• Nenhum resultado encontrado

As Mulheres da Ilha das Caieiras: Relacionamento Interpessoal e Cooperação na Formação e Funcionamento de uma Cooperativa

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "As Mulheres da Ilha das Caieiras: Relacionamento Interpessoal e Cooperação na Formação e Funcionamento de uma Cooperativa"

Copied!
245
0
0

Texto

(1)

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

AS MULHERES DA ILHA DAS CAIEIRAS:

RELACIONAMENTO INTERPESSOAL E COOPERAÇÃO NA

FORMAÇÃO E FUNCIONAMENTO DE UMA COOPERATIVA

Raquel Ferreira Miranda

Vitória

2009

(2)

AS MULHERES DA ILHA DAS CAIEIRAS:

RELACIONAMENTO INTERPESSOAL E COOPERAÇÃO NA

FORMAÇÃO E FUNCIONAMENTO DE UMA COOPERATIVA

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor, sob orientação do Prof. Dr. Agnaldo Garcia.

UFES

(3)

Aos meus amados irmãos, Lídia e Rafael, pela presença constante, apoio e incentivo a cada passo e a cada conquista.

(4)

generoso, sempre disposto a transmitir de forma clara e competente os conhecimentos e direcionamentos que possibilitaram a realização deste projeto. Obrigada pelo apoio e paciência ao longo deste período. Que a nossa parceria possa continuar no desenvolvimento da pesquisa em relacionamento interpessoal.

À professora Íris Goulart, por quem tenho grande admiração, exemplo que tento seguir. Obrigada pela amizade, parceria e incentivo constante.

Às cooperadas pela disponibilidade e pela forma como se dispuseram a falar de suas trajetórias de vida, seus relacionamentos, propiciando a realização deste projeto.

Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFES pelos conhecimentos transmitidos, especialmente ao professor Paulo Menandro pelas contribuições na qualificação deste projeto.

À Flavia Vaz, amizade especial construída durante este período, e aos demais colegas da pós pela pequena, mas engrandecedora convivência.

Aos queridos amigos da UFV-Campus Rio Paranaíba, parceiros na construção desta nova etapa profissional.

À querida amiga Séfora pela carinhosa acolhida em Vila Velha.

À Maria Lúcia Fajóli pela disponibilidade, interesse em ajudar e pela extrema educação com que trata todos os alunos.

Á Capes e à Petrobrás que ajudaram a viabilizar minha estadia em Vitória.

À todos os que de diversas formas me ajudaram na concretização deste trabalho, fica aqui o registro de meu sincero agradecimento.

(5)

Programa de Pós-Graduação em Psicologia.

RESUMO

O relacionamento interpessoal nas organizações ainda é uma área pouco investigada. O presente trabalho teve como objetivo descrever e analisar aspectos dos relacionamentos interpessoais, com ênfase no processo de cooperação, entre as participantes de uma cooperativa de produção da Ilha das Caieiras, na cidade de Vitória, Espírito Santo, buscando compreender o desenvolvimento histórico e a situação atual desses relacionamentos. Participaram da pesquisa 12 mulheres cooperadas. Os dados da pesquisa foram obtidos por meio de entrevistas semi-estruturadas com as participantes e observação das instalações e da rotina de trabalho na cooperativa, de outubro de 2006 a maio de 2007. As entrevistas foram gravadas e transcritas e os dados de observação sobre o funcionamento da cooperativa, as atividades nela desenvolvidas e o relacionamento entre as cooperadas foram registrados em um diário de campo. A cooperativa estudada tem suas bases na tradição da culinária capixaba. Os dados foram analisados por análise de conteúdo e organizados de acordo com o referencial teórico de Robert Hinde. A discussão parte da caracterização dos relacionamentos, discutindo os tipos de relacionamento presentes: familiares, na comunidade e no trabalho, em seus aspectos históricos e contemporâneos, e algumas dimensões desses relacionamentos: cooperação, reciprocidade, confiança, comunicação, conflito e satisfação. Tendo como ponto focal os relacionamentos, foram discutidas suas relações com o ambiente físico (micro e macro ambiente), a estrutura sócio-cultural (incluindo as tradições culturais alimentares, as tradições ligadas ao trabalho e as tradições familiares), os grupos e a sociedade mais ampla. São destacados três pontos em relação ao histórico e à situação contemporânea dos relacionamentos: a) uma história de sobreposição de diferentes formas de relacionamento: familiar, comunitária e de trabalho; b) a transposição de padrões de relacionamento familiares e comunitários para as relações de trabalho; c) a necessidade de um amplo planejamento de treinamento para o desenvolvimento interpessoal e organizacional.

(6)

the Federal University of Espírito Santo.

ABSTRACT

The interpersonal relationship in the organizations is an under-researched field. Describing and analyzing the interpersonal relationship aspects is the aim of the present study; focusing the cooperation process among the actors of a cooperative based on Ilha das Caieiras in the city of Vitória, in the state of Espírito Santo in Brazil. Understanding the historical development and the current situation of interpersonal relationships is key. Twelve (12) women of the cooperative took part in this pool. The research data were collected during partially-structured interviews, during facilities visitation, work routine observation, between October 2006 and May 2007. The interviews were recorded and transcribed. The observation data on the cooperative work, on its activities and on the relation among cooperative members were registered on a field diary. The studied cooperative has its roots on the traditional cuisine of the state of Espírito Santo. The data were analyzed using content analysis and they were organized according to theoretical reference by Robert Hinde. It means that, the study starts off with the relationships characterization, examining the types of relationships such as: family related, in the community and at work, regarding their historical and current aspects and some relationship dimensions such as cooperation, reciprocity, trust, communication, conflict and satisfaction. The study focus on relationships, the connections between relationships and the physical environment (micro or macro), the social and cultural structure (including cuisine and cultural traditions, the traditions related to the work and the family traditions). The groups and the society as a whole were also described. Three major points are remarked regarding the history and the contemporary situation of the relationships: a) a history of overplacing different forms of relationships, family, community and at work; b) transposing relationship patterns from the family and community to the work relations; c) the need for a wide training plan to the interpersonal and organizational development.

(7)

INTRODUÇÃO...15

CAPÍTULO I...18

1. RELACIONAMENTO INTERPESSOAL...18

1.1 A PESQUISADO RELACIONAMENTO INTERPESSOAL – HISTÓRICO...18

1.2 ROBERT HINDE: UM REFERENCIAL EM RELACIONAMENTO INTERPESSOAL...21

1.3 COOPERAÇÃOE RELACIONAMENTO INTERPESSOAL...26

1.4 RELACIONAMENTO INTERPESSOALE ORGANIZAÇÕES...34

CAPÍTULO II...39

2. COOPERATIVISMO...39

2.1 HISTÓRICO DO COOPERATIVISMO...39

2.2 PRINCÍPIOS COOPERATIVISTASE RAMOSDO COOPERATIVISMO...47

2.3 O CENÁRIODO COOPERATIVISMONO BRASIL...53

CAPÍTULO III...63

3. GESTÃO E RELACIONAMENTO INTERPESSOAL NAS COOPERATIVAS..63

3.1 PROBLEMASNA GESTÃODE SISTEMAS COOPERATIVOS...64

3.2 RELACIONAMENTO INTERPESSOALE TRABALHO COOPERADO...70

3.3 RELACIONAMENTO INTERPESSOALE INTERORGANIZACIONAL...71

3.4 A TRANSFORMAÇÃODAS RELAÇÕES INTERPESSOAISNO ÂMBITODO TRABALHO COOPERADO – O PAPELDA PSICOLOGIA...73

RELACIONAMENTO INTERPESSOAL, COOPERAÇÃO E COOPERATIVA – UMA PROPOSTA DE INVESTIGAÇÃO – OBJETIVOS E JUSTIFICATIVA...76

(8)

4.2 PROCEDIMENTODE ANÁLISEDOS DADOS...82

CAPÍTULO V – RESULTADOS E DISCUSSÃO...85

5. CARACTERIZAÇÃO DO CONTEXTO...85

5.1. A ILHADAS CAIEIRAS...85

5.2 A COOPERATIVA...92

5.3 PARTICIPANTES...96

6. AS COOPERADAS: HISTÓRIAS DE VIDA...99

7. A COOPERATIVA: ASPECTOS HISTÓRICOS...119

7.1 A FORMAÇÃO DA COOPERATIVA...119

7.2 O RESTAURANTE...125

7.3 O IMPACTO DA COOPERATIVANA COMUNIDADEDA ILHA...128

8. A COOPERATIVA: ASPECTOS CONTEMPORÂNEOS...130

8.1 ROTINASDE TRABALHO...130

8.2 ESTRUTURA ADMINISTRATIVAE RENDIMENTO FINANCEIRO...136

9. RELACIONAMENTOS: UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA...142

9.1 RELAÇÕES FAMILIARES...142

9.2 RELAÇÕESNA COMUNIDADE...146

9.3 RELAÇÕESDE TRABALHO...148

10. RELACIONAMENTOS: UMA PERSPECTIVA CONTEMPORÂNEA...152

10.1 RELAÇÕES FAMILIARES...152

10.2 RELAÇÕESNA COMUNIDADE...154

(9)

11.1 A COOPERATIVAEA COOPERAÇÃONA PERCEPÇÃODAS COOPERADAS...157 11.2 SIMILARIDADEE RECIPROCIDADE...157 11.3 CONFIANÇA...157 11.4 COMUNICAÇÃO...157 11.5 CONFLITO INTERPESSOAL...157 11.6 SATISFAÇÃO...157

12. O AMBIENTE FÍSICO E OS RELACIONAMENTOS...157

12.1 MICRO-AMBIENTE...157

12.2 MACRO-AMBIENTE...157

13. SOCIEDADE, ESTRUTURA SÓCIO-CULTURAL E OS RELACIONAMENTOS...157

13.1 TRADIÇÕES CULTURAIS E TRABALHO...157

13.2 FAMÍLIAE TRADIÇÕES CULTURAIS...157

13.3 MÍDIAE TRADIÇÕES CULTURAIS...157

14. OS GRUPOS E OS RELACIONAMENTOS...157

15. RELACIONAMENTOS E COOPERATIVA: UMA SÍNTESE...157

15.1 A DIMENSÃO SÓCIO-CULTURAL: CONSTRUÇÃODO SISTEMA COOPERATIVO COMOUMA REORGANIZAÇÃODAS RELAÇÕES INTERPESSOAIS...157

15.2 A DIMENSÃO SÓCIO-CULTURAL E AMBIENTAL: A TRANSFERÊNCIADAS RELAÇÕES FAMILIARESEDE AMIZADE PARAO TRABALHO...157

15.3 A DIMENSÃO GRUPAL: ESTILODE LIDERANÇA E PROCESSO DECISÓRIO...157

(10)

CONSIDERAÇÕES FINAIS...157 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...157

(11)

Tabela 1: Números do Cooperativismo por Ramo de Atividade...61 Tabela 2: Números do Cooperativismo por Ramo de Atividade...62

(12)
(13)

Figura 1: Relações dialéticas entre níveis sucessivos de complexidade social...23 Figura 2: Bairros da Região 7...85

(14)

ACI Aliança Cooperativa Internacional

ANTEAG Associação Nacional de Trabalhadores de Empresas Autogestionárias e de Participação Acionária

OCA Organização das Cooperativas da América OCB Organização das Cooperativas Brasileiras

OCB/ES Organização das Cooperativas Brasileiras – regional Espírito Santo PRONAGER Programa de Geração de Emprego e Renda

(15)

INTRODUÇÃO

Nas últimas décadas, ocorreram importantes transformações no mundo do trabalho, como a tendência ao desaparecimento de empregos permanentes e o surgimento de novas tecnologias gerando profundas modificações nas relações trabalhistas. O trabalhador não-qualificado, já historicamente excluído, passou a ocupar uma posição ainda mais vulnerável frente à concentração de capital financeiro e ao desemprego. Neste cenário, não por acaso, ressurge o cooperativismo como uma alternativa de organização do trabalho, com o apoio do poder público, como uma possibilidade de geração de renda para a população mais pobre que não se encaixa no perfil de trabalhador exigido pelo mercado.

As cooperativas populares são, em geral, constituídas por pessoas que não conseguiram inserção no mercado formal de trabalho por falta de qualificação profissional e que necessitam de uma atividade geradora de renda para lhes restituir a condição de cidadã. Assim, os excluídos socialmente buscam uma atividade produtiva condizente com suas possibilidades e habilidades com o intuito de obter rendimento.

Diante destas dificuldades, algumas cooperativas passam longe dos preceitos cooperativistas, mantendo uma estratificação hierárquica rígida e relações de assalariamento como qualquer empresa. Neste caso, a designação de “cooperativa” serve tão somente para facilitar a supressão dos direitos trabalhistas. Assim, o trabalho cooperativo ressurge como uma alternativa frente à falta de opções de emprego e não como uma busca de autonomia no trabalho.

(16)

As relações interpessoais, foco principal deste estudo, são objeto de interesse das organizações por terem impacto no comprometimento, na satisfação, na produtividade do trabalhador, dentre outros Sua relevância é inquestionável, mas encontra-se pouca produção abordando esta temática no contexto organizacional, especialmente em organizações cooperativas. O presente estudo das relações interpessoais foi baseado no modelo proposto por Hinde (1997) que possibilitou uma compreensão da natureza e da dinâmica dos relacionamentos.

Este trabalho é fruto de uma pesquisa desenvolvida junto a uma cooperativa de produção localizada no município de Vitória, mais especificamente em uma região de baixa renda da cidade, a Ilha das Caieiras. Ao longo de oito meses foi estabelecido contato com as cooperadas e observou-se suas rotinas de trabalho, as relações interpessoais, a estrutura sócio-cultural e o ambiente em que estavam inseridas.

A cooperativa iniciou as atividades em 1999, sendo originalmente composta por 49 mulheres, identificadas como as desfiadeiras de siri da Ilha das Caieiras. Essas mulheres nunca haviam participado de um grupo cooperativo e estavam sem um trabalho formal, viviam, basicamente, do desfio de siri que faziam individualmente nas calçadas da Ilha. No momento da pesquisa, a atividade da cooperativa não era o desfio do siri, mas um restaurante de culinária típica capixaba, sediado em um local construído, às margens do mangue e cedido pela prefeitura de Vitória para uso das cooperadas.

Pretende-se, com este estudo, contribuir para a pluralidade da análise do tema cooperativismo, especialmente cooperativismo popular, buscando colaborar

(17)

na construção de caminhos alternativos para intervenção no campo e o debate sobre constituição destas organizações, em especial, a contribuição que o estudo dos relacionamentos interpessoais pode oferecer.

O trabalho está estruturado em três partes. Primeiramente, são apresentados alguns aspectos do cooperativismo, seu surgimento, princípios e desenvolvimento no Brasil. Seguem-se algumas considerações sobre as propostas de Robert Hinde para o estudo do relacionamento interpessoal, referencial teórico desta tese. Em seguida, apresenta-se uma revisão de pesquisas sobre relações interpessoais nas cooperativas, a justificativa e os objetivos da pesquisa. Na segunda parte, apresenta-se a metodologia utilizada para a coleta e a análise dos dados, bem como as características dos participantes e da organização estudada. Na terceira, são apresentados os resultados e a discussão dos dados. Por último, seguem as considerações finais e as referências bibliográficas que serviram de suporte teórico para o desenvolvimento deste trabalho.

(18)

CAPÍTULO I

1. RELACIONAMENTO INTERPESSOAL

Este capítulo faz uma introdução ao tema do relacionamento interpessoal. Dada extensão da área e o grande número de trabalhos publicados sobre o tema, os seguintes aspectos foram selecionados: a) um breve histórico sobre a pesquisa do relacionamento interpessoal; b) uma apresentação da obra de Robert Hinde relativa ao relacionamento interpessoal, autor que serve de referencial teórico para a presente pesquisa; c) sendo a cooperação um importante aspecto do relacionamento interpessoal na formação e consolidação das cooperativas, faz-se um breve item sobre cooperação e relacionamento Interpessoal. Finalmente, são apresentados alguns aspectos da pesquisa do relacionamento interpessoal nas organizações.

1.1 A Pesquisa do Relacionamento Interpessoal – Histórico

Reflexões sistemáticas sobre o relacionamento interpessoal remontam à Antiguidade. Aristóteles e Platão, no mundo grego antigo e Cícero, na antiguidade romana, são exemplos de pensadores que escreveram sobre relações humanas. A pesquisa em relacionamento interpessoal, contudo, como campo de investigação científica, teve um desenvolvimento expressivo nos últimos quarenta anos. Autores como Argyle, Sullivan, Heider foram pioneiros da área, representando contribuições de diferentes áreas do conhecimento ou de diferentes perspectivas teóricas. Henry Sullivan, por exemplo, era psiquiatra e sua

(19)

principal contribuição para a área foi sua obra sobre relacionamento interpessoal na psiquiatria. Fritz Heider foi fortemente influenciado pela Psicologia da Gestalt, e sua principal obra sobre o tema (Psicologia das Relações Interpessoais) foi publicada em 1958. Michel Argyle também exerceu um papel de destaque na história dos estudos sobre relacionamento interpessoal. A pesquisa do relacionamento interpessoal, como uma área de pesquisa, contudo, torna-se mais evidente com a criação de sociedades científicas internacionais, de periódicos científicos, de congressos reunindo autores ligados ao tema e interessados na construção de uma ciência específica dos relacionamentos interpessoais, ainda que, haja uma grande diversidade teórica e metodológica.

A pesquisa sobre relacionamento interpessoal, segundo Garcia (2005a), foi marcada pela contribuição de autores de diferentes disciplinas e orientações teóricas. Dentre eles destacam-se Steve Duck e Robert Hinde. Steve Duck teve participação importante na organização da International Society for the Study of

Personal Relationships (ISSPR), sociedade que tinha como principal objetivo

estimular e apoiar a pesquisa científica sobre relacionamentos interpessoais e aperfeiçoar a comunicação entre pesquisadores do tema fortalecendo o campo de Relacionamento Interpessoal dentro da comunidade acadêmica. Duck também esteve à frente da criação do primeiro periódico da área, no início da década de 1980, o Journal of Social and Personal Relationships. Em 1987, durante Conferência Internacional sobre Relacionamento Interpessoal, em Iowa, foi criada a International Network on Personal Relationships (INPR) com o objetivo de promover a colaboração interdisciplinar no estudo dos processos de relacionamento. A fusão dessas duas sociedades, em junho de 2002, deu origem

(20)

à International Association for Relationships Research – IARR (Associação Internacional de Pesquisa do Relacionamento), organização que se propõe a continuar o trabalho anteriormente desenvolvido pela ISSPR e INPR. A sociedade reúne atualmente cerca de 700 profissionais de 20 países.

Garcia (2005a, 2006) analisou as publicações e os temas abordados nas pesquisas sobre relacionamento interpessoal veiculadas pelas principais publicações internacionais especializadas (JSPR e PR). Entre os temas mais investigados estão o relacionamento romântico, o relacionamento familiar e as relações de amizade. Três aspectos, segundo o autor, se destacam como representativos do conteúdo dos estudos de relacionamento interpessoal: os participantes, as dimensões do relacionamento e o contexto. Com relação aos participantes, as principais propriedades estudadas são a idade, gênero, etnia e certos aspectos psicológicos. As dimensões do relacionamento mais investigadas nos estudos publicados nos principais periódicos são a comunicação, o apego, o compromisso, o perdão, a similaridade, a percepção interpessoal, o apoio social e emocional e o lado negativo do relacionamento – agressão, violência e ameaças ao relacionamento. O terceiro elemento marcante nos estudos de relacionamento é o contexto, representado por fatores ambientais, geográficos, ecológicos, sociais, culturais, econômicos, tecnológicos, entre outros.

Segundo Garcia (2006), há uma grande diferença na produção científica entre diferentes países da América do Sul. As publicações sobre relacionamento interpessoal são desigualmente distribuídas, sendo que Brasil, Argentina, Chile e Colômbia possuem uma produção nitidamente mais expressiva que os demais países sul-americanos.

(21)

1.2 Robert Hinde: Um Referencial em Relacionamento

Interpessoal

Robert Hinde é um dos autores contemporâneos que mais contribuiu para a tentativa de organização de uma “ciência do relacionamento interpessoal”. Apesar de o autor ter investigado e escrito sobre diferentes temas de pesquisa, seus principais textos sobre esta área de investigação foram publicados como livros (Hinde, 1979, 1987 e 1997). As publicações de Hinde sobre o tema apresentam dois pontos mais relevantes. Primeiramente, procura sistematizar a produção na área. Para tanto, organiza cerca de 1600 textos sobre o tema, produzidos especialmente nas décadas de 1970, 1980 e 1990. Em segundo lugar, e ainda mais importante, é a orientação teórica que Hinde propõe para os estudos na área influenciado pela Etologia Clássica, cujos principais autores a ela ligados, Konrad Lorenz, Niko Tinbergen e Karl von Frisch, foram laureados com o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina, em 1973. As propostas de Hinde para a organização de uma ciência do relacionamento interpessoal, em seus pontos fundamentais, representa uma aplicação de princípios da Etologia Clássica para esta nova área de investigação, em pleno desenvolvimento (Garcia, 2005).

A contribuição da Etologia Clássica para os estudos sobre relacionamento interpessoal (em particular de Konrad Lorenz, John Bowlby e Robert Hinde) foi discutida por Garcia (2005). Garcia e Ventorini (2005) também discutiram a contribuição da obra de Hinde para os estudos em Psicologia Organizacional. Segundo Garcia e Ventorini (2005), os princípios para uma “ciência dos relacionamentos” proposta por Hinde recebem a influência da Etologia Clássica e da teoria de sistemas. Da Etologia Clássica herdou a ênfase na descrição (base

(22)

descritiva) como um meio para compreender a dinâmica dos relacionamentos. A descrição é considerada a base para a teorização e a generalização. Os autores ainda mencionam como atitudes orientadoras da Etologia no estudo dos relacionamentos interpessoais a ênfase na descrição e classificação, análise e síntese dos resultados da análise, o mover-se entre níveis de complexidade e a ênfase na questão da função, evolução, desenvolvimento e causação, além do senso de humildade referente à diversidade da natureza.

De acordo com Hinde (1997), o relacionamento interpessoal faz parte de um sistema de relações com diferentes níveis de complexidade que afetam e são afetados uns pelos outros (partindo de processos fisiológicos, passando por interações, relacionamentos, grupos e sociedade) e ainda a estrutura sócio-cultural e ambiente físico (Figura 1).

(23)

Figura 1: Relações dialéticas entre níveis sucessivos de complexidade social (Hinde, 1997)

Segundo Garcia e Ventorini (2005), para organizar a área de pesquisa sobre relacionamento interpessoal, Hinde parte do conteúdo das interações, passando para a sua diversidade e qualidade. Discute ainda a reciprocidade e complementaridade, a intimidade, a percepção interpessoal e o compromisso, pois estas categorias ajudariam a organizar dados descritivos sobre relacionamentos.

A descrição dos relacionamentos envolve, em essência, a descrição das interações – conteúdo e qualidade, descrição das propriedades advindas da freqüência relativa e padronização da interação dentro do relacionamento e a descrição de propriedades mais ou menos comuns a todas as interações dentro do relacionamento. Insere a comunicação verbal e não-verbal como elementos importantes para a compreensão do relacionamento.

Garcia e Ventorini (2005) destacam ainda quatro estágios para o estudo dos relacionamentos, propostos por Hinde: a) descrição dos fenômenos; b) a

Estrutura Sócio-cultural Ambiente Físico Sociedade Grupo Relacionamento Interação Comportamento do Indivíduo Processos Psicológicos

(24)

discussão de processos subjacentes; c) o reconhecimento das limitações; e, d) re-síntese. Uma vez que relacionamentos são processos há considerável sobreposição entre esses estágios. Para Hinde (1997) a descrição de um relacionamento requer dados sobre o que os participantes fazem, pensam e sentem. Sugere que a descrição atinja os diversos níveis de complexidade, desde as interações, os relacionamentos e grupos.

Para Hinde (1997), há relacionamento se os indivíduos têm uma história comum de interações passadas e o curso da interação atual é influenciado por elas. Relacionamentos são definidos a partir de uma série de interações no tempo, entre indivíduos que se conhecem. Os mesmos fatores intervenientes nas interações também estão presentes nas relações. Atitudes, expectativas, intenções e emoções dos participantes são de fundamental importância. Por sua vez, os relacionamentos agrupados compõem uma rede, formando o grupo social. Hinde (1997) salienta que essas redes de relacionamentos — a família e o grupo da igreja, entre outros — podem sobrepor-se ou manter-se completamente separadas, comportando-se como grupos distintos, uns em face dos outros. Assim como nas interações e relacionamentos, cada grupo tanto influencia o ambiente físico e biológico em que está inserido como é influenciado por eles. O autor reconhece a existência de níveis distintos de complexidade no comportamento social. Cada um deles (interações, relacionamentos, grupos sociais) possui propriedades próprias. Por exemplo, algumas propriedades dos relacionamentos, tais como comprometimento e intimidade, dificilmente se aplicam às interações isoladas.

(25)

Além de considerar as diferenças entre esses níveis, Hinde (1997) ressalta que é preciso vê-los não como entidades estanques, mas como processos que se inter-relacionam e se influenciam mutuamente. A natureza de uma interação ou de um relacionamento depende de ambos os participantes, do comportamento que os indivíduos manifestam em cada interação, da natureza do relacionamento, a qual é influenciada pelo tipo de grupo a que está relacionada. Assim, cada um desses níveis não somente influenciam o ambiente físico e a estrutura sócio-cultural (idéias, mitos, valores, crenças, costumes e instituições), como também são modificados por eles.

Nessa perspectiva, os termos relacionamento diádico e relacionamento interpessoal são utilizados para referir-se a uma seqüência real de interações entre duas pessoas no tempo ou a uma seqüência potencial de interações entre duas pessoas que já interagiram no passado. No nível comportamental, um relacionamento envolve uma série de interações entre indivíduos que se conhecem. Assim, a descrição de uma interação refere-se ao conteúdo do comportamento apresentado (o que fazem juntos), à qualidade do comportamento (de que forma é feito) e à padronização (freqüência absoluta e relativa) das interações que o compõem. Algumas das mais importantes características dos relacionamentos dependem de fatores afetivos/cognitivos, que também devem ser considerados na descrição (Hinde, 1997).

De acordo com Hinde (2001), o pleno entendimento das relações exige um enfoque não somente no relacionamento, mas também no nível individual, com os participantes. O curso de um relacionamento depende, em grande medida, das características psicológicas de ambos os participantes. Portanto, a formação e as

(26)

mudanças nos relacionamentos envolvem características pessoais dos participantes como expectativas, posicionamento quanto a normas culturais, sociais e organizacionais, auto-conceito, auto-estima, valores religiosos, habilidades de comunicação, dentre outras.

1.3 Cooperação e Relacionamento Interpessoal

A palavra cooperação, etimologicamente, é originária do verbo latino cooperari, de cum e operari = operar juntamente com alguém (Pinho, 1966), ou seja, é a prestação de auxílio objetivando um fim comum. E no ambiente organizacional trata-se da associação de pessoas que, com base em seus próprios esforços e ajuda mútua organizam e administram uma empresa com o objetivo de proporcionar serviços que satisfaçam suas necessidades, sujeitando-se ao efeito de princípios cooperativos ou normas de funcionamento (Correia & Moura, 2001).

A cooperação é um conceito, de certa forma, ambíguo que permite múltiplos usos. É usado para definir ações, relações entre indivíduos, ou como um conceito de organização institucional. Em princípio é entendida como uma ação consciente e combinada entre indivíduos ou grupos associativos com vista a um determinado fim (Frantz, 2001). Assim, para este autor, pode-se definir a cooperação como um processo social, embasado em relações associativas, na interação humana, pela qual um grupo de pessoas busca encontrar respostas e soluções para seus problemas comuns, realizar objetivos comuns e busca produzir resultados, através de empreendimentos coletivos com interesses comuns.

(27)

Hinde e Groebel (1991), na obra Cooperation and Prosocial Behaviour, situam a cooperação, a confiança e o altruísmo entre as maiores virtudes humanas, enfatizando, em suas análises, as perspectivas da biologia e da psicologia social. De acordo com os autores, usa-se o termo cooperação para referir-se às ocasiões nas quais dois ou mais indivíduos, mutuamente, melhorem as possibilidades de outros alcançarem um objetivo, sendo mais provável que cooperadores recebam benefícios de atos cooperativos dos outros que os não cooperadores. Ressaltam ainda que a cooperação tende a acontecer primordialmente em pequenos grupos, mas encontramos na literatura estudos que têm sido realizados buscando discutir como a cooperação pode ser mantida em grandes grupos (Messick & Liebrand, 1995; Buskens & Snijders, 1997).

As organizações tem sido descritas como um conjunto de recursos pelos quais indivíduos e grupos competem e quando os recursos são abundantes e suficientes para satisfazer as necessidades de cada membro, os conflitos sobre os recursos serão provavelmente menores. Entretanto, se os recursos tornam-se escassos, os indivíduos podem perceber uma disjunção entre seus interesses e aqueles de outros membros da organização. Esta situação pode levar para a competição intragrupo e o conflito que impacta negativamente o funcionamento organizacional. Pesquisadores sugerem que o incremento da escassez tende a diminuir a cooperação encorajando os indivíduos a maximizarem seus próprios resultados (Aquino, 1998).

Aquino (1998) propõe que os efeitos da escassez sobre o comportamento intragrupo sejam moderados por dois fatores: a) a habilidade dos membros do grupo para comunicação, e b) o acesso ao recurso dentro do grupo. Hijzen,

(28)

Boekaerts e Vedder (2006) ressaltam que é crucial que os indivíduos aprendam a ouvir um ao outro, a dialogar, a apoiar os membros, a dar opinião ou solucionar conflitos de grupo para que o grupo se desenvolva. De acordo com Aquino, Steisel e Kay (1992), a cooperação é maior quando os recursos são distribuídos igualmente, por promoverem sentimentos de harmonia e responsabilidade social no grupo. Distribuição desigual, por outro lado, promove individualismo e competitividade. Tais motivações são provavelmente intensificadas durante períodos de extrema escassez levando a grande conflito e competição por recursos (Booth, 1984; Wade, 1987). Entretanto, outras pesquisas não têm encontrado evidências significativas de que a distribuição dos recursos no grupo afete a cooperação (Samuleson & Messik, 1986).

Na literatura, muitos dos estudos sobre cooperação estão baseados em um contexto de dilema social. Segundo Parks (2000), um dilema social pode ser definido como uma situação na qual um grupo de pessoas pode decidir entre maximizar interesses próprios ou coletivos. Os pesquisadores geralmente pedem aos participantes que optem por uma escolha cooperativa ou outra não cooperativa (Hopthrow & Hulbert, 2005). De acordo com Parks (2000), os estudos apontam para a importância do cuidado na escolha do esquema de recompensa para a cooperação.

Várias explicações têm sido propostas para explicar o impacto que a comunicação dentro do grupo tem sobre a escolha cooperativa (Kerr & Kaufman-Gilliland, 1994; Cotterell, Eisenberger & Speicher, 1992; Isaac & Walker, 1988): a comunicação pode (a) facilitar a compreensão das regras, (b) promover a coordenação de ações cooperativas, (c) alterar as expectativas que os outros têm

(29)

do comportamento, (d) aumentar as normas gerais de benevolência, (e) criar normas sociais locais de cooperação, (f) humanizar os membros do grupo, (g) promover a solidariedade no grupo, (h) facilitar a coordenação das ações para obter bom público, e (i) ter conseqüências na confiança/comprometimento para cooperação mútua.

Dovidio, Gaertner e Kawakami (2003) enfocam o impacto que o estabelecimento de relações competitivas ou cooperativas exerce sobre a geração de conflitos, apontando que relações competitivas entre grupos podem gerar sentimentos mutuamente negativos e estereótipos para os membros do grupo. Ao contrário, relação cooperativamente interdependente entre membros de diferentes grupos pode reduzir conflitos. Segundo Harrisson e Laplante (2001), a cooperação entre colegas de trabalho torna a tarefa e sua execução mais fáceis reduzindo a dificuldade do trabalho.

Pesquisa de Parks, Sanna e Posey (2003) demonstrou que, apesar da escolha cooperativa ser normalmente motivada por um desejo de todos ao benefício, à não cooperação, às vezes, é motivada por ganância e, por vezes, por medo, quer de nada receber por esforços ou de ser explorado.

Segundo Jehn e Shah (1997), a cooperação ajuda o desempenho de um outro membro do grupo ou contribui para facilitar como os membros do grupo coordenam seus esforços. A cooperação inclui os membros que ajudam a um outro nas tarefas e participam no comportamento mutuamente benéfico. Estes autores propõem que a cooperação é maior em grupos de amigos do que em grupos de conhecidos por causa das diferenças em trocas sociais.

(30)

A visão de um mundo pacífico está baseada na cooperação em oposição à competição (Bonta, 1997). Competição, cooperação e individualismo são conceitos interligados e definidos como três tipos de estruturas objetivas (Bonta, 1997; Johnson, Maruyama, Johnson, Nelson & Skon, 1981): estruturas do competidor, nas quais a realização de objetivos interligados é correlacionada negativamente entre pessoas diferentes; estruturas cooperativas, nas quais há uma correlação positiva para as pessoas cujos objetivos interligados são alcançados; e estruturas individualistas, em que objetivos não são ligados ao todo. Johnson e Johnson (1983) sumarizaram estes conceitos em termos diretos: os competidores alcançam seus objetivos somente quando outros participantes não o fazem; os cooperadores alcançam seus objetivos somente quando outros participantes também o fazem; e, os individualistas alcançam seus objetivos sem afetar a consecução dos objetivos de outros.

Bay-Hinitz, Peterson e Quilitch (1994) demonstraram que quando crianças jogam jogos cooperativos suas agressões diminuem e os comportamentos cooperativos aumentam. Inversamente, quando jogam jogos de competição há um aumento de comportamentos agressivos e os comportamentos cooperativos diminuem.

De acordo com Boyd e Richerson (1991), a reciprocidade é outra importante fonte de interação social. Neste caso, os cooperadores agem de forma diferenciada baseados em comportamentos prévios dos outros – eu coopero com você somente se você cooperou em momento anteriores. Se indivíduos comumente empregam algumas de tais regras, a interação cooperativa entre reciprocadores persistirá enquanto interações de não reciprocadores e não

(31)

cooperadores cessará logo. Reciprocadores são mais prováveis de receber benefícios de atos cooperativos dos outros do que os não-cooperadores. Trabalhos teóricos sugerem que reciprocidade pode facilmente conduzir à evolução da cooperação, mas somente em pequenos grupos.

A cooperação também pode ser afetada pela identidade do grupo (Kerr & Kaufman-Gilliland, 1994; Orbell, Van De Kragt & Dawes, 1988). Esse fator pode estabelecer e, conseqüentemente, aumentar a resposta cooperativa na falta de alguma expectativa de reciprocidade futura, recompensas ou punições atuais. Além disso, essa identidade opera independentemente das ordens da consciência. A cooperação intergrupo também tem sido objeto de pesquisas (Gaertner, Dovidio, Rust, Nier, Banker & Ward, 1999; Worchel & Norvell, 1980).

Vugt e De Cremer (1999) relatam dois estudos experimentais sobre o papel da identificação grupal na seleção e cooperação com os líderes para administrar conflitos. De Cremer e Van Knippenberg, (2002) ressaltam que os achados da literatura sobre liderança carismática e cooperação mostram que líderes percebidos como carismáticos podem promover a cooperação porque eles motivam os outros a continuar com o grupo ou com interesse organizacional. Percebe-se que as ações coletivas fortalecem o sentimento de "pertença" e solidificam os vínculos comunitários, permitindo a elaboração e o engajamento conjunto em projetos locais (Nasciutti, Dutra, Matta & Lima, 2003). Dessa maneira, projetos de ação comunitária podem se revelar como riquíssimos elementos de construção de cidadania, de resgate da auto-estima, de conscientização, em última análise, do lugar que cada ator ocupa no mundo social.

(32)

A organização da cooperação, em seus aspectos práticos, exige de seus sujeitos e atores a comunicação de interesses, de objetivos e práticas, a respeito do qual precisam falar, argumentar e decidir como partícipes de um projeto comum. Assim, criam as condições necessárias para a socialização de conhecimentos e de experiências, necessárias para a cooperação. As organizações cooperativas são fenômenos complexos que nascem da articulação e da associação de indivíduos que se identificam por interesses ou necessidades, buscando o seu fortalecimento pela organização e instrumentalização, com vistas a objetivos e resultados, normalmente, de ordem econômica. A cooperação é um acordo racional de interesses e necessidades frente à produção e distribuição de bens e riquezas. Porém o cooperativismo, por isso mesmo, como prática social educativa, cultural e política, tem a característica de incorporar esses elementos ao seu sentido econômico (Frantz, 2001).

De acordo com Palmieri (2004) na psicologia, em especial na psicologia do desenvolvimento, a discussão teórica e conceitual da cooperação e competição vem sendo considerada no nível das ações ou comportamentos observáveis, isto é, estudos têm sido realizados para investigar a ocorrência de comportamentos caracterizados como pró ou anti-sociais. Para a maioria dos autores, comportamentos pró-sociais são aqueles que representam ações ou atividades consideradas como socialmente positivas, visando atender às necessidades e ao bem-estar de outras pessoas, como, por exemplo, o altruísmo, a generosidade, a cooperação, os sentimentos de empatia e simpatia, etc. Por outro lado, comportamentos anti-sociais incluem ações ou atividades consideradas como socialmente negativas, voltadas, por exemplo, à destruição ou ao prejuízo de

(33)

outras pessoas, e relacionadas a comportamentos egoístas, competitivos, hostis e agressivos.

Para Edwards (1991), a cooperação e a competição constituem aspectos de um mesmo fenômeno relacional, a depender do contexto e do valor adaptativo de cada tipo de ação. Para o autor, ambos os comportamentos estão a serviço de objetivos individuais que vão sendo constituídos em contextos grupais determinados, que ora favorecem a cooperação, ora a competição. Desta forma, o indivíduo estará sempre maximizando suas possibilidades de adaptação ao ambiente, caracterizado por uma cultura ou situação específica. É assim que a vivência de situações cooperativas pode favorecer a expressão de comportamentos de natureza pró-social, conduzindo o indivíduo a se relacionar positivamente em relação às necessidades e bem-estar de outras pessoas, da mesma forma que contextos competitivos convidam os indivíduos à hostilidade e à agressão.

Segundo Danheiser e Graziano (1982), Deustch, em artigo publicado em 1949, definiu a cooperação como o contexto interativo em que as ações de um participante favorecem o alcance do objetivo de ambos, sendo a competição caracterizada como a busca de objetivos mutuamente exclusivos, ou seja, quanto mais um indivíduo se aproxima de seu objetivo, mais o outro se afasta da possibilidade de alcançar o seu.

Além disso, Deutsch (1949, citado por Danheiser & Graziano, 1982) destaca que normas e regras de natureza cooperativa e competitiva estabelecidas por um grupo social podem ser estruturadas dentro de um único contexto complexo, o qual organiza diferentes situações de relacionamento entre os

(34)

indivíduos. Este seria o caso, por exemplo, da cooperação intragrupo associada à competição intergrupo. A análise de Deutsch (1949) contribui, particularmente, para chamar a atenção para a importância do contexto, com suas regras e expectativas sociais.

Em se tratando da análise de padrões culturais marcados pelo individualismo e pelo coletivismo, encontramos nos estudos de Triandis (1991) a cooperação entendida como um dos atributos característicos de grupos sociais coletivistas, onde a motivação individual sistematicamente se refere ao grupo de pertencimento constituído pela família, tribo, ou nação. Já nas culturas por ele classificadas como individualistas, as pessoas tenderiam mais à competição e à defesa de seus interesses particulares.

1.4 Relacionamento Interpessoal e Organizações

De acordo com Garcia (2005a) o tema do relacionamento em ambiente organizacional representa uma proporção muito pequena dos estudos publicados em revistas internacionais especializadas sobre relacionamento interpessoal.

As obras sobre relacionamento interpessoal, adotadas em cursos de Administração, não refletem a situação contemporânea da área (e.g. Minicucci, 2001; Moscovici, 1997). Um panorama mais amplo dos estudos sobre relacionamento interpessoal nas organizações surge nos periódicos internacionais de Psicologia Organizacional. Diferentes aspectos do relacionamento interpessoal, conforme organizados por Hinde (1997), estão presentes nessas publicações. Por exemplo, várias publicações têm abordado similaridade, diferença, reciprocidade e complementaridade. Entre estas, estão pesquisa sobre

(35)

diferenças de idade e seus efeitos na relação supervisor-subordinado (Perry, Kulik & Zhou, 1999; Finkelstein, Allen & Rhoton, 2003), sobre similaridade e complementaridade entre colegas (Tett & Murphy, 2002), sobre os efeitos da similaridade na percepção e na avaliação (Strauss, Barrick & Connerley, 2001), sobre os efeitos da similaridade com colegas e clientes no desempenho (Leonard, Levine & Joshi, 2004), sobre o papel da dissimilaridade entre supervisor e subordinado (Duffy & Ferrier, 2003) e sua influência no local de trabalho.

Outros temas também são discutidos, como o conflito e sua resolução (Smith, Hamington & Neck, 2000; Pelled, Xin & Weiss, 2001; Yang & Mossholder, 2004) e relações de poder (Garcia, 2002; Morand, 2000). A percepção interpessoal tem sido investigada ao lado de outros fatores, como a comunicação (Thorsteinson & Balzer, 1999), a influência de relacionamento afetivo para a percepção e a avaliação do outro (Lefkowitz, 2000). Ainda abordam as discrepâncias nas percepções no ambiente de trabalho (Becker, Ayman & Korabik, 2002) e a avaliação de chefe, colega e subordinado que, em última análise, reflete o produto de percepção (Furnham, 2002). Da mesma forma, os estudos sobre satisfação, também envolvem outras dimensões, como inovação no trabalho (Janssen, 2003) e lealdade direcionada ao supervisor (Chen, 2001).

Como influências devidas a características individuais e influências sociais, podem ser citadas as influências do contexto nas trocas entre líder e membro (Coglieser & Schriesheim, 2000), os efeitos da personalidade do supervisor nas atitudes do subordinado (Smith & Canger, 2004), efeitos do estilo cognitivo sobre a troca entre líder e membro (Allinson, Armstrong & Hayes, 2001), e, a influência de gênero no relacionamento patrão-empregado (Adebayo & Udebge, 2004).

(36)

Entre as etapas de relacionamento, as iniciais costumam receber maior ênfase, como a afiliação ou o ajustamento de novos funcionários (Cooper-Thomas & Anderson, 2002), as entrevistas com candidatos (Lievens & Paepe, 2004; Silvester, Anderson-Gough, Anderson & Mohamed, 2002).

Liderança é outro ponto largamente investigado nas organizações, sendo, contudo, mais um fenômeno de grupo que um relacionamento interpessoal. Contudo, aspectos tipicamente investigados nas relações interpessoais têm sido aplicados à liderança. Berson, Dan & Yammarino (2006), por exemplo, abordaram o estilo de apego e as diferenças individuais na percepção e emergência da liderança. Adultos seguros mostram mais segurança no trabalho e valorizam mais os relacionamentos, com os quais mostram alta satisfação, confiança, comprometimento e interdependência em relação aos outros. Estes autores ainda argumentam que indivíduos com apego seguro – que mostram mais confiança são os que mais ajudam aos outros, e tendem a ser independentes e confiáveis – são capazes de negociar um papel de liderança melhor do que indivíduos inseguros, que também preferem evitar a interação social ou tendem a engajar no conflito disfuncional.

Outros temas encontrados nestas publicações nos remetem a temas clássicos da pesquisa sobre relacionamento interpessoal, como apego e saúde (Joplin, Nelson & Quick, 1999), relacionamento romântico (Foley & Powell, 1999), agressividade (Greenberg & Barling, 1999; Grandey, Dickter & Sin, 2004), competição (Kahalas, 2001), e, emoções (Fitness, 2000). O apoio social tem sido investigado em sua relação com a percepção interpessoal (Kennedy, Homant & Homant, 2004), com o estresse (Beehr, Jex, Stacy & Murray, 2000; Stephens &

(37)

Long, 2000) e com compromisso (Stinglhamber & Vandenberghe, 2003). A confiança nas relações também é investigada (Atkinson & Butcher, 2003; Ferres, Connell & Travaglione, 2004), assim como a amizade (e.g. Markiewicz, Devine & Kausilas, 2000; Olk & Elvira, 2001).

Os relacionamentos no trabalho, segundo Mangam (1981), podem estar sujeitos ao conflito e à cooperação, à indiferença, amizade, à guerra e à paz, à tensão e tolerância. Em função da natureza da organização a ser investigada, a cooperação e os elementos que a facilitam e seus obstáculos emergem como um foco de atenção para as relações interpessoais nas cooperativas.

A importância do relacionamento interpessoal para as organizações, contudo, tem sido reconhecida por diferentes autores. Sato (1999), por exemplo, ressalta que o que faz a organização é a interação entre as pessoas. A organização sempre será aquilo que as pessoas nela envolvidas fazem e/ou desenvolvem. Por serem processos movidos por pessoas, grande diversidade de interesses estão presentes. São interesses subjetivos, sociais, econômicos e políticos que dão forma aos objetivos e orientam as práticas. Em função disso, esses processos sociais envolvem dois aspectos principais: a harmonia (devido a interesses semelhantes, comuns e compartilhados) e o conflito (interesses diferentes e contraditórios). Segundo Sato (1999), o motor das interações em uma organização cooperativa seria o binômio cooperação e confrontação.

A partir dessa perspectiva, a cooperação, como um princípio fundamental do cooperativismo merece ser investigada na vivência cotidiana de uma cooperativa popular. A construção de uma cooperativa envolve dimensões de natureza simbólica e material, de ordem política, econômica e psicossocial. Por

(38)

esse motivo, Sato (1999) argumenta que uma organização cooperativa deve estar aberta à negociação, permitindo às pessoas a construção de laços e a organização de grupos. Essas negociações não se limitam aos negócios, mas envolvem, sobretudo, os significados por trás dos objetivos a serem perseguidos, as motivações que os sustentam, os meios para alcançar tais objetivos, considerando-se o contexto no qual a cooperativa está inserida.

(39)

CAPÍTULO II

2. COOPERATIVISMO

Ao lado do relacionamento interpessoal, apresentado no capítulo anterior, o cooperativismo representa outra importante parte deste trabalho. Este item tem por finalidade apresentar aspectos relevantes das cooperativas para o presente estudo. Neste sentido, divide-se em três partes: a) um breve histórico do cooperativismo; b) princípios cooperativistas e ramos do cooperativismo; e, c) o cenário do cooperativismo no Brasil.

2.1 Histórico do Cooperativismo

O termo cooperativismo se originou da palavra cooperação. Este termo tem sua origem no latim opus, operis, que quer dizer trabalho, efeito de trabalho, ofício. Cooperar significa operar ou obrar simultaneamente; trabalhar em comum; colaborar; ajudar; auxiliar (Holanda,1995).

De acordo com Oliveira (2000) entende-se por cooperativa uma “união de pessoas, cujas necessidades individuais de trabalho, de comercialização ou de prestação de serviços em grupo, e respectivos interesses sociais, políticos e econômicos, fundem-se nos objetivos coletivos da associação”. Este autor ainda ressalta que a principal diferença entre uma cooperativa e as empresas comuns é a forma de decidir sobre os fins da organização, pois na cooperativa decide-se com base no princípio “um homem, um voto” por meio da Assembléia Geral de Sócios, todos tendo o mesmo poder. As cooperativas se apóiam sobre indivíduos trabalhando em cooperação, permitindo a cada um desenvolver-se, resultando no

(40)

crescimento do próprio grupo social. Segundo Campos (2001) a história do cooperativismo como associativismo é rica em experiências que retratam a importância da ajuda mútua para o progresso social e econômico dos povos.

Schmidt e Perius (2003, p.63), ao definirem o que são as cooperativas ressaltam a importância dos valores disseminados:

As cooperativas são associações autônomas de pessoas que se unem voluntariamente e constituem uma empresa, de propriedade comum, para satisfazer aspirações econômicas, sociais e culturais. Baseiam-se em valores de ajuda mútua, solidariedade, democracia, participação e autonomia. Os valores definem as motivações mais profundas do agir cooperativo, sendo a instância inspiradora dos princípios do Movimento Cooperativista Mundial.

A origem do sistema cooperativista sofreu a influência das idéias socialistas que emergiram a partir de uma reação da luta emancipatória da classe operária contra as precárias condições de trabalho geradas pela Revolução Industrial. O cooperativismo surgiu como reação ao empobrecimento dos artesãos provocado pela difusão das máquinas e da organização fabril da produção. Os primeiros movimentos sociais de defesa e de libertação dos interesses da classe operária surgiram na Inglaterra e França, com idéias de cooperação, de ajuda mútua e de solidariedade entre as pessoas (Singer, 2002).

Os principais precursores do cooperativismo são Robert Owen, François Marie Charles Fourier, Willian King e Jean Joseph Charles Louis Blanc (Klaes, 2005). Um dos principais idealizadores foi Robert Owen (1771-1858), um grande industrial inglês que se tornou conhecido por sua habilidade empresarial e filantropia. Em suas indústrias, seus operários recebiam toda assistência, mesmo em períodos de crise e baixa produção, Owen mantinha seus trabalhadores nas

(41)

fábricas e pagava seus salários de forma integral. Acreditava que o capital investido deveria ter um dividendo limitado e o excedente deveria ser reinvestido nos trabalhadores (Nascimento, 2005). Devido à distância em relação à cidade, os operários tinham que residir junto à fábrica. Owen, percebendo suas dificuldades, implementou algumas ações, visando melhoria para seus trabalhadores, como: construção de casas para residências com preços mais acessíveis; proibição do trabalho para menores de dez anos; abriu uma escola oferecendo ensino gratuito; reduziu jornada de trabalho e aumentou salários (Pinho, 1982). Owen considerava que a reforma social seria alcançada por associação voluntária e combate ao lucro e à concorrência, com as associações cooperativas presentes em todas as áreas da atividade econômica, atingindo, por fim, o setor de serviços de forma que a produção fosse efetivamente dos trabalhadores (Évora, 2000/2001).

Após a implementação de melhorias, notou que estas geraram uma repercussão positiva, com a elevação da situação econômica em sua fábrica. Este fato, aliado a sua formação humanística, o estimulou a prosseguir e o levou a propor leis de proteção aos trabalhadores (Singer, 2002). Em 1817, Owen apresentou um plano ao Governo britânico de sustento para os pobres, através de construção de Aldeias Cooperativas, aonde viveriam e produziriam sua própria subsistência (Veiga & Fonseca, 2001). Em 1825, mudou-se para os Estados Unidos e fundou uma Aldeia Cooperativa que seria posteriormente um modelo de sociedade. Voltou para a Inglaterra em 1829 após a experiência ter falhado. Influenciou a criação da primeira cooperativa owenista, fundada por George

(42)

Mudie em Londres, e outras que se seguiram, como a cooperativa de consumo fundada por Willian King (Singer, 2002).

William King (1786-1865) foi um médico inglês que percebeu na cooperação uma forma de gerar melhores condições de vida, minimizando as desigualdades sociais (Pinho, 1982; Singer, 2002). King publicou, a partir de 1828, uma revista mensal denominada The Co-operator, na qual disseminava sua teoria sobre cooperação e ganhava adeptos entre os trabalhadores da Grã-Bretanha. A revista durou aproximadamente dois anos e conseguiu boa difusão no país, inclusive registrando aumento no número de cooperativas durante sua existência. Na época de seu encerramento em agosto de 1830, já surgiam outras publicações sobre o tema (Veiga & Fonseca, 2001; Singer, 2002).

Na França, Charles Fourrier (1772-1837) idealizou a organização da sociedade em uma comunidade suficientemente grande, que oferecesse uma diversidade de trabalho para todos, resultando em um aumento tanto na produtividade quanto na produção, dispensando a figura do Estado. Estabeleceu um sistema de mercado para conciliar as preferências por diferentes tipos de produto e trabalho e propôs diversos mecanismos de redistribuição de renda (Nascimento, 2005). Sua idéia central era que a sociedade deveria ser organizada de tal forma que os homens pudessem expressar livremente suas paixões e desejos e que estas espontaneamente eram capazes de se harmonizar e, sob determinadas condições, iriam levar a uma sociedade perfeita, resultando em aumento de produtividade em benefício de todos (Pinho, 1982; Veiga & Fonseca, 2001).

(43)

Outro precursor do cooperativismo foi Louis Blanc (1812-1882), historiador, jornalista, orador e político. Reivindicava o auxílio financeiro governamental para fundar as associações operárias, ou seja, defendia a ampla intervenção do Estado e via nas associações uma forma de organização produtiva que poderia beneficiar os trabalhadores enquanto co-proprietários do sistema de produção (Pinho, 1982; Évora, 2000/2001).

A primeira cooperativa surgiu em Rochdale, um centro industrial na Inglaterra, em 1844, fundada por 28 trabalhadores. Autores como Silva (2004), Veiga e Fonseca (2001) e Gawlak e Turra (2002) ressaltam o papel de uma mulher identificada pelo nome de Anee Tweedale. O contexto da época indica que se tratava de um período em que ocorreu uma derrota de reivindicações dos trabalhadores, após uma prolongada greve de tecelões, portanto, o impulso original pode ter sido uma estratégia de sobrevivência daquele grupo, em virtude da dificuldade financeira dos trabalhadores adquirirem produtos em preços acessíveis (Singer, 2002).

A cooperativa de Rochdale estruturou-se de forma auto-suficiente, não dependendo de doações de simpatizantes, como nas cooperativas de Owen. A intenção dos pioneiros era manter os ideais socialistas e as cooperativas de produção e consumo se tornavam instrumentos para tal objetivo (Nascimento, 2005).

Na Alemanha, Schulze-Delitzsch fundou cooperativas de artesãos (de compras para mestres sapateiros) e de crédito. A associação fundada dependia da filantropia de burgueses ricos para sobreviver. Ao tomar conhecimento da existência de uma associação em Eilenburg que se mantinha através de

(44)

contribuições dos seus membros e dos empréstimos de intermediários financeiros, oferecendo como garantia a responsabilidade ilimitada de todos os sócios, reorganizou a associação, adaptando-se às necessidades dos artesãos e pequenos comerciantes urbanos e destinando os empréstimos ao financiamento de investimentos produtivos. Surgiram, assim, os Bancos do Povo, de natureza autogestionária e, em 1865, o Banco Alemão de Cooperativas, para administrar os recursos excedentes de cooperativas e conceder empréstimos às cooperativas necessitadas. O modelo cooperativo alemão foi implantado na Itália por Luigi Lazzatti, ao criar o banco cooperativo de Milão, em 1864. Destacou-se por limitar a responsabilidade na garantia de empréstimos e estabelecer cotas de capital de pequeno valor (Nascimento, 2005).

Nascimento (2005) ressalta que a Cooperativa de Rochdale foi o grande exemplo de cooperativa bem sucedida, pois conseguiu, em momentos de crise, partilhar perdas eqüitativamente – vantagem essa que as empresas capitalistas não possuíam. Após um século e meio de sua fundação, os valores de ajuda mútua, igualdade de direitos e deveres cultivados pelos tecelões ingleses permanecem inalterados.

Atualmente, as cooperativas de trabalho constituem força importante na Europa, em países como Espanha e Itália. O exemplo mais conhecido mundialmente é o da Mondragon Cooperative Corporation, um dos mais importantes grupos cooperativos na Espanha, originado no País Basco (Namorado, 2003).

Desde 1895, as cooperativas estão organizadas internacionalmente, sendo a Aliança Cooperativa Internacional (ACI) uma associação não-governamental e

(45)

independente, atualmente sediada em Genebra, Suíça. A entidade coordena o movimento nos cinco continentes. A ACI representa e presta apoio às cooperativas e suas correspondentes organizações e objetiva a integração, autonomia e desenvolvimento do cooperativismo. No continente americano, essa articulação é feita pela Organização das Cooperativas da América (OCA), fundada em 1963, com sede na Colômbia, com representações de vinte países, incluindo o Brasil (OCB, 1992).

De acordo com Cruz (2002), o Brasil apresentava, na época do surgimento das primeiras cooperativas, condições bem diversas das que propiciaram a difusão do cooperativismo na Europa. As indústrias brasileiras não sofreram, nas mesmas proporções, o impacto da Revolução Industrial. Pequenas propriedades agrárias praticamente não existiam aqui, predominando os latifúndios. Além disso, a falta de transporte isolava as regiões umas das outras. Ainda segundo o autor, o início do movimento cooperativista no Brasil ocorreu em 1847, quando o médico francês Jean Maurice Faivre, adepto de Charles Fourier, fundou, no Paraná, a colônia Tereza Cristina, organizada em bases cooperativas. Essa organização, apesar de sua breve existência, contribuiu como elemento formador do florescente cooperativismo brasileiro. Em 1895, Menezes e Tosta criaram as primeiras cooperativas de consumo e de operários no Brasil.

No Brasil, as cooperativas foram regulamentadas, inicialmente, por meio do Decreto 1.637, de 1907. Durante o governo de Getúlio Vargas as cooperativas passaram a ter uma regulamentação específica através do Decreto 19.770, de 1931. Entretanto, o Estado não só regulamentou a constituição de cooperativas, como também procurou incentivar sua criação (Cruz, 2002). É a partir desse

(46)

momento que as cooperativas no Brasil passam a ter uma dupla origem: uma surge de forma espontânea por interesses dos trabalhadores e outra em resposta aos incentivos do Estado. Em 1943, a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) concedeu amparo previdenciário aos trabalhadores que se organizassem em cooperativas.

Na atualidade, os empreendimentos cooperativistas são regidos pela Lei 5.764/71, que define a Política Nacional de Cooperativismo, institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, prevê o registro na Organização das Cooperativas do Brasil (OCB) e dá outras providências. O artigo 90 da lei supracitada proíbe a existência de vínculo empregatício entre os associados e as cooperativas (Cruz, 2002). A renda obtida pelo cooperado não é um salário fixo, mas um pró-labore que tende a ser variável.

A Constituição Federal de 1988 prevê em seu parágrafo único, artigo 174, o apoio e estímulo ao movimento do cooperativismo e outras formas de associativismo. Ressalte-se que as cooperativas de trabalho são também utilizadas para recuperar empresas falidas, através da autogestão dos funcionários, objetivando a manutenção de sua fonte de renda (Cruz, 2002).

A representação de todo o sistema cooperativista nacional cabe à Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), constituída em 1969, durante o IV Congresso Brasileiro de Cooperativismo. O órgão que representa politicamente e regula as atividades das cooperativas no nível estadual são as Organizações das Cooperativas Estaduais que estão presentes em todos os estados brasileiros, sendo constituída através da filiação de cooperativas singulares, centrais e confederações de todos os ramos cooperativistas. Em 1998, com a Medida

(47)

Provisória nº 1.715 foi criado o Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (SESCOOP), para investir continuamente na educação e formação dos seus cooperados, dirigentes e funcionários, entre outras atribuições.

O movimento cooperativista possui como símbolo um círculo envolvendo dois pinheiros para indicar a união do movimento, a imortalidade de seus princípios, a fecundidade de seus ideais e a vitalidade de seus adeptos. Tudo isso marcado pela trajetória ascendente dos pinheiros que se projetam para o alto, procurando subir cada vez mais (Cruz, 2002).

Esta breve contextualização histórica apresentou um pouco da trajetória de regulamentação e implementação do cooperativismo europeu e brasileiro. Na seqüência, serão discutidos os princípios e os ramos do cooperativismo.

2.2 Princípios Cooperativistas e Ramos do Cooperativismo

Ao longo da evolução do cooperativismo, houve a necessidade de modernização dos princípios cooperativistas, que segundo Silva (2004), foram inicialmente reformulados pelos próprios pioneiros de Rochedale em 1854, depois pelos cooperados presentes nos congressos da ACI em 1937 em Paris e 1966 em Viena. Os princípios cooperativistas são orientações pelas quais as cooperativas levam os seus valores à prática. São eles: 1) adesão voluntária e livre; 2) gestão democrática; 3) participação econômica dos membros; 4) autonomia e independência; 5) educação, formação e informação; 6) inter-cooperação; 7) interesse pela comunidade (OCB, 1992).

(48)

De acordo com Gawlak e Turra (2002), quanto ao primeiro princípio, a adesão livre e voluntária, todas as pessoas, independente do gênero, raça, política e religião têm liberdade para se associar a uma cooperativa. Ser sócio é uma decisão e escolha individual. Para a adesão, no momento atual, são necessários alguns critérios, como o candidato interessado conhecer previamente a doutrina, filosofia e os princípios cooperativos, os objetivos, estatuto e estrutura da cooperativa, direitos e deveres dos sócios, acreditar na cooperativa e, como um dos donos do empreendimento ter postura participativa e empreendedora. Cada cooperativa elabora sua norma, estatuto e regimento interno, que servirá de norteador na análise de adesão. Assim, podemos dizer que as cooperativas estão abertas a todas as pessoas aptas e que estejam dispostas a aceitar a responsabilidade de sócio do empreendimento.

No que concerne ao segundo princípio, a gestão democrática pelos sócios, a participação de todos os sócios é fundamental no processo de administração. O controle do empreendimento, estabelecimento das políticas internas e a tomada de decisões são realizados coletivamente através do voto. Nas cooperativas cada sócio tem direito a um voto ou, como se diz, cada homem equivale a um voto, o que coloca todos os membros em posição de igualdade. Os membros elegem os representantes, diretores e conselheiros, de maneira democrática, sendo que as decisões são tomadas em assembléias gerais, considerado órgão supremo da cooperativa (Gawlak & Turra, 2002).

Participação econômica dos sócios é o terceiro princípio da doutrina cooperativista. Neste princípio, os sócios contribuem eqüitativamente e controlam democraticamente o capital de sua cooperativa, para seu próprio benefício.

(49)

Integralizam o capital social através de cotas partes. Uma parte deste capital é propriedade comum da cooperativa, sendo que os resultados, quando positivos, se destinam a formar fundo de reserva e fundo de assistência técnica, educacional e social da cooperativa. Visam o desenvolvimento da cooperativa, sendo que outros fundos podem ser criados em assembléias gerais. As sobras líquidas apuradas no exercício são rateadas entre os associados proporcionalmente às suas operações (Gawlak & Turra 2002).

No quarto princípio, a autonomia e independência, as cooperativas são empresas autônomas de ajuda mútua, controladas e dirigidas por seus membros, que devem decidir sobre suas atividades, objetivos e missão. Não há interferência governamental nas decisões, e se houver acordo ou parcerias com outras instituições, deve ficar assegurado o controle democrático e autonomia de seus membros (Gawlak & Turra, 2002).

No que diz respeito ao quinto princípio, a educação, formação e informação, ele objetiva o desenvolvimento cultural e profissional do cooperado, membros e dirigentes; administradores e funcionários. Destaca, portanto, a necessidade das cooperativas reservarem, a partir dos excedentes obtidos, um percentual para o fundo destinado a promover a educação. Treinamento e educação continuada possibilitam o desenvolvimento efetivo da cooperativa. Vale ressaltar também, a importância de informar os princípios cooperativistas nas comunidades, principalmente junto ao público jovem e lideranças, disseminando os benefícios da cooperação em todos os níveis de ensino (Gawlak & Turra 2002).

Referências

Documentos relacionados

Realizou-se estudo do tipo ecológico com o objetivo de investigar o perfil sociodemográfico e epidemiológico, a frequência de casos, os indicadores epidemiológicos

Carvalho e Nascimento (2001) alegam que “os classificados de imprensa jornais, revistas, tablóides etc – constituem uma das formas mais utilizadas pelas empresas para atrair

Nas seções a seguir, são discutidos dados da pesquisa, extraídos, principalmente, de diálogos entre o pesquisador e as crianças sobre os usos que elas fazem das mídias

Já com novas descobertas de outros cientistas sobre o desenvolvimento infantil como “o construtivismo de Constance Kamii, os trabalhos sobre a psicogênese da língua escrita

Os alunos que concluam com aproveitamento este curso, ficam habilitados com o 9.º ano de escolaridade e certificação profissional, podem prosseguir estudos em cursos vocacionais

Estudo e modelagem de estruturas treliçadas utilizadas em galpões industriais considerando imperfeições iniciais e efeitos de segunda ordem / Walter Gabriel

AC AC TROMBONE II a VIII JLA JLA METAIS 4. AC AC

Még épp annyi idejük volt, hogy gyorsan a fejük búbjáig húzták a paplant, és Mary Poppins már nyitotta is az ajtót, és lábujjhegyen átosont a