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As Definições De Fotojornalismo E Suas Aplicações No Contexto Contemporâneo 1

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As Definições De Fotojornalismo E Suas Aplicações No Contexto Contemporâneo1

Kaio Moreira VELOSO2 Flávio Pinto VALLE3

Universidade Federal de Ouro Preto, Mariana, MG

Resumo

Trabalho desenvolvido a partir de inquietações relacionadas às definições do termo “fotojornalismo” enquanto representativo de uma área e prática jornalística. O artigo busca agrupar, explorar e refletir sobre as definições de fotojornalismo, fotodocumentarismo e foto ilustração, fazendo leituras breves de imagens fotográficas veiculadas por empresas jornalísticas, tensionando os conceitos abordados, servindo aos estudantes da área e demais interessados.

Palavras-chave: Fotojornalismo; fotodocumentarismo; fotografia; jornalismo. 1. Introdução

De desvalorizado a praticamente essencial ao jornalismo, o uso de imagens fotográficas foi responsável por mudanças dentro da imprensa e se desenvolveu como uma vertente relevante que não apenas trouxe a fotografia como parte integrante e por vezes essencial a notícias e reportagens diversas, como revelou grandes talentos e posteriormente alcançou o seu próprio lugar de destaque no campo da arte e da cultura. O fotojornalismo, como área e como conceito, no entanto, ainda passa por problemas quando se trata de definições aprofundadas e atualizadas dentro da academia a fim de classificar a produção e propagação de imagens através de diferentes mídias de cunho informativo. Diversos autores buscaram não apenas escrever sobre a história do campo do fotojornalismo como também propuseram classificações para tal forma de documentar-se o mundo e produzir-se jornalismo. Fica a dúvida quanto à relevância e real sentido de tais classificações, sobretudo ao levarem-se em conta as mudanças pelas quais o jornalismo tem passado. Sendo assim, uma vez que levarem-se mostra relevante uma revisão desses textos e uma reflexão quanto aos sentidos do fotojornalismo hoje, este artigo busca cumprir tal proposta ao apoiar-se em textos de Angie Biondi, Jorge Pedro Sousa, Margarita Ledo e Pepe Baeza.

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Trabalho apresentado na IJ04 – Comunicação Audiovisual, da Intercom Júnior – XVI Jornada de Iniciação Científica em Comunicação, evento componente do 43º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.

2 Graduando do Curso de Jornalismo do ICSA – UFOP. E-mail: kaio.veloso@aluno.ufop.edu.br 3

Orientador do trabalho. Professor adjunto do curso de Jornalismo da UFOP. Doutor, mestre e graduado em Comunicação Social pela UFMG. E-mail: flavio.valle@ufop.edu.br

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2. Fotografia e Jornalismo

Antes de apresentar e discutir as diferentes classificações dos autores citados é necessário uma explicação quanto à desvalorização das fotografias no jornalismo apontada na introdução deste artigo. Apesar de terem sido vistas originalmente como um “espelho do real” (SOUSA, 1998, p. 53), houve resistência por parte da imprensa a utilizar as fotografias em suas publicações, pois os editores não valorizavam a seriedade das informações fotográficas nem as viam como parte das convenções do jornalismo e da cultura da época. (SOUSA, 2002, p. 13).

Este cenário começou a mudar a partir da migração de fotojornalistas alemães – pioneiros no uso das imagens fotográficas na imprensa – para países como França, Inglaterra e Estados Unidos em decorrência da Segunda Guerra Mundial. Assim, na década de 1930 do século XX, as fotos já passavam a marcar presença em grandes empresas jornalísticas e passam a influenciar as demais, como consta no livro Fotojornalismo: Uma introdução à história, às técnicas e à linguagem da fotografia na imprensa (2002), voltado a estudantes de jornalismo, do pesquisador Jorge Pedro Sousa. É neste mesmo livro que Sousa define o fotojornalismo como uma atividade fotográfica que tem como fim documentar e informar. Definição aparentemente precisa, mas que carece de aprofundamento.

3. Fotodocumentarismo versus Fotojornalismo

Souza escreve ainda a respeito do fotodocumentarismo, entrando em consonância com a explicação de Pepe Baeza no livro Por Una Función Crítica de La Fotografía de Prensa (2001). Ambos (SOUSA, 2002; BAEZA, 2001) abordam o fotojornalismo como uma vertente do fotodocumentarismo, ambos campos que buscam o registro fotográfico de valor documental da realidade, sendo que no caso do fotojornalismo, seu valor deve estar alinhado às demandas editoriais da empresa à qual está vinculado, estando ainda em consonância com uma matéria de cunho noticioso sem que necessariamente ocupe o mero lugar de ilustração, mas sim, componha a narrativa dos fatos ocorridos em conjunto ao texto verbal escrito.

Sousa (2002) aponta características do trabalho fotojornalístico que podem diferenciá-lo do trabalho fotodocumentarístico em que, no primeiro, a rotina de produção é na maior parte do tempo acelerada, lidando com acontecimentos muito recentes e, portanto, necessitando de agilidade para que os registros sejam produzidos e veiculados, enquanto no

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segundo há uma maior profundidade de apuração e desenvolvimento, contando com prazos mais espaçados.

Baeza cita o autor Eugene Smith que afirma ser o fotojornalismo um “documentarismo com propósito” (SMITH apud BAEZA, 2001). Smith é em si mesmo um grande exemplo de fotodocumentarista, sendo inclusive conhecido como o inaugurador do gênero ensaio fotográfico com a publicação do ensaio Country Doctor, na revista Life em 1948. No ensaio fotográfico, Smith acompanhou o Dr. Ernest Ceriano, um clínico geral do Colorado, retratando os desafios da profissão enquanto Ceriano deslocava-se para atender seus pacientes onde quer que estivessem, realizando desde partos à amputação de membros.

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Ainda sobre o campo do fotojornalismo, Baeza (2001) esclarece que alguns termos são usados de forma ambígua e tal uso deve ser rompido a fim de uma melhor compreensão. O autor problematiza o termo “Fotografia de Imprensa”, que é constantemente usado como sinônimo para “Fotojornalismo”, quando na verdade, inclui o “conjunto de imagens publicadas pelos meios da imprensa, desde os ‘planejados e executados’ aos ‘comprados e publicados’” (BAEZA, 2001, p. 34-35). Sendo assim, “Fotografia de Imprensa” compreende todo o conjunto de imagens que são publicadas pela imprensa, onde se subdividem os campos do fotojornalismo e da foto ilustração.

Enumerando as características de ambas a fim de diferenciá-las, Baeza (2001, p. 35-43) define que o fotojornalismo possui uma função profissional, informativa, noticiosa e ainda acompanha ideias classificatórias do jornalismo, como a ideia de informação imediata

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(notícia) e reportagem (“tratamento interpretativo, sequencial e narrativo” (BAEZA, 2001, p. 36)), enquanto a foto ilustração tem uma função ilustrativa, com o intuito de promover uma melhor compreensão do objeto, conceito ou ideia apresentado, sendo criada a partir de texto prévio que a justifique. Além disso, o autor enumera suas possíveis sub definições, sendo elas: os seus usos, os tipos de noção representadas, os modos básicos de representar e os estilos, temáticas e origem dos autores.

Já Angie Biondi, em sua contribuição para o livro Para Entender o Jornalismo (2014), define os termos Spot News e Feature Photos como respectivamente, fotos de flagrantes em que o jornalista sequer tem tempo hábil para pensar de forma detalhada sobre a foto, realizando um registro no momento em que a ação ocorre, e fotos que tem o intuito de “ilustrar, exemplificar ou comprovar” (BIONDI, 2014, p. 172), havendo, portanto, elaboração prévia destas imagens. É claro que tal forma de classificação acompanha a noção clássica de notícia e reportagem e poderia ainda ser comparada à classificação que Baeza propõe com o fotojornalismo e a foto ilustração.

Até então, o fotojornalismo foi colocado em um local de testemunho e instantaneidade, trazendo além das características citadas por Baeza, a ideia que se trata de um registro fiel da realidade, dos eventos que registra, sendo a relação do fotógrafo e esses eventos meramente técnica, como se a atividade profissional do fotojornalista se resumisse a estar no local certo e na hora certa para apontar a sua câmera e apertar um botão.

Características de evocação estariam ligadas ao campo da foto ilustração que, para Baeza (2001), está mais própria à publicidade que ao jornalismo. Já no livro Fotojornalismo Performativo: O Serviço de Fotonotícia da Agência Lusa de Informação (1998), uma versão resumida da tese de doutorado de Jorge Pedro Sousa, esta percepção é questionada: o autor esclarece que fotojornalistas não deixam de ter estilo próprio, trazendo assim marcas de subjetividade para imagens que, pelas classificações até então apresentadas, deveriam ser meros registros da realidade.

Nesse sentido, características que seriam próprias ao fotodocumentarismo ou à foto ilustração estariam também presentes no fotojornalismo. É interessante pensar que o fotodocumentarismo como também o fotojornalismo não apenas circulam pelos meios tradicionais de informação como jornais e revistas de cunho jornalístico, como também ocupam espaços voltados à memória e apreciação, como publicações em livros e exposições em museus e galerias. Assim, mais do que um caráter de informação, noticiabilidade, registro do real e documentação, estas imagens também são dotadas de características estéticas e de

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estilo que as aproximam de um campo até então bastante distinto de seus objetivos iniciais - a arte.

Dessa forma, uma vez que imagens fotojornalísticas possuem também valor artístico e logo, revelam que a relação entre o fotojornalista e sua produção vai além do disparo da câmera, mas incluem sua percepção particular sobre os assuntos e acontecimentos, tais imagens apresentam um recorte que além de ser subjetivo, pode influenciar quem as vê.

No livro Documentalismo Fotográfico: Éxodos e Identidad (1998), a autora Margarita Ledo faz uma declaração reveladora sobre o caráter subjetivo de fotos documentais (na qual se inclui o fotojornalismo):

A foto documental não é a verdade nem é a única possibilidade fotográfica. Mas é um dos caminhos visíveis do papel da subjetividade, da doxa, como parte da nossa capacidade cognitiva e de aprendizagem, da percepção do mundo e sua organização em esquemas, em patterns que nos permitem operar com abstrações tão práticas como a racionalidade. (LEDO, 1998, p.40-41)5

A fim de propor formas de caracterizar as imagens, Sousa (1998) apoia-se em diversos autores buscando compreender o fotojornalismo não como um mero registro da realidade, dada a sua subjetividade, mas como parte de uma linguagem e como parte do corpo editorial da empresa para a qual é produzida e onde é inicialmente veiculada. Assim, compreende-se que o sentido da fotografia de imprensa depende da máquina fotográfica e outros suportes fotossensíveis; os processos de sensação/percepção tanto do fotógrafo quanto do leitor; a foto literacia aplicada de ambos; o contexto global da produção e o contexto da imagem e sua leitura. Assim, entendemos que a imagem é fotojornalística não apenas por um suposto flagrante sem maiores pretensões que não a de informar, mas também da interpretação de tal imagem através de sua leitura e de seus contextos.

4. Leituras de imagens fotográficas jornalísticas

Neste processo de leitura, questões como o enquadramento entram em cena, uma vez que uma imagem não é apenas o que ela mostra, mas também aquilo que ela oculta. O fato de uma foto jamais revelar todo o entorno e possíveis pontos de vista de um mesmo acontecimento é um indício para que sua concepção como espelho da verdade seja, mais uma

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vez, tida como equivocada. Diversos fatores como ângulo, iluminação e cores de uma fotografia influenciam sua leitura e percepção adicionando possíveis significações a ela.

Como exemplo, tomemos duas imagens produzidas para capas da revista Isto É. Na capa da edição número 2.417, de 1º de Agosto de 2016, a ex-presidente Dilma Rousseff é retratada como uma mulher histérica tendo em vista seu temperamento visto como explosivo, em especial devido ao processo de Impeachment pelo qual o seu mandato estava passando, sendo oficialmente cassado no dia 31 daquele mesmo mês. Igualmente conhecido por seu temperamento e discursos agressivos, o presidente Jair Bolsonaro é retratado na edição 2.601, dia 1º de Novembro de 2019, como um “leão fora de controle”.

Na primeira, é possível identificar a foto utilizada como um flagrante, tendo congelado a expressão facial de Rousseff em um momento em que parece estar gritando, com um enquadramento e possível tratamento que destaca as suas linhas de expressão. Já na capa que apresenta Bolsonaro, a foto recebeu uma quantidade exorbitante de tratamento, mesclando digitalmente o rosto do presidente à face de um leão (Tomou-se como referência para a imagem assim como as fontes escolhidas para o título a adaptação do filme “O Rei Leão” que estava sendo lançado à época).

Em ambos os casos, mesmo que se tratem originalmente de flagrantes, as imagens parecem aproximar-se conceitualmente mais da foto ilustração, pois evocam sentimentos e atribuem sentidos às personagens retratadas utilizando artifícios diferentes para isso. Mesmo que em ambos os casos o assunto tratado seja o temperamento dos políticos, devido às escolhas estéticas, Rousseff tem sua imagem ridicularizada enquanto Bolsonaro ganha ares de poder.

As diferenças percebidas apontam para o machismo nas coberturas jornalísticas, tanto ao ridicularizar Rousseff quanto ao representar Bolsonaro de maneira intimidadora, sobretudo ao considerar que o flagrante de Rousseff ocorreu, na verdade, durante um jogo de futebol, precisamente no momento em que comemorava um gol da seleção brasileira na Copa do Mundo no Brasil, no ano de 2014 (dois anos antes da veiculação na capa da revista), ou seja, deslocada de seu contexto.

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Tomemos mais alguns exemplos, desta vez, imagens produzidas durante o enterro de jovens vítimas do incêndio que ocorreu na Boate Kiss em Janeiro de 2013. Imagens daquele que ficou conhecido como o maior desastre da história do Rio Grande do Sul foram largamente divulgadas pela imprensa, tanto em mídias impressas quanto na televisão e na internet. Uma dessas imagens ocupou a capa da revista Veja em sua edição 2.307, do dia 6 de Fevereiro de 2013. A foto mostra Yasmin Muller com a cabeça apoiada pelas mãos sobre o caixão de seu namorado, Lucas Dias, que faleceu na tragédia. Como é narrado no livro Todo Dia a Mesma Noite (2018), da jornalista Daniela Arbex, muitos leitores criticaram a revista, pois acreditaram que se tratava de uma modelo contratada para o registro. Isto porque a jovem é vista usando esmalte na foto. O chapéu que ela aparece usando pertencia à Dias, que apreciava o tradicionalismo da cultura gaúcha na qual tal adereço é utilizado.

Podemos observar que aqui, uma foto que se encaixa nos parâmetros fotojornalísticos como a ideia de flagrante da vida real e que atende aos critérios de noticiabilidade foi interpretada por muitos leitores como uma construção, uma ilustração, dada a natureza da fotografia em consonância com o acontecimento sobre o qual ela comunicava. As características da personagem, como seu esmalte, vestimenta e pose, aliadas ao tratamento visível da imagem, iluminada e com o fundo artificialmente anulado parecem ter interferido na sua leitura como foto da “realidade”, o que talvez não tivesse ocorrido caso uma versão sem retoques tivesse sido utilizada ou uma das outras fotos produzidas, que mostram o rosto de Muller.

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Figura 2: Capas da revista Isto É representando a ex-presidente Dilma Rousseff e o presidente Jair Bolsonaro. Em cada caso, escolhas estéticas das fotografias influenciam a leitura imagética.

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Figura 3: Capa da revista Veja sobre o incêndio na boate Kiss. Leitores acusaram a revista de ter usado uma modelo quando, na verdade, tratava-se da namorada de uma das vítimas. (Foto: Lauro Alves/ VEJA)

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Figura 4: Versão da fotografia onde é possível ver o fundo e o entorno. Possivelmente, traria maior realidade caso tivesse sido utilizada.

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Tomemos ainda uma fotografia utilizada em uma reportagem publicada pela revista Veja em decorrência dos cinco anos do incêndio. Nela, Muller é vista posando junto ao chapéu que utilizou na ocasião da foto de capa previamente mostrada. Neste caso, a intenção da fotógrafa não foi fazer um registro de um momento específico, mas sim, evocar um acontecimento passado, recorrendo a uma imagem anterior e apelando à memória dos leitores para construir sentidos sobre o novo registro, sendo assim uma foto planejada antes de ser executada. A fotógrafa Jonne Roriz realizou um ensaio com sobreviventes e parentes de vítimas para a reportagem em questão.

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5. Novo Fotojornalismo

Partindo para questões atuais, há ainda que se considerar o fato que cada vez mais fotos utilizadas por meios jornalísticos não são produzidas por profissionais da área, mas sim, pelas mesmas pessoas que antes consumiam passivamente tais imagens. Sousa (1998), já ao final dos anos 90 fala sobre como a imprensa recorre a fotografias de amadores e também de organizações para veicularem ao público. Esta pode ser a solução para quando o fotógrafo não consegue registros do acontecimento por motivos diversos. Assim, abre questões quanto a real necessidade de haver um fotógrafo para que tais registros sejam feitos. Afinal, se qualquer um

10 Figura 6: Fotografia produzida para a reportagem de cinco anos do incêndio na boate Kiss feita pela revista Veja. Sobreviventes e parentes das vítimas foram convidados para um ensaio fotográfico em memória do desastre. (Foto: Jonne Roriz/ VEJA)

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pode, mesmo que de forma leiga, produzir fotografias noticiosas, qualquer uma destas imagens pode ser considerada fotojornalística?

A respeito da crise do fotojornalismo e do fotodocumentarismo, Pepe Baeza (2001, p. 57-61) comenta sobre como os valores destes dois gêneros fotográficos tem sido desacreditados, sendo apontados como culpados a tecnologia digital e suas possibilidades de criação e tratamento de imagens. Baeza faz questão de esclarecer que o jornalismo já começou a ser desacreditado quando passou a ser visto como um meio de favorecer discursos e interesses de determinados grupos políticos e econômicos em sua disputa de poder, portanto, o desenvolvimento de tecnologia aplicado às imagens seria apenas algo mais para que tais críticas se apoiassem no contexto contemporâneo para sustentarem a ideia de que o jornalismo não necessariamente corresponde a uma verdade.

Essa desconfiança tem suas razões de ser, afinal, como apontado, estas formas de produção de imagens fotográficas não é isenta de propósitos e valores subjetivos. Na verdade, tanto Baeza (2001) quanto Sousa (1998) dizem quanto aos interesses que existem por trás da produção e disseminação destas imagens, aliados ao corpo editorial, aos interesses da empresa e sua relação com seus anunciantes publicitários. Baeza inclusive comenta sobre como estas relações sufocam o fotojornalismo já que, caso usadas em todo o seu potencial, as “imagens de realidade” (BAEZA, 2001, p.14) poderiam interferir na eficácia das imagens publicitárias.

Se há desconfiança quanto aos meios de comunicação devido à suas relações políticas e econômicas, o jornalismo independente – dentro do qual há massiva produção fotográfica – cresce e conquista a confiança e credibilidade que parte do público perdeu com a imprensa tradicional. Feito tanto por jornalistas por formação quanto por leigos, os textos, vídeos e fotos produzidos alcançam milhares de pessoas e renovam a ideia de imagem de realidade uma vez que, produzidas de forma amadora, sem grandes cuidados ou tratamentos, transmitem a sensação de veracidade e espontaneidade que o fotojornalismo a alguns bons anos parece ter perdido.

Em uma entrevista para a revista Zum, em 2014, Fred Ritchin, crítico e professor de fotografia da Universidade de Nova York, falou sobre a crise no fotojornalismo e a perda da credibilidade nas fotografias citando a escolha de Barack Obama, ex-presidente dos Estados Unidos, de não divulgar a foto de Osama Bin Laden morto uma vez que “não faria diferença”, podendo despertar a ira de grupos de pessoas e seria desacreditada como um registro verídico de qualquer maneira.

Ritchin critica a maior parte das fotografias fotojornalísticas por não buscarem formas de expressão novas que sejam capazes de mobilizar aqueles que se deparam com elas;

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acusa-as de buscarem apenacusa-as atenderem demandacusa-as e critérios editoriais, o que permite aos fotógrafos 11ende-las às empresas jornalísticas e até ganharem prêmios, mas caem em clichês e, portanto, perdem a capacidade de tocar as pessoas, lembrando muito os desdobramentos argumentativos de Susan Sontag em Diante da Dor dos Outros (2003), em que é apontado que o excesso de imagens – imagens violentas, no caso – podem causar o efeito contrário ao que deveriam, insensibilizando quem as vê e gerando inércia.

Ritchin ainda usa o Mídia Ninja – coletivo brasileiro de jornalismo independente – como um exemplo do que o fotojornalismo deve ser a fim de se reinventar e recuperar a sua credibilidade e importância. Conhecido pela cobertura da onda de protestos no Brasil em 2013, o coletivo trabalha de forma muito próxima dos acontecimentos e faz constantemente registros que fogem do óbvio e promovem uma aproximação com os personagens e eventos retratados que o fotojornalismo em seu sentido tradicional – ilustrando, comprovando e dando veracidade – já não atendem. Seria, portanto, uma forma de “Novo Fotojornalismo”, fazendo analogia ao movimento New Journalism (Novo Jornalismo) que foi responsável por rupturas na maneira tradicional de escreverem-se matérias nos anos 1960-70 nos Estados Unidos.

Quanto ao amadorismo, o professor defende que a prática deste Novo Fotojornalismo estaria ligada aos registros amadores e aproveita para lembrar que grandes momentos da história e grandes registros tidos como fotojornalísticos são, na verdade, registros feitos por pessoas com um dispositivo fotográfico à mão, não necessariamente um profissional seguindo os mandos de editorias jornalísticas. Inclui-se aí a ideia de que aqueles que vivem no calor dos acontecimentos e participam ativamente deles tem o poder de trazer autenticidade às imagens por eles produzidas.

Em conclusão, os novos desafios para o fotojornalismo residem em questões como o alerta ao público quando uma foto trata-se de uma montagem, uma vez que, com as novas tecnologias, é possível tanto usar tais técnicas para compor novas formas de representar quanto de enganar – justamente o motivo pelo qual a foto de Osama Bin Laden morto seria questionada caso tivesse sido publicada – além do limite necessário entre o jornalismo cidadão e o ativismo político, uma vez que na produção amadora de imagens em que um único lado da história é mostrado poder-se-ia levar ao ceticismo por parte dos leitores. Ritchin defende, portanto, a necessidade de curadoria para os amadores, capazes de servir como filtro e oferecer contextos para as produções fotográficas.

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Apesar de, em uma visão geral, o fotojornalismo se constituir como uma prática jornalística dentro das propostas editorias da empresa na qual e/ou para a qual as imagens serão publicadas, é possível concluir que não apenas estas conseguem ir além do registro de acontecimentos, mas conseguem construir sentidos sobre eles, além de encontrarem hoje na colaboração dos próprios sujeitos que participam da ação, e não na figura estritamente profissional do fotojornalista, a solução para a crise da área no que diz respeito a sua credibilidade frente aos leitores, fugindo assim de certa frieza que parece ter se instaurado no meio. No entanto, a necessidade de curadoria para que os princípios editorias e até mesmo éticos sejam seguidos, evitando a mistura de um jornalismo cidadão com ativismo político, como apontado por Ritchin (2014), mostram que as empresas, independente de serem tradicionais ou independentes, continuam a exercer seu poder sobre a circulação dessas imagens e seu consequente reconhecimento enquanto fotojornalísticas, o que pode provavelmente constituir um dos maiores paradigmas para a área na contemporaneidade e pode indicar novas inquietações para pesquisas na área do jornalismo, editoração e comunicação visual.

7. Referências

ARBEX, Daniela. Todo dia a mesma noite: a história não contada da boate Kiss. 1ª ed. Rio de Janeiro: Editora Intrínseca, 2018

BAEZA, Pepe. Por Una Función Crítica de La Fotografía de Prensa. 1ª ed. Barcelona: Editora Gustavo Gili, 2001

BIONDI, Angie. Fotojornalismo: um campo, uma atividade ou um objeto. In: LEAL, Bruno; ANTUNES, Elton; VAZ, Paulo Bernardo. Para entender o jornalismo. 1ª ed. Belo Horizonte: Editora Autêntica, 2014, p. 171-178.

COSGRAVE, Ben. Country Doctor: W. Eugene Smith’s Landsmark Photo Essay. Disponível em: <https://www.life.com/history/w-eugene-smiths-landmark-photo-essay-country-doctor/>. Acesso em: 28 de Ago. de 2020.

DARONCO, Marilice; NAVARRO, Silvio; DARONCO, Marilice. Kiss, 5 Anos de Impunidade. 2018. Disponível em <https://veja.abril.com.br/especiais/kiss-5-anos-de-impunidade/>. Acesso em: 28 de mar. de 2020

LEDO, Margarita. Documentalismo Fotografico: Éxodos e Identidad. 1ª ed. Madrid: Editora Cátedra, 1998

NEVES, Rita de Araujo; NEVES, Helena de Araujo. A Representação Da “Mulher

Descontrolada” Na Imagem De Capa Da Revista Istoé Que Retratou A Presidenta Dilma

“Gritando”. In: 13º MUNDOS DE MULHERES E FAZENDO GÊNERO 11 TRANSFORMAÇÕES,

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Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress. Disponível em:

<http://www.en.wwc2017.eventos.dype.com.br/resources/anais/1499348124_ARQUIVO_TextoComp leto-FazendoGenero_NEVES,Rita_NEVES,Helena-FINAL.pdf>. Acesso em: 28 de Ago. de 2020. RITCHIN, Fred; PIRES, Francisco Quinteiro; MÍDIA NINJA. Fotojornalismo em Crise?. Revista

ZUM, Rio de Janeiro, 11 de jun. de 2014. Disponível em < https://revistazum.com.br/revista-zum_6/fotojornalismo-em-crise/>. Acesso em: 19 de abr. de 2020.

SONTAG, Susan. Diante da dor dos outros. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2003.

SOUSA, Jorge Pedro. Fotojornalismo Performativo: O Serviço de Fotonotícia da Agência Lusa de Informação. 1ª ed. Porto: Edições Universidade Fernando Pessoa, 1998, p. 47-106

SOUSA, Jorge Pedro. Fotojornalismo: Uma introdução à história, às técnicas e à linguagem da fotografia na imprensa. 1ª ed. Porto: Editora Letras Contemporâneas, 2002

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