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A NEGAÇÃO EM UMA SENTENÇA JUDICIAL À LUZ DA TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO NA LÍNGUA

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Academic year: 2021

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Revista Eletrônica de Estudos Integrados em Discurso e Argumentação

A NEGAÇÃO EM UMA SENTENÇA JUDICIAL À LUZ DA TEORIA DA

ARGUMENTAÇÃO NA LÍNGUA

Christiê Duarte Linharesi Resumo: Este trabalho tem o objetivo de analisar como se dá a negação no

discurso Sentença Judicial, pela perspectiva da Teoria da Argumentação na Língua, utilizando conceitos da Teoria Polifônica da Enunciação e da Teoria dos Blocos Semânticos. Seguindo as considerações da Teoria Polifônica da Enunciação, analisamos os enunciadores percebidos em trechos da sentença que demonstram os pontos de vista, aceitos ou não pelo locutor, retirados de argumentações negativas do discurso. A análise feita sob um olhar semântico nos permitiu fazer uma descrição semântica do discurso e possibilitou que alcançássemos a apreensão do sentido de nosso corpus através das marcas linguísticas que o mesmo oferece.

Palavras-chave: Sentença Judicial. Polifonia. Argumentação. Negação.

Abstract: This paper aims to analyze how does denying occurs in speech, from the perspective of the Theory of Argumentation in language, using concepts of Polyphonic Enunciation Theory and the Theory of Semantic Blocks. Following the considerations of the Theory of Enunciation Polyphonic, we analyze the statements perceived in parts of the sentence that shows the points of view, accepted or not by the speaker, drawn from negative arguments of the speech. The analysis in looking at a semantic enabled us to make a semantic description of discourse and enabled us to reach the apprehension of the meaning of our "corpus" language under the brands that it offers.

Keywords: Judicial decisions. Polyphony. Argument. Denial.

i Mestranda em Linguística e Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS), Brasil,

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Introdução

Este trabalho consiste em um estudo sobre como se dá a argumentação da negação pela perspectiva da Teoria da Argumentação na Língua, mais precisamente, considerando a Teoria Polifônica da Enunciação. Utilizaremos, também, em nossa análise, conceitos importantes da Teoria dos Blocos Semânticos.

O discurso escolhido para ser analisado neste artigo é uma sentença judicial, tendo em vista suas marcas linguísticas, as quais podem demonstrar a argumentação do locutor no discurso. A sentença judicial analisada foi retirada do site do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul1, onde se encontra disponível para a leitura. Mesmo assim, os nomes dos sujeitos que aparecem na sentença foram substituídos por nomes fictícios.

Para tanto, o trabalho encontra-se estruturado da seguinte forma: primeiramente, apresentaremos a teoria da Argumentação na Língua, tendo em vista sua origem e relação como a enunciação e o estruturalismo; após, passaremos aos conceitos de Teoria Polifônica da Enunciação, de Teoria dos Blocos Semânticos e de negação; posteriormente, faremos a análise do objeto, a partir dos conceitos explorados; e, finalmente, tentaremos chegar a algumas conclusões sobre a problemática levantada.

A Teoria da Argumentação na Língua A Teoria da Argumentação na Língua (ANL), de Oswald Ducrot e Jean-Claude Anscombre, que começou a ser desenvolvida em 1983, é uma teoria estruturalista, para a qual o sentido, construído na e pela língua, é argumentativo. Ducrot diz que o sentido se constrói pela articulação de dois elementos

1 http://www.tjrs.jus.br/site/

(língua/fala) e se verifica no uso das palavras e das frases do enunciado.

A ANL conta com três fases no seu desenvolvimento: a primeira é a forma

standard (1983), a segunda forma é a que

compreende a Teoria dos topoi e a Teoria Polifônica da Enunciação (1990) e a terceira é a forma da Teoria dos Blocos Semânticos (TBS, 1992).

Essa teoria se caracteriza como enunciativa ao identificar um locutor produtor de discurso para um interlocutor, sendo que, na relação locutor/alocutário, o locutor argumenta em relação ao que está sendo dito.

Sendo assim, a ANL considera que a função primeira da linguagem é argumentar, ou seja, argumentar é expressar um ponto de vista sobre determinado tema, um acontecimento, enfim, um objeto do mundo físico ou imaginário. Assim, verifica-se que o referente desse objeto passa a ser não o objeto no mundo, mas um objeto cujo sentido é construído na e pela linguagem. Nessa abordagem semântico-argumentativa, o sentido não está pronto no mundo físico ou imaginário, mas é constituído pelas relações entre palavras e frases escolhidas pelo locutor. Essas relações, criadas por um falante, para seu interlocutor, em determinado momento e lugar, constroem o sentido e os pontos de vista sobre um objeto. E, desta forma, o sentido é visto como sendo sempre argumentativo.

Saussure, segundo Delanoy (2008, p. 15), toma o signo linguístico como unidade de descrição, isto é, o signo é composto por duas

faces inseparáveis uma da outra: o significante

e o significado (entidades psíquicas, abstratas, pertencentes ao sistema da língua). Consideramos, então, o significante como a representação do som ou imagem acústica e o significado como o conceito da representação. Temos que o valor de um signo se originará a partir das relações existentes entre essas duas

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Em termos gerais, pode-se afirmar que a ANL é uma aplicação do estruturalismo saussureano, no que se refere aos conceitos de

valor e relação, à semântica linguística na

medida em que, para Saussure, o significado de uma expressão reside nas relações de uma expressão com outras expressões da língua. Com essa afirmação, podemos perceber que, para a ANL, as palavras só terão sentido quando relacionadas com outras no discurso.

Os conceitos de Saussure sobre língua e fala também tiveram influência na concepção da ANL. Para Saussure (2000), a língua (descrição) é um sistema linguístico, abstrato, homogêneo e coletivo, e a fala é a realização da língua, heterogênea, social, por sofrer intervenções de ordens psicológicas e culturais. O objeto de estudo de Saussure foi a língua, mas, mesmo seu foco sendo a descrição do sistema (a língua), o linguista afirmou haver uma linguística da língua e outra da fala, da qual não se ocupou. Já Ducrot diz que o sentido se constrói pela articulação desses dois elementos (língua/fala) e se verifica no uso das palavras e das frases do enunciado.

Como dito anteriormente, a ANL se caracteriza também como uma teoria enunciativa, pois identifica a relação entre um locutor e um interlocutor, em que o primeiro irá sempre argumentar sobre o que está sendo dito.

O conceito de enunciação, mesmo sem a presença do autor real do enunciado, ou seja, o sujeito empírico, envolve seres discursivos, que são o locutor (produtor da enunciação) e o alocutário (receptor da enunciação).

O locutor, além de ser o responsável pelo discurso, também se marca ao produzir o “aqui” e o “agora”, que correspondem respectivamente ao espaço e ao tempo da enunciação.

Desse modo, Ducrot denomina enunciação o surgimento de um enunciado. Para o autor

(1987, p. 172), o enunciado descreve a enunciação, visto que o sentido do enunciado é a descrição da sua enunciação. Sendo assim, para compreender e apreender o sentido de um enunciado, pela perspectiva da ANL, é necessário termos conhecimento da terminologia, definida por Ducrot, de frase, texto, enunciado e discurso.

Em sua teoria, Ducrot (1984), conceitua

frase como um construto teórico, e texto como

um conjunto de frases, enquanto que o

enunciado é a realização da frase, ou seja, um

objeto construído que foi efetivamente pronunciado ou escrito. Já o discurso é a concretização de um texto, visto que é um conjunto de enunciados relacionados entre si.

No Quadro 1, esquematizamos as correspondências entre língua/fala e frase/enunciado:

Quadro 1- Língua/fala e frase/enunciado Entidade

abstrata Entidade concreta

Saussure Língua Fala

Ducrot Frase Enunciado Para a ANL, é no uso da língua que os falantes encontram sentido para o enunciado, pois, para Ducrot, as frases, entidades abstratas, são dotadas de significação, enquanto que os enunciados, entidades concretas, têm sentido.

Na ANL o significado de uma expressão reside nas relações dessa expressão com outras expressões da língua, visto isso pela noção de bloco semântico em que o sentido é construído pelo encadeamento que se origina a partir de dois segmentos ligados por um conector, que pode ser do tipo normativo (DC – portanto) ou do tipo transgressivo (PT – no entanto). Por exemplo: A DC B ou A PT B2.

2 O conceito de encadeamento será bem mais explicado

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Ducrot também afirma que a enunciação é um acontecimento constituído pelo aparecimento de um enunciado, produzido por um locutor, designado por um eu, ser discursivo responsável pelo enunciado, distinto do autor empírico de seu enunciado, para um alocutário, expresso pela segunda pessoa, também um ser discursivo. No discurso oral, normalmente, o locutor coincide com o sujeito empírico.

Essas relações entre locutor e alocutário e locutor e outros discursos trazem a ideia de

polifonia, que diz respeito à vinculação do

locutor a seus enunciadores, ou seja, os pontos de vista apresentados pelo locutor e reconhecidos pelo alocutário.

Teoria polifônica da enunciação Ducrot (1990, p. 15) criou o conceito de polifonia no linguístico. Com essa teoria, o autor contesta a ideia de unicidade do sujeito falante, afirmando que o autor de um enunciado coloca em cena várias vozes, ou seja, diversos pontos de vista. O conceito de

sujeito falante remete às funções de sujeito empírico (SE), de locutor (L) e de enunciador

(E).

O sujeito empírico, como dito

anteriormente, é o produtor efetivo do enunciado, do qual a teoria não se ocupa por sua determinação não ser um problema linguístico.

O linguista e em particular o linguista semanticista deve preocupar-se com o sentido do enunciado, isto é, deve descrever o que diz o enunciado, que ele produz. De maneira que o que interessa é o que está no enunciado e não as condições externas de sua produção (Ducrot, 1990, p. 17).

Na função de locutor está o responsável pelo enunciado, que possui marcas no enunciado, como de primeira pessoa ou

marcas como aqui, agora. O locutor pode ser totalmente diferente do sujeito empírico. Mas, algumas vezes, pode ser um sujeito fictício a quem o enunciado atribui a responsabilidade de sua enunciação.

Por fim, os enunciadores são origens de pontos de perspectiva com os quais o locutor se relaciona. É importante destacar que os enunciadores não são pessoas nem palavras, são origens de pontos de vista apresentados no enunciado.

O locutor terá, então, atitudes diversas perante as ideias apresentadas pelos enunciadores, visto que os elementos do sentido de um enunciado são a apresentação dos pontos de vista de diferentes enunciadores e a indicação da posição do locutor em relação aos enunciadores.

O locutor poderá concordar com a ideia de um enunciador (E), mas identificar-se com a ideia de outro. É o caso da pressuposição, em que o E1 será o pressuposto e o E2, o posto, em que o locutor concorda com E1 (o pressuposto) e identifica-se com E2 O (o posto).

Já no caso da asserção, há a identificação do locutor com apenas um dos enunciadores. Assim, o locutor tem o objetivo de impor o ponto de vista do enunciador, pela sua enunciação.

Por último, aparece o caso da oposição como outra forma de relação entre locutor e enunciador, em que existe um enunciador que refuta o ponto de vista inadmissível e o corrige.

O entendimento dessas relações (pressuposição, asserção e oposição) colabora significativamente para a construção do sentido do discurso pelo leitor, pois permite identificarmos qual é o ponto de vista assumido pelo responsável pelos enunciados, bem como a compreensão de ideias implícitas.

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Percebemos, desta forma, que na abordagem semântico-argumentativa, a linguagem não tem um aspecto objetivo, ela não descreve diretamente a realidade. A realidade, para Ducrot, é descrita sempre através do ponto de vista do locutor (aspecto subjetivo), o qual a torna tema do debate entre o locutor e o interlocutor (aspecto intersubjetivo).

Para Ducrot (1990, p. 16), o autor do enunciado nunca se expressa diretamente, ao contrário, põe em cena certo número de personagens. O sentido do enunciado nasce do confronto desses diferentes sujeitos. Esses pontos de vista percebidos no discurso são as diversas vozes que o locutor coloca em cena. Os enunciadores são as origens dos pontos de vista. Cada enunciado poderá ter dois ou mais enunciadores e o locutor irá se identificar com um deles, concordando com um e refutando/opondo-se ao outro. Por exemplo, quando lemos o enunciado Pedro não é

comportado, portanto não é bom filho, o

enunciador 1 diz que Pedro não é comportado e o enunciador 2 diz que Pedro é comportado. O segmento 1 diz que Pedro não é

comportado e por isso ele não pode ser

considerado bom filho. Dessa forma, podemos concluir dizendo que o locutor se identifica com o enunciador 1, o qual afirma que Pedro não é comportado e refuta o ponto de vista do enunciador 2, o qual afirma que Pedro é comportado.

Vejamos a terceira fase da ANL, a da Teoria dos Blocos Semânticos.

A teoria dos blocos semânticos e o encadeamento argumentativo

Na terceira fase da ANL, a Teoria dos Blocos Semânticos (TBS), desenvolvida com a colaboração de Marion Carel a partir de 1992, a unidade mínima de argumentação é uma relação estabelecida entre dois segmentos por meio de um conector.

Usando como exemplo o enunciado (A)

Está calor, podemos definir dois segmentos

distintos do tipo: vamos ficar em casa ou

vamos passear. Com os exemplos citados,

percebemos que A tem sentidos diferentes, pois, num caso, trata-se de um calor bom para sair e no outro, para ficar em casa. Percebemos, a partir deste exemplo, que o bloco semântico é o sentido resultante da

interdependência entre os segmentos de um

encadeamento argumentativo.

Um encadeamento argumentativo é constituído de dois segmentos ligados por um conector. O primeiro segmento é denominado suporte e o segundo, aporte.

Os conectores podem ser do tipo donc (simbolizado por DC e que pode ser traduzido por portanto, do francês), formando um encadeamento normativo ou pourtant

(simbolizado por PT e que pode ser traduzido por no entanto, do francês), constituindo um encadeamento transgressivo. Vale destacarmos que DC e PT são conectores metalinguísticos.

Delanoy (2008, p. 31), para exemplificar a construção dos encadeamentos, tomou por base o bloco semântico resultante da interdependência entre exercício físico e

melhora da saúde, formando os

encadeamentos:

(1) Ele exercita-se DC vai melhorar

(2) Ele exercita-se PT neg-vai melhorar (“neg” representa a negação),

em que o aspecto normativo em DC seria a afirmação da norma e o transgressivo em PT, a sua negação. No âmbito da TBS, norma e transgressão são de caráter discursivo, isto é, inerentes ao próprio discurso, portanto não apresentam ideologias, crenças, comportamentos, etc., que são exteriores à língua.

A partir do bloco semântico citado como exemplo, diferentes encadeamentos podem ser expressos:

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(1) Ele exercita-se DC vai melhorar (2) Ele exercita-se PT neg-vai melhorar (3) Ele neg-exercita-se DC neg-vai melhorar (4) Ele neg-exercita-se PT vai melhorar

Existem dois modos de ligarmos os aspectos normativos e transgressivos a uma entidade linguística: pela argumentação externa (AE) e pela argumentação interna (AI).

Para Ducrot (2002, p. 9), a AE de uma entidade é a pluralidade dos aspectos constitutivos de seu sentido na língua, e que estão ligados a ela de modo externo. E a AI é relativa aos encadeamentos que parafraseiam a entidade ou são muito próximos a ela.

Ducrot apresenta a AI de prudente como sendo perigo DC precaução, a partir da ideia de que, se alguém é prudente, então toma precaução diante do perigo. Já a AE possível de Pedro é prudente é Pedro é prudente DC

não lhe ocorrerá nada de mal. Também é

possível estabelecer-se argumentação interna ao enunciado, em que a AI de Pedro é prudente resulta em perigo DC precaução. Desse modo, os blocos semânticos constituídos a partir dos enunciados de um discurso permitem que se explicite sua estrutura argumentativa, ou seja, o modo como a argumentação do discurso é produzida.

Ambos encadeamentos, normativo e transgressivo, são a manifestação de um eixo ideal, em que cada um dos encadeamentos constrói seu sentido somente na relação com o outro, ocorrendo interdependência semântica entre eles. (Ducrot, 2005, conferência 1). Vejamos, então, como a negação é vista pela ANL.

A negação

Para abordarmos diretamente o tratamento da negação utilizaremos uma perspectiva que combina a descrição polifônica e a concepção

argumentativa da significação desenvolvida pela TBS.

Para Carel e Ducrot (2008), a negação é uma resposta a algo que está implícito no enunciado. Por exemplo, o enunciado Não

posso sair hoje, pois estou gripado mostra que

o locutor está impossibilitado de sair devido ao estado de sua saúde. O enunciador 1 traz a vontade de sair, enquanto o enunciador 2 mostra, através da negação, que essa vontade não pode ser realizada nesse momento.

Sabemos que, da relação existente entre dois segmentos que constituem um encadeamento, origina-se o aspecto. E aos diferentes aspectos da argumentação interna do encadeamento, dá-se, no enunciado, o mesmo número de enunciadores. A respeito disso, Carel e Ducrot (2008) apresentam o exemplo dos enunciados p (João foi prudente) e p’ (João não foi prudente), em que podemos ter dois encadeamentos do tipo: “perigo DC cuidado” e “perigo PT neg-cuidado”. Para os autores:

[...] pode-se dizer que p’ faz de certo modo alusão a p, no sentido de que p’ apresenta o mesmo enunciador positivo E que p; simplesmente esse primeiro enunciador é, em p’, recusado pelo locutor L e confrontado a um segundo enunciador E’, cujo ponto de vista é incompatível com o de E, e que, nos casos simples, é assumido por L. (CAREL; DUCROT, 2008, p. 15).

A concepção polifônica postula que o enunciado negativo faz alusão a um enunciador do enunciado positivo correspondente. Temos, portanto, de descrever, primeiramente, o enunciado positivo p “João foi prudente” e evitarmos descrever a frase negativa P’, observando que derivamos diretamente o sentido do enunciado negativo do enunciado positivo (CAREL; DUCROT, 2008, p. 17). Desse modo, podemos perceber que todo enunciado negativo contém um positivo e que a negação pertence à língua, pois é na língua que são

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especificadas as regras que ligam o sentido do enunciado negativo ao do enunciado positivo.

O enunciado p’ tem uma dependência semântica com o enunciado p, pois o segundo é auto-suficiente, enquanto o primeiro, para existir, precisa que p lhe dê origem, ou seja, toda negação pressupõe uma afirmação.

Análise do objeto

Para mostrar que, a partir da semântica linguística, é possível compreender a argumentação negativa do locutor em seu discurso, propõe-se analisar uma sentença judicial à luz da Teoria da Argumentação na Língua, mais precisamente, à luz da Teoria Polifônica da Enunciação.

A Sentença Judicial é o discurso final no curso de um processo, que tem sua estrutura expressamente determinada por Lei, prevista no artigo 458, do Código de Processo Civil. E, segundo o referido artigo, são requisitos essenciais da sentença:

I – o relatório, que conterá os nomes das partes, a suma do pedido e da resposta do réu, bem como o registro das principais ocorrências havidas no andamento do processo;

II – os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;

III – o dispositivo, em que o juiz resolverá as questões que as partes lhe submeterem.

No processo judicial tudo é linguagem, pois é ela que recria os fatos e também é através dela que os pedidos são fundamentados.

Nosso objeto será segmentado em enunciados e a análise dos enunciados será feita mediante o seguinte roteiro:

1. Selecionar trechos da sentença judicial em que se observam os argumentos negativos do locutor;

2. Analisar a polifonia no enunciado (os enunciadores e a atitude do locutor frente aos enunciadores);

3. Identificar alguns blocos semânticos construídos no discurso.

Passando pelo relatório e analisando os fundamentos e o dispositivo da sentença, temos:

Enunciado 1: O autor alegou ter sofrido

danos morais em razão do registro de ocorrência pelas requeridas, as quais lhe imputavam a contravenção penal de

crueldade contra animais.

O enunciado 1 nos permite construir dois blocos semânticos, resultantes da compreensão feita sobre o motivo pelo qual o autor alega ter sofrido danos morais e sobre o motivo pelo qual foi feito um registro de ocorrência contra o próprio. Vejamos:

• registro de ocorrência DC danos morais • crueldade com os animais DC registro de

ocorrência

Ambos os blocos semânticos são caracterizados como normativos, pois não fogem à norma e, segundo o sentido expresso no discurso, apresentam um argumento e uma conclusão.

Enunciado 2: No entanto, conforme se

verifica às fls. 09/11, o registro da

ocorrência policial não foi feito pelas rés

mas sim por Fábio ... , policial militar que comandou a diligência policial realizada no condomínio onde o autor é síndico, sendo que as requeridas apenas figuraram como testemunhas do fato, ou seja, da diligência

policial.

Vemos, neste enunciado, a negação que demonstra que o registro de ocorrência não foi feito pelas rés, mas sim pelo policial, enquanto as rés apenas participaram como testemunha do fato. Temos, aqui:

registro neg feito pelas rés DC rés inocentes, pois rés inocentes PT registro feito pelo policial

No primeiro encadeamento temos dois enunciadores: o E1 que diz registro feito pelas

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foi feito pelas rés DC neg culpadas. Neste

caso, verificamos a presença polifônica da negação, em que o locutor se opõe ao E1 e se identifica com o E2 que afirma que o registro não foi feito pelas rés, mas sim pelo policial. Neste último caso, verificamos a presença importante do articulador mas, que articula duas ideias, opondo uma à outra, a de que as rés são as culpadas e a de que o policial é o culpado.

Também observamos no discurso a conjunção e como um articulador que liga mais uma ideia ao enunciado, quando o locutor acrescenta: e as rés apenas participaram como

testemunha do fato.

Enunciado 3: Verifica-se que na ocorrência

policial não foram sequer coletados depoimentos formais das requeridas, não havendo provas da suposta acusação injusta

que teriam perpetrado contra o autor.

No enunciado 3 podemos construir o encadeamento argumentativo neg coleta de

documentos formais DC neg provas de acusação. A partir deste encadeamento,

podemos dar origem a dois pontos de vistas: - E1: Foram coletadas provas das

requeridas DC acusadas

- E2: Não foram coletadas provas das

requeridas DC neg acusadas

Neste caso o locutor refuta o ponto de vista afirmativo e se identifica com o ponto de vista negativo. Pressupomos, sempre, que em um enunciado negativo há um enunciado positivo implícito.

Mais um argumento enfático visto no enunciado é o que forma o encadeamento: neg

provas da acusação DC neg perpetração das rés. Neste momento verificamos a negação em

ambos os segmentos do encadeamento, o que nos faz pensar nos pontos de vista que os enunciadores originam:

- E1: há provas de acusação DC

perpetração das rés

- E2: não há provas de acusação DC neg

perpetração das rés

Novamente, o locutor se identifica com o segundo enunciador, se opondo ao primeiro ponto de vista.

Enunciado 4: Quanto à divulgação do caso

na mídia local, o autor não fez prova de que as requeridas divulgaram tal acusação, ônus que lhe incumbia. Assim presume-se a ausência de conduta das requeridas a gerar

o alegado abalo moral.

Neste caso, mais uma vez, o locutor nega o argumento do autor, afirmando que este último não fez prova de que as requeridas divulgaram tal acusação, concluindo, desse modo, a ausência da conduta das requeridas para gerar abalo moral.

Assim temos o E1: Provas DC má conduta

das requeridas e o E2: neg provas DC neg má conduta. Assim, o locutor aceita o ponto de

vista do E2 e refuta o do E1.

Enunciado 5: Frise-se que não cabe discutir

a veracidade do fato narrado na ocorrência policial no presente feito. Há de se atentar para o fato das requeridas atuarem no fato como meras testemunhas da diligência policial, e não como denunciantes como alegou o autor, não tendo tal registro o condão de gerar dano indenizável e, menos ainda, atribuir qualquer grau de culpa às

demandadas.

No enunciado 5 o locutor nega a importância em discutir os fatos narrados na ocorrência e enfatiza a importância em discutir sobre as requeridas terem servido de testemunhas, e não como autoras, para a ocorrência. A partir disso está em neg discutir

sobre ocorrência PT discutir sobre requeridas,

em que o E1 diz requeridas neg denunciantes

DC requeridas testemunhas e o E2 dirá requeridas denunciantes DC requeridas neg testemunhas. Vemos que os enunciadores,

tanto aqui quanto nos outros enunciados analisados, sempre demonstram sentidos

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opostos. E, neste caso, o locutor pega para si o sentido expresso pelo E1.

Enunciado 6: Nesse sentido, a responsabilização das denunciantes apenas seria possível se evidenciado que tivessem efetuado a comunicação do fato à polícia com o conhecimento de ser falsa tal imputação, em razão de indícios que denotassem má-fé de sua parte, como numa situação de efetiva denunciação caluniosa

ou difamatória.

Neste enunciado observamos a negação da argumentação feita pelo locutor através da expressão apenas seria possível se. Esta expressão nos dá a ideia que se seria possível, é porque não é possível.

Dito isto, temos os enunciadores:

E1: conhecimento da falsa comunicação à

polícia DC denunciantes responsabilizadas

E2: neg conhecimento da falsa comunicação

à polícia DC neg denunciantes

responsabilizadas

O locutor refuta o primeiro enunciador e se identifica com a ideia do segundo, a partir do sentido compreendido da expressão apenas

seria possível se.

Enunciado 7: Assim, não havendo provas do

agir ilícito das requeridas, a improcedência

da ação é medida que se impõe.

E, por fim, no último enunciado selecionado, temos a definição da decisão do locutor sobre o caso averiguado, em que ele afirma a falta de provas dos fatos em relação às requeridas e dá o caso como improcedente.

Temos então dois enunciadores: o negativo E1 (neg presença de provas DC ação

improcedente) em que é observada a

argumentação da negação e a simpatia do locutor para com o encadeamento e o enunciador positivo, que está implícito no enunciado, E2 (presença de provas DC ação

procedente), em que é observada a antipatia do

locutor para com o encadeamento. Outra vez, notamos que os enunciadores nos permitem

encadeamentos que dão origem a blocos semânticos de sentidos contrários.

Considerações finais

Como já mencionado, o nosso objetivo foi identificar como se dá a negação na argumentação em alguns enunciados do discurso, pela perspectiva da Teoria da Argumentação na Língua, mais precisamente, pela Teoria Polifônica da Enunciação, usando como corpus uma Sentença Judicial.

Para a ANL, o sentido se dá através das relações entre elementos da língua, sendo sempre argumentativo e decorre do ponto de vista do locutor a respeito de determinado assunto. Sendo assim, o alocutário tem o papel de resgatar o sentido, buscando compreender o discurso de seu locutor. Esse resgate do sentido deve ser feito somente pelo linguístico, sem intervenções contextuais externas à linguagem.

Para mostrar como o locutor argumenta pela negação no discurso Sentença Judicial, utilizamos alguns conceitos da Teoria, como a noção de enunciadores, ou seja, pontos de vistas apresentados no discurso, relação, blocos semânticos e polifonia.

Na sentença judicial analisada, encontramos, através da Teoria Polifônica da Enunciação, marcas linguísticas que verificaram o posicionamento do locutor frente aos enunciadores, que são as vozes do discurso e no caso da negação, vista como uma resposta a algo que está implícito no enunciado. Desse modo, a negação, para a argumentação, faz referência, sempre, a uma afirmação implícita no enunciado. Portanto, sempre que tivermos uma argumentação negativa teremos, também, uma argumentação positiva implícita no enunciado.

As considerações acima foram feitas porque o discurso analisado está sob um olhar semântico. Sendo assim, a descrição semântica e a apreensão do sentido pelo linguístico

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possibilitaram identificar as marcas linguísticas, que demonstram que toda negação pressupõe uma afirmação, através dos enunciadores expressos pelo enunciado e do sentido de determinadas palavras e expressões da língua.

Admitimos, então, que esta pesquisa não possa ser considerada como encerrada, pois o conceito de linguagem e as marcas linguísticas que demonstram como se dá a negação no discurso jurídico necessitam de outras análises que ampliem as características percebidas nesta. Essa ampliação deve ser feita para que se possa comprovar, aprofundadamente, o objetivo apresentado por este artigo.

Referências

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