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Patrimônio Cultural Intangível A Arte Rupestre no Arenito Furnas - Paraná

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Academic year: 2021

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Patrimônio Cultural Intangível A Arte Rupestre no Arenito Furnas - Paraná

O Arenito Furnas, no altiplano paranaense, abriga numerosas manifestações artísticas, parietais, executadas por povoadores pré-históricos. Essas manifestações sofrem constantes processos de acentuada degradação por fatores climáticos e antrópicos, estando constantemente sob o risco de desaparecimento. Urge, portanto, um posicionamento efetivo no sentido de evitar que esse valioso acervo cultural venha, com o correr do tempo, a se extinguir.

Oldemar Blasi, membro do Icomos Brasil

Miguel Gaissler, diretor de Ygaribá pesquisas socioambientais

Almir Pontes Jr, arqueólogo da Secretaria de Estado de Cultura do Paraná

Luara Antunes Stollmeier, graduada Cientista social pela Ufpr

Do amplo leque das opções que o Patrimônio Cultural da Humanidade dispõe, ressalta uma das mais importantes: A Arte Rupestre. Ela, além de utilizar-se de espaços e ambientes físicos especiais para sua concepção, encerra em sua mensagem plástica, o pensamento elaborado pelo seus autores, vindo do seu subconsciente.

As imagens perpetuadas sobre a rocha, provém da sua construção mental e não da reprodução ao vivo do objeto retratado ou representado, desde que o seus criadores são obrigados a posicionarem-se de frente para o espaço a ser utilizado.

Trata-se de uma manifestação cultural impossível de ser transposta do seu ambiente original requerendo, por isso, tratamento altamente

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especializado, tanto quanto seu registro, proteção e conservação, como profundo procedimento de observação para seu estudo.

Um bom exemplo de Patrimônio Cultural Intangível são as pinturas que ocorrem ao longo da formação arenítica denominada Arenito Furnas.

Esse Arenito, que se estende de norte a sul cerca de 250km de extensão por 30km de largura, abrangendo 12 munícipos do Paraná e 2 de São Paulo, é rico de acidentes geológicos, tais como cavernas, lapas ou abrigos, sumidouros, dolinas, fendas e fraturas, cânions e escarpas, além de isolados blocos rochosos, que são consequências da intensa ação de agentes físicos, principalmente aquosos e eólicos, através dos tempos (FIGURA 01). A vegetação local é constituída predominantemente de campos e cerrados. Ela forma um belo mosaico, porque associa-se a outros ambientes naturais, como matas de galeria, complexos de várzeas e pequenas lagoas, além de capões de araucárias.

A fauna, apesar da ampla e contínua devastação que a região está sujeita, ainda é significativa. Entre as espécies presentes estão aquelas seriamente ameaçadas de extinção, como o tamanduá bandeira, suçuarana, lobo guará, alguns outros primatas e, inclusive os cervídeos. Ressalta-se, contudo, que esses ambientes naturais têm justificado a criação de quatro importantes unidades de conservação ambiental: Parque Estadual de Vila Velha (Ponta Grossa), Guartelá e do Cerrado (Piraí do Sul e Tibagi), além do Parque do Monge no município da Lapa. Apesar de representarem somente pequena parcela dessa vasta região dos Campos Gerais, guardam elas, cada uma com sua especificidade, importantes facies naturais e culturais desse complexo ecossistema.

Esses ambientes estão a indicar porque os grupos humanos pré-históricos povoaram esses espaços e neles desenvolveram diversificadas atividades culturais, entre as quais se destacam as artísticas manifestações rupestres. Tal ambiente natural sofre atualmente um processo contínuo de degradação, causado pelo aproveitamento intensivo do solo, que inclui, além de abrangente lavoura, pastagens e silvicultura extensiva.

Desde quando em notícia jornalística notificou-se a presença de pinturas rupestres no interior do Paraná, elas passaram a ser relativamente pesquisadas. As primeiras investigações foram realizadas pelos franceses

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Joseph Emperaire e Annete Laming, em 1956, patrocinadas pela Universidade Federal do Paraná. Os resultados foram divulgados na revista francesa Journal de la Societé des Americanistes, no mesmo ano (Laming; Emperaire. 1956). Posteriormente, equipes de pesquisadores do Museu Paranaense em Curitiba efetuaram cuidadosos trabalhos de investigação, dos quais resultaram não só registros dos desenhos e pinturas como também um conjunto de artefatos líticos e cerâmicos, obtidos através de sistemáticas escavações arqueológicas.

A arte parietal ali ocorrente se restringe a uma série relativamente repetitiva de temas que incluem, preferencialmente, a figura animal, enfatizando a dos cervídeos. Ocorrem também figuras geométricas e outras não definidas em quantidade acentuada. É característica fundamental desses grafismos a utilização da cor vermelha, corante obtido pela trituração da ocra (óxido de ferro). As figuras, notadamente faunísticas, são representadas por três estilos diferentes: no primeiro, pela utilização de traços simples (FIGURA 02 e 03); no segundo, elas se apresentam coloridamente preenchidas, sugerindo a ideia de tridimensionalidade (FIGURA 04 e 05). No último estilo, os motivos eleitos foram representados com traços verticais e entrecruzados sobre o dorso do animal (FIGURA 06). Finalmente, com relação aos temas assinala-se que a presença de pontos, linhas, ondas, círculos, grades e outras figuras geométricas, são padrões bastante presentes nos painéis, embora não caracterizem um estilo e dificultem a sua interpretação. (FIGURA 07)

Deve ser observado, ainda, que raramente os desenhos e as pinturas estão sobrepostos, fazendo supor ter havido entre eles contemporaneidade. Em alguns casos, como o complexo arenoso apresenta também incrustações de seixos rolados, alguns desses foram desbastados e sobre a sua superfície o artista pré-histórico representou verdadeiras miniaturas, principalmente da já mencionada fauna.

Notou-se ainda que em todos os painéis registrados em Furnas, somente duas figuras humanas até o momento foram constatadas. Uma delas (FIGURA 08) representa um indivíduo com os braços e pernas abertos em posição vertical, onde se nota a exaltação do falus, envolvido por uma série de pontos e traços. A segunda figura humana na verdade representa uma espécie

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de boneco, completamente colorido em vermelho, segurando uma vara em cuja extremidade um traço linear vai de encontro com a representação do que se supõe ser um grande peixe (FIGURA 09).

Um outro tema que despertou bastante atenção foi o dos grafismos existentes no teto de um dos abrigos. Essa curiosidade aumenta pelo fato de que entre o solo e as pinturas há uma distância de oito metros. Daí porque especula-se como o artista teria conseguido representá-las a essa altitude e de maneira horizontal. Os traços ali existentes estão a sugerir um trecho de céu onde se vê uma esfera vermelha completamente preenchida, com uma série de pontos, que dela partem em sentido vertical. Ao lado estão outros círculos em vermelho, bem como mais uma esfera preenchida em tamanho menor já bastante desbotada (FIGURA 10). Teriam os seus autores feito uma representação cosmográfica?

Foi notada que há uma diferença acentuada entre as representações pictóricas feitas sobre o arenito e o calcário. No segundo caso, as pinturas mantem-se mais nítidas e com melhores possibilidades de perpetuação. No primeiro caso, há a facilidade do arenito em se decompor sob a ação de diferentes agentes, estando as figuras sujeitas à perda de nitidez e desaparecimento. Daí porque torna-se urgente, no caso de Furnas, um procedimento permanente de preservação que não se restrinja apenas aos registros documentais (fotográficos, fílmicos ou mesmo o decalque das pinturas).

Com referência à cultura material, que não deve ser dissociada do complexo pictórico, escavações efetuadas sob as rochas e no seu entorno revelaram um conjunto de artefatos líticos e cerâmicos.

Trata-se de uma amostragem produzida possivelmente pelos autores das pinturas, como raspadores, cortadores e fragmentos de cerâmica não decorada. Convém não excluir a suposição que os autores das pinturas tenham praticado uma incipiente agricultura, como as amostras cerâmicas podem sugerir. A ocorrência de uma pequena vasilha inteira, também sem decoração, mostrou no seu interior restos de ocra.

Estudos indicam ainda que essas amostras podem ter pertencido a membros do tronco linguístico Jê e não dos Tupi, duas das grandes etnias que ocuparam - e ainda ocupam –, espaços do território paranaense. O tratamento

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cerâmico de tradição tupi-guarani difere bastante da técnica oleira dos Jê, esta normalmente sem decoração. Os estudiosos também atribuem à técnica oleira usada pelos Jê à Tradição Itararé, denominação que provém de sítios arqueológicos registrados às margens do rio Paranapanema do estado de São Paulo. De acordo com algumas datações absolutas obtidas em laboratório pelo processo C14, a Tradição Itararé oscila entre 2 a 1 mil anos a.p.. Convém acrescentar, contudo, que somente novas pesquisas deverão ser efetuadas para que se estabeleça uma cronologia mais consistente e uma comparação mais apurada entre os achados da Tradição Itararé e esses do Arenito Furnas.

Registra-se ainda que as pesquisas constataram a presença de sepultamentos humanos, onde as ossaturas restantes mostram técnica de enterramento em posição fletida. Em alguns deles foram encontrados objetos líticos e ósseos e fragmentos cerâmicos, possivelmente vinculados ao cotidiano do morto. Esses sepultamentos normalmente se encontravam na base das paredes que apresentam os grafismos. (FIGURA 11)

Talvez a arte rupestre seja a única manifestação artística da humanidade que tem resistido, por milênios, aos constantes e acentuados agentes desagregadores. Esse registro artístico mantem-se como importante elemento de ligação entre os primórdios da ocupação humana do planeta até os nossos dias. Vemos assim que em nenhum momento da sua história o ser humano esteve desligado da sua capacidade de externar através do desenho, pintura e gravura, o seu pensamento.

Finalmente, considerando que as pinturas no Arenito além de sofrerem forte ação de desgaste natural, estão sujeitas ainda à influência de agentes biológicos (como microorganismos e pequenos insetos), e à depredação humana, é necessário que se encontrem alternativas viáveis no sentido de que ao menos se impeça que venha a ocorrer a completa extinção dessa manifestação tão importante do Patrimônio Intangível.

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Legendas das figuras:

FIGURA 01: Vista panorâmica de trecho do Arenito Furnas. Foto: Zig Koch, 1989.

FIGURA 02: Reprodução de pintura de cervídeo não preenchido. Foto: Nicolau Bigarella, 1989.

FIGURA 03: Reprodução de pintura de cervídeo não preenchido. Fonte: Stollmeier.

FIGURA 04: Reprodução de pintura de cervídeo preenchido. Fonte: Stollmeier. FIGURA 05: Reprodução de pintura de cervídeo preenchido. Fonte: Stollmeier. FIGURA 06: Reprodução de pintura de cervídeo ‘malhado’. Fonte: Stollmeier. FIGURA 07: Reprodução de pintura formada por pontos e traços. Fonte: Stollmeier.

FIGURA 08: Figura humana retratada verticalmente. Fonte: FUMDHAMentos - Publicação da Fundação Museu do Homem Americano - Parque Nacional Serra da Capivara. Vol. I, n°II, 2002.

FIGURA 09: Figura humana retratada com o que se supõe ser um grande peixe. Fonte: FUMDHAMentos - Publicação da Fundação Museu do Homem Americano - Parque Nacional Serra da Capivara. Vol. I, n°II, 2002.

FIGURA 10: Círculos concêntricos em abrigo sob rocha no município de Sengés/PR. Foto: Blasi, 1988

FIGURA 11: A DECIDIR

Fotos não referenciadas no texto, mas que poderão entrar também:

Sugestões de Leitura

Blasi, O. Cultura do índio pré-histórico - Rio Iapó, Tibagi, Paraná, Brasil. Arquivos do Museu Paranaense. Nova Série. Arqueologia n°6. Curitiba, 1972.

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Laming, A.; Emperaire, J. Decouvertes de Peintures Rupestres Sur Les Hauts Plateaux du Paraná, Journal de la Societé des Americanistes. NS.T.XLV/pp165-178. Paris, 1956.

Laming, A.; Emperaire, J. Descoberta de Pinturas Rupestres nos Altos Planaltos Paranaenses. Tradução Maria José Menezes. Rev. do Centro de Ensino de Pesquisas Arqueológicas. Curitiba, 1968.

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Carta de envio:

Revista Ciência Hoje,

Sr. Redator,

Submetemos a sua apreciação o artigo em anexo referente à ocorrência de pinturas rupestres no estado do Paraná. Na expectativa de que o assunto possa ser aproveitado na prestigiosa publicação Ciência Hoje, aguardamos o seu pronunciamento.

Atenciosamente,

Oldemar Blasi. (Tel. 041 - 33394090)

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Oi, Blasi. Essa é a nossa lista de imagens, só para ter uma ideia. Quando houver, abaixo das fotos, duas opções de legenda, a primeira refere-se à constante no arquivo do Zig Koch, enquanto a segunda foi feita por nós na época em que estávamos definindo as imagens. Precisamos escolher a opção mais conveniente.

Ps. As imagens estão separadas do texto, pois é assim que são solicitadas pela revista.

FIGURA 01: Vista panorâmica de trecho do Arenito Furnas. Foto: Zig Koch, 1989. FIGURA 01 - Escarpa devoniana - São Luis do Purunã – PR. Fonte: Zig Koch, 1989.

FIGURA 02: Reprodução de pintura de cervídeo não preenchido. Foto: Nicolau Bigarella, 1989.

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FIGURA 03: Reprodução de pintura de cervídeo não preenchido. Fonte: Stollmeier.

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FIGURA 05: Reprodução de pintura de cervídeo preenchido. Fonte: Stollmeier.

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FIGURA 07: Reprodução de pintura formada por pontos e traços. Fonte: Stollmeier.

FIGURA 08: Figura humana retratada verticalmente. Fonte: FUMDHAMentos - Publicação da Fundação Museu do Homem Americano - Parque Nacional Serra da Capivara. Vol. I, n°II, 2002.

FIGURA 09: Figura humana retratada com o que se supõe ser um grande peixe. Fonte: FUMDHAMentos - Publicação da Fundação Museu do Homem Americano - Parque Nacional Serra da Capivara. Vol. I, n°II, 2002.

FIGURA 10: Círculos concêntricos em abrigo sob rocha no município de Sengés/PR. Foto: Blasi, 1988

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