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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO CAMPUS BAIXADA SANTISTA CURSO DE PSICOLOGIA

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO

CAMPUS BAIXADA SANTISTA

CURSO DE PSICOLOGIA

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BRUNO ALVES BARROS DE OLIVEIRA

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

UMA ANÁLISE QUALITATIVA DA HISTÓRIA DE

LUTADORES DE JIU-JITSU NO ESPORTE

Orientador: Prof. Dr. Ricardo da Costa Padovani

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO

CAMPUS BAIXADA SANTISTA

CURSO DE PSICOLOGIA

_____________________________________________________________________________

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

UMA ANÁLISE QUALITATIVA DA HISTÓRIA DE

LUTADORES DE JIU-JITSU NO ESPORTE

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Federal de São Paulo- Campus Baixada Santista, curso de Psicologia.

Bruno Alves Barros de Oliveira Orientador: Prof. Dr. Ricardo da Costa Padovani

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SUMÁRIO Resumo 5 Introdução 6 Metologia 15 Participantes 15 Instrumentos 15 Procedimento 15 Análise de dados 16 Resultados e discussão 16 Tabela de caracterização 17 Caracterização 18 Categorias 19 Pisando no tatame 19 Em formação 22 Pondo o kimono 25 Ajustando a máquina 27 Saindo na mão 31

Melhor saber e não precisar, do que precisar e não saber 36

O jiu-jitsu mudou minha vida 47

Considerações finais 51

Referências 53

Apêndice 59

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RESUMO

O jiu-jitsu brasileiro vem se consolidando como uma importante marca no cenário do esporte no Brasil. Nesta perspectiva, o desenvolvimento de estudos de natureza qualitativa pode ampliar o alcance e o significado do jiu-jitsu entre praticantes na realidade brasileira. O objetivo do estudo foi investigar a percepção de lutadores de jiu-jitsu sobre a influência da sua prática na expressão do autocontrole e na percepção do bem-estar subjetivo e qualidade de vida do praticante. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UNIFESP (07506019.2.0000.5505). Participaram do estudo 10 lutadores de jiu-jitsu com idades entre 23 e 40 anos e com tempo de prática variando de 1,6 a 24 anos. A assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido formalizou a participação no estudo. A coleta de dados se deu a partir da aplicação de um roteiro de entrevista semiestruturado, aplicado individualmente, que abordou as seguintes temáticas: interesse e finalidade na modalidade, percepção acerca de mudanças comportamentais individuais e da prática da modalidade como forma de autodefesa. Os dados analisados a partir da análise de conteúdo, modalidade temática. Os núcleos temáticos que emergiram da análise foram: pisando no tatame, em formação, pondo o

kimono, ajustando a máquina, saindo na mão, melhor saber e não precisar, do que precisar e não saber e o jiu-jitsu mudou minha vida. Acredita-se que os resultados

provenientes deste estudo possam ampliar a visão acerca dos efeitos da prática contínua de jiu-jitsu sobre a percepção da emissão do comportamento agressivo e da qualidade de vida dos praticantes.

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O Jiu-Jitsu Brasileiro, ou Brazilian Jiu-Jitsu (BJJ) vem se destacando no cenário esportivo com o crescimento do Ultimate Fighting Championship (UFC) e de outros eventos de Mixed Martial Arts (MMA), se tornando uma importante referência cultural do Brasil (Teixeira, 2011) e, em alguns anos sendo a arte marcial mais praticada no país, superando, em número, modalidades olímpicas como Judô e Taekwondo (Ferreira, 2016).

Caracterizado por ser um estilo de luta agarrada, como o judô e a luta greco-romana, no jiu-jitsu se tem como objetivo imobilizar e finalizar o adversário por meio de uma ampla gama de chaves de articulações e de estrangulamentos. É considerado um esporte intelectualizado, uma vez que seus movimentos são bastante complexos e sua prática demanda um alto grau de controle físico e mental concomitante à exigência de o praticante se adaptar aos movimentos tanto seus quanto do adversário e se manter em um estado mental mais pacífico para conseguir se concentrar e saber a hora de agir e de esperar brechas na movimentação do oponente durante a luta, sendo indesejada uma postura mais reativa ou que possa colocar em risco a integridade do contendedor (Almeida & Silva, 2009; Luz, 2000; Basseti, Telles & Barreira, 2016). No entanto, difere dos demais esportes de combate uma vez que, ao contrário destes, o BJJ propicia formas de lutar eficazmente com as costas no chão, posição na qual a maioria das lutas se encerram e, portanto, não trabalham (Teixeira, 2011).

Estudos com lutadores de BJJ indicam melhoras em diversas competências para a vida dos praticantes, como um aumento no respeito com as demais pessoas, perseverança, autoconfiança, melhoria nos hábitos de vida, melhorias no sono, no controle motor, na satisfação com o peso e na auto avaliação da saúde, além de ajudar no controle da ansiedade tanto para deficientes visuais, quanto para a prática policial (Chinkov & Holt, 2015; Brandt et al, 2015; Almeida & Silva, 2009; Renden et al, 2015). Outro efeito positivo relacionado a prática do BJJ é a redução significativa de sintomas de Estresse

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Pós-Traumático, como observado por Willing et al (2019) em seu estudo com veteranos de guerra no qual encontraram forte correlação entre a prática de BJJ e a redução de sintomas relacionados ao referido transtorno.

Outro estudo revela maior probabilidade de o praticante de jiu-jitsu possuir um perfil mais voltado ao coletivismo, contrariando o esperado para um esporte individual (Vieira et al, 2016; Samulski, 2009), mas corroborando os achados de Feijó (1992) que já destacava um caráter mais cooperativo do que competitivo em competições de artes marciais.

Nessa mesma perspectiva, Mocarzel (2016) observou que a prática regular de esportes de combate é uma forma de combate à exclusão de pessoas com deficiência e Theeboom (2012) ressalta que o uso desses esportes, em especial as “lutas duras”, como o boxe e o muay thai, é bastante amplo em projetos sociais voltados à jovens em situação de risco. Castro et al (2018) respaldam o uso de artes marciais, em especial o jiu-jitsu em projetos sociais, uma vez que apontam melhorias em diversos aspectos da vida dos jovens participantes do programa, que relatam melhorias na sua percepção de autodisciplina, autoconfiança, concentração e sociabilidade.

Bueno (2016) afirma, ainda, que os benefícios comportamentais da prática de artes marciais, em especial as tradicionais, não ligadas à competição, como o maior controle da agressividade, controle do estresse e gestão de conflitos, melhoras da autoconfiança, na estabilidade e controle emocional, determinação, resolução de problema por parte dos praticantes e aumento do limiar de dor, além da prevenção da violência escolar e redução do estresse, são bastante claros, afora, aponta a prática do BJJ, uma arte marcial moderna e competitiva, como um dos esportes que mais contribuem para melhorias no controle inibitório de crianças. Tais considerações que a prática pode exercer importante papel no desenvolvimento psicológicos de seus praticantes são parte da discussão de Rufino e

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Darido (2009) a respeito da proposta dos Parâmetros Curriculares Nacionais acerca da implementação da prática de BJJ nas aulas de Educação Física Escolar no Brasil. A relação do esporte com o desenvolvimento psicológico saudável e melhoria da qualidade de vida vem sendo apontado por diferentes autores que investigam os efeitos da prática esportiva (Deslandes et al, 2012; Weinberg & Gould, 2008).

E foi justamente na busca de uma arte marcial que possibilita uma transformação positiva do praticante que o jiu-jitsu chegou ao Brasil, local no qual seria modificado e se tornaria o estilo de esporte de combate conhecido hoje como BJJ.

Com uma origem controversa no Brasil, o jiu-jitsu chega em solo nacional no início do século XX com práticas como desafios a outros lutadores de outras artes marciais surgindo como uma das principais formas de aumentar a visibilidade da modalidade, que teve sua popularidade alavancada após ser adotada na Marinha Brasileira e, principalmente por conta da família Grace, que levou a modalidade à elite carioca (Cairus, 2011; Lise e Capraro, 2018).

Vê-se ainda hoje reflexos da escolha feita pelos Gracie em relação à população para a qual ensinariam jiu-jitsu em estudos como o de Vieira et al (2016), o qual constatou uma população predominantemente branca e de classe média e alta como praticantes da modalidade.

No entanto, com a ascensão proporcionada, principalmente, pelos Gracie, o jiu-jitsu brasileiro distanciou seu ethos, conjunto de hábitos e crenças que definem um grupo cultural, do jiu-jitsu japonês. A família em questão promoveu sua versão do esporte por meio de desafios a mestres de outras artes marciais. Desenvolveu-se, então, um ambiente patriarcal e masculinizado na maioria das academias do esporte e a mídia passou a noticiar, principalmente a partir dos anos noventa, casos de lutadores de BJJ que brigavam

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na rua com frequência, os por ela rotulados pitboys (Rocha et al, 2015; Teixeira, 2010; Teixeira 2011).

Os pitboys são apresentados por Teixeira (2010) como jovens praticantes de jiu-jitsu e/ou vale-tudo, modalidade que posteriormente ficaria conhecida como MMA (Passos et al, 2014), pertencentes às classes média e alta que ao mesmo tempo em que se identificam com a estética da marginalidade propagada pelo cinema e música, a partir dos anos noventa, mantém o discurso de “você sabe com quem está falando?”, recorrendo à diferença de classe social quando necessário. Essa identificação, segundo o autor, é representada pelo fato de o pitboy usar o corpo-arma como forma de coerção. Nesse sentido a “orelha estourada”, que é a orelha inchada com sangue devido ao constante atrito com o tatame e com o quimono, traje tradicional na prática da modalidade, durante os treinos, surge como um traço distintivo desse grupo.

Essa característica visual e evidente dá uma declaração a todos que a veem que seu portador é, mais do que um praticante de BJJ, provavelmente um “casca-grossa”, ou seja, um sujeito que além de dedicar muitas horas de sua vida aos treinos, é um sujeito hipermasculinizado, bruto, pouco afeito à polidez da civilidade e possuidor de um ethos guerreiro. O pitboy é recompensado na sociedade por possuir esse ethos, que busca o reconhecimento. Não que ele seja invisível socialmente, uma vez que pertence a uma classe social prestigiada, mas ao manifestar esse ethos com comportamentos violentos, é reconhecido dentro de um certo grupo composto por outros sujeitos semelhantes a ele e por garotas que apreciam esse tipo de comportamento, além de, durante o ato violento, reforçar sua capacidade de impor seu controle físico sobre outros homens.

No entanto, esse mesmo indivíduo que usa o jiu-jitsu como forma de se aproximar esteticamente da ideia do marginal que viu em filmes e músicas conta com o recurso da influência proveniente de famílias abastadas cujos membros conseguem, muitas vezes,

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sobrepor ou flexibilizar as leis quando veem necessidade. Essa prática, entretanto, não parecia possível a lutadores de outras modalidades, como o muay thai, que manifestavam, também no final do século XX, sua masculinidade por meio de brigas nas ruas, sendo processados por tal comportamento (Passos et al, 2014).

Embora Passos et al (2014) mostrem que a brutalidade não se faz mais presente, uma vez que era marca de um período prévio a um refinamento de uma modalidade de combate, Gronek et al (2015) ilustram discursos de treinadores incentivando a agressividade em atletas de esportes de combate, pois, segundo o entendimento destes, torna o atleta mais eficiente.

Essa imagem negativa, contudo, não se restringe ao BJJ, mas se amplia a uma considerável parcela das artes marciais, em especial, como diz Theeboom (2012), às “lutas duras”, as quais recebem diversas críticas médicas, filosóficas e morais que questionam inclusive seu espaço na sociedade contemporânea. Tais críticas estão associadas a uma postura agressiva, violenta, por exigirem uma supremacia física sobre o oponente em seus treinos e competições, em oposição a modalidades mais próximas de raízes asiáticas, como o aikidô, karatê ou taekwondo, que enfatizam uma parte filosófica com menor ênfase no físico.

Mickelsson (2019) também aponta que a filosofia da arte marcial é um fator importante para se pensar a respeito de mudanças no comportamento agressivo e no desenvolvimento de comportamentos socialmente desejáveis e autocontrole. Entretanto, o autor traz que indivíduos podem escolher diferentes modalidades de acordo com características pessoais anteriores à prática de alguma arte marcial específica. Seu estudo baseou-se em acompanhar, por cinco meses, indivíduos que iniciaram a prática de BJJ ou MMA na Suécia. No início do estudo foram coletados dados a respeito da agressividade, autocontrole, prevalência de comportamento socialmente desejável e frequência de

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crimes e delinquências. Os mesmos testes foram aplicados ao cabo do período do estudo. O pesquisador encontrou que os indivíduos que iniciaram a prática de MMA possuíam uma agressividade basal maior do que as pessoas que iniciaram a prática de BJJ e apresentaram um aumento desta ao cabo do estudo, ao passo que os praticantes de jiu-jitsu apresentaram um declínio nesta variável e um aumento mais significativo quanto a emissão de comportamentos socialmente desejáveis. Ainda foi encontrado que pessoas que desistiram das modalidades possuíam um nível basal de agressividade, em média, menor.

Isso pode estar relacionado com o porquê na atualidade as pessoas que não lutam jiu-jitsu não necessariamente possuírem uma visão negativa a respeito do esporte e seus praticantes, mesmo com a mídia divulgando diversas notícias a respeito da ação dos

pitboys. Rufino (2010) realizou um estudo no qual buscou conhecer a visão dos não

praticantes a respeito do BJJ e seus praticantes. Seus dados mostraram que a população não praticante do esporte não possui uma visão negativa da arte marcial, mesmo quando exposta a diversas notícias que atrelam a prática à violência e agressividade. Foram encontradas, ao contrário, opiniões que apoiam a introdução do esporte nas aulas de educação física escolar, a experimentação de ao menos uma aula da modalidade e que o esporte não reflete o comportamento dos praticantes, que os lutadores de jiu-jitsu não são nem agressivos nem violentos e que esse comportamento varia de pessoa para pessoa.

Ainda em relação ao questionamento do perfil violento de lutares de jiu-jitsu, o estudo de Lopes e Castro (2015) mostra maior grau de agressividade em praticantes de esportes coletivos do que em lutadores. Neste estudo eles relacionam esse resultado a uma possível disseminação de uma ideologia comumente transmitida em academias de artes marciais, que prega o controle da agressividade e o uso da luta como esporte e não como agressão, o que é visto, por exemplo, nos relatos dos participantes do projeto de extensão

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de prática de BJJ de Castro et al (2018). Entretanto, vale ressaltar que em um estudo anterior Lopes e Castro (2014) encontraram uma relação positiva entre um maior tempo de prática de artes marciais e maior nível de agressividade. Os autores interpretaram essa relação com um progressivo grau de envolvimento do atleta com a modalidade. Bassetti, Telles e Barreira (2016) aproximam-se desses resultados ao dizerem que a prática do BJJ entre lutadores de níveis próximos possui um caráter mais físico, no qual o praticante passa a ter uma interpretação mais emocional e enxerga o parceiro como uma ameaça e sente necessidade de atacar, mas também afirmam que quando a prática da luta se dá entre lutadores com diferentes níveis de experiência a luta se mostra mais próxima da premissa da “arte suave” que é pregada pela comunidade do BJJ. Entretanto, Pacheco (2012) encontrou algo diferente, uma vez que os praticantes de jiu-jitsu que demonstraram comportamento agressivo praticavam a modalidade a poucos meses. No entanto, seu estudo aponta que a prática de artes marciais é benéfica no que se trata de reduzir a incidência de comportamentos agressivos. Isso indica que a prática da modalidade é apenas um fator que influencia o fenômeno complexo que é a emissão de comportamentos agressivos, não sendo, sozinha um fator determinante da ocorrência ou não deste evento.

Essa incongruência entre os resultados da prática regular de artes marciais foi o alvo do estudo de Theeboom (2012), que aponta como sua causa a falta de importância dada ao contexto no qual a pesquisa é feita, não levando em consideração as especificidades de cada luta ou o perfil do mestre, que, segundo o autor, terá sua didática fundamentada em uma das três grandes abordagens de ensino de artes marciais: a tradicional, que busca equilíbrio entre corpo e mente; a esportiva, que coloca as artes marciais como esporte, restringindo algumas técnicas e visando impactos positivos a seus praticantes, e a eficiente, voltada à autodefesa. Theeboom (2012), no mesmo estudo, ainda

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menciona que as diferenças individuais devem ser levadas em consideração, uma vez que cada praticante irá interpretar de uma maneira a prática de artes marciais.

Tais achados mostram a importância de realização de novas pesquisas a fim de lançar luz à influência da prática de artes marciais não só na diminuição da incidência de comportamentos agressivos, mas também no aumento de comportamentos socialmente desejáveis de modo mais amplo. Vicentini e Marques (2018) corroboram com essa visão ao trazerem um estudo bibliográfico no qual encontraram, no período de 1996 a 2016, apenas sete dos 105 artigos que relacionavam Jiu-Jitsu e Psicologia do Esporte e 21 (13 artigos e oito teses e dissertações) eram de natureza qualitativa que se dividiam em quatro subáreas (História do esporte, Sociologia do esporte, Psicologia do esporte e Pedagogia do esporte), demonstrando que, embora exista uma produção qualitativa na área, esta ainda se encontra reduzida e focada em praticantes não competidores (40,3% da produção observada pelos autores atuava com esta população). Acredita-se que investigações de natureza qualitativa podem trazer importante contribuição uma vez que possibilita apreender a percepção fenomenológica do indivíduo. Ampliar a compreensão de como o indivíduo perceba a realidade e como organiza seu psiquismo pode orientar estudos de natureza interventiva bem como favorecer que se repense algumas práticas e estimulem outras no que se refere ao desenvolvimento psicológico saudável de seus praticantes.

Levando em consideração a proposta da pesquisa qualitativa e o estado no qual se encontra a produção científica sobre o tema agressividade e jiu-jitsu, nota-se que há espaço para que esta forma de pesquisa contribua para o desenvolvimento deste conhecimento tanto no meio científico como na prática cotidiana da modalidade. O exposto mostra a abrangência atual do esporte, que é praticado em academias de classe média, mas também em diversos projetos sociais e é cogitado a integrar o currículo de educação física nacional, além de cada vez mais representar a cultura brasileira no

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exterior. Desta maneira, entender como os praticantes mais inseridos na modalidade entendem, significam e comunicam o que hoje é para eles, e consequentemente para este grupo, a relação da prática do BJJ com a agressividade, como ela é enxergada e, além disso, como entendem e classificam a qualidade de vida, em especial levando em consideração o esporte e seu contexto.

Diante de tais considerações, levantou-se as seguintes questões: como a prática de jiu-jitsu se relaciona com a emissão de comportamentos agressivos? De que forma a emissão de comportamentos agressivos são recebidos pela comunidade do jiu-jitsu? Qual o impacto da prática do jiu-jitsu no bem-estar subjetivo e na qualidade de vida de seus praticantes?

Hipótese

A prática de jiu-jitsu favorece o autocontrole e, consequentemente, melhora o bem-estar subjetivo e a qualidade de vida dos praticantes.

Objetivos

Investigar a percepção de lutadores de jiu-jitsu sobre a escolha da modalidade e a influência da sua prática na expressão do autocontrole. Buscou-se também investigar o efeito da prática do jiu-jitsu na percepção do bem-estar subjetivo e na qualidade de vida do praticante.

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MÉTODO

Trata-se de um estudo transversal, de natureza qualitativa e de amostragem intencional. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da UNIFESP (3.245.356).

Participantes

Participaram do estudo 10 lutadores de jiu-jitsu acima de 18 anos de idade. Foi adotado como critério de inclusão ser praticante do esporte por mais de um ano e possuir ao menos uma experiência prévia de competição.

Instrumento

(i) Roteiro de entrevista semiestruturada. Foi empregado um roteiro de entrevista

semiestruturada elaborado pelos autores, abordando as seguintes temáticas: interesse e finalidade na modalidade, percepção acerca de mudanças comportamentais individuais, uso de técnicas da modalidade fora do contexto esportivo, uso da prática da modalidade como forma de intimidação, percepção de mudanças pessoais positivas proporcionadas pela prática da modalidade.

Procedimento

O pesquisador realizou uma busca ativa de praticantes de jiu-jitsu. Os interessados em participar do estudo formalizaram sua participação assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A coleta de dados foi realizada individualmente, com duração média de 20 minutos em um local que garanta os cuidados éticos na condução da pesquisa. Os dados foram analisados quantitativamente a partir da modalidade de análise de conteúdo.

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Análise de dados

Esta análise ocorreu por meio da técnica descrita por Minayo (2012), iniciando com a leitura exaustiva do material coletado, processo que a autora define por saturação.

Após a saturação foi construída uma tabela de caracterização, a fim de observar diferenças de idade, tempo de prática e competição, faixa, experiência em outras modalidades, lesões escolaridade, etnia e estado civil dos participantes.

Os relatos foram então divididos, por assunto, em subconjuntos, viabilizando uma interpretação inicial e síntese do material coletado, a fim de ultrapassar o nível descritivo deste.

O conteúdo das entrevistas, já separados por assuntos, foi novamente divido, agora nas categorias finais do trabalho. Esta divisão ocorreu diante de uma mais atenta interpretação dos dados e de uma revisita à literatura tanto já utilizada, quanto que se fez necessária diante das falas trazidas pelos entrevistados. A experiência e vivência do pesquisador com o tema foram utilizadas na nomeação das categorias.

Por fim, foi redigido o texto do estudo, buscando a maior clareza e acessibilidade possível ao conteúdo.

Resultados e discussão

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Participante Idade (anos)

Escolaridade Etnia Estado civil Tempo prática (anos) Tempo de competição (anos) Idade início (anos) Faixa Histórico esportivo Local lesão

P1 30 EMI Branco Casado 2 1,5 28 Azul Futebol, surf, BJJ,

corrida e muay thai

Joelho

P2 37 EMC Negro Casado 6 3 31 Roxa Capoeira e Muay

Thai

Dedo, pé, mão, dente

P3 24 ESI Branco Solteiro 5 5 18 Roxa Futebol, Basquete,

Volei, Handbol, Surf

Tornozelo e joelho

P4 24 ESI Branco Solteiro 4 4 20 Azul Futebol, natação e

xadrez

Joelho

P5 37 EMC Pardo Solteiro 24 23 13 Preta(2ºdan) Muay thai, boxe,

capoeira, karatê, judô, kung fu

Tornozelo

P6 28 ESC Branco Solteiro 9 7 19 Marrom Futebol, tênis,

natação, muay thai, karatê

Costela, tornozelo, dedos e cervical

P7 23 ESI Pardo Solteiro 5 4 19 Azul Downhill, boxe,

MMA e futebol

Ombro, joelho e pé

P8 40 ESC Branco Casado 3 0,17 18 Azul Musculação,

natação, pilates e corrida

Lombar e joelho

P9 32 ESC Branco Casado 8,5 7,5 22 Preta Futebol, karatê e

muay thai

Joelho

P10 31 EMI - Solteiro 1,5 0,33 29 Branca Musculação e

karatê

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A média de idade dos participantes foi de 30,6 anos (DP=6), sendo a idade mínima de 23 anos e máxima de 40 anos. O tempo de prática apresentou expressiva variação, mínimo de 1,6 ano e máximo de 24 anos, o mesmo foi observado na participação em competições, dois meses a 23 anos (M:5,55; DP:6,62) e idade de início, 13 anos a 31 anos (M:21,7; DP:5,77).

Nove dos dez entrevistados sofreram lesões ao longo de sua história esportiva. O perfil de lesões corrobora o encontrado por Santos et al (2017), apontando joelho (60%), tornozelo e pé (50%) e mão (20%) como algumas das principais partes do corpo mais suscetíveis a lesões neste esporte. Quatro (40%) dos participantes possuíam a faixa azul; dois (20%) a faixa preta; dois (20%) a faixa roxa; um (10%) a faixa marrom e um (10%) a faixa branca. Dada a configuração, pode-se afirmar que a maior parte dos entrevistados eram experientes no jiu-jitsu.

Seis (60%) participantes identificaram-se como brancos, três (30%) como negros e partos e um (10%) preferiu não declarar. Seis (60%) declararam-se solteiros e quatro (40%) casados. Apenas dois (20%) participantes não possuíam o Ensino Médio Completo; dois (20%), o Ensino Média Completo; dois (20%); o Ensino Superior Completo, e três (30%), o Ensino Superior Incompleto.

A análise das entrevistas resultou na definição de sete núcleos temáticos que buscaram responder ao objetivo proposto, a saber: Pisando no tatame, Em formação,

Pondo o kimono, Ajustando a máquina, Saindo na mão, Melhor saber e não precisar, do que precisar e não saber e O jiu-jitsu mudou minha vida. Todas as categorias serão

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Pisando no tatame

A primeira categoria apresentada é chamada de Pisando no tatame. Trata-se de uma categoria que surgiu das falas de entrevistados a respeito de como se deu sua iniciação da modalidade. A figura de um amigo que convida o outro para experimentar se fez presente em alguns relatos.

“Eu fazia academia, o dono da academia era meu amigo, e aí ele ia inaugurar uma hora de Jiu-Jitsu lá e ele me chamou pra fazer uma aula experimental, eu fui.” (P3)

“Na verdade, meio que na [nome universidade], na universidade, tinha uma amiga minha que fazia jiu-jitsu e ela falou pra mim ‘vamos lá um dia’. Aí eu fui meio sem pretensão e comecei a gostar, aí fiquei.” (P4)

“Comecei no karatê aí falaram pra eu vir pra cá. Eu estudei o jiu-jitsu seis meses pra poder entrar no jiu-jitsu. O pessoal me chamando e eu falava ‘calma, vai chegar o tempo’. Passei seis meses e aí eu comecei. Fiz uma aula experimental e gostei.” (P10)

Verifica-se nos referidos relatos que o aspecto social da modalidade e os vínculos afetivos se mostraram presentes desde antes do início da prática de jiu-jitsu. A parte social e os vínculos estabelecidos estão associados, como será discutido mais adiante, a diversos benefícios e potencialidades que os entrevistados observam como resultado da prática do BJJ.

O contato social é mencionado em diversos momentos, seja quanto a questões relacionadas à saúde, percepção do bem-estar, o estabelecimento de novos vínculos ou, ainda, como forma de lidar com o estresse pré-competitivo. A literatura corrobora essa

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perspectiva que destaca como benefícios relacionados à modalidade a melhora da disciplina e do autocontrole, fortalecimento muscular e a melhora do sono (; Almeida & Silva, 2009; Brandt et al, 2015; Holt, Kingslay, Tink, & Scherer, 2011; Chinkov & Holt, 2015). Holt et al. (2011) apontam, ainda, que a prática de exercícios físicos pode trazer benefícios sociais, como a criação de vínculos de amizade, melhoras em habilidades sociais e colocam como positiva, para a população do estudo, crianças de família de baixo poder aquisitivo, a relação com o treinador e colegas de equipe.

Entretanto, verifica-se o relato de um entrevistado que destaca a questão do preconceito contra a modalidade, tanto por sua característica de ser uma luta agarrada, quanto em relação ao estigma que o praticante de jiu-jitsu possui na sociedade.

“Pô, eu sempre gostei de luta, mas tinha um preconceito com o jiu-jitsu por ser uma luta agarrada, tal, aí quem me levou foi meu professor de muay-thai. Me convidou pra ir fazer uma aula, eu acabei indo, aí gostei e fiquei. Acabei largando tudo pra ficar só no jiu-jitsu mesmo.” (P9)

“O jitsu já foi meio queimado, assim, é... Antigamente eu odiava jiu-jitsu por causa disso. Como eu vim de uma arte tradicional japonesa, o karatê, né, que a filosofia é bem regradinha assim, eu nunca gostei do jiu-jitsu. Aí com o tempo, eu vi que tá mudando (...)” (P9)

Tais relatos apontam que a presença do estigma frente ao lutador de jiu-jitsu coexiste com uma nova visão acerca destes, alvo do estudo de Rufino (2010) que constatou que não praticantes não necessariamente possuem uma visão negativa da modalidade e de seus praticantes, inclusive mostrando-se dispostos a participar de uma aula da arte-marcial.

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Verifica-se ainda relatos que trazem outros motivos, distintos da questão social, pelos quais os entrevistados ingressaram a modalidade.

“Me tornar uma pessoa melhor. Me conhecer melhor também. Seria isso”. (P2)

“Esporte, por uma prática de defesa pessoal, incialmente.” (P8)

P2, por sua vez, aponta uma motivação intrínseca para iniciar sua prática, já aliando-a a alguns benefícios ligados a autoeficácia, comumente relatados por seus praticantes e que aparecem diversas vezes ao longo das entrevistas. Desta maneira, este entrevistado busca um benefício “secundário” da prática, uma vez que advém de como ele interpreta e aplica os conhecimentos e valores disseminados nas sessões de treinamento.

P8 faz uma fala acerca de um tema pessoal como motivador para início da prática, indicando que seu interesse está em outro aspecto da modalidade. O jiu-jitsu, embora hoje possua um caráter esportivo, é, também, uma arte-marcial. Assim sendo, os conhecimentos do BJJ têm por objetivo dominar um adversário por meio de uma ampla gama de técnicas e movimentações; mas sem deixar de levar em consideração o aspecto esportivo, de modo que é desejável que o praticante busque preservar a integridade física do adversário, sempre aliando estes dois aspectos, de modo que é exigido do praticante um estado mental mais pacífico durante o combate (Almeida & Silva, 2009; Luz, 2000; Basseti, Telles & Barreira, 2016). O referido participante, evoca o tema da autodefesa como o motivador inicial da sua entrada na modalidade, assinalando que há a busca por outros aspectos além do social para o ingresso no BJJ.

Como foi possível observar, o ingresso na prática do jiu-jitsu passa, por vezes, pelo ingresso na sua comunidade, de modo que praticantes convidam não praticantes para

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experimentarem a modalidade, mas também não se restringe a essa maneira de ingresso. Este processo, no entanto, pode sofrer a interferência de preconceitos que se ligaram ao esporte ao longo das décadas de sua existência. É interessante observar que a idade dos participantes que ingressaram por convite de amigos é, em média, menor do que a dos que ingressaram por outros fatores (M:26,3; DP:4 e M:38,5; DP:2,1 respectivamente).

Em formação

A segunda categoria a ser discutida leva o nome de Em Formação, em alusão a uma cerimônia de início e final de treino, na qual o mestre ordena os alunos a entrarem em uma formação, geralmente em linha, na qual estes se organizam de acordo com o nível de graduação (cor da faixa, objeto cerimonial utilizado ao longo de e em todas as sessões de treinamento, indicando o nível de conhecimento do praticante, e graus, marcações que explicitam o progresso do lutador naquela faixa). O nome foi escolhido por conta de indicar uma relação intracomunidade no jiu-jitsu, que é o tópico a ser discutido nesta categoria.

Em todas as entrevistas o tema dos laços sociais formados pela prática do BJJ foi citado. Ora relacionado ao ingresso na prática, ora como eles ou pessoas com quem convivem percebem e relatam mudanças comportamentais concomitantes ao período de prática da modalidade e, como será exposto, como esses laços se dão dentro do tatame, dentro da comunidade.

Os entrevistados relataram com frequência que se sentem confortáveis dentro do tatame, com as pessoas que eles frequentam e, como instrutores e mestres, evidenciam em suas falas o intuito de criar um ambiente agradável e acolhedor.

“É o que eu falei, vai de professor pra professor. Aqui a gente já recebe a pessoa bem e deixa ela a vontade, né. Já começa a brincar, conversar. A

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gente sempre fala isso, né, que aqui a gente é uma família, que não tem esse negócio de rivalidade...” (P9)

“Somos tudo uma família, tudo junto, tudo uma família, se trata muito bem. É uma segunda casa aqui pra nós”. (P10)

“Ah, você tá com a cabeça, vem pra cá pensando no que você tem que fazer antes e depois daqui já tem que sair, fazer tal coisa, aí chega aqui, você, meu, você tem outros assuntos, outro ambiente, você esquece tudo aquilo, cabeça parece que dá uma renovada assim”. (P8)

A percepção do ambiente do jiu-jitsu como saudável e reforçador está presente na fala de alguns entrevistados. Como membros da comunidade avaliam as potencialidades do jiu-jitsu, entendendo que a comunidade do esporte pode atuar como um recorte virtuoso da sociedade brasileira, captando e reproduzindo alguns valores que esta comunidade enxerga como positivos, aumentando a chance, inclusive, de transformação pessoal dos membros dessa e/ou como fator influente no tratamento de sofrimento psíquico.

“Então o jiu-jitsu, ele te coloca em convívio com pessoas de todos os patamar social, todas as classes. Então a partir do momento em que você pisa no tatame, você não tem diferença social nenhuma, acaba por ali, você é igualado. Você se mede pelo que você treina, pelo que você se dedica. Se você não for um bom aluno, não treinar com afinco, você vai pegar coro, vai tomar amasso do moleque mais novo, do cara que você achava ‘ah porque eu compro um kimono bom eu sou bom’, não!” (P5)

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“(...) porque se você vem pro jiu-jitsu com um problema, vai ser notório ali, no meio do treino, que você tá passando por alguma coisa, porque você não vai render, as pessoas vão ver e vão perguntar, com certeza, pra você, pra saber, pra poder resolver aquele problema pra que você consiga acompanhar o treino, pra que você consiga voltar ao convívio social de uma forma mais contente, mais feliz.” (P5)

“Se eu vejo que a pessoa vai entrar com a intenção ruim já vou trocar ideia. Teve aluno já que entrou com a intenção já de ‘quero aprender pra usar’, tal. Pô, hoje em dia a gente já conversou logo de cara, que a gente já sentiu, hoje em dia o cara já se transformou. Se perguntar pra ele, pô, mudou a vida dele e ele tá querendo ficar aqui o dia inteiro. Tá tranquilo, muito mais tranquilo. Parou com esses pensamentos de agressividade, tal, que ele queria fazer uma vingança assim, hoje em dia tá bem tranquilo...” (P9)

A percepção da comunidade como acolhedora e aberta a interação reflete, inclusive, em contexto de competição, como observado nos relatos abaixo. Destacam que a competição tem potencial de promover laços de amizade e descontração.

“No meu caso, que eu compito, as vezes faço amizade fora do meu estado. Às vezes eu converso com cara que estão morando lá em Florianópolis, em Curitiba, que eu conheci em campeonato, em competições. E isso é muito bacana, porque abre portas, né. Abre portas pra que você conheça pessoas novas, culturas novas, enfim, diversos benefícios.” (P3)

“Às vezes até pessoas que eu lutava mesmo, mas acabava criando um vínculo de amizade. Então, eu ficava sempre buscando bater papo pra

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esquecer daquela tensão antes ali e na hora da luta mesmo só focava na hora que me chamava ali pra entrar no tatame e lutar.” (P9)

Verifica-se uma percepção positiva dos entrevistados frente à comunidade do BJJ. Essa percepção parece estar ligada aos benefícios supracitados correlacionados à prática da arte-marcial. Vale ressaltar que os entrevistados trouxeram a questão do caráter cooperativo das competições de artes-marciais já tratado por Feijó (1992) em seu estudo.

Pondo o kimono

Nesta categoria discutir-se-á falas nas quais os entrevistados relatam os motivos pelos quais continuam a praticar jiu-jitsu, seus objetivos, sonhos e planos ligados à modalidade, seja no contexto esportivo ou de realização pessoal. O nome da categoria faz alusão a uma expressão, utilizada na modalidade, que se traduz como ir ao treino.

Os participantes apresentaram diversos fatores que sustentam sua permanência na prática. Estes vão de o desejo de conseguir a faixa preta, de ensinar, a viver como competidor de jiu-jitsu, mas passando por objetivos mais imediatos, como manutenção da saúde física e mental.

“Hoje eu busco, o que eu tô buscando é sobreviver do Jiu-Jitsu, futuramente. É... competir, ser campeão até onde meu corpo permitir. Sou novo ainda, até eu ficar velho, né, pra isso. E é isso, sonho em viver do jiu-jitsu. Dando aula, competindo... basicamente isso.” (P3)

“Bom, de forma mais geral assim, acho que tenho um pouco de desejo de graduar, de chegar a ser faixa preta... Querer assim, desenvolver no jiu-jitsu, mas não assim a ponto de querer ser competidor. Talvez um pouco

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de passar o conhecimento adiante, mas não assim de viver do jiu-jitsu, né.” (P4)

“Hoje em dia minha finalidade é manter a saúde mental e física, passar a diante todo o conhecimento do esporte, que é uma arte marcial que pra mim é completa, entende? Pra trabalhar o corpo, mente... Então passar adiante para que as pessoas conheçam essa modalidade e tenham o mesmo empenho e a mesma saúde mental que eu adquiri através dos tempos, né, até então.” (P5)

Vê-se em comum um desejo de ensinar jiu-jitsu. Este desejo é comum a mais participantes, sendo que diversos deles lecionam jiu-jitsu. O elemento pedagógico é bastante presente, pois está ligado a uma forma comum de se viver do BJJ. Dentro da comunidade é difícil de encontrar praticantes que são exclusivamente competidores, não sendo possível encontrar dados precisos quanto a proporção de competidores dedicados exclusivamente a esta prática. Deste modo, “viver do jiu-jitsu” envolve, quase obrigatoriamente, lecionar e este objetivo de vida será discutido em uma futura categoria. Entretanto, este desejo foi relatado também de forma distanciada ao objetivo de ter na modalidade sua subsistência, surgindo como forma de autorrealização por si só.

Aliando à discussão as categorias anteriores, é possível observar que a prática da modalidade é sustentada por um esquema de condicionamento operante, ou seja, cuja continuidade da emissão do comportamento “ir ao treino” está sob controle de suas consequências, que aparentam ser mais reforçadoras do que punitivas (Skinner, 2007). Parte dos relatos indicam reforços ligados a modalidade que são alguns comuns a prática de atividade física no geral como, por exemplo, a percepção de melhora da saúde mental e física., assim como apresenta como reforço imediato a melhora do humor, cognição, autoestima e apresenta efeito ansiolítico e antidepressivo pela liberação de miocinas, por

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conta da contração muscular (Di Liegro, Schiera, Proia & Di Liergo, 2019). Além disso, os entrevistados relatam a sensação de pertencimento a uma comunidade, à visão de que o jiu-jitsu pode ser uma ferramenta para aumento da percepção de autoestima e autoconfiança e, também, como forma de subsistência. Assim sendo, a permanência dos entrevistados na modalidade, segundo o que se pode inferir sobre os relatos, se dá devido a reforços imediatos e tardios, intrínsecos e extrínsecos.

Ajustando a máquina

Ajustar a máquina é uma expressão utilizada no jiu-jitsu e em alguns outros

esportes que significa melhorar competências físicas, seja na recuperação de lesão, no treinamento de força ou em terapias e práticas que visam cuidado com o corpo e melhora da performance. A comparação do corpo com máquina é recorrente em diversos esportes e no jiu-jitsu não é diferente, com expressões como a questão e com outras como passar

o carro. É sobre esta relação do praticante com seu corpo e saúde que trata esta categoria.

O relato de que o corpo mudou com a prática é recorrente. Os entrevistados apresentam discursos sobre mudanças corporais tanto no ganho de massa magra, quanto na perda de gordura. Esta mudança vem junto do envolvimento com a modalidade e competições.

“Meu corpo mudou também. Em consequência da prática, né, comecei a me preparar melhor, fazer academia, ganhei musculo, ganhei peso, tudo meio que mudou assim.” (P3)

“Então, quando eu comecei eu era muito novo, né. Eu era muito molecão. Vi que depois que comecei a praticar jiu-jitsu teve uma mudança corporal, que eu era muito novo, tinha 18 pra 20 anos e o jiu-jitsu me deu uma mudança corporal muito grande (...)” (P8)

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“Depois acabei mudando meu corpo. Eu era bem magro. Tinha uma massa bem magra mesmo. Hoje ganhei um pouco diferente, mudou meu corpo.” (P1)

A mudança corporal relatada, entretanto, parece estar mais ligada a mudanças de hábitos ligadas à prática de jiu-jitsu do que ao regime de treinamento da modalidade. Os entrevistados apontam alterações nos seus estilos de vida ao dizerem que após o início da prática, começaram a praticar outras atividades físicas a fim de complementar o BJJ e diferenças na forma de se alimentar.

A alimentação é um tema recorrente nas entrevistas. Diversos participantes falam acerca de mudanças de hábitos alimentares a fim de aumentar seu desempenho no jiu-jitsu ou para bater o peso em competições. Aliado a alimentação, os entrevistados apontam, por vezes, mudanças no consumo e uso de álcool e outras drogas.

“Eu dificilmente eu bebo durante a semana, enquanto eu to treinando, procuro sempre me alimentar bem, porque influencia diretamente meu rendimento no treino. Se eu me alimento mal, como besteira, muito açúcar, muito sódio, acabo sentindo tanto durante o treino, na performance, como na recuperação.” (P3)

“É, como coisas que tipo, eu gostava muito de fumar baseado, muito, eu sempre fumei maconha desde os meus 12 anos. E, depois, a partir do momento que comecei a praticar jiu-jitsu, num primeiro momento eu não parei, mas por causa do fôlego que precisava ter pra entrar numa competição acabei diminuindo. Então, ou seja, acabamo tirando um pouco dessa vida de fumar maconha e tal. Até de beber mesmo, beber eu to bebendo bem menos, é mais socialmente mesmo.” (P1)

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“Hoje em dia eu, ainda que eu coma alguma besteira ou outra, eu sei que eu tô comendo e eu sei que eu vou ter que treinar mais, sei que vou ter que me dedicar mais praquilo. Antigamente eu comia desenfreadamente e como se não tivesse amanhã, entendeu...” (P7)

Os relatos anteriores dizem respeito a mudanças comportamentais por conta do envolvimento com o exercício físico. Dois dos participantes contam como a prática do jiu-jitsu serviu como um fator decisivo para que diminuíssem o consumo de álcool e outras drogas. Este fenômeno é o alvo do estudo de Zhang e Yuan (2019), que revisa a literatura e afirma a potência do exercício físico tanto no combate à dependência dessas substâncias, quanto como fator preventivo contra este problema. Um dos participantes relatou que a prática do jiu-jitsu o levou a ter mais consciência do que come, dizendo ainda que no período anterior ao ingresso no BJJ sua relação com a comida era mais impulsiva, e após esse ingresso, o entrevistado mudou a forma com que se alimenta, reduzindo sua massa corporal e aumentando sua sensação de autoeficácia. Entretanto, no relato o exercício surge como uma possível estratégia compensatória frente à alimentação, podendo indicar um grau mais severo em sintomas de transtornos alimentares (Kerrigan, Lydecker e Grilo, 2019).

Outro participante levanta a discussão de outro fator ligado à alimentação no jiu-jitsu. O BJJ, como boa parte dos esportes de combate, é divido em categorias de peso em suas competições. Os competidores, então, utilizam a estratégia de diminuir seu peso corporal para a pesagem da competição, a fim de obter ou uma vantagem tática ou manterem-se competitivos, mesmo que a custa de queda no rendimento físico e cognitivo ou até mesmo de complicações que levem à morte (Andreato et al, 2012). Alguns autores defendem inclusive o banimento da técnica por questões éticas ligadas ao fair play (Artioli et al, 2016). A fim de “bater o peso”, uma das diversas estratégias utilizadas por

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lutadores é a realização de dieta, geralmente restritiva e pouco prazerosa, cuja fala do seguinte participante ilustra.

“Cara, sofrida! Quando eu lutava de 80, eu tinha noventa e poucos quilos e tinha que lutar de 80, aí tinha que baixar muito o peso. Depois consegui manter, mas era sempre sofrido pra bater os 80 mesmo, aí acabei abandonando a categoria de 80 pras mais pesadas mesmo, que eu lutava mais feliz (risos) não sofria tanto.” (P9)

Outro fenômeno que os entrevistados trouxeram correlacionando à prática de jiu-jitsu é a qualidade do sono.

“Se comparado a antes? 100% melhor. Hoje eu durmo, antigamente eu não conseguia nem dormir direito.” (P7)

“Ah, 100%, porque quando eu não treinava com intensidade, com compromisso, com foco, o meu corpo não rendia direito, até o sono não era bom. Hoje você tendo um treino intenso, um treino em que você cansa, faz o corpo gastar energia, então eu consigo ter o retorno que eu espero, até pra poder descansar melhor... Se eu não treino eu não me sinto bem durante o dia. O meu corpo já se acostumou com a rotina de treinamento.” (P5)

Os relatos dos entrevistados consideram o sono de qualidade como fruto do envolvimento com o treinamento de jiu-jitsu, consideram esse comportamento como essencial para se estar “100%”. Esta percepção dialoga com o que é encontrado na literatura, que aponta o exercício físico como um potente tratamento para disfunções no sono, que supera, por vezes, a eficiência do tratamento farmacológico (Kovacevic et al, 2017).

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Pôde-se observar que os entrevistados percebem mudanças físicas positivas após o início da prática de jiu-jitsu. Algumas dessas mudanças estão relacionadas diretamente a fatores fisiológicos proporcionados pela prática de um exercício físico por si, outros se relacionam a um estilo de vida que costuma acompanhar esta prática, em especial no contexto competitivo, como foi dito pelos participantes, que buscaram mudanças comportamentais relacionadas a hábitos alimentares e a ingestão de álcool e outras drogas a fim de melhorarem sua performance com fim competitivo.

Saindo na mão

Sair na mão é uma expressão bastante comum no jiu-jitsu. Ela se refere ao ato de

lutar, geralmente, ao combate dentro das regras esportivas da modalidade. Praticamente em toda sessão de treinos é possível ouvir praticantes ou mestres falando sobre sair na

mão, mas também, na proximidade de competições, ouve-se no tatame sobre sair na mão

no campeonato alvo ou na cidade na qual este ocorrerá. Esta categoria recebe este nome por tratar justamente deste momento, do campeonato. Aqui são reunidos relatos dos entrevistados em suas experiências competitivas, seus rituais, sua autoavaliação, suas estratégias para lidar com as sensações que competir os gera, bem como motivações para competir.

As motivações para competir são bastante diversas, sendo a contenda um objetivo em si ou meio para alcançar outro objetivo. A busca pela sensação de ser campeão, pela preparação para a competição e pelo desconforto são alguns dos aspectos trazidos.

“Talvez assim a questão da competição aparece como metas rápidas. ‘Ah quero competir em tal lugar em tal dia’. Então aí eu vou lá, me dedico, mas por um tempo posso me esforçar mais... Sempre mantenho uma rotina de

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treino, mas quando penso em ir numa competição rende um pouco mais, sendo que não é uma regra geral assim “quero ser competidor”, são objetivos pontuais.” (P4)

“Acho que o que me levou a competir foi, uma das principais coisas assim, é... o pessoal e a turma que tá com você acaba influenciando um pouco nisso, né. Primeiro tem o professor, que fica enchendo o saco pra você competir, todos os lugares acaba sendo assim. Os professores acabam que querem formar competidores, quer que o pessoal vá. […]No início era um pouco isso. Mas também ali como era todo mundo universitário tava todo mundo bem empolgado. Isso é o que leva a competir, mas também a ter um certo desgosto assim. Fica enchendo o saco pra competir, isso enche um pouco, assim.” (P4)

“O que me levou a competir foi a rivalidade, sabe? A rivalidade que o jiu-jitsu traz, assim, essa coisa. E eu gosto muito, eu sou bastante competitivo nessa parte, né. Ai eu falei assim, pô aqui é um local de treino. A gente treina, então não tem como ter muita rivalidade, né? Aqui onde nós treina. Eu procurei competir a primeira vez pra ver, pra sentir essa sensação. E aí eu acabei gostando. Então é o que deu mais vontade de competir, a rivalidade memo, de ganhar, de ser o melhor em cima do adversário”. (P1) “Me testar. Mais do que ganhar... Me testar mesmo, me colocar em situações desconfortáveis pra eu tentar dar o meu melhor.” (P6)

“Putz, eu sempre fui competitivo desde pequeno. Aí fui na primeira, gostei e putz, de lá pra cá eu já tenho mais de 100 campeonatos aí. Pratiquei, gosto muito de competir, a sensação de ser campeão. É o que eu falo ‘pô,

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gosto muito de treinar, mas o que eu mais sinto falta mesmo é da sensação de ser campeão, que é muito boa!’.” (P9)

A competitividade foi um fator citado por alguns entrevistados no que tange o interesse em competir. Oliveira et al (2018) realizaram um estudo a respeito dos fatores que motivam judocas a continuarem praticando a modalidade. Os autores apresentam a competitividade como um fator ligado à motivação extrínseca, uma vez que geralmente a ela se associa a expectativa de um retorno de visibilidade, financeiro ou simplesmente o desejo da vitória, que são elementos do ambiente, que podem ou não representar as vontades de um indivíduo. Neste sentido, a fala de P4 não apresenta a competição como um fator motivador, muito pelo contrário, sua fala coloca a competição como um elemento extrínseco que não reflete suas vontades, sendo visto como mais proveitoso o período de preparação para esta. Alguns dos participantes trouxeram, ainda, falas que apresentam a competição mais alinhada à motivação intrínseca, ligada ao desejo do aprendizado, do prazer e autoconhecimento.

Os entrevistados falam, também, sobre rituais pré-competitivos. Alguns dizem não emitir tal comportamento, ou que com o passar das competições, lançar mão de tal artifício não se fez mais necessário. Entretanto, a maioria identifica que no período prévio à competição, seja na semana desta ou pouco antes de entrar no tatame, emitem comportamentos específicos.

“É engraçado, o pessoal fala que eu choro antes da luta. Eu geralmente eu me ajoelho e me visualizo no pódio. Me visualizo, peço também que não ocorra nenhuma lesão, né, peço pra ganhar e tento sempre fazer uma mentalização de vitória, que eu estou no pódio, de medalha. E aí eu ajoelho, faço essa mentalização durante alguns segundos, aí eu levanto e vou indo pro tatame. E eu sempre dou um pulinho. Pra dar uma (...) isso,

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pra dar uma ativada no corpo assim. Às vezes eu dou uns tapa assim no corpo, pra dar uma adrenalizada.” (P3)

“Porque eu coloco o fone, tô num mundo, tiro o fone, tô em outro. Mais fácil eu já estar me acostumando com aquilo lá, sabe? Mais fácil eu ficar sem o fone, já ir me acostumando com aquelas sensações. Pra mim é melhor.” (P4)

“(...) eu gosto de ouvir muita música. Ouço muita música em casa, no trajeto. Quando chega no ginásio, se eu to sentado e demora pra minha luta eu ouço, depois eu me concentro bastante. Gosto de ouvir o som do ginásio, ouvir a galera gritando.Evito assistir algumas lutas, porque tem gente que se machuca e é mais isso. Me concentro bastante tanto com a música quanto sem. Basicamente isso.” (P7)

“Cara, eu tenho meio que... É, eu tenho umas manias, assim, tipo eu sempre lutava com a mesma sunga, mas [risos] tinha que estar com a mesma roupa...” (P9)

Os participantes relatam, também, reações fisiológicas e cognitivas devido à ativação do Sistema Nervoso Autônomo Simpático.

“Psicologicamente eu me sinto desafiado, um pouco ansioso, mas eu tento controlar de alguma forma essa ansiedade, mas sinto muita vontade de estar lá fazendo aquilo, de vencer mesmo a luta e ser campeão. Acho que é isso que me motiva, a sensação de no final vir o cara erguer seu braço ali, a galera gritar seu nome ali, as pessoas queridas torcendo por você. Acho que é o que motiva assim”. (P3)

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“Muito nervoso. Nervoso extremo, de dar vontade de vomitar, dar dor de barriga, dar fome, não dar fome. Eu acabo até ficando sem comer durante a competição inteirinha, porque da enjoo e você acaba não comendo. Mas depois que você faz a primeira luta ai fica mais tranquilo, mas da muito nervosismo.” (P1)

“Tem competição que eu to muito animado, que eu to muito zoeiro, to zoando com todo mundo e é isso. Tem competição que eu to muito sério, muito ansioso (...) mas todas as vezes, pisei no tatame, o mundo parece que fica mudo pra mim. Aquele momento é o que importa, sinto diferenciar bastante isso.” (P7)

Dömötör, Ruíz-Baruín e Szabo (2016) apresentam em sua revisão de literatura que rituais pré-competitivos são um comportamento supersticioso, ou seja, comportamentos que surgem em situações nas quais o atleta não tem controle sobre as consequências (resultado da competição) de suas respostas (desempenho no evento) e, diante disso, passam a repetir respostas cuja consequência foi reforçadora, mas que não possuem relação de causalidade com a mesma. Alguns entrevistados ilustram bem esta definição, como usar uma mesma roupa sempre que vai competir. A roupa usada não interfere objetivamente no resultado da contenda, entretanto, o entrevistado procura utilizar esta roupa, pois recorda-se de competições nas quais obteve resultado favorável e estava com elas. Os autores apontam, entretanto, que no contexto esportivo a presença de rituais é mais comum em atletas de elite do que em amadores e que tais rituais podem interferir no desempenho esportivo. Esta interferência se dá não por uma questão da roupa ou do pulinho antes de entrar no tatame, mas por estes comportamentos ajudarem o atleta a entrarem em um estado mental mais adequado ao contexto, gerando uma sensação de controle e diminuição da ansiedade anterior à competição. Este benefício, entretanto,

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ocorre por via de placebo e é mais pronunciado em indivíduos mais responsivos a tal mecanismo.

Weinberg & Gould (2017) definem ativação como “uma combinação de atividades fisiológicas e psicológicas em uma pessoa e refere-se a dimensões de intensidade da motivação em determinado momento” (p.72). Esta combinação de atividades acaba por amplificar, proporcionalmente ao seu grau, estados emocionais, sendo no contexto competitivo a emoção mais prevalente a ansiedade. A ansiedade, segundo os autores, divide-se em ansiedade somática e cognitiva, dizendo respeito às reações fisiológicas e psicológicas percebidas. Os rituais, funcionam, então, como formas de ajustar esta ansiedade por meio do efeito placebo.

A competição surge como um evento que se faz presente na história esportiva dos entrevistados por razões diversas. Ela é relatada como um evento estressor pelos participantes, mas também é bastante estimulante para diversos deles. Eles possuem diversas formas de lidar com a ansiedade pré-competitiva, sendo que alguns utilizam técnicas como visualização e outros recorrem mais a comportamentos supersticiosos visando o controle dessa variável.

Melhor saber e não precisar, do que precisar e não saber

A frase que nomeia a categoria alude a questão de autodefesa que faz parte do jiu-jitsu. É uma frase comum na comunidade, sendo dita por diferentes mestres em diferentes equipes. Este bordão resgata a história da popularização do jiu-jitsu no Brasil e no mundo, trazendo à tona a discussão da eficácia desta modalidade de luta, uma vez que passa uma ideia de que saber jiu-jitsu está relacionado a resolver uma situação inesperada. Esta categoria se propõe a discutir justamente esse tópico: o uso do BJJ fora do contexto esportivo.

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A história do jiu-jitsu é marcada pelo seu uso dentro e fora dos ringues e tatames. Como abordado na revisão de literatura (Teixeira, 2010; Rufino, 2010), esta arte marcial foi associada, por décadas, a episódios de violência urbana cometidos por jovens da classe média e alta, com forte notificação da mídia sobre os ocorridos, criando um estigma sobre o jiu-jitsu e seus praticantes. Entretanto, com o passar das décadas e com a esportificação da modalidade, esta característica torna-se menos proeminente (Rufino, 2010).

Alguns dos entrevistados, como visto anteriormente, tiveram contato com o estigma da modalidade antes de ingressar nela, mas a maioria aparentou ter consciência de tal fato e fazem falas sobre como essa marca no BJJ influencia sua relação com não praticantes e como eles enxergam a relação dos não praticantes com eles acerca deste tema.

“Nem gosto de falar, até porque você é muito julgado por isso, muito discriminado, né. Geralmente quem faz Jiu-Jitsu tem a dinâmica de que é uma pessoa briguenta ou, enfim, meio carrasca, então devido essa, essa mancha que acabam fazendo, na verdade muitas pessoas nem sabem que eu acabo fazendo, né, que é a arte marcial.” (P2)

“Não, inclusive as pessoas nem acreditam que eu faço jiu-jitsu, porque eu não tenho a orelha machucada, não tenho nada.” (P3)

“Acho que eu tento fazer isso diariamente [risos], colocando as fotos... Não pra intimidar, mas sei lá, eu me sinto protegido quando, por exemplo, alguém discute comigo, aí eu fico imaginando ‘ah, ele vai entrar no meu perfil, vai ver que eu luto’, e aí eu sinto que talvez ele possa se sentir intimidado, mas não que eu faça isso por isso.” (P6)

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“Às vezes a pessoa olha a orelha e já fica meio assustada. Ah, teve uma vez que, numa de trânsito, assim, encostei a moto num carro e o cara desceu pra querer tirar satisfação, aí tinha a moto, tinha o adesivo do jiu-jitsu, ele olhou e já deu as costas e saiu andando, nem precisou falar nada. Ele olhou ali e acho que ficou meio cabreiro e acabou voltando pro carro.” (P9)

É possível observar que o estigma adquirido pelo jiu-jitsu é tanto evitado quanto utilizado pelos participantes. O passado associado a contendas na rua da modalidade surge nos relatos tanto levando participantes a evitarem expor que praticam a arte-marcial, quanto servindo como forma de intimidação não verbal.

A respeito da prática do jiu-jitsu como forma de intimidação, os entrevistados expressaram suas visões do seguinte modo.

“Eu acho que depende da situação. Eu acho um pouco de covardia você treinar num pensamento de bater em alguém e você ficar ameaçando [...] Acho uma covardia, acho que não se deve ameaçar ninguém com o que você tem de qualidade de luta, de agressividade assim, sabe? Uma covardia.” (P1)

“Ah, se for uma intimidação direta, que evite uma situação de briga, eu acho que é positivo. Agora se a pessoa tá usando isso sem necessidade, aí eu acho que é errado.” (P6)

“Ah, eu acho que justamente você não tem que procurar nenhum motivo de briga, de ter que mostrar isso. Nem falar, né, mas tipo, a pessoa acho que foi inteligente, né, se vê, a pessoa não sabe nada e vai querer arrumar

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confusão com quem luta, acho que ele tá certo de ir embora mesmo, de não arrumar confusão, que vai acabar sendo pior pra ele, né.” (P9)

“Uma pessoa que faz jiu-jitsu pra querer intimidar as outras tá no esporte errado, né. Tem que mudar de esporte, tem que, sei lá, mudar seus conceitos sobre o esporte, sobre a vida, sobre diversos valores, porque não foi criado pra briga, né. Obvio que algumas pessoas acabam tendo atitudes que não condizem com a arte marcial, né, e isso acaba prejudicando a imagem da arte marcial, né. Tanto que a alguns anos atrás, a uns 10, 15 anos atrás, o jiu-jitsu era muito mal visto, né, tanto por causa de pessoas que utilizavam das técnicas pra brigar na rua pra se satisfazer pessoalmente, né, tipo seu ego, não sei.” (P3)

Os entrevistados divergiram quanto sua opinião sobre o uso da prática de jiu-jitsu como forma de intimidação. Os relatos se dividiram em dois principais pontos, a legitimação dessa prática para evitar conflitos e o repúdio desta conduta, associando-a a um modelo antigo de jiu-jitsu ou afastando da comunidade quem tem tais atitudes.

O antigo BJJ surge em diversos momentos nessa categoria, que trata de relações conflituosas entre membros da comunidade do esporte e pessoas fora desta, chamadas de “leigos” por alguns dos participantes. As falas afastam, por vezes, o passado da modalidade, associando-o a condutas antissociais como a violência. Contudo, o discurso acerca do tema não é homogêneo e o passado do jiu-jitsu surge também ligado a valores positivos e, como visto acima, atribuindo novos significados a história desta arte-marcial. “Nós seguimos uma linha de filosofia do jiu-jitsu, que o jiu-jitsu, como ele foi criado pra defesa pessoal, autocontrole, pra você dominar a situação, se controlar; então é, eu sigo a cartilha dos antigos, né, o uso do jiu-jitsu

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apenas em situações em que você realmente necessite, de extrema necessidade, caso de defender um ente querido, se defender de alguma coisa...” (P5)

“Os novos professores têm uma outra cabeça, já estão mais voltados pra esse lado de disciplina, então eu tento aplicar isso pros meus alunos, mas cada professor tem uma filosofia do jiu-jitsu assim, né. Tem uns que são mais casca-grossa, mais old school. Eu já tento levar mais pro lado de disciplina, de respeito, amizade, tipo, de fazer uma família mesmo, na academia todo mundo ser amigo... E pros alunos o que eu falo pra eles é que eu tento tratar eles como eu queria ser tratado quando eu era aluno, então sempre com respeito.” (P9)

Observa-se que há diferença quanto ao que seria uma conduta ligada ao antigo jiu-jitsu. O discurso de P9, que se coloca como parte dos novos professores, associa o BJJ à academia e a relação intracomunidade, enquanto P5, que se coloca como parte dos antigos professores, ressalta a relação com a comunidade externa, trazendo a questão da autodefesa.

A autodefesa foi um tema bastante abordado pelos entrevistados ao serem questionados sobre o uso do jiu-jitsu fora do contexto esportivo. Há uma forte consonância nos relatos quanto a legitimidade do uso das técnicas da modalidade para se defender ou defender outrem.

“Ah, é, é bem eu diria, depende da situação, as vezes você pode usar pra uma defesa, entendeu? Tem gente que não controla e por qualquer besteira já acaba querendo bater em alguém, mas eu, na parte de defesa eu concordo sim, usar fora dos treinos” (P1)

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“Eu não concordo que se use fora do tatame nenhuma técnica. (...) E eu concordo que se for necessário pra se autodefender, desde que você não cause a briga, desde que não seja atitude sua, não vejo problema algum você utilizar dessas técnicas, né, até porque você precisa se defender. (...) Então, eu não vejo problema algum, desde que você saiba dosar, né, saiba que você pode machucar de verdade alguém, pode inclusive matar alguém, né (...)” (P3)

“Como uma técnica de defesa pessoal pra mim é muito válido, agora pra uma questão de você usar pra coagir, pra fazer alguma coisa ruim com quem não conhece, com uma pessoa leiga, apenas porque você treina e você quer impor um respeito; um medo, na verdade, porque as pessoas não te respeitem, elas te temam; é muito errado.” (P5)

“Então, eu acho que assim, tem que ser usado em último caso, né. É melhor evitar a briga ou qualquer situação de assalto. Ah é perigoso né, ‘ahh a gente sabe jiu-jitsu, vamos reagir’, mas lógico, se o cara estiver armado, for uma situação de muitas pessoas, o melhor é não reagir, mas caso seja uma situação de última situação ali que vai ter que usar, aí eu acho que tem que usar mesmo.” (P9)

Os relatos legitimam o uso das técnicas do jiu-jitsu fora dos tatames desde que se cumpram algumas exigências, sendo elas: analisar a situação para ver se o uso das técnicas não trará consequências graves ao praticante, utilizar os conhecimentos apenas em situação limite em que o praticante tenha que se defender e tomar cuidado para não causar danos desnecessários ao utilizá-las.

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Alguns participantes expuseram relatos de situações nas quais lançaram mão deste recurso fora do contexto esportivo.

“Como eu falei, né, eu procuro evitar sempre utilizar o que eu aprendo dentro do tatame. Porém a gente não responde por si só, né, as pessoas respondem pelas ações delas. E já houve uma situação em que eu tive que me defender de muitos taxistas e acabei utilizando uma técnica de estrangulamento pra dominar um deles, né. Porque ele me agrediu e consequentemente eu tive a reação de tentar dominá-lo e acabei utilizando essa técnica de ir pras costas e estrangular. Não cheguei a machucá-lo, nem nada, deu vontade, mas não cheguei (risos).” (P3)

“Sim, já. Eu trabalhei de segurança muitas vezes, em festa. Segurança particular, em micareta, casa de show e também tive que usar como defesa pessoal realmente em situações em que fui assaltado, tentativa de assalto, aí precisei usar. […] (P5)

“Sou policial militar, trabalho, trabalhei sete anos aí diretamente na rua atendendo ocorrência. Hoje eu trabalho no serviço reservado, mas mesmo até hoje, estando no serviço reservado a gente várias vezes precisa de usar de várias técnicas de imobilização aí pra poder estar se virando aí na rua.” (P8)

“Tive três, se não me engano três episódios em que eu tive que me defender na rua. É... em dois deles foi questão de, acredito até que de sobrevivência, porque foi uma situação de assalto, eu percebi que estavam desarmados, não aconselho ninguém a reagir a assalto, já me assaltaram a mão armada e eu entreguei tudo, deve-se fazer isso, mas nesse caso, como estavam

Referências

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