GT: Educação Matemática, 19
Nilce Fátima Scheffer - URI – CAMPUS DE ERECHIM/RS Agência Financiadora: CNPq
Introdução
Este artigo relata um estudo efetuado com estudantes da última série do Ensino Fundamental de uma escola pública situada no município de Rio Claro-SP, que envolveu a utilização de diferentes mídias na discussão do tema movimento.
Tendo como referencial Merleau-Ponty, trabalhou-se, em especial, as noções de corpo-próprio e movimento na perspectiva da Fenomenologia da Percepção, integrando-se na discussão a presença das tecnologias na abordagem do tema movimento. Com a presença da informatização, novas expectativas se apresentam ao ensino e aprendizagem da matemática; Borba (1996), Kaput (1992) e Valente (1996) enfatizam que há necessidade de uma reorientação pedagógica dos métodos, currículos e práticas, considerando os impactos da tecnologia no currículo e na pedagogia. O grande desafio com que se defronta o professor está em redimensionar o uso desses recursos no ensino, incorporando-os à atividade de sala de aula.
O estudo
A investigação inseriu-se na perspectiva da pesquisa qualitativa, envolveu diálogo e observação direta ao longo do seu desenvolvimento, teve como instrumento de coleta de dados experimentos de ensino, com sessões filmadas e transcritas, constituindo-se nos dados da pesquisa.
A partir do envolvimento direto com o CBR1 e com o LBM2 em situação de movimento, foi possível relacionar o próprio movimento corporal com a representação gráfica no plano cartesiano. Assim, no decorrer dos experimentos, os movimentos corporais realizados com os sensores suscitaram discussão sob a ótica das diferentes representações para os mesmos.
Neste estudo a representação dos movimentos corporais apresentou-se de maneiras diferentes: no plano cartesiano, quando da utilização da calculadora e
1 CBR – Calculator Based Ranger, detector sônico de movimentos, sensor acoplável na Calculadora Gráfica TI-83
computador, nas manifestações orais, gestos e registros escritos dos estudantes, valorizando, assim, o corpo-próprio como fonte de expressão e manifestação.
Os sensores e a informática
Os ambientes de aprendizagem informatizados, as tecnologias e, em especial os sensores atualmente têm motivado pesquisas voltadas à sua utilização na abordagem e exploração de temas de matemática e física na escola.
No ensino de Matemática, por exemplo, tem-se desenvolvido práticas interdisciplinares com a utilização de calculadoras gráficas e de outros recursos que são considerados tecnologias auxiliares do trabalho exploratório que o professor desenvolve. As tecnologias, de acordo com Borba e Confrey (1996), Nemirovsky (1996), Palis (1997) e Borba (1996, 1999), facilitam a exploração de aspectos como o gráfico e o numérico de diversos conceitos e processos na exploração matemática, em particular no estudo de funções.
Essa posição torna evidentes os efeitos das tecnologias no ensino de Matemática, principalmente tendo em vista a visualização e a representação matemática em janela gráfica, o que enriquece o procedimento tradicional da utilização das mídias lápis e papel.
Quando a informática passa a integrar o ambiente escolar num processo de interação que envolve aluno, professor e tecnologias, ela passa a despertar a sensibilidade dos professores quanto à existência de diferentes opções de representação matemática, o que é fundamental para a ocorrência de construções, análises e estabelecimento de relações. Esse tipo de trabalho é conhecido como proposta de ambientes “enriquecidos”, “interativos” e “orientados”, que envolvem alunos, professores e pesquisadores numa prática integrada e planejada, que possibilita o raciocínio e a criação ao mesmo tempo que a relação estudante-ambiente informatizado propicia momentos de elaboração e reflexão matemática.
Os ambientes constituídos pelas calculadoras gráficas, segundo Kaput (1992) e Borba (1999), têm a funcionalidade de microcomputadores para a resolução de problemas em diferentes situações da Matemática e da Física, enquanto aqueles construídos pelos softwares educativos, segundo Carraher (1992) e Kaput (1992), são vistos como auxiliares do processo de conhecimento, porque oferecem ao estudante condições de resolver problemas e realizar tarefas como: representar graficamente,
2 LBM – Line Became Motion, software para exploração da representação gráfica de movimentos na tela do computador.
desenhar, escrever, com destaque para a importância da descrição, execução, reflexão e verificação.
Nesse sentido, Brasell (1987), Nemirovsky (1996), Lindwall e Lindström (1998), Nemirovsky, Kaput, Roschelle (1998) desenvolveram estudos relacionados aos conceitos de distância, velocidade e aceleração, utilizando-se de softwares e sensores como interfaces para trabalhar representação gráfica no plano cartesiano com os estudantes.
Tais reflexões corroboram que trabalhar na sala de aula com a diversidade proporcionada pelas tecnologias, aquecida pelas discussões, debates e conflitos gerados, parece ser um desafio para os professores que farão uso de tecnologias, as quais, além de proporcionarem a interação, realçam aspectos visuais e gráficos na abordagem do tema movimento.
Os movimentos corporais na interação com as tecnologias
O envolvimento direto com o CBR e o LBM junto ao corpo abre possibilidades para relacionar o próprio movimento corporal com a representação gráfica no plano cartesiano, motivo que levou ao estudo dos temas movimento e movimentos do corpo a partir da perspectiva teórica de Merleau-Ponty.
Para este autor, a experiência corporal e lingüística coloca o corpo-próprio como compreensão, expressão e comunicação do homem no mundo. Destaca o corpo na experiência do movimento como modo de ser no espaço que percebe. Assim, na concepção de movimento em Merleau-Ponty, o corpo-próprio é considerado já sempre em movimento intencional3, considerando a unidade corpo-mente e movimento mais pensamento de movimento. Pode-se dizer, então, que considerar o corpo sendo movimento é reconhecê-lo como algo que não se reduz à causalidade linear. É considerar, ainda, que o ser humano não é um ser determinado, mas uma criação contínua.
Nesse sentido, o corpo sendo movimento, na comunicação entre os sentidos, é um corpo que percebe o movimento, logo, reflete. Portanto no sentido fenomenológico, como explicitado por Merleau-Ponty, tudo está em movimento. O movimento não supõe necessariamente um móbil, basta que ele encerre algo que se move. O corpo está sempre em movimento, e não o movimento descritível, o movimento só tem sentido se há o movente. Para esse autor, o movimento se manifesta de uma maneira mais sensível à implicação espacial e temporal.
Assim, o sentido dos gestos não é dado, mas compreendido; obtrém-se a comunicação ou a compreensão dos gestos obtém-se pela reciprocidade entre minhas intenções e os gestos do outro, “entre meus gestos e intenções legíveis na conduta do outro”.
É por meu corpo que compreendo o outro, assim como é por meu corpo que percebo as ‘coisas’. Assim ‘compreendido’, o sentido do gesto não está atrás dele, ele se confunde com a estrutura do mundo que o gesto desenha e que por minha conta eu retomo, ele se expõe no próprio gesto - assim como, na experiência perceptiva. (Ponty, 1994, p.253)
Com essas palavras o autor afirma que o sentido do gesto está no corpo-próprio que se expõe na experiência perceptiva. E a concepção do corpo sendo movimento permite ver melhor como ele habita o espaço, porque o movimento não se submete ao espaço e ao tempo, ele os assume, retoma-os em sua significação original.
Neste trabalho, o corpo sendo movimento com os sensores foi o ponto de partida para a discussão e análise de questões como tempo, espaço e representação gráfica cartesiana de movimentos, na relação corpo-mídias-matemática que ocupou lugar central nos experimentos de ensino.
As representações e as diferentes mídias
Lindwall e Lindström (1999), Nemirovsky ( 1996), Nemirovsky, Tierney, Wright (1995), ao realizarem estudos utilizando softwares que representam graficamente movimentos vivenciados pelos estudantes, destacam as múltiplas formas de representação, como modos para expressar entendimentos, sendo possível, a partir da representação dada na tela do computador, o estabelecimento de relações entre distância e tempo, velocidade e tempo, aceleração e tempo, na representação cartesiana do movimento.
Nesse sentido, o uso das tecnologias aponta possibilidades exploratórias que envolvem a incorporação de aspectos como o gráfico, o numérico e a exploração matemática, em particular no estudo de funções (Borba e Confrey, 1996; Nemirovsky,1996; Palis ,1997 e Borba , 1996, 1999).
Esse tipo de exploração matemática é muito valorizado especialmente por Borba e Confrey (1996), quando propõem uma inversão da tradicional ordem de abordagem de transformações de funções, focalizando ambientes de representações múltiplas para a
aprendizagem matemática e a exploração de funções que pode partir da análise de gráficos e de tabelas apresentadas nas mídias.
O foco no estudo de funções e representações múltiplas, que se encontra em Borba (1993) e Borba e Confrey (1996), quando exploram funções com o auxílio do computador no ambiente do Function Probe, e no estudo de funções com calculadoras gráficas como apresentado por Souza (1996), constitui-se numa forma de abordagem diferente daquela desenvolvida neste estudo, porque tanto o software LBM, quanto o sensor CBR tornam possível a representação gráfica de funções na tela do computador e/ou calculadora, a partir da interação dos estudantes com as mídias na experiência do movimento corporal.
Portanto essa representação gráfica a partir das imagens das funções apresentadas para os movimentos corporais dos estudantes em interação com as interfaces, que teve os ambientes informatizados como pano de fundo, vem contribuir para que a concepção de movimento se modifique na experiência do corpo-próprio.
Considerações Finais
O estudo mostrou que as múltiplas representações envolvendo o campo do desenho, o gesto e a expressão oral, além do plano cartesiano, que descreve um movimento com uma função a partir de duas variáveis, encontram na experiência corporal com as mídias uma abordagem diferente daquela que considera a representação gráfica como conjunto de pontos.
No decorrer dos experimentos, os movimentos corporais realizados com os sensores suscitaram discussão sob a ótica das possíveis representações para os mesmos. A partir deste estudo, é possível afirmar que o movimento assume diferentes representações para os estudantes. E que a utilização das interfaces com os estudantes do Ensino Fundamental apresentou-se como possibilidade à experiência do movimento corporal; à ilustração e representação desses movimentos, através de gráficos cartesianos; à visualização em tempo real da construção de um gráfico cartesiano para o movimento e à apresentação de imagens que, sem esses recursos, não estariam disponíveis para o estudante.
Para finalizar, posso dizer que foram estabelecidas compreensões a respeito de caracterizações e relações entre movimentos corporais e representações cartesianas na interação com o CBR e o software LBM. Assim, a compreensão da representação gráfica cartesiana com o corpo-próprio vai além das maneiras já consagradas na escola, porque a representação que corresponde a um movimento vivenciado descreve uma função que
torna possível, em qualquer momento de interpretação, reviver o movimento realizado com os sensores. Desse modo, a interação corpo-mídias-matemática apresenta-se como um novo caminho para a discussão do tema movimento na escola.
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Esquema
MOVIMENTOS CORPORAIS, SENSORES, INFORMÁTICA E REPRESENTAÇÃO MATEMÁTICA
Introdução
Este trabalho relata um estudo realizado com estudantes da última série do Ensino Fundamental de uma escola pública situada no município de Rio Claro-SP, que envolveu a utilização de diferentes mídias na discussão do tema movimento. Teve como referencial principal Merleau-Ponty e Ricardo Nemirovsky. Trabalhou-se, em especial, as noções de corpo-próprio e movimento na
perspectiva da Fenomenologia da Percepção, integrando-se na discussão a presença das tecnologias na abordagem e exploração matemática do tema movimento.
O estudo
Tema: Representação gráfica cartesiana de movimentos corporais
Objetivo: Investigar como o estudante caracteriza e interpreta a representação gráfica cartesiana de movimentos corporais, utilizando recursos tecnológicos, além de analisar as representações atribuídas por eles para os movimentos produzidos com os sensores.
Tipo de Pesquisa: Pesquisa Qualitativa
População: Estudantes da 8a série do Ensino Fundamental
Recursos: Calculadora Gráfica TI-83 acoplada ao sensor CBR (Calculator Based Ranger), detector sônico de movimentos.
Software LBM-(Line Became Motion), que tem
por função a exploração da representação gráfica de movimentos na tela do computador.
Coleta de dados: Experimentos de Ensino
Análise: Considerou as manifestações orais e registros escritos dos estudantes nas sessões dos experimentos de ensino, que foram filmadas e transcritas.
Os sensores e a informática
Os ambientes de aprendizagem informatizados, as tecnologias e em especial os sensores tornam possível a exploração de temas de matemática e física na escola:
• Aspectos gráficos e numéricos
• Estudo de funções
• Visualização e representação matemática em janela gráfica
Os movimentos corporais na interação com as tecnologias Neste trabalho, o corpo sendo movimento com os sensores, foi o ponto de partida para a discussão e análise de questões como tempo, espaço e representação gráfica cartesiana de movimentos, na relação corpo-mídias-matemática que ocupou lugar central nos experimentos de ensino.
Para Merleau-Ponty, a experiência corporal e lingüística coloca o corpo-próprio como compreensão, expressão e comunicação do homem no mundo.
----FOTOS DE MOVIMENTOS COM OS SENSORES---
As representações e as diferentes mídias As múltiplas formas de representação, modos para expressar entendimentos.
A representação cartesiana do movimento, dada na tela do computador e/ ou calculadora destaca :
• relações entre distância e tempo, velocidade e tempo, aceleração e tempo.
A representação dos movimentos corporais apresentou-se de maneiras diferentes:
• no plano cartesiano, quando da utilização da calculadora e computador;
• nas manifestações orais, gestos e registros escritos dos estudantes.
Assim, o corpo-próprio é visto como fonte de expressão e manifestação.
----FIGURAS DE DIFERENTES REPRESENTAÇÕES----
Resultados
O estudo mostrou que, na experiência corporal com as mídias, as múltiplas representações apresentam uma abordagem diferente daquela que considera a representação gráfica como conjunto de pontos. Foram estabelecidas compreensões a respeito de caracterizações e relações entre movimentos corporais e representações cartesianas na interação com o CBR e o software LBM. Nesse sentido, a compreensão da representação gráfica cartesiana com o corpo-próprio vai além de maneiras já consagradas na escola, porque a representação que corresponde a um movimento vivenciado descreve uma função que torna possível, em qualquer momento de interpretação, reviver o movimento realizado com os sensores. A interação corpo-mídias-matemática apresenta-se como um novo caminho para a discussão do tema movimento na escola.