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ARTE URBANA EM MOVIMENTO: O GRAFITE DA REDE NAMI E O FEMINISMO

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Academic year: 2021

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FEMINISMO

NATHÁLIA DE FREITAS1

RESUMO:

Desde a década de 1960 o uso do spray no Brasil se faz presente, ora como forma de expressão artística voltada para o protesto ou como manifestações sociais – seja na rua ou na galeria. Muitos artistas e instituições usam o grafite para se comunicar com a cidade, com a sociedade e com grupos específicos a partir de oficinas educativas. Essas instituições e artistas independentes abordam vários temas como uso de drogas, violência no trânsito, violência contra a mulher, cultura afro e outros. Este artigo tem como objetivo analisar o trabalho feito pela Rede Nami (Rede Feminista de Arte Urbana) que surgiu em 2010 na cidade do Rio de Janeiro. A Rede usa o grafite como uma ferramenta muito poderosa que pode ensinar sobre questões de gênero, violência doméstica contra a mulher, o empoderamento feminino e a luta das mulheres negras no Brasil.

1 Nathália de Freitas possui graduação em História (Licenciatura) pela Universidade Federal de Goiás (UFG/2011). É mestre em História pela Universidade Federal de Goiás (UFG/2014). Autora da dissertação: A REPRESENTAÇÃO VISUAL DO PINCEL ATÔMICO EM GOIÁS NA DÉCADA DE 1980. Atualmente faz doutorado na Universidade Federal de Goiás (UFG) desenvolvendo pesquisas relacionadas ao grafite em Goiás e a institucionalização do grafite no Brasil na linha de pesquisa: Fronteiras, Interculturalidades e Ensino de História (UFG). E-mail: nathi100@hotmail.com

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Não é difícil encontrar na sociedade contemporânea registros urbanos como o grafite e a pichação, seja nos banheiros públicos, nas paredes das escolas, nos espaços internos e externos de estabelecimentos comerciais e principalmente ao ar livre das cidades – postes, registros de energia, calçadas, pontes e muros. O grafite pode oscilar entre escrita e desenho, interfere no espaço urbano, é uma expressão do modo de vida contemporâneo que trata dos anseios da sociedade na forma de um reclame social no qual se discute e denuncia valores sociais, políticos, morais e econômicos. Em sua essência, o grafite é uma arte do gueto, daquelas pessoas que sentem necessidade de se expressarem e que usam o espaço público, para colocarem suas ideias em forma de piche ou de desenho.

A história do grafite no Brasil nos remete aos anos finais da década de 1970 e início da década de 1980 momento no qual o Brasil passava por uma agitação política, econômica e social. Foi um período de reestruturação de pensamentos no Brasil e no mundo. O país que ainda vivia nos períodos finais da ditadura militar já se abria para uma redemocratização. Marcada por novos comportamentos a década de 1980 foi caracterizada pelas ações de jovens descontentes com a situação política do Brasil que influenciados por alguns movimentos como o do punk e do rock and roll sacudiram o cenário nacional. Segundo Salvio Juliano Peixoto Farias:

Depois dos “anos de chumbo” impostos pela ditadura militar, as reformas políticas vindas desde o final dos anos 70 e a plena anistia admitida pelo governo de João Bastita Figueiredo trouxeram uma sensação de que dias melhores viriam já nos primeiros anos da década de 80, culminando no movimento Diretas Já, que mobilizou o país e trouxe de volta o sentimento de democracia. Esse sentimento de liberdade também impregnou os ateliês, utilizando a pintura como meio, seguindo a corrente difundida nos Estados Unidos, Alemanha e Itália. Assim como para a música – sobretudo o rock, rebelde e urbano das grandes cidades que experimentavam o auge do êxodo rural – a década de 1980 foi particularmente propícia para a produção artística visual do Brasil. Depois de anos do “hermetismo de grande parte da produção de arte conceitual, a assepsia visual das correntes minimalistas e o caráter um tanto autoritário do discurso crítico dos anos 70, os anos 80

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mostraram que os movimentos artísticos queriam novamente se aproximar do público.” (FARIAS, 2005, p.65).

Contudo ao longo dos anos de 1990 e 2000 o grafite no Brasil passou por um processo de ressignificação. Além de continuar na rua como forma de reclame passou a ser usado como uma arte de decoração que traz alegria e cor para o cinza dos centros urbanos. Chegou as galerias, museus, espaços internos como shoppings2, restaurantes, hotéis, aeroportos e principalmente chegou a instituições educativas como ONGs, projetos sociais, universidades e escolas. Tais instituições utilizam da arte urbana para educar – história, sociologia, artes, literatura, geografia, e filosofia – a partir de oficinas que são compostas de teoria e prática (feitura dos grafites).

Esses projetos sociais que usam o grafite são territórios de sociabilidade, nos quais se apostam na arte e na educação como instrumentos de aproximação e criação de vínculos com os jovens. Os projetos promovem oficinas artísticas e a maioria aulas de arte. Os participantes dessas oficinas e projetos educacionais encontraram na arte novas formas para ir além dos limites impostos pelo lugar de origem e algumas possibilidades concretas para a reinterpretação de realidades sociais e oportunidades singulares para o florescimento de talentos e de uma nova vida, fora dos perigos das drogas e da criminalidade presentes principalmente nas grandes cidades.

Assim, em se tratando do grafite como uma arte que tem potencial educador e como arte de reclame social, este artigo pretende apresentar o trabalho da Rede Nami3 (Rede Feminista de Arte Urbana) criada em 2010 pela grafiteira Panmela Castro que “após ser vítima da violência doméstica em um casamento infeliz a carioca criou a Rede

2 Em junho de 2016 o maior shopping de Goiás, Shopping Passeio das Águas, deu início ao projeto Arte Urbana no Passeio que consistiu em construir um dos maiores painéis de arte urbana do Brasil (4 mil metros quadrados de grafite). O painel foi feito pela Árvore Urbana: um coletivo de artistas goianos formado por André Amorim, Wes Gama e Rubin. Segundo a página oficial dos artistas: “nossa missão é manter o circuito artístico ativo na cidade, promover a arte de forma descentralizada através de exposições, pintura de murais e parcerias em eventos culturais, fomentando assim, o colecionismo e o consumo de arte.” (Disponível em: https://www.facebook.com/arvorearteurbana/ acesso em: 4 de junho 2016).

3 Sobre a origem do nome Nami: Nami é “mina” de trás para frente – segundo Panmela Castro é a língua do TTK uma linguagem do bairro do Catete (década de 1980) para pichar e ninguém saber.

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que usa a arte urbana para disseminar os direitos femininos.” (REVISTA PLANETA SUSTENTÁVEL, 2014: 1-2). Em busca dos ventos da liberdade das mulheres que há anos buscam paulatinamente conseguir seu espaço na sociedade Panmela começou a se envolver com o grafite ainda adolescente e hoje seu trabalho a partir da Rede Nami já é conhecido em grandes cidades brasileiras como Rio de Janeiro e São Paulo e também fora do país.

A Rede Nami que surgiu a partir de uma necessidade pessoal de Panmela hoje conta com mais de 500 participantes que usam o grafite para falar da mulher no Brasil e no mundo. A organização promove oficinas em comunidades e escolas públicas principalmente do Rio de Janeiro e contam com a participação de grafiteiras e grafiteiros formados pela Rede (figura 1). Além das oficinais os grafites da Rede já estão nas galerias de arte, empresas privadas e eventos internacionais como as Olimpíadas 2016 (figura 2).

Figura 1: Oficina de grafite “Anarkia andarilha” organizada pela Rede Nami no Espaço Cultural Furnas - Abril de 2015 – Rio de Janeiro. Acervo pessoal da autora.

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Figura 2: Grafite - Retrato de Clara Nunes na Vila Olímpica para as Olimpíadas Rio 2016 – maio 2016 – Rio de Janeiro – RJ. Acervo pessoal da autora.

Os principais temas discutidos pela Rede giram em torno da figura feminina e do multiculturalismo e trazem reflexões importantes sobre a cultura machista ainda predominante no Brasil (figura 3). Durante as aulas teóricas (figura 4) acontece um momento bate-papo que aborda a percepção de gênero (E ai: Vocês acham que o caráter da mulher de define pela roupa?), tipos de violência contra a mulher e ferramentas da Lei Maria da Penha4 – grande marco legislativo em relação às mulheres brasileiras. Além do conceito de feminismo outro de suma importância no debate da Rede Nami é o empoderamento das mulheres na sociedade contemporânea. Segundo Panmela Castro

4 LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. (Disponível em:

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em uma entrevista para o programa Como Será? – exibido aos sábados de manha na Rede Globo de televisão – o empoderamento “é dar poder a essas mulheres. Não que elas não tenham, mas fazerem-nas descobrirem esse poder que elas tem” (CASTRO, 2016).

Figura 3: Grafite da Rede Nami contra o machismo – Maio 2014 – Rio de Janeiro – RJ. Acervo pessoal da autora.

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Figura 4: Bate-papo sobre gênero. Oficina realizada no Colégio Estadual André Maurois - Abril 2014 – Rio de Janeiro – RJ. Acervo pessoal da autora.

O multiculturalismo também está entre os temas centrais do projeto e seu enfoque consiste em trazer a cultura da mulher afro. As participantes da Rede Nami que abordam tal temática são chamadas de “afrografiteiras” e discutem temas como a dor das negras na sociedade, o racismo, a exclusão social e a quebra de padrões estéticos impostos principalmente pela mídia televisiva defendendo uso do cabelo afro e o reconhecimento de todas as belezas. Uma das participantes do curso de formação das afrografiteiras é Jennifer Borges de 28 anos que mudou sua vida após se engajar no projeto:

“Sou preta e pobre e fui parar na galeria. Fui selecionada para um curso de formação para afrografiteiras, realizado pela Rede Nami. Fixemos arte política nas ruas e expressamos nossa negritude. Sempre quis ser artista, mas nunca imaginei que uma menina preta, pobre, periférica e sapatão conseguiria um dia estar em uma galeria de arte. Foi surreal. Em uma oportunidade, representei a minha avó em um grafite. Ela foi uma mulher pobre e negra, que casou com um homem branco para tentar” embranquecer” as filhas para que não sofressem tanto racismo. Na sociedade, a figura da mulher negra é subversiva pela representatividade.

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Passar na rua e se reconhecer em uma imagem de um grafite dá mais força e coragem para ser quem somos” (FOLHA DE SÃO PAULO, 2015: p.16).

Como vimos os três grandes temas que perpassam os grafites da Rede Nami são a violência contra as mulheres, a luta das mulheres pela igualdade de gênero (feminismo) e a luta da mulher afro. O primeiro tema - violência contra as mulheres (figura 5) - é discutido a partir dos grafites com muita cor e denúncia, olhos marcados com o roxo após uma agressão, lágrimas de dor e tristeza, a expressão cansada e machucada e as frases “efêmero” e “diga não” compõe o grafite que denuncia a violência doméstica. Já o estêncil5 (figura 6) traz a inscrição “em mulher não se bate nem com uma flor” a composição imagética articula um rosto feminino e uma flor na região do quadril.

5 São placas/moldes que vem com desenhos vazados para o artista preencher geralmente com o spray ou tinta e pincel.

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Figura 5: Grafite Colégio Estadual André Maurois - Abril 2014 – Rio de Janeiro – RJ. Acervo pessoal da autora.

Figura 6: Estêncil da Rede Nami. Acervo pessoal da autora.

Em relação a luta das mulheres pela equidade de gênero (feminismo) os grafites trazem elementos e frases que nos fazem refletir sobre o posicionamento das mulheres na sociedade e questionar os elementos conversadores que ainda persistem no Brasil e mundo. O grafite “mulher bonita é mulher que luta” (figura 7) literalmente coloca a mulher com a boca no megafone convocando outras para a luta, de braço direito erguido e punho fechado representando um ato de força e coragem. Já no grafite “lugar de mulher é onde ela quiser” (figura 8) temos uma mensagem comumente divulgada pelas feministas na qual compõe a ideia de que a mulher pode estar onde ela queira estar - no mercado de trabalho, nos esportes, nas universidades ou no lar.

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Figura 7: Grafite Rede Nami – Junho 2014. Acervo pessoal da autora.

Figura 8: Grafite Rede Nami – junho 2014. Acervo pessoal da autora.

E por fim, em relação a temática da mulher afro (figura 9) os grafites trazem traços fortes e coloridos. O cabelo afro, o turbante, olhos grandes e acessórios. O multiculturalismo e a diversidade são apresentados pela Rede Nami (figura 10). Da esquerda para a direita: duas negras e duas brancas, mulheres completamente diferentes – cabelo, peso corporal, roupa e postura.

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Figura 9: Grafite da Rede Nami – Afrografiteiras – 2014. Acervo pessoal da autora.

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A partir dos grafites e discursos analisados podemos perceber que a Rede Nami traz para o projeto mulheres excluídas em vários contextos - sociais, econômicos, culturais - e ainda conseguiu a partir da arte reunir grafiteiras conscientes de seus direitos e que lutam por uma sociedade com equidade de gênero que respeite a diversidade e o multiculturalismo. O grafite tem esse potencial cognitivo e por meio dele os projetos sociais e ONGs discutem temas importantes para a sociedade contemporânea.

REFERÊNCIAS:

CASTRO, Panmela [jan/2016]. Entrevistadora: O que Será?. São Paulo, 2016.

FARIAS, Salvio Juliano Peixoto. Galeria Aberta: uma história por múltiplos atores. 2005. Dissertação (Mestrado em Artes Visuais) – Faculdade de Artes Visuais, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2005.

FOLHA DE SÃO PAULO. Vidas transformadas. Caderno empreendedor social, 19 nov. 2015.

MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. Rumo a uma História Visual. In: MARTINS, J. de S; ECKERT, C. e NOVAES, S. C. (Orgs.). O Imaginário e o Poético nas Ciências Sociais. Bauru: Edusc, 2005.

MENESES, Ulpiano T. Bezerra. Fontes visuais, cultura visual, História visual: balanço provisório, propostas cautelares. V. 23, nº 45, pp. 11-36, 2003. Disponível em

<http://www.scielo.br/pdf/rbh/v23n45/16519.pdf>.

PETTINI, Ana. Arte Pública contemporânea: experiências de Porto Alegre. In: ALVES, José Francisco. Experiências em arte pública: memória e atualidade. Porto Alegre: Artfolio/Cidade, 2008.

REVISTA PLANETA SUSTENTÁVEL. Rede Nami usa arte urbana para promover direitos das mulheres. Rio de Janeiro, 5 de março de 2014.

SITES:

<https://www.facebook.com/arvorearteurbana/> Acesso em: 4 de jun. 2016

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm> Acesso em: 4 jun. 2016

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