na ação direta de inconstitucionalidade 5.022-RO
Relator:
Ministro Celso de Mello
Agravante:
Banco Cruzeiro do Sul S.A. (BCS)
Requerente: Governador do Estado de Rondônia
Interessada:
Assembleia Legislativa do Estado de Rondônia
Amicus curiæ: Banco Central do Brasil
Agravo regimental em ação direta de inconstitucionalidade.
Negativa de admissão para intervir na ação direta, na
quali-dade de amicus curiæ. do B
ANCOC
RUZEIRO DOS
ULS.A.,
em-presa financeira em liquidação extrajudicial. Ausência de
re-presentatividade adequada para ingressar em ADI. Natureza
objetiva do processo de controle abstrato de normas.
Im-possibilidade de tutela jurisdicional de situações individuais.
Parecer pelo não provimento do agravo regimental.
Cuida-se de agravo regimental interposto por B
ANCOC
RUZEIRO DOS
ULS.A. (BCS), em face de decisão que indeferiu
pedido de ingresso na ação direta de inconstitucionalidade, na
qualidade de amicus curiæ.
Eis o teor da decisão (peça 30):
Não vejo como reconhecer, ao BANCO CRUZEIRO DO SUL S.A. (EM LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL), legitimidade para in-tervir, como amicus curiæ, neste processo de fiscalização
normativa abstrata, eis que a instituição financeira em questão não dispõe de representatividade adequada.
Como se sabe, terceiros não dispõem, ordinariamente, em nosso sistema de direito positivo, de legitimidade para in-tervir no processo de fiscalização normativa abstrata (RDA 155/155 – RDA 157/266 – ADI 575-AgR/PI, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
A Lei no 9.868/99, ao regular o processo de controle abs-trato de constitucionalidade, prescreve que “Não se admi-tirá intervenção de terceiros no processo de ação direta de inconstitucionalidade” (art. 7o , caput – grifei).
A razão de ser dessa vedação legal – adverte o magistério da doutrina (OSWALDO LUIZ PALU, “Controle de Constitu-cionalidade”, p. 192/193, item n. 9.9.1, 2a ed., 2001 RT; ZENO VELOSO, “Controle Jurisdicional de Constitucionali-dade”, p. 89, item n. 109, 3a ed./2a tir., 2003, Cejup; ALEXANDRE DE MORAES, “Direito Constitucional”, p. 755/756, item n. 9.2, 27a ed., 2011, Atlas, v.g.) – repousa na circunstância de o processo de fiscalização normativa abstrata qualificar-se como processo de caráter objetivo (RTJ 113/22 – RTJ 131/1001 – RTJ 136/467 – RTJ 164/506-507).
É certo, no entanto, que a regra constante do art. 7o , § 2o , da Lei no 9.868/99 abrandou, em caráter inovador, o sentido da vedação pertinente à intervenção assistencial, per -mitindo, agora, na condição de amici curiæ, o ingresso de entidades dotadas de representatividade adequada no pro-cesso de controle abstrato de constitucionalidade.
A norma legal em questão, ao excepcionalmente admitir a possibilidade de ingresso formal de terceiros no processo de controle normativo abstrato, assim dispõe:
“O relator, considerando a relevância da matéria e a re-presentatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no pará-grafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou enti-dades.” (grifei)
Sabemos que entidades que possuem representatividade adequada podem ingressar, formalmente, em sede de con-trole normativo abstrato, na condição de terceiros interes-sados, para efeito de participação e manifestação sobre a
controvérsia constitucional suscitada por quem dispõe de legitimidade ativa para o ajuizamento de referida ação constitucional.
Tal como assinalei em decisões anteriores (ADI 2.130-MC/SC, Rel. Min. CELSO DE MELLO, DJU 02/02/2001), a intervenção do amicus curiæ, para legitimar-se, deve apoi-ar-se em razões que tornem desejável e útil a sua atuação processual na causa, em ordem a proporcionar meios que viabilizem uma adequada resolução do litígio constitucio-nal.
Isso, porém, não é o que se registra em relação à institui-ção financeira, em liquidainstitui-ção extrajudicial, que pretende ingressar, nesta relação processual objetiva, na condição de amicus curiæ, eis que tal entidade não atende à exigência pertinente à adequacy of representation.
Cumpre acentuar, neste ponto, ante a sua inteira pertinên-cia, que o sistema de controle normativo abstrato de cons-titucionalidade não permite que, em seu âmbito, se discu-tam situações individuais, nem se examinem interesses concretos.
Cabe ter presente, por oportuno, que o processo de fiscali-zação concentrada de constitucionalidade – por revestir-se de caráter objetivo – destina-se a viabilizar “o julgamento, não de uma relação jurídica concreta, mas de validade de lei em tese (...)” (RTJ 95/999, Rel. Min. MOREIRA ALVES – grifei).
A importância de qualificar-se, o controle normativo abs-trato de constitucionalidade, como processo objetivo – vo-cacionado, como precedentemente enfatizado, à proteção in abstracto da ordem constitucional – impede, por isso mesmo, a apreciação de qualquer pleito que vise a resguar-dar interesses de expressão concreta e de caráter individu-al.
Isso significa, portanto, que, em face da natureza objetiva de que se reveste o processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade, nele não se discutem situações indivi-duais (RTJ 170/801-802, Rel. Min. CELSO DE MELLO), eis que inadmissível proceder à “defesa de direito subjetivo” (Min. CÉLIO BORJA, in ADI 647/DF – RTJ 140/36-42) em sede de controle normativo abstrato:
“CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIO-NALIDADE – PROCESSO DE CARÁTER OBJETI-VO – IMPOSSIBILIDADE DE DISCUSSÃO DE SI-TUAÇÕES INDIVIDUAIS E CONCRETAS.
– O controle normativo de constitucionalidade quali-fica-se como típico processo de caráter objetivo, voca-cionado, exclusivamente à defesa, em tese, da harmonia do sistema constitucional. A instauração desse processo objetivo tem por função instrumental viabilizar o julga-mento da validade abstrata do ato estatal em face da Constituição da República. O exame de relações jurí-dicas concretas e individuais constitui matéria juridica-mente estranha ao domínio do processo de controle concentrado de constitucionalidade.
A tutela jurisdicional de situações individuais, uma vez suscitada a controvérsia de índole constitucional, há de ser obtida na via do controle difuso de constitucionali-dade, que, supondo a existência de um caso concreto, revela-se acessível a qualquer pessoa que disponha de interesse e legitimidade (CPC, art. 3o ).”
(RTJ 164/506-509, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno) Sendo assim, tendo em consideração os aspectos que ve-nho de referir – inobservância, por parte da instituição fi-nanceira interessada, da exigência pertinente à adequacy of representation e pretendida defesa, incabível em sede de controle normativo abstrato, de direitos e interesses indivi-duais –, indefiro o pedido de intervenção processual dedu-zido pelo Banco Cruzeiro do Sul S.A. (em liquidação ex-trajudicial).
O agravante alega possuir legitimidade para ingressar no feito,
por ser titular da maior parte dos créditos decorrentes de
emprés-timos consignados em folha de pagamento no Estado de
Rondô-nia, motivo pelo qual “possui maior aptidão para tratar, defender,
entender e expor todas as questões que se colocam como pano de
fundo frente a esta Ação Direta de Inconstitucionalidade” (fl. 9 da
peça 35). Afirma não buscar tutela de direitos e interesses próprios,
mas de todas empresas em liquidação extrajudicial que possuam
créditos decorrentes de empréstimos consignados.
É o relatório.
A decisão agravada é integralmente correta e deve manter-se.
Via de regra, não se admite, em ação direta de
inconstitucio-nalidade, modalidade alguma de intervenção de terceiros. A
natu-reza marcadamente objetiva da fiscalização abstrata de normas
torna-a incompatível com tutela de interesses subjetivos de pessoas
alheias à relação jurídico processual.
Sem embargo, no intuito de pluralizar e legitimar social e
de-mocraticamente o debate constitucional, o art. 7
o, § 2
o, da Lei
9.868, de 10 de novembro de 1999, excepcionalmente, possibilitou
ao relator da ação direta, considerada a relevância da matéria,
ad-mitir a manifestação de órgãos ou entidades investidos de
repre-sentatividade adequada:
Art. 7o. Não se admitirá intervenção de terceiros no processo de ação direta de inconstitucionalidade.
[…]
§ 2o. O relator, considerando a relevância da matéria e a re-presentatividade dos postulantes, poderá, por despacho irre-corrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades.
A respeito da representatividade necessária para postular
como amicus curiæ, C
ASSIOS
CARPINELLAB
UENOobserva:
[…] terá “representatividade adequada” toda aquela pessoa, grupo de pessoas ou entidade, de direito público ou de di-reito privado, que conseguir demonstrar que tem um
especí-fico interesse institucional na causa e, justamente em função disso, tem condições de contribuir para o debate da matéria, fornecendo elementos ou informações úteis e necessárias para o proferimento de melhor decisão jurisdicional. Meros interesses corporativos, que dizem respeito apenas à própria entidade que reclama seu ingresso em juízo, não são sufici-entes para sua admissão na qualidade de amicus curiæ.
Com o emprego da expressão “interesse institucional” que-remos designar […] que o pretendente à intervenção na ação direta de inconstitucionalidade deve ser legítimo repre-sentante de um grupo de pessoas e de seus interesses, sem que, contudo, detenha, em nome próprio, nenhum interesse seu, próprio, típico de qualquer interessado no sentido tradi-cional, individual, do termo. Ele precisa guardar alguma rela-ção com o que está sendo discutido em juízo, mas isso deve ser aferido no plano institucional, de suas finalidades institu-cionais, e não propriamente dos seus interesses próprios no deslinde da ação e das consequências de seu julgamento.1
Neste caso, carece o agravante de legitimidade para intervir
em ação direta de inconstitucionalidade, uma vez que não
consti-tui entidade ou órgão dotado de representatividade adequada. O
banco não representa categoria ou classe alguma, mas postula, em
nome próprio, a defesa de seus interesses corporativos, apenas.
Interesse subjetivo do agravante na solução do processo, por si
só, não o legitima a intervir em controle concentrado de
constitu-cionalidade. Conforme bem ressaltou o relator, na decisão
agra-vada, a tutela jurisdicional de situações individuais há de obter-se
pela via do controle difuso de constitucionalidade, acessível a
qual-quer pessoa que disponha de interesse e legitimidade.
1 BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus curiæ no Processo Civil brasileiro: um