional, no âmbito do programa SIMPLEX e, mais especificamente, do programa SIMPLESGIS, financiado pela INCM.4 Este programa de simplificação legislativa pretende: a) simplificar a legislação, garantindo mais acesso à

3

In www.dre.pt/sobre-tradutor

4

SIMPLEX, www.simplex.gov.pt/. SIMPLESGIS, www.dgpj.mj.pt/sections/politica-legislativa/anexos/avaliacao-do-impacto/anexos9170/programa-simplegis/.

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18 legislação por parte das pessoas e empresas; b) melhorar a aplicação das leis, para que estas possam atingir mais eficazmente os objetivos que levaram à sua aprovação.

Tendo sido a atividade de tradução à qual dediquei mais tempo durante o estágio, foi por mim traduzido um total de 1440 unidades terminológicas para a língua portuguesa, tendo, na maioria das vezes, a versão inglesa (e por vezes também a francesa) como termo de partida. Relativamente à estrutra interna do documento ms-excel que nos foi fornecido, existiam 37 colunas, que passo a identificar. A primeira coluna remete para a data em que a entrada é adicionada ao documento, ao passo que a segunda coluna remete para a data em que a entrada é revista. Da terceira à sétima coluna são identificadas as datas em que a tradução é realizada para cada língua de chegada, na seguinte ordem: português (PT), inglês (EN), francês (FR), alemão (DE) e espanhol (ES). A oitava coluna identifica se o termo é um termo principal (P) ou um termo relacionado (R). As colunas seguintes, intituladas de «Termo Pai» e de «Termo Pai Nova Ortografia» dizem respeito à cabeça da entrada nas versões do Acordo Ortográfico (AO) de 1945 e de 1990, respetivamente. A 11.ª coluna identifica a data de revisão do termo em português e a coluna seguinte identifica o grau de fiabilidade do termo em português. Esta organização repete-se de língua para língua, na ordem acima mencionada, sendo identificado o termo, a data de revisão, o tipo (variação geográfica) e o grau de fiabilidade. Na 29.ª coluna é identificada a área do Direito. Na 30.ª coluna é identificada a fonte e na coluna seguinte é identificado se o termo já foi inserido no Trad-Iure, isto é, no sistema de front office. Da 32.ª à 35.ª coluna, são identificadas as fontes (links) em inglês, francês, alemão e espanhol. A coluna seguinte intitula-se de «Inserido no Trad-Iure (comentário)», e a última coluna remete para a identificação da fonte em português.

Nas próximas secções, irei mencionar as instruções de tradução recebidas e vários aspetos intrinsecamente relacionados com a produção de documentação multilinguística, nomeadamente os fatores e agentes envolvidos na conceção da aplicação jurídica Trad-Iure.

1.6 Translation brief

Para que qualquer tradução seja bem-sucedida, é fundamental que sejam fornecidas “instruções” de tradução precisas, já que «[s]omeone who translates undertakes to do so as a matter of deliberate choice […] or because he is required to do so […]; in both cases, that is, one acts in accordance with a “commission” […] without giving away freely to every particular impulse» (Vermeer, 1989: 234-236). Traduz-se com um propósito determinado, o que não implica que o critério do tradutor seja necessariamente o critério decisivo com que o produto

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19 final de tradução é levado a cabo. Não obstante, a existência de instruções de tradução pressupõe que, ao longo do processo, o tradutor irá tomar as decisões que considerar necessárias de modo a alcançar o objetivo com que a tradução é encomendada. As instruções de tradução são uma identificação mais ou menos explícita da situação comunicativa da cultura de chegada e atuam sobre o tradutor como linhas-mestras, influenciando-o mesmo antes de ter acesso ao texto de partida: «his reception will inevitably be influenced by this knowledge, even though he may do his best to approach the text in an unbiased way as possible» (Nord, 1991: 11). Assim sendo, logo desde a leitura inicial, um bom profissional deverá fazer um levantamento dos problemas de tradução que terá de enfrentar, tendo em conta as instruções (e limitações) impostas; daí ser imperativo a existência destas instruções. Infelizmente, continua a verificar-se que, na generalidade dos casos, este elemento é desvalorizado pelo cliente: «Unfortunately, practices regarding translation briefs or instructions for producing the translation are far from consistent and frequently problematic» (Byrne, 2006: 14). Nestes casos, o tradutor terá de tomar as diligências necessárias para obter instruções precisas e “sensibilizar” o cliente para o futuro, já que este elemento pode fazer a diferença entre o sucesso e o insucesso de uma tradução. No nosso caso, foram-nos fornecidas instruções de tradução específicas (ainda que referentes a questões estruturais), cujos principais requisitos passo a mencionar, já que influenciaram consideravelmente as decisões de tradução discutidas mais à frente:

1. Identificação da quantidade de termos que cada estagiária deveria traduzir; 2. Traduzir de inglês (e, quando disponível, francês e inglês) para português; 3. Cada célula deve ter apenas um termo equivalente em cada língua;

4. Se forem encontradas novas soluções de tradução para a entrada, deve-se introduzir o termo de partida (isto é, toda a linha correspondente à célula) e o novo termo equivalente encontrado na nova folha criada, em vez de se adicionar uma nova linha à folha inicial;

5. Dar primazia à qualidade e não à quantidade de termos traduzidos, optando idealmente por termos consagrados;

6. Dar atenção à formatação, tendo em atenção erros e gralhas.

1.7 Circunstâncias e agentes envolvidos na produção de documentação

multilinguística

Nesta secção irei caracterizar as circunstâncias práticas e os agentes envolvidos na produção de documentação multilinguística. Para isso irei adaptar a proposta defendida por

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20 Byrne (2006) ao projeto Trad-Iure. Apesar de o autor defender que é incorreto conceber a tradução especializada como um sinónimo de tradução técnica, considera várias entidades envolvidas na produção de documentação multilinguística (no contexto da tradução técnica) que podem ser mencionadas para análise do objeto de estudo. Segundo ele, a produção de tradução técnica (e especializada) não implica apenas o autor, o tradutor e o leitor, existindo um conjunto de entidades que influenciam o produto final. Neste processo, que é a tradução, o tradutor inicia a sua tarefa in media res, ou seja, o processo de tradução é já o culminar de todo um conjunto de fases que se realizam previamente e que são levadas a cabo por diversos agentes, a começar pelo iniciador do projeto, no original «Document Initiator» (Byrne, 2006: 12).

O iniciador do projeto, «the entity responsible for the production of the original source language document» (ibid.), engloba um conjunto de instituições estatais que disponibilizam glossários e outras ferramentas de terminologia jurídica nas suas páginas da Internet, de forma gratuita e universal. Verifica-se cada vez mais a crescente importância que os Estados democráticos têm dado à transparência e facilidade de acesso à legislação e à justiça — fenómeno que se manifesta, por exemplo, através da disponibilização de informação com recurso a linguagem mais simples e, portanto, de compreensão mais fácil e eficaz por parte do cidadão—, ou não fosse o séc. XXI o século da sociedade da informação e da cidadania digital. O Ministério da Justiça do Reino Unido e o Ministério dos Negócios Estrangeiros do Reino da Bélgica, cujas ações se exercem maioritariamente a nível intralinguístico, são exemplo de instituições com este tipo de preocupação. Outras instituições, como o Governo do Canadá e a própria União Europeia, desenvolvem projetos interlinguísticos com vista à promoção e defesa da pluralidade linguística e étnica das sociedades que representam.

O autor menciona um segundo interveniente, o produtor textual, que é instruído pelo iniciador do projeto para produzir o documento. Ao contrário do que acontece na produção de texto literário, jornalístico ou filosófico, no caso da produção de texto técnico e especializado, é muito raro que o produtor textual ou o tradutor sejam identificados pela autoria do seu trabalho, tendo sim como “cabeça-de-cartaz” a entidade iniciadora do projeto ou a entidade iniciadora da tradução, que promove a criação do documento. É também bastante raro que neste tipo de tradução o tradutor tenha acesso ao autor (produtor textual), como mais facilmente acontece na tradução de “textos humanísticos”, uma vez que «[t]he completed document is returned to the Document Initiator and distributed to customers» (ibid.).

O iniciador da tradução, «the person or entity responsible for starting the translation process» é outro dos agentes envolvidos no processo de tradução multilinguística (ibid.). Se, por um lado, é necessário a existência prévia de corpora que permitam construir um acervo deste tipo, em contrapartida, o impulsionamento do projeto de tradução depende, efetivamente, do

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21 iniciador da tradução. No caso da base de dados com que trabalhei, podem-se identificar duas entidades principais como iniciadoras da tradução: o DAJ e a INCM. Esta última é uma sociedade anónima de capitais públicos, que, tal como o nome (acima apresentado como sigla) indica, resultou da fusão entre a Imprensa Nacional (IN) e a Casa da Moeda (CM) em 1972. Esta fusão traduz-se nas várias vertentes da instituição, que aposta em duas grandes áreas: a cunhagem de moedas e a autenticação de artefactos de metais preciosos, por um lado; e a edição de certas publicações oficiais, entre os quais o DRE, por outro lado. Assim, em última instância, a INCM tem a seu cargo a tarefa de transmitir o património bibliográfico da língua portuguesa entre gerações.

O DRE é o diário oficial do Estado Português, no qual são publicados os atos normativos e jurisdicionais, sendo também o canal pelo qual o projeto Trad-Iure é disponibilizado ao público. O novo portal do DRE, que conjuga toda a informação contida nas plataformas do DRE e do DIGESTO (Sistema Integrado para o Tratamento da Informação Jurídica) numa nova plataforma com mais capacidade e potencialidades surgiu em setembro de 2018. Segundo dados do Governo, a média de visitas mensais ao dre.pt passou de 692.000 (em 2016) para 1.025.000 (em 2017) e 1.342.000 (em 2018).5 Este aumento de visitas pode estar também relacionado com o lançamento de um dicionário de conceitos jurídicos (Lexionário),6 que conta já com 280 entradas, e com a disponibilização do tradutor de termos jurídicos Trad-Iure. Esta nova plataforma «procura responder às necessidades da nova geração de utentes, que utiliza regularmente as tecnologias da informação e comunicação e está disponível para se relacionar com o ordenamento jurídico de formas menos convencionais, em qualquer lado e a qualquer hora». Mais do que desenvolver o lado quantitativo do acervo vocabular, ambos os projetos visam ser fontes de informação de grande fiabilidade, de acesso universal e gratuito, facilitando o acesso à Justiça, para que “o todo possa ser de todos”.

Por último, menciono o tradutor, «responsible for producing a foreign language version of the original document» (Byrne, 2006:12). O DAJ e a INCM dispõem de tradutores in-house. Uma das grandes vantagens da tradução in-house, relativamente à tradução freelance, é que normalmente o tradutor in-house tem acesso mais facilitado a materiais internos à instituição, como por exemplo a traduções previamente feitas e aprovadas pela instituição e a outros documentos pertinentes, bem como a especialistas da própria instituição, neste caso, juristas do DIP e do DIN. No meu caso, devo admitir que a consulta de especialistas da área do Direito foi fundamental para esclarecer dúvidas de tradução relacionadas com as implicações legais de determinados termos jurídicos.

5

In www.portugal.gov.pt/download-ficheiros/ficheiro.aspx?v=69600fb9-2055-450d-8f4a-469ed3360715 (consultado a 04-06-2019).

6

(22)

22

2. ALGUMAS QUESTÕES TEÓRICAS

Neste capítulo, irei abordar algumas questões pertinentes para enquadrar os problemas específicos de tradução – e bem assim de codificação da informação – sentidos ao longo da colaboração no projeto da base de dados terminológica do DAJ. As decisões de tradução, mas especialmente de codificação da informação, sugeridas ao longo do terceiro capítulo, que têm em conta as questões aqui discutidas, incidem sobretudo em alterações ao nível da reestruturação do documento ms-excel e, quando aplicadas, terão consequências práticas na disponibilização da informação na ferramenta jurídica de acesso ao público, no sentido de a tornar mais user friendly. Estas sugestões são perspetivadas com um sentido crítico, mas construtivo.

De modo a enquadrar o leitor relativamente à linha de pensamento seguida nesta reflexão, há que abordar uma série de questões e fatores apresentados segundo uma lógica própria. Em Human Rights in Translation (1999), Garre considera que o processo de tradução é influenciado por fatores distintos e que a abordagem selecionada pelo tradutor implica a seleção de determinados filtros aplicados ao processo de tradução: «These filters are not to be considered random or optional, but rather fundamental and decisive for the translation process and product and for the sucessful application of the translation as a text and a legal document within a legal system» (1999: 1). Desta forma, o trabalho realizado é considerado segundo três áreas, ou dimensões, distintas, mas interligadas por zonas de contacto, o que significa que as questões tratadas são perspetivadas dentro de apenas uma área, mas influenciam e são influenciadas por questões de outras áreas, não obedecendo a limites rígidos. A ilustração 1 representa as áreas abordadas que confluem no produto final de tradução:

Ilustração 1: Fatores que influenciam as escolhas do tradutor no processo de tradução e codificação da

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23

2.1 O texto jurídico

As normas de conduta que constituem o Direito são formuladas por cada Estado de acordo com fatores históricos, ideológicos, sociais e culturais, consoante as circunstâncias que as tornam necessárias e de acordo com a mentalidade e a sensibilidade dos indivíduos que constituem a sociedade. O Direito pode originar-se através da obediência natural a regras não escritas, mas tidas como costume num dado grupo social, ou pode materializar-se na Lei, isto é, em texto escrito, e é imprescindível para o normal funcionamento do sistema social como o conhecemos, enquanto sistema de regulação da ação e do comportamento, em suma, da vida em sociedade.

Segundo Borja Albi (2000), «legal texts are primarily texts, i.e. linguistic entities following the normal rules of language, and only at a second level may be different from texts from other areas of discourse due to the special situational factors affecting the formulation and application of the texts» (apud Engberg, 2013: 10). O texto do domínio jurídico engloba vários subgéneros distintos entre si, mas destaca-se dos outros tipos de texto pelas dificuldades e complexidade das questões que coloca ao nível da interpretação, da real aplicação no ordenamento jurídico e da tradução para outra língua. De seguida, passarei a enunciar algumas das características gerais que diferenciam o texto do domínio jurídico de outro tipo de textos, segundo Harvey (2002 apud Engberg, 2013: 9):

1. Legal discourse gives rise to legal effects.

Os textos do domínio jurídico apresentam características formais, seguindo regras e convenções específicas. Apesar de fazerem parte de um género textual heterogéneo, prototipicamente, os textos do domínio jurídico apresentam uma função imperativa e informativa, produzindo efeitos jurídicos e desempenhando funções específicas na jurisdição em que se inserem. Ao serem traduzidos e transpostos para uma língua e cultura de chegada com jurisdição diferente da de partida, os textos podem adquirir um valor meramente documental, não produzindo efeitos jurídicos diretos. No entanto, estes documentos podem servir de base para o debate e para a produção de legislação futura, influenciando indiretamente o contexto jurídico de chegada.

2. Law is a system-bound discipline.

Como foi referido anteriomente, o Direito pode ser definido como um sistema de normas de conduta que regulam a sociedade, sendo uma disciplina vinculada a ordenamentos jurídicos concretos. Os sistemas jurídicos são conjuntos de normas interrelacionadas, sendo

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24 diferenciados pelos seus princípios básicos. Quase todos os países do mundo inserem-se no espetro dos cinco sistemas jurídicos principais: romano-germânico (civil law), anglo-saxão (common law), consuetudinário (customary law), religioso (religious law) e híbridos (mixed or

pluralistic law). Existe ainda o direito internacional público (international law), que é um

sistema que regula a interação entre os sujeitos de direito internacional, ou seja, os Estados e as organizações internacionais.7 Espera-se que o tradutor jurídico – elemento mediador entre o texto de partida, redigido segundo as normas de um sistema jurídico concreto, e o público de chegada, inserido numa jurisdição por vezes completamente distinta – tenha conhecimentos alargados do Direito praticado no contexto de partida e de chegada, já que, para encontrar uma solução de tradução adequada, o tradutor tem inevitavelmente de comparar os diferentes sistemas jurídicos em causa. Brand (2009: 20) afirma que, «to make his comparison meaningful, the comparist needs to describe foreign law in ‘its particular coordinate system, […] according to the original sources, with its own instruments, spirit, and perspective’». Deste modo, o processo de tradução implica primeiramente a imersão no contexto do sistema jurídico de partida, analisando o termo no seu “habitat natural”, o que permite ponderar pontos de contacto e discrepâncias relativamente ao contexto jurídico de chegada, na procura da tão almejada solução de tradução.

3. Requirements on fidelity are higher than in other areas.

Em Estudos de Tradução, conceitos como a «fidelidade» (fidelity) e a «precisão» (accuracy) são utilizados enquanto pilares da disciplina, apesar da aura de vagueza que envolve o seu significado concreto. Em todas as áreas em que traduz, o tradutor deve ser fiel ao texto de partida, transpondo com precisão o conteúdo do texto para a língua de chegada. Ora, estas directrizes são de maior importância na tradução de texto jurídico do que, por exemplo, na tradução de texto literário, uma vez que este tipo de texto produz efeitos jurídicos concretos na jurisdição em que assenta. Sabendo o tradutor que o texto jurídico é alvo de intenso escrutíneo e interpretação por parte dos profissionais da área do Direito, mas também por parte do público em geral, este deve apresentar um texto que seja fiel ao texto de partida em todas as suas vertentes.

4. Legal texts are characterized by ambiguity and interpretation.

Apesar do cuidado com que são redigidos, os textos do domínio jurídico são uma fonte de constante debate e controvérsia devido à vagueza e ambiguidade que os envolvem. Apesar de

7

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25 este tipo de texto apresentar estruturas linguísticas bastante estáveis, que se repetem de forma mais ou menos invariável de documento para documento (do mesmo tipo), estas repetições não se tornam muito úteis para a interpretação, já que a formulação complexa do discurso, com recurso a frases longas e frequentemente sujeitas à alteração da ordem básica dos constituintes frásicos, «obscure[s] meaning, confuse[s] readers and generally make[s] the text less accessible» (Byrne, 2006: 86). A frequente alteração da ordem frásica, associada ao elevado grau de formalidade e ao recurso a latinismos e a arcaísmos, ilustra as marcas retóricas e prosódicas ainda presentes na linguagem jurídica. Seria de esperar que, dadas as implicações legais da aplicação do texto jurídico na vida dos cidadãos, este tipo de texto utilizasse linguagem simples e concisa. O que acontece é precisamente o contrário, sendo bastante comum o cidadão leigo sentir dificuldade em decifrar a linguagem jurídica pelas questões acima mencionadas. Aliás, no mundo anglófono, esta questão até originou a criação do termo

Legalese, para designar a linguagem formal e técnica com que este tipo de texto é redigido, e o

nascimento de um movimento opositor às suas complexidades, o Plain English.

2.1.1 Terminologia (jurídica)

Há tipos de linguagem que claramente não são associados às situações quotidianas e a linguagem jurídica é um deles. A linguagem jurídica, tal como outras linguagens de especialidade, opera num contexto específico e integra centralmente palavras (ou conjuntos de palavras) técnicas, que em Terminologia são denominadas de «termos» e que designam conceitos próprios de um determinado domínio de conhecimento: «The information in scientific and technical texts is encoded in terms or specialized knowledge units, which are access points to more complex knowledge structures» (Faber & Rodriguez, 2012: 9). Segundo o Manual of

Specialised Lexicography (Bergenholtz & Tarp, 1995), a maioria dos linguistas faz a distinção

entre LGP (Language for General Purposes) e LSP (Language for Special Purposes), ou seja, entre a linguagem geral, não especializada e usada no dia-a-dia, e a linguagem que é utilizada em domínios específicos. Embora, do ponto de vista da situação comunicativa, toda a produção de discurso utilize LGP, este manual propõe: «to dismiss altogehter the existence of LGP as a phenomenon in its own right, assuming instead that each usage is specific to a certain situation» (1995: 18). Assim sendo, cada situação comunicativa é única e requer configurações linguísticas específicas, selecionando em maior ou menor grau léxico especializado e léxico não-especializado.

Em linguagem especializada (LSP), um termo ou unidade terminológica distingue-se de um vocábulo da linguagem geral (LGP) pela «relación unívoca com el concepto especializado

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26 que designa (fenómeno denominado de monosemia)» (Pavel & Nolet, 2002: 20). Ainda segundo as autoras (2002: 18), cabe ao terminólogo o trabalho de

identificar los términos que designan los conceptos próprios de un campo temático, confirmar su uso mediante documentos de referencia precisos, describirlos com concisión distinguiendo el buen uso del uso incorrecto, y recomendar o desaconsejar ciertos usos a fin de facilitar una comunición exenta de ambiguidades.

A dificuldade, segundo Brand, é que, ao contrário de outros domínios do conhecimento em que os conceitos são os mesmos, variando apenas na maneira como são expressos nas diferentes línguas, na tradução de texto jurídico algumas unidades lexicais são “resistentes” à tradução, quer porque mudam de sentido consoante o contexto, e portanto admitem várias hipóteses de tradução, quer porque representam conceitos jurídicos únicos (2009: 23). Ao contrário das leis da Natureza, as leis do Direito, enquanto fruto das relações sociais, são uma conceção altamente cultural, circunscrita num espaço e tempo específicos:

Não se pode [...] esquecer que as leis jurídicas podem não ser aplicadas, ou não ser observadas em casos individuais ou até por toda a sociedade (desuso) e que o que numa época é considerado matéria jurídica, ou seja, conteúdo do Direito vigente, não o será necessariamente ou não o foi noutra época. O Direito positivo varia na mesma sociedade e no mesmo território através do tempo. Pode até ser diferente de região para região, na mesma época, do território considerado. Não há um conteúdo universal e intemporal do Direito: o que cabe na forma do jurídico tem de ser historicamente considerado consoante o tempo e o lugar (Caetano, 1981: 14).

Assim sendo, a terminologia utilizada em Direito (e noutras áreas relacionadas, como a Economia, as Finanças, a Política, etc.) advém de conhecimento ancorado no contexto histórico-social (Bergenholtz & Tarp, 1995: 60), daí que não seja suficiente perspetivar os problemas de tradução tendo em conta apenas o eixo da proximidade/distância linguística e o eixo da proximidade/distância cultural:

In culture-dependent knowledge, the subject-matter is culture-dependent, since historically and culturally it has developed its own specific features within delimited geographical areas. For this reason the subject-matter usually differs from country to country, from language community to language community.

Se, durante o processo de tradução, o tradutor tiver em conta apenas estes dois eixos, estará a ignorar um dos principais problemas da tradução jurídica, nomeadamente que as discrepâncias advindas da transferência de conhecimentos especializados entre a língua de partida e a língua de chegada podem levar à falta de designações adequadas para denominar um termo na língua de chegada: «in many cases, there is no one-to-one relation at word level between words in two legal languages from different legal systems» (Engberg, 2013: 12). Na

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27 tradução jurídica, consoante a motivação da encomenda de tradução, a terminologia pode ser agrupada segundo parâmetros distintos, e.g. por sistema jurídico, por país, por língua, etc.

Para além do conhecimento linguístico da língua estrangeira, obviamente necessário ao tradutor de qualquer área, o tradutor do domínio jurídico tem de possuir conhecimentos jurídicos sólidos «que moldem a sua aptidão e competência linguísticas à linguagem jurídica e lhe permitam descodificar esta última, para depois poder transpô-la, não só para outra língua, mas também, e principalmente, para a realidade de outro sistema jurídico» (Favila-Veira, 2012: 80). O tradutor deve conhecer bem as estruturas morfológicas, sintáticas e lexicais de forma a garantir o uso correto e uniforme dos termos documentados, e ainda, «what legal effects it is supposed to have, and how to achieve that legal effect in the other language» (Schroth, 1986: 56-56 apud Šarčević, 2000: 5).

2.2 Questões relacionadas com as obras de referência para questões

linguísticas (incluindo bases de dados terminológicas, do tipo do

Trad-Iure)

Nesta secção, que denominei inicialmente com o título genérico de «Questões relacionadas com o meio», agruparei uma série de questões – de tipos bastante diversos –, relacionadas com as obras de referência para questões linguísticas, nomeadamente dicionários e enciclopédias, por um lado, e glossários ou bases de dados terminológicas (com especial destaque para o Trad-Iure, com análises por vezes detalhadas desta ferramenta), por outro. Tentarei distinguir nos títulos das secções o âmbito de aplicação de cada questão para o trabalho em causa, que, como se verá, é muito variável (para qualquer obra de referência do plano linguístico, nuns casos; só para glossários/bases de dados, noutros casos).

2.2.1 Principais características das obras de referência para questões

linguísticas

As obras de referência para questões linguísticas (e.g. dicionários, enciclopédias e glossários ou bases de dados) são documentos em papel ou em formato eletrónico que contêm listas de itens de informação compiladas segundo um assunto específico. Muitas apresentam informação de carácter essencialmente informativo e utilitário, razão pela qual se podem

(28)

28 encontrar paralelismos entre elas e o texto técnico. Normalmente, como acontece no caso de manuais de instruções de um produto (o exemplo cliché no que ao texto técnico diz respeito), o leitor não pega num dicionário para o ler de fio a pavio. Irá, sim, selecionar e ler a(s) entrada(s) necessária(s) para obter a informação que deseja: «Here, the crucial factor is the fact that users are using the product to perform another task. The use of the product is secondary to a user’s true intention» (Byrne, 2006: 98).

Enquanto obras de referência, as ferramentas linguísticas acima mencionadas querem-se como recursos de extrema fiabilidade e afirmam-se como figuras normativas e de autoridade no plano linguístico. No caso dos dicionários, a própria palavra «suggests authority, scholarship, and precision» (Landau, 1989: 5). Desta forma, é expectável que as obras de referência sigam regras de estilo, que se traduzem quer em regras de formatação rígidas quer na atenção prestada à linguagem utilizada. Na tentativa de representar uma visão universal da informação contida nas obras de referência, pressupõe-se a utilização de linguagem denotativa e ausente de marcas de subjetividade. Claro que, enquanto produtos editoriais que funcionam num mercado livre, pode haver variações na qualidade técnica dos dicionários e enciclopédias, devendo o tradutor ter informação sobre aqueles aos quais é reconhecido – por exemplo, no meio académico – maior mérito e fiabilidade.

Na área terminológica, o recurso à informática permite melhorar significativamente a produtividade, qualidade e acessibilidade dos conteúdos: «Esta realidad se aplica especialmente al caso de los terminólogos que […] deben crear, actualizar y explotar grandes ficheros terminológicos informatizados concebidos para un gran número de usuários» (Pavel & Nolet, 2002: 20). As bases de dados terminológicas, também conhecidas como glossários de termos, são acervos digitais que contêm termos e as respetivas traduções e são específicos de uma área ou de uma empresa/cliente. Tal como os dicionários em papel, as bases de dados terminológicas podem ser mono ou multidireccionais. A diferença reside no facto de, normalmente, as bases terminológicas disponibilizarem apenas o termo de partida e os termos equivalentes nas outras línguas, ao passo que um verbete de dicionário abrange um espetro de informação mais alargado.

Normalmente concebidos em formato digital, os glossários terminológicos são, na sua maioria, projetos multilinguísticos, sendo ferramentas altamente versáteis e plurivalentes, já que podem ser personalizadas consoante as necessidades de quem as cria, através da adição de secções, também denominadas neste trabalho de «parâmetros» ou «campos», para codificar informação sobre domínio e subdomínio do conhecimento, descrição do conceito, fontes, termos relacionados, ficheiros multimédia e hiperligações, etc. Enquanto ferramentas que auxiliam e complementam o processo de tradução, as bases de dados terminológicas permitem

(29)

29 agilizar o processo de tradução e atingir resultados consistentes. Podem ser criadas de raiz, como no caso sob análise, ou ser fruto de traduções realizadas em programas de tradução assistida por computador em conjunto com programas de extração de terminologia. No caso do glossário jurídico, foi utilizada uma folha de cálculo em formato ms-excel, devido à capacidade do software na gestão dos dados e pesquisa de padrões. Este tipo de software permite a colaboração de vários profissionais, não só tradutores, bem como informáticos, que irão introduzir e codificar os dados no sistema front office, de acesso ao público.

2.2.2 Conhecimento linguístico versus conhecimento enciclopédico nas obras

de referência

Nesta secção, abordo as características das obras de referência tendo em conta o tipo de conhecimento que englobam. Tal como afirma Landau (1998), por norma o conhecimento incluído nos dicionários está relacionado com conhecimento linguístico, ao passo que o conhecimento presente nas enciclopédias remete para conhecimento extralinguístico.

A dictionary is a book that lists words in alphabetical order and describes their meaning. Modern dictionaries often include information about spelling, syllabication, pronunciation, etymology (word derivation), usage, synonyms, and grammar, and some illustrations as well. An encyclopedia is a collection of articles about every branch of knowledge. Although the articles are usually arranged alphabetically, and thought they often include definitions, their descriptions go far beyond the information given in a dictionary. (Landau, 1998: 5)

Ou seja, segundo Haiman (1979), os dicionários relacionam as palavras com outras palavras, ao passo que as enciclopédias relacionam as palavras com factos extralinguísticos.

(...) knowledge of language is distinct from knowledge of the world. Consequently, dictionaries of the ideal theoretical type must remain mute on the subject of cats, horses, and elephants beyond specifying their purely linguistic properties (ortography, pronunciation, etymology). (Haiman, 1979: 331)

Contudo, é difícil definir as linhas que separam o tipo de conhecimento a incluir em dicionários e em enciclopédias, já que «most lexicographers seem to be of the opinion that the difference is subtle and the boundaries fluid, and that it is often hard to pinpoint what should be regarded as linguistic or encyclopedic» (Svensén 2009: 289). Assim sendo, apesar de ser comum, para alguns autores é erróneo distinguir fundamentalmente dicionários de enciclopédias quanto ao tipo de conhecimento presente em cada tipo de obra, já que são raros os dicionários que lidam única e exclusivamente com conhecimento linguístico.

Imagem

Ilustração 1: Fatores que influenciam as escolhas do tradutor no processo de tradução e codificação da  informação, adaptado de Garre (1999)
Ilustração 3: Principais tipos de dicionários multilinguísticos, segundo Bergenholtz & Tarp (1995: 55)
Ilustração 4: Sugestão de redistribuição do termos em folhas de cálculo distintas, segundo uma língua de  partida e direção linguística de tradução única
Tabela 2: parâmetros de informação necessários à tradução para a língua estrangeira e a partir dela  (adaptado de Bergenholtz & Tarp, 1995: 24)
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