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Marco Morel - O Período das Regências (1831-1840) (Coleção Descobrindo o Brasil)

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N.Cham 981.04 M839p 2003 . Autor: MoreI, Marco,

1960-Título: O período das regências (1831-18

11111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111111 191840707 Ac.399501

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Copyright ©2003, Marco Morel

Copyright ©2003 desta edição: Jorge Zahar Editor Lrda.

rua México 31 sobreloja 20031-144 Rio deJaneiro, RJ tel.: (21) 2240-0226/ fax:(21) 2262-5123

e-rnail: jze@zahar.com.br sire:www.zahar.com.br

Todos os direitos reservados.

Areprodução não-autorizada desta publicação, no todo

ou em parte, constitui violação de direitos autorais. (Lei9.610/98)

Composição eletrônica: Top'Iexros Edições Gráficas Lrda.

Impressão: Geográfica Editora

Capa: Sérgio Campante

Ilustração da capa: Guerrilhas,de Rugendas Vinheta dacoleção: ilustração de Debrer

CfP-Brasil. Catalogação-na-fonte Sindicato Nacional dosEditores deLivros,R).

Morei, Marco, 19

60-M84p Operíodo dasRegências,(1831-1840) /MarcoMoreI. - Riode janeiro: JorgeZahar Ed., 2003

il.;- (Descobrindo oBrasil)

Inclui bibliografia

ISBN 85-7110-746-7 I.Brasil - História - Regências, 1831-1840. I.Título. lI. Série, 03-1839 COD 981.042 COU 94(81)"J83111840"

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Introdução 7

A queda do primeiro imperador 10

o

"carro da revolução" 20 A sociedade multifacetada 31 Rebelar erevelar 51 Autocrítica de um revolucionário 66 Cronologia 70 Referências e fontes 73 Sugestões de leitura 75 Sobre oautor 78 Ilustrações (entre pAO-41)

(4)

Créditos das ilustrações Introdução

1. LitografiadeEA.Serrano, s/d.

2. Folhaderosto do primeiro número de ORepública, publi

-cado em 2.10.1830.

3. A liberdade guiando opovo. Óleo s/rela de EugeneDelacroix,

1830.

4. Estampa atribuída a Rafael Mendes de Carvalho, 1840. Litografia de Frederico Guilherme Briggs.

5. Caricatura de Manoel AraújoPorto Alegre,1837. Litografia

deVictor Larée.

6. Caricatura de Manoel Araújo PortoAlegre, 1836. 7. Estampa anônima de 1839. Litografia de Frederico-G ui-lherme Briggs.

8. Negra ao violão,padre dançando. Aquarela, guache e tinta

ferrográfica, anônimo, c.1829.

9. Rua Direita, Rio de Janeiro. Gravura de Rugendas, s/d, Litografia deEngelmann.

o

período dasRegências (1831-1840) foi considerado como "o mais interessante, dramático einstrutivo da História do Brasil" por João Manuel Pereirada Silva, um de seusprimeiros historiadores. Entretanto, não é

exagero afirmar tratar-se também de um dos mome

n-tos históricos menos conhecidos, talvez justamente pelacomplexidade e variedade de sinaisquenos trans

-mite. Além de parecerem labirinto, as Regências en

-contram-se enquadradas em determinadas abordagens

que dificultam ainda mais acompreensão.

Em primeiro lugar,o período em questão foi tacha

-do de caótico, desordenado, anárquico, turbulento e

outros adjetivos conexos. Este era o discurso de parte dos grupos dirigentes da época, envolvidos nos emba

-tesde construção do Estado nacional brasileiro e bus

-cando formas de legitimar o exercício de poder e de coerção. Tal postura fixou-se napena dos historiadores monarquistas do século XIX, perpetuou-se em ramos

da historiografia e ainda hoje pode ser lida e ouvida com certa freqüência.

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MARCO MOREl OPERíODO DAS REGÊNCIAS

Num campo oposto, optou-se por enfocar as rebe -liões do período (que não foram poucas) como forma

de trazer à tona aspectos de conflito, resistência e opressão da sociedade brasileira. Essa perspectiva, em

-bora mais promissora, ainda deixa alguns problemas.

Um deles é o risco do anacronismo, quando apreoc u-pação em denunciar situações do presente pode levar

os que escrevem ou contam história a "adequá-Ia" às questões imediatas do tempo atual, prejudicando assim

acompreensão mais ampla e específica daquelas lutas. A soma de variáveis e paradoxos pode desanimar

pesquisadores, sobretudo os que se apegam à fórmula explicativa prévia, bem assentada eimune adissonâ

n-cias, em geral visando a uma narrativa onde tudo se encaixa às mil maravilhas ... Sem esquecer o risco de simplificação didática que encobre qualquer matéria:

uma explicação mais cômoda e esquemática (ainda que repleta de boas intenções) tende acristalizar temas que poderiam ser problematizados erenovados; estimula a "decorebà' de nomes, datas e episódios esvaziados de

sentido; enfim, espanta qualquer curiosidade. Quem ainda lembra os nomes dos sete regentes provisórios,

trinos e unos?

Vistas como espécie de parênteses ou hiato entre os reinados de dois Pedros (um interregno!), as Regências não raro são varridas para baixo do tapete, ficando apenas uma ponta àmostra.

Apesar de tantos fatores, o interesse pelo período

regencial vem crescendo, sobretudo em teses e pesqu i-sas acadêmicas que ainda não tiveram repercussão jun-to aum público mais amplo e que este trabalho pro

-cura, em parte, incorporar.

Meu enfoque sobre asRegências tende a concordar com aavaliação daquele antigo historiador, mas a pon-tando para caminhos diversos. Penso que o período regencial pode ser visto como um grande laboratório

de formulações e de práticas políticas e sociais, como

ocorreu em poucos momentos na história do Brasil.

Nele foram colocados em discussão (ou pelo menos

trazidos àtona): monarquia constitucional, absolutis

-mo, republicanismo, separatismo, federalismo, libera -lismos em várias vertentes, democracia, militarismo,

catolicismo, islamismo, messianismo, xenofobia, afi

r-mação de nacionalidade, diferentes fórmulas de orga

-nização de Estado (centralização, descentralização,

po-sições intermediárias), conflitos étnicos multifaceta

-dos, expressões de identidades regionais antagônicas, ~ rrnas de associação até então inexistentes, vigorosas retóricas impressas ou faladas, táticas de lutas as mais

usadas ... A lista seria interminável.

Essa movimentação envolveu setores ampliados, d de escravos, índios, grupos urbanos, rurais, intele c-('U,is, camadas pobres, nobres, grandes e pequenos

II' prietários, cujos comportamentos políticos podiam 11fio corresponder de maneira simétrica ao que seespera

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MARCO MOREL OPERíODO DAS REGÊNCIAS

dasrespectivas posições nahierarquia dasociedade. O período regencial representou momento de explosão da palavra pública em suas múltiplas (enem sempre tranqüilizadoras) possibilidades, momento de plurali-dade que, se não foi puramente "desordeiro", também não significou somente expressão deposições monolí-ticasedefinidas.

A importância do período regencial coloca-se por-que, dilacerante, elefoi momento-chave para a cons-trução da nação brasileira, quando, ao custo demuitas vidas edespesas,garantiu-se aindependência eo cami-nho deuma ordem nacional, com determinadas cara c-terísticas. A estrutura política - que se pretendia consolidar como Estado nacional - abalava-se pela ausência depoder centralizado nafigura do monarca e pela emergência de atores históricos variados com suas demandas sociais. O Brasil recém-independente pa re-ciaprestes ase despedaçar, mas acabou tomando um rumo. O período regencial foi, portanto, tempo de esperanças, inseguranças e exaltações, tempo de rebe l-dia e de repressão, gerando definições, cujos traços essenciaispermanecem na sociedade.

(um dos criadores do moderno liberalismo) com a lgu-mas sugestões, ou conselhos, sobre odestino pessoaldo monarca luso-brasileiro diante de encruzilhada: a crise dinástica portuguesa easituação brasileira, que vislum-brava momentos preocupantes.

Como se sabe, d.JoãoVI faleceu sem esclarecer sua sucessão e, legalmente, d. Pedro torna-se ao mesmo tempo imperador do Brasil e herdeiro do trono de Portugal. D. Pedro, então, assume por algum tempo as duascoroas (ouseja,reunificando Brasil e Portugal sob uma mesma direção, pouco mais de três anos após a independência) e outorga uma Constituição para o reinodePortugal nosmoldes da Carta liberaletambém outorgada do Brasil. Em seguida, renuncia ao trono lusitano em nome de sua filha, Maria da Glória. Tal medida é contestada pelos setores tradicionalistas e identificados com oainda vivo Antigo Regime portu-guês:o irmão de d. Pedro, d. Miguel, arroga para sio trono, sendo então considerado usurpador por d. Pe -dro e seuspartidários.

No Brasil, a monarquia recém-confirmada após a independência enfrenta e cria hostilidade diante das repúblicas vizinhas, da qual a Guerra Cisplatina, en-volvendo Brasil e Argentina numa disputa pelo terri-tório do atual Uruguai, é a parte mais aguda. Ao mesmo tempo, em 1826a Assembléia Geral Legislativa d Império do Brasil (Câmara dos Deputados) e o nado começam afuncionar pela primeira vez, pro-A queda do primeiro imperador

Nosidos de 1827chega àsmãosde d.PedroIuma carta doescritor e político suíço-francês Benjamin Constant

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MARCO MOREL

piciando, assim, canais de expressão e.participação política, que se estendem pela imprensa. O poder Legislativo torna-se interlocutor de peso para o mo-narca, que concentra os poderes Executivo e Mode-rador. Começa, pois, a despontar uma tensão, que se agravana.

Na carta manuscrita em francês, em cuidadosa cali-grafia, Benjamin Constant dizia sem meias palavras: d. Pedro deveria abdicar ao trono do Brasil, em nome do príncipe herdeiro, e deixar uma Regência sábia e mo-derada governando durante sua menoridade. Dessa forma - continuava - estariam garantidos a ordem, a monarquia e o status quo, enquanto d. Pedro, que seria sempre visto como representante da tirania no Brasil (devido àcomparação com as repúblicas ameri-canas), passaria aser saudado como paladino das liber-dades na Europa.

As crises cruzavam-se na sociedade brasileira. No campo político, acentuava-se a queda de braço entre o Legislativo (deputados) eo poder do imperador, apro-fundada com a segunda legislatura de 1830, quando medidas governamentais eram duramente criticadas. Pesava também a interferência de d. Pedro Ina situação ibérica, valendo-lhe o estigma de "português", sem falar das levas de soldados e civis portugueses que, fugidos de d. Miguel, desembarcavam no Brasil e eram acolhidos pelo monarca emantidos pelos cofres públicos.

• 12 .

OPERíODO DAS REGÊNCIAS

O campo econômico não era mais fácil. Ainflação aumentava, acarestia atingia amplos setores. O gover-no monárquico brasileiro estava cerceado em uma de suas principais fontes de renda, os impostos sobre os produtos importados. A renovação em 1827 do Trata-do de Aliança eAmizade com aInglaterra (nos mesmos termos de 1810) mantinha tarifa preferencial de 15%, isto é, mais baixa, para osprodutos ingleses. Inconfor-mados com a desigualdade de tratamento, os demais países, que tinham que pagar taxas de 24%, pressiona-ram. E acabaram obtendo vantajosa nivelação por baixo, com a tarifa prererencial estendida a todos em 1828 - o que resultava em menos arrecadação para os cofres brasileiros. A Câmara dos Deputados barrava aumentos deimpostos internos. Aemissão dedinheiro (e a circulação impressionante de moedas falsas de cobre), além de aumentar a inflação', atingia de perto o bolso das camadas menos privilegiadas. Acirrava-se a tensão entre comerciantes (a maioria portugueses) e boa parte da população, acentuando as cores do anti-lusitanismo, inclusive nós meios populares. Havia forte temor, referendado por tantos indícios, de reunificação

ntre Brasil e Portugal, isto é, da recolonização.

Outra fonte de recursos foi a dívida externa,

inau-rurada em 1824 com empréstimos ingleses que se

r.petiam rapidamente, cujo pagamento só fazia agravar us condições financeiras do país recém-independente. 1\!ressão inglesa pelo fim do tráfico de escravos gerava

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MARCO MOREl

descontentamentos entre grandes proprietários e tra -ficantes, deixando o governo espremido entre duas

forças.

Além de tudo, o Brasil saíra derrotado da guerra continental, perdendo a província Cisplatina de seu território e agravando o panorama: gastosbélicos, des

-gaste político e moral. E as repressões internas

-mortes, prisões eexíliosdeadversários- acumulavam rancores.

Em setembro de 1830 um episódio que poderia ser banal tornou-se centro das atenções na capital brasi

lei-ra, exacerbando ânimos. Nada de muito grandioso,

para quem olha mais de século emeio depois, mashá

eventos que setornam descartáveis ouesquecidos após

terem monopolizado atenções eparecido importantes,

pelo menos para quem os vivenciou. Marinheiros do

navio militar francês Ia Caroline, ancorado na Praia

Grande (atual Niterói), desceram em terra para caçar

e adentraram nosterrenos do fazendeiro Manuel Fran-ça, apelidado de Cavalão. Este, que não gostava de intrusos em sua propriedade e fazendo jus ao apelido,

juntou seus escravos e botou os franceses para correr debaixo de bastonadas. Os ofendidos não deixaram por menos, retornaram em bando armado, amarraram o proprietário brasileiro num tronco echicotearam-no, acrescentando insultos como "brasileiro de merdà' e

"mulato tem que abaixar a cabeça para os franceses", entre outras afirmações do gênero.

. 14·

O PERíODO DAS REGÊNCIAS

O fazendeiro participava decírculos influentes e era irmão do deputado Sousa França (futuro ministro da Justiça). A agressão tornou-se escândalo, ocupando >os jornais, as conversas de rua e das casas, beirando o

incidente diplomático, mobilizando ministros bra silei-ros e os representantes franceses. Num contexto de afirmação da nacionalidade, que sempre sucede as

proclamações deindependência, asofensasforam con-ideradas dirigi das ao povo brasileiro como um todo.

Jornais deoposição como AuroraFluminense, Astréae

NovaLuzBrasileira tomavam ocasoem mãos, exigiam' indenização eretratação pública das autoridades fra

n-as. A França passou aser vista como exemplo de brutalidade, dedominação colonial (atomada deAlger

acabara de ocorrer), de política carcomida do Velho Mundo ... Até mesmo Evaristo da Veiga parafraseou

V rsosdesua autoria noHino daIndependência, re afir-111,ndo aidentidade americana do Brasilerepudiando nsinstituições européias.

No augedessapolêmica chegam outros navios fran

-o.scs aos portos brasileiros, arvorando não mais o

estandarte branco com a flor-de-lis (símbolo da mo

-uur luia restaurada) e sim a bandeira azul, branca e

v -nnelha da Revolução Francesa. O que ocorrera, per -1',llntavam-seas pessoas perplexas aglomerando-se no

,lis? Uma.insurreição que começara em Paris em fins

t

i

·

julho de 1830, (conhecida como Três Jornadas de [ulh ), com direito a barricadas e conflitos armados,

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MARCO MOREl OPERíODO DAS REGÊ~CIAS

destronara o rei Carlos x, identificado ao despotismo e àspermanências do absolutismo. O último dos Bour -bons eravarrido decena,reacendendo a flamade 1789. Em rápida manobra política, tirando o poder das "ruas", foi coroado o duque Luís Felipe de Orléans, chamado de "rei cidadão".

A mudança de referências no Brasil foi instantânea.

A França passou a serdesignada pela mesma oposição

liberal como pátria das Luzes,da civilização, e exemplo de liberdade para o mundo. A assimilação Carlos X·

Pedro Ifoiimediata. Nas cidades brasileiras ocorreram

festejos pela queda do monarca ... francês, com alusões

pouco sutis ao imperador do Brasil.A oposição subia

detom.

Aliás,uma comparação com a imprensa francesanos

meses que antecederam as Três Jornadas deJulho (jçr -nais como omoderado Le National eo neojacobino La Tribune desDepartementsi deixa evidente que esta era maisprudente e contida do que viria a ser a imprensa oposicionista brasileira antes da saída de d. Pedro r.

Constatação que põe emxeque análises, repetidas, de que oliberalismo da França seria mais"avançado" que o do Brasil, de que as idéias e fatos franceses teriam

"influenciado" os rumos políticos do Brasil, como o

próprio fim do Primeiro Reinado. Porém, o que se

percebe é que alinguagem e asproposições daimprensa

brasileira nesse momento foram mais contundentes e

arrojadas, inclusive no que sereferia à soberania do

monarca e aodireito deresistência dos povos.Ou seja, os "influenciados" acabam escolhendo, por seus pró -prios critérios e interesses, que tipo de "influência" valorizar.

Havia outros exemplos usados pelos protagonistas, dentro do quadro ibero-americano, talcomo a compa -ração de Pedro I ao despotismo de Fernando VII, na

Espanha. E mesmo a deposição e morte de Simon

Bolívar, naqueles dias, serviriam para comparações

sugestivas: Bolívar era visto pelos liberais brasileiros como Libertador que se tornara déspota e traidor, enquanto os partidários do governo imperial brasileiro elogiariam a saga bolivariana por suas tentativas de

.centralizar e unificar... as Américas. Assim, além da

máscara de Carlos X, d. Pedro I foi também associado

de maneira negativa a Bolívar e Fernando VII, no

contexto que resultaria emseuafastamento definitivo do Brasil.

O. imperador reúne o Conselho de Estado para

avaliar o quadro. Entre os pareceres dedez conselhe i-ros, sete temiam ameaças da ordem e mesmo uma revolução noBrasil, seis atribuíram o enfraquecimento

do prestígio do monarca à imprensa de oposição e

cinco jogavam a responsabilidade pelo clima político nas Três Jornadas parisienses. Seis dos conselheiros propuseram o adiamento dapróxima sessãolegislativa, mtentativa de serenar os ânimos, e apenas oministro da Guerra, general Tomás Joaquim Pereira Valente,

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MARCO MOREL •

conde do Rio Pardo, defendeu o fechamento da Câ-mara dos Deputados pelo imperador, sem previsão para reabertura.

O campo estava minado. Asconspirações se ace n-tuaram. Tensões, insatisfações e ressentimentos aflo

ra-vamo Boa parte dos políticos brasileiros que emergia naqueles anos começou a conspirar contra d. Pedro I, que, por sua vez, isolava-se num círculo palaciano estreito e conservador, identificado ao campo político

chamado de "português". Entre os dias 11 e 14 de

março de 1831 eclodiram no Rio deJaneiro violentos

conflitos de rua envolvendo portugueses ebrasileiros, episódio conhecido como Noite das Garrafadas, do qual foi estopim, entre outros, Antonio Borges da

Fonseca, redator deORepúbLico.Em Salvador,acidade

foi tomada por embates do mesmo gênero, e até mais violentos: ascenasdos Mata Marotos, quando come r-ciantes portugueses foram linchados nas ruas emuitas

casas saqueadas, em 13de abril (a notícia da abdicação ainda não chegara àBahia), evento noqual se envolveu Cipriano Barata, redator do periódico Sentinela da

Liberdade que passara quase todo Primeiro Reinado como preso político.

D. Pedro Iainda tenta salvar a situação e convoca a 19 de março, pressionado pelas manifestações, um novo ministério, no qual predominam políticos bras i-leiros danovageração. Mas,sentindo-se acuado, a5 de

. 18 •

O PERíODO DAS REGÊNCIAS

abril o monarca monta outro gabinete ministerial, integrado por cinco marqueses e um visconde, à ma -neirado Antigo Regime.

O campo minado era o Campo deSantana, no Rio

deJaneiro, sede dasprincipais unidades militares, onde

começou um ajuntamento de tropas ede civis. Nicolau Vergueiro, senador, dirigente maçom, abandonou as

reuniões secretas e foi um dos que ganhou as ruas da cidade imperial, que se enchiam de gente ávida de cidadania, gente da "boa sociedade", masmuitos anô -nimos também. O general Francisco de Lima e Silva,

principal nome do esquema militar do imperador, ,aderiuàmanifestação comseus subordinados ~liados.

"Tropa" e "povo", segundo aspalavras da époea, julga -ram-se soberanos eempurraram o governante supremo contra aparede. Embora nãofossedetodo imprevista, asituação precipitou-se. Isolado no palácio, d. Pedro I

busca a'fórmula da abdicação em nome do príncipe

herdeiro, prevendo em seu lugar uma Regência que deveria ser, retomando aspalavras de Constant, sábia emoderada em defesa da ordem, da monarquia e da dinastia. O calendário marcava 7de abril de 1831. O

ampo de Santana foi rebatizado de Campo daHonra, enquanto o agora ex-imperador desvencilhava-se da encruzilhada e zarpava com parte de sua família de volta à Europa. Começava uma inusitada - eirnpre

-visível - fase dahistória do Brasil.

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MARCO MOREL

o

"carro da revolução"

Fechar o abismo da revolução e parar o carro revolu-cionário. Essas duas frases de Bernardo Pereira de Vasconcelos, um dos políticos mais influentes durante as Regências, sintetizam uma preocupação que se re-petia em discursos e clamores.

Não foi à toa que "revolução" se constituiu em palavra-chave de uma era, àqual pertence o período regencial brasileiro. Quando se falava em revolução em meados do século XIX, não se tratava apenas de jogo de palavras com intuito de iludir ou reprimir, nem deuma espécie depremonição do marxismo, e, por outro lado, já não se sustentava mais o tradicional registro astro-nômico empregado para a palavra, de retorno a um ponto antigo. Esse termo, polissêmico, não selimitaria

à Revolução Francesa (ainda que incluindo-se nela o período napoleônico até 1815) e nem estaria restrito

ao binômio revolucionários e contra-revolucionários,

sobretudo no século XIX, durante oqual as heranças e releituras da Revolução Francesa foram múltiplas e complexas.

A revolução não era apenas quartelada ou transfor-mação violenta e ilegal (embora esse sentido fosse utilizado), mas aparecia como inevitável divisor de águas na cena pública, como se tivesse vida e movimen-tos próprios. O "carro da revolução", nesse sentido, associava-se à idéia de progresso e relacionava-se, de

•20 .

OPERíODO DAS REGÊNCIAS

maneira conflituosa e complementar, com a perspecti-va de evolução. O que fazer com a revolução? Havia basicamente três respostas: negar (os absolutistas ou ultramonarquistas), completar e encerrar (vertente

conservadora do liberalismo) e continuar (vertente revolucionária do liberalismo). Impossível era ignorá-Ia. Estavam em jogo o rumo da sociedade e suas transformações.

Nessa linha situava-se o debate em torno dessa palavra com a saída de d. Pedro Ido trono. Não se limitava a uma discussão semântica.

Inspirados pelas "idéias do século", os moderados brasileiros viviam um paradoxo: pretendiam justificar ,'encerrar arevolução sem jamais terem participado de

uma. Em outras' palavras: aspiravam ao fim de um processo revolucionário que jamais deveria existir, ape-rardos esboços de uma memória de ruptura revolucio-nária que eles tentaram criar para o Brasil em alguns

momentos, como 1831. Até o 7 de abril, o jornal

At-troraFLuminense, redigido por Evaristo da Veiga, se

ab tinha de pregar uma revolução. Mas, com a desti-iuição do imperador, em suas páginas começou a se

entrever a revolução, não sem surpresa, aliás. A

com-pnração com o exemplo francês (as Três Jornadas de [ulho de 1830) era o mote: ''Anossa revolução gloriosa,

em nada teve que invejar os três dias de Paris. Os atos

11 desinteresse e de generosidade, tão admirados na 11,\nça, foram reproduzidos aqui, e se encontrarão até

urre aspessoas da mais infeliz posição socia!."

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MARCO MOREl

Interessante assinalar queuma revolução glorificada e celebrada pertence ao passado. Graças a sua caracte -rística nacional, o movimento tinha, para alívio do

redator, encoberto os conflitos sociais. E não é por acasoacomparação com a revolução parisiense do ano anterior: servia para acentuar o caráter nacional, os

interesses mais amplos e soberanos da nação, mas

deixava entrever a presença das camadas pobres na cena

pública.

Arevolução, ainda que inesperada, estavafeita. Era

preciso encerrá-Ia o mais rápido possível. E para isso

nada melhor que celebrar, pois as celebrações serep or-tam ao passado... A idéiade conclusão, de ponto final do processo revolucionário, transparece na insistência

destas linhas de Evaristoda Veiga, vinte edois dias após a abdicação de d. Pedro I: ''A nossa revolução foi começada e concluída com tanta glória, e querem agora

lançar-lhe nódoa?"

Qualificando a abdicação do imperador de revolu

-ção, osmoderados ensaiavam não enganar, mas aplicar engenhosa operação política com duas dimensões: le -gitimar aconstrução de uma nação nos feitios de seus

interesses e frear a possível corrida doprocesso re volu-cionário.

Uma quinzena antes do afastamento de d. Pedro I do poder, Borgesda Fonseca, liberalexaltado, escrevia com todas as letras: quando o governo é opressor e

injusto, a resistência à opressão édireito natural. A idéia

·22·

OPERioDO DASREGÊNCIAS

de revolução toma, nesse caso, significado demudança

política violenta praticada como direito natural pelo

"povo" e tendo como causa a opressão dos governos

despóticos. Mas uma questão concreta colocava-se: haviauma revolução em curso no Brasil?

A posição de Borges da Fonseca no início das Re-gências era clara emmeio às suasexclamações nojornal ORepública: "Porem com que Gloria, Brazileiros, fi

ze-mos a nossa Revolução? Como com tanta facilidade

nosrejeneramos? ... Mas, Considadãos, inda muito nos resta, resta a conclusão da grande obra incetada. Creio

qe d'alguma sorte iei merecido o vosso conceito; é

,tempo de moderassão."

Relendo tal texto, de cunosa escrita ortofônica,

destacamos três aspectos. Primeiro, a revolução aparece como regeneração, tema bastante tradicional, seja me

-táfora (a curadeum corpo doente), seja ummovime

n-to para restaurar antigos direitos usurpados. Aomesmo tempo, asproposições de Borges da Fonseca não são

monolíticas, mas híbridas, pois ele enuncia também a perspectiva eminentemente moderna deque a revo

lu-ção não acabou. Ao contrário, ela seria um processo por começar, convicção que balizaria nos anos seg

uin-tes a atividade desse personagem, envolvido em rebe -liões. E o apelo à moderação parece traduzir mais as alianças daquele momento de 1831 do que exatamente uma definição de princípios. Assim QS discu sos dos

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MARCO MOREL

exaltados (e suas práticas) constituem-se num hibridis-mo entre referências tradicionais e hibridis-modernas.

Cipriano Barata, que não participou diretamente da composição política que desaguou no 7 de abril, iria mais longe e criticaria, no Sentinela da Liberdade, os que estavam "empenhados em fazer revolução segundo a Lei - o que é absurdo - e deixaram tudo quase no mesmo estado". Para Cipriano, portanto, não havia revolução alguma. E esta não era apenas uma questão de vocabulário.

Em pólo contrário, o jornal O Caramuru, porta-voz dos restauradores, definiu sua linha: defesa da Consti-tuição sem reformas; recusa da idéiade revolução (mais precisamente quanto àabdicação) e fidelidade ao im-perador - sem explicar se se tratava de Pedro Ijá deposto ou de Pedro IIainda não en~ronizado.

Compreender a abdicação de d. PedroIcomo mera substituição de governante controlada "pelas elites" seria empobrecer a dimensão desse período e de suas conseqüências, bem como a diversidade de atores his-tóricos que emergiam e se envolviam, buscando inter-vir. A saída do monarca representou enfraquecimento do poder centralizado r exercido com peso de séculos, possibilitando explosão da palavra pública como nunca ocorrera no território (que se pretendia) brasileiro.

Já no dia 7 de abril diversos setores da sociedade sentiam essa espécie de vertigem, comportas abertas e possibilidades amplas. Evaristo, Borges da Fonseca, as

·24·

lideranças políticas unanimemente pediam calma, pois todos estavam imersos no mesmo caldeirão e perce-biam que o estopim aceso iria longe.

Regência Trina Provisória. Para evitar o vazio de-poder, reuniram-se no Rio de Janeiro os deputados e senado-res que ali se encontravam (era recesso legislativo) com os ministros nomeados dois dias antes por d. Pedro I.

Do encontro saiu uma Regência Trina Provisória, com-posta pelo general Francisco de Lima e Silva (chefe militar, representava "a tropa"), o senador Nicolau Vergueiro (atuante na sedição contra d. Pedro, encar-nava "o povo") e José Joaquim Carneiro de Campos

'(marquês de Caravelas, tradicional membro da Corte do Primeiro Reinado). Otriunvirato expressava impro-visada tentativa de arranjo político e_governou p-ouco mais de 60 dias. Foi preciso dar um pequeno drible na Constituição, que previa composição diferente para a Regência em caso de ausência do monarca e menori-dade do herdeiro.

Esse governo provisório tomou algumas medidas. Decretou anistia para todos os presos, condenados ou sentenciados por crimes políticos até aquela data. Ine-gável a generosidade do gesto, mas hoje podemos supor que a intenção talvez fosse esvaziar as prisões ... para poder ocupá-Ias de novo. Pois, no final do ano, haveria cerca de 500 presos, a maioria por motivos políticos, somente na capital do Império. Foram proibidos

(14)

MARCO MOREl

tamentos públicos na capital (o medo do vulcão). E aprovou-se lei que determinava atribuições e limites ao poder dos regentes, com nítida supremacia do Legisla -tivo: cabia a este aprovar (ou reprovar) os ministros. Quanto aos chefes do Executivo, exerceriam um poder Moderador esvaziado de suas principais atribuições: nada de declarar guerra ou estado de sítio, nern de nomear conselheiros ou dissolver a Assembléia. Até mesmo adistribuição detítulos denobreza e conde co-rações foi suspensa, para desespero dos cortesãos (e aspirantes). A monarquia aparentava fraqueza.

Pode-se caracterizar aprisão de Cipriano Barata em Salvador por "desordens", em 28 de abril, e sua tra ns-ferência para o Rio de Janeiro como o primeiro fato político importante ocorrido no Brasilapós aabdic a-ção de d. Pedro I, com repercussão na imprensa, nos grupos envolvidos em debates políticos nasprincipais cidades (incluindo as camadas pobres), entre·os diri -gentesdaCorte e até no meio dos agentesdiplomáticos estrangeiros, que relataram a seus países adetenção. Tal encarceramento soava como primeiro sinal da

,divisãodas forças que haviam se unido no combate ao ex-irnperador e apontava para divergências que seam -pliariam.

Acompanhando asmudanças no epicentro do Im

-pério, pelas províncias ocorreram abalosem diferentes graus. Na Bahia, tensão eviolência socialeramgrandes, levando à renúncia do presidente da provín ia, Luís

·26 .

O PERíODO DAS REGENCIAS

Paulo de Araújo Bastos, e do comandante das Armas, brigadeiro João Crisóstorno Calado. Também no Pará o·presidente da província, barão de Itapicurumirim,

chegou a ser destituído por um motim, encabeçado pelo cônego Batista Campos, mas conseguiu voltar ao cargo. Nessas duas províncias era forte apresença dos exaltados, com influência entre as camadas pobres da população. A exclusão dos exaltados do poder central e a hegemonia que seria imposta pelos moderados (em nome do combate simultâneo ao antigo "absolutismo" e à "soberania popular") acarretariam outros conflitos. Regência Trina Permanente. Após um período de reu-niões regulares, os deputados e senadores elegeram, a 17 dejunho, a Regência Trina Permanente, ~omposta pelo mesmo general Limae Silva e pelosdeputados José da Costa Carvalho (marquês de Monte Alegre) e José Bráulio Muniz. Na verdade, durante o período das Regências Trinas, que duraria quatro anos e cinco gabinetes ministeriais, a figura principal entre osrege n-tes foi Francisco de Lima e Silva. Coloca-se, desse modo, a existência de uma rnilitarização do poder político no período monárquico, efetivada também pela presença de um Comandante das Armas em cada província, nomeado pela administração central e com poder de intervenção sobre asautoridades locais - viés ainda pouco explorado pelos estudos históricos. Fran-cisco de Lima e Silva (pai do futuro duque deCaxias)

(15)

MARCO MOREL

era oprincipal membro de influente família de chefes militares: ficara marcado por ter pessoalmente orden a-do o Iuzilamenro de freiCaneca e de diversos envolv i-dos na Confederação do Equador, através de comissões _ militares sumárias.

Mas o anode1831ainda não acabara e seriaintenso:

marcava o ímpeto inicial. No plano dos embates ins

ti-tucionajs e parlamentares, oclima político de liberdade

levou a Câmara dos Deputados a aprovar uma sériede reformas na Constituição que, se implementadas, s

e-riam asmais ousadas de todo o período monárquico, no âmbito das mudanças políticas. Osprincipais po

n-tospreviam que:

• oImpério se tornaria uma monarquia federativa

• o poder Moderador seriaextinto

• o senadores seriam eletivos e temporários • aseleições parlamentares seriam bienais • o Conselho de Estado seria extinto

O federalismo, como se sabe, aparecia como contr a-ponto a uma organização centralizadora que, herdada do Estado português, permanecia e se rearciculavaapós ,a independência. O poder Moderador (chave-mestra

da ordem política, segundo a Constituição, e da opres

-são, segundo os exaltados), exercido pelo monarca, funcionava, na prática, como extensão do Executivo. O Senado vitalício e os conselheiros, porsuavez, eram uma áas basespolíticas do exercício do poder imperial.

E o Senado brecou essas reformas, gerando impasse.

·28 .

O PERíODO DAS REGÊNCIAS

(

O personagem que sedestacaria no poder Executivo durante asRegências Trinas foi o ministro daJustiça, padre Diogo Feijó, que assumiu a pasta com

superpo-deres, equivalentes aos de um primeiro-ministro. De -pois seria eleito .0 primeiro regente uno em 1835 (derrotando Holanda Cavalcanti de Albuquerque),

num processo de eleição direta, em que todos osele i-tores aptos escolheram o governante máximo danação

para uma gestão de quatro anos- semelhança formal quelevoualgunshistoriadores

a

qualificarem as Regê

n-ciasde experiência republicana. Feijó, em sua pers ona-lidade e atuação, encarnava uma espéciedejansenismo tardio, levando o governo brasileiro aconfrontos com a Santa Sé, por questões como o celibato clerical (Feijó era contra, mas ao que parece obedecia-o), o poder temporal da Igreja e a relação desta com a Coroa, já que ambas integraram o Estado brasileiro durante todo o período monárquico. O grupo do regente tentou

separar

a

Igrejado Vaticano.

Entre as principais transformações do período no qual Feijó foi o principal dirigente do país tivemos a criação da Guarda Nacional, uma "milícia cidadã" voltada para o fortalecimento dos proprietários e se

-nhores locais e do poder central. Os motins e sedições espalhavam-se em proporção crescente por todo opaís, em grande parte integrados por soldados das forças regulares, nas quais o governo não confiava rnàispara reprimir as contestações.

(16)

MARCO MOREL

o

Código de Processo Criminal, aprovado em

1832, instituiu algumas mudanças que, teoricamente, '

tinham caráter democrático, como o papel dos juízes

de pazque, escolhidos peloeleitorado, possuíam con -siderável poder dejurisdição, Instituiu também oha -beas-corpus eo júri popular, além de alterar a organiza -çãojurídica do país.

A primeira reforma na Constituição de 1824 rea

li-zou-se dez ano-sdepois de suapromulgação através do Ato Adicional, que atendia a algumas demandas des

-centralizadoras, como a criação de assembléias legisla -tivas com maior grau de autonomia e deliberação,

contemplando, assim, poderes regionais. Entretanto,

avançou pouco no plano da reforma tributária: a cen-tralização dos recursos permaneceu nasmãos do gov er-no imperial graças à Lei de Responsabilidade Fiscal, de 1832, queclassificava as rendas em provinciais e gerais,

cabendo à administração central apartilha dos re cur-sos. Dessa maneira, como assinalou a historiadora

Maria de Lourdes Viana Lyra, os possíveis avanços

descentralizadores contidos noAto Adicional ficavam esvaziados, na medida em que continuavam faltando às províncias osnecessários recursos.

Imprensado por crises políticas, disputas entre os grupos dirigentes erebeliões que se alastravam, o padre

Feijó renuncia à Regência, sendo sucedido em 1837

pelo pernambucano (epartidário do centralismo) Pe

-·30·

OPERíODO DAS REGÊNCIAS

(

dro de Araújo Lima, futuro marquês de Olinda, C

o-meça o chamado Regresso: amão-de-ferro do Estado centralizador e autoritário vai retendo o controle da situação abalada, opoder político dos grandes

proprie-tários de terras e escravos se acentua. Os aspectos considerados mais democráticos ou descentralizadores do Código de Processo Criminal edo Ato Adicional

seriam reinterpretados (eufemismo para sua anulação) por leismais conservadoras.

Com amorte do ex-irnperador Pedro Icomo duque de Bragança em Portugal, em 1834, os restauradores perderam suaprincipal bandeira. Ao mesmo tempo, o temor do "abismo darevolução" conduzia auma apro-ximação destes com os moderados, isolando os exalta-dos. Um dos primeiros gestos do regente Araújo Lima foi beijar amão do jovem Pedro II,restaurando assim o secular beija-mão, que andava fora de moda. As comendas honoríficas foram restabelecidas. O Regres-so resultaria na restauração plena (e antecipada) da autoridade monárquica constitucional em 1840: o ca r-ro da revolução freava.

A sociedade multifacetada

Como compreender a sociedade, alguns de seus age n-tes históricos e suas formas departicipação política de

um período tão curto e intenso como asRegências?

. 31 .

(17)

--MARCO MOREL

Facetas políticas. Do ponto de vista das tendências e agrupamentos, é sabido que não havia (inclusive na Europa ocidental) entre 1830 e 1840 partidos políticos no sentido que'se tornou corrente em fins do século XIX: o tipo ideal de partido-máquina, organiz~do a partir de determinados critérios que tomaram corpo sobretudo no séculoXX, não existia no período histó-rico tratado aqui. Ao mesmo tempo, '!J~~!lidaH.z-ayã.a P9~suía carga p-eJQrati:v.a,sobretudo num.momenre-de afirmação da modernidade e da.unidade na-Gio-D.aosL partidários eram-associado às-facções, ou.sejac.eram. 1nlmigos-da pát:r-i-a.A ação de formar um partido era vista como divisionista, ataque à integridade da ordem nacional - ainda mais num momento de consolida-ção da independência.

Entretanto, taiscaracterísticas não precisam condu-zir a uma visão negativista, como se não houvesse qualquer forma de organização política. O que se denominava partido político, na primeira metade do séculoXIXdiferencia-se dacompreensão atual:eramais do que "tomar um partido" e constituía-se em formas 'de agrupamento em torno de um líder, ou através de palavras de ordem e da imprensa, em .determinados espaços associativos ou de sociabilidade e a partir de interesses ou motivações específicas, além de se de limi-tarem por lealdades ou afinidades (intelectuais, econô -micas, culturais etc.) entre seus participantes. Tais

gru-·32 .

O PERíODO DAS REGÊNCIAS

pos eram identificados por rótulos ou nomeações,

pejorativos ou não.

Nessaperspectiva, aslógicasque estruturam asdiv i-sões políticas fundamentais se expressam na tripartição de soberanias corrente em princípios do séculoXIX: a soberania do rei,asoberania do povo ea soberania da

nação. Não setratadeumavisãoestanque e rígida entre

três realidades distintas, mas da compreensão doco n-ceito de soberania além do "poder dedecisão", ouseja, como relaçõesde poder, onde asdecisões são resultado de uma tensão entre o governo e asforçàs políticas e sociais. No período regencial brasileiro emergiram três

partidos, cuja gestação já vinha ocorrendo: Exaltado,

Moderado e Restaurador, com fronteiras políticas de -marcadas, embora mutáveis. Surgem, então, aspri

mei-rasassociaçõespúblicas decaráter explicitamente

polí-tico no Brasil,como se verá a seguir.

Entre osexaltados haviaproprietários rurais (não em maioria), profissionais liberais, militares, padres, fun-cionários públicos, médicos...Oslugares de formação escolar não parecem também ser muito distintos dos demais liberais brasileiros da época. Identificavam-se através de jornais espalhados em diversas províncias, como a Sentinela da Liberdade, de Cipriano Barata, Nova Luz Brasileira,de EzequieI Correa dosSantos, O Repúblico, de Borges da Fonseca edezenas de outros

títulos. Agrupavam-se em associações mais ou menos

restritas, como as Sociedades Federais, a Grande Loja

(18)

MARCO MOREL O PERíODO DAS REGÊNCIAS

Brasileira e outras. Esses exaltados não participaram do poder central- pelomenos nomomento emq~ecada

um identificava-se com tal tendência. Seu ideário

-de valorização da soberania popular - foiapropriado e incorporado por camadas pobres dapopulação, tanto no meio urbano (motins dos anos 1831-1833 em

várias capitais brasileiras) como no meio rural (Caba -nagem no Pará,entre outras).

Os líderes exaltados faziam apelo àparticipação das

camadas pobres da população navidapública e acena-vam contra a opressão econômica, social e étnica. Valorizavam também ofederalismo e adescentraliz a-ção administrativa, englobando assimalgumas oligar-quias regionais. Fizeram uso deluta armada e identifi-cavam-se por determinadas palavrasdeordem veicula-das pela imprensa, como "Fora os corcundas" (osdés -potas e seus aliados), "Alerta!", valorização da "Gente decor" (mulatos, caboclos enegros livres),"Federação já", "Morre aos Marotos" (ou "Portugueses malva -dos"), ''Aristrocratas patifes", "Liberdade dos povos", entre outras expressões. Apresentaram boa dose de

divergência entre seus integrantes e condenavam a escravidão em diferentes graus, variando a forma e o

ritmo com que propunham suaextinção, em geral de forma gradual.

Os exaltados, por fim, nem sempre assumiam essa

denominação, sendo também chamados por outros

apelidos, como jurujubas efarroupilhas.

Equilíbrio, ponderação erazão pareciam compor o lema dos moderados, vistos como expressão política

dos interesses econômicos dos plantadores de caféou de comerciantes brasileiros das províncias do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. É verdade que as

forças políticas que predominavam nessastrês prov ín-cias (mas não apenas nelas) identificavam-se aos mo-derados, sobretudo durante as Regências, constituindo

um núcleo depoder geograficamente situado em torno da Corte. Eram defensores de um Estado forte ecen

-tralizador e, deste modo, tiveram ramificações por todas asprovíncias, onde seus apelidos variavam, sendo o de chimangos um dos mais espalhados pelos adver-sários.

Um aseecto peculiar na noção de moderação: ela é freqüentemente apresentada (pelos protagonistas) como mais um comportamento do que uma posição política demarcada. Moderação seria assim uma es pé-cie de visão de mundo que permitiria posicionar-se

sobre qualq.ier assunto, um critério para distinguir o queésábio e civilizado, em harmonia com os costumes

e o bom senso.Como se não estivessemem jogo ganhos políticos bem precisos. A moderação, enfim, era a

pre-sentada como sinônimo de razão. E uma vez que o liberalismo pode serexplicado como expressão da "s o-berania da razão", ele só poderia ser...moderado. Ou-tras palavras-chave associam-se àmoderação: juste m i-lieu (justo equilíbrio), liberdade limitada, monarquia

(19)

MARCO MOREL O PERíODO DASREGÊNCIAS

constitucional, soberania nacional, além da recusa do absolutismo e do despotismo e ambigüidade diante da

idéia de revolução.

Foram os moderados que deram o tom do poder político durante as Regências. Agruparam-se em torno daSociedade Defensora daLiberdade eIndependência Nacional, que espalhou-se pelas províncias, chegando a mais de 90 instituições. Expressavam-se em jornais como Aurora Fluminense, Astréa, O Sete de Abril, O

Censor Brasileiroedezenas de outros. Entre seusinte -grantes haviaferrenhos defensores dotráfico deescra -vos, como Bernardo Pereira de Vasconcelos. Nesse período não fizeram uso da luta armada, nem cos tu-mavam apelar para as camadas pobres dapopulação se incorporarem aojogo político, ainda que fossesob a bandeira da moderação.

Os restauradores compunham umatendência cons -titucional com forte matiz antiliberal (embora sem negar totalmente o liberalismo) no Brasil das décadas

de 1820 e 1830, colocando em destaque a soberania

monárquica diante das noções de soberania nacional ou popular. O restauracionismo demandava fortalec i-,mento de um Estado centralizador nos moldes da

modernidade absolutista ou, então, ~pontava para o reforço do poder de antigos corpos sociais,como s e-nhores locais, oligarquias, clero e suas clientelas. Ou

seja, convocavam e incorporavam as camadas pobres

nas lutas políticas. Faziam apelo àluta armada, como

na Cabanada, em Pernambuco eAlagoas,narevoltade

Pinto Madeira, no Ceará, e nos motins cariocas de

1832-1833.

Restauração aparecia como negação da ind e-pendência brasileira em 1822, quando no Rio deJa -neiro se aludia àfiliz revoluçãode 1640, ou seja, ao patriotismo português. Após 1831 o restauracionismo passa a ser associado aoretorno ded. Pedro Iaotrono, embora nem sempre essaposição fosseexplícita. E tal proposta articulava-se àrecuperação damonarquia em

suaplenitude (enfraquecida durante asRegências) em 1840.

Alguns termos do vocabulário político eram associa -dos aesse grupo, como corcundas (por metáfora, os . que securvavam aodespotismo em geral), ou os ape -lidos aplicados aosportugueses identificados ao"abso -lutismo": marotos, pés-de-chumbo, caveiras e papele -tas.Ficou conhecido um personagem fictício, criado

por Cipriano Barata, chamado Marcos Mandinga,

médico inventor de uma máquina deendireitar "cor -cundas".

Havia um traço distintivo do restauracionismo no Brasil, ao longo de diferentes conjunturas: a valor iza-ção da supremacia monárquica edaaproximação com o tradicionalismo português. Essas permanências do Antigo Regime (incluindo o absolutismo ilustrado)

ainda não foram devidamente dimensionadas no Brasil pós-independência. O chamado Antigo Regime era

·36 . ·37 .

(20)

-MARCO MOREL

ainda memória viva e palpável no cotidiano de amplos

setoresdapopulação, compunha identidades, dete rmi-nava asformas derelação do alto àbaseda-hierarquia

da sociedade, tanto urbana quanto rural. Éoportuno relembrar que um dos nomes mais conhecidos desses restauradores eracaramurus. Agrupavam-se na Socie-dade Conservadora, posteriormente transformada em Sociedade Militar,e tinham jornais como OCaramuru, Diário do Rio deJaneiro e Carijó, entre outros. Desta

-cavam-se entre os integrantes dessa tendência os irmãos Andrada Qosé Bonifãcio, Antonio Carlos e Martim Francisco).

Essespartidos não tinham conteúdo nítido de "clas -se" (na perspectiva marxista), mas seria restrito, por outro lado, considerá-los unicamente elitistas. A pre-sença das camadas pobres nas lutas políticas erares ul-tado de um jogo de mútuas tentativas demanipulação e apropriação: constantemente a atividade política es

-capava ao controle dos grupos privilegiados. Todos

pertenciam à mesma sociedade, dividida, injusta e desigual, com atritos e pontos de contato, confrontos

e negociações.

Como foi visto, asatividades da imprensa, dasa sso-ciações, dos parlamentos, das mobilizações nas ruas,

nos pampas, florestas e sertões, da~lutas armadas edas

alianças, compunham o mosaico dasformas de pa rti-cipação política, que se incrementaram durante ope

-ríodo regencial.

·38·

O PERíODO DAS REGÊNCIAS.

A cidade do Rio de Janeiro costuma ter espaço privilegiado nasnarrativas sobre as Regências. Descon

-tadas possíveis visõescentralizadoras que se re produ-zêrn entre historiadores, épossível explicar essa pre pon-derância pela própria ordem nacional que se estrutu-rava. Cada província possuía uma capital e distritos. Estes se dividiam em cidades (os centros mais impor-tantes) e vilas.Cidades e vilassubdividiam-se interna -mente em cantões e paróquias (também chamadas freguesias), que compunham abase das unidades ad-ministrativas, inclusive eleitorais. No topo dessa hie-rarquia estavaa cidade imperial.

O Rio de Janeiro tinha ahonra de sersede daCorte, mas esse privilégio significava também limitações. Com suastrepidações e conflitos, acidade entre laçava-seàCorte, topo dahierarquia do poder.Além do mais, eraporto comercial, centro importante do comércio de mercadorias e tráfico de escravos.O Rio de Janeiro era, assim, uma cidade imperial nos trópicos em pleno

séculoXIXe,portanto, palco de decisões e disputas que

diziam respeito ao território nacional como um todo.

Facetas étnicas. Questões importantes do período re-gencial ainda estão por ser mais bem conhecidas. As

populações indígenas, por exemplo, ocupavam cons i-deráveisparcelas do Brasil,apesar dapouca visibilidade

em registros históricos. Concentravam-se em grupos numerosos naregiãoamazônica, no Mato Grosso e no

(21)

MARCO MOREL

Sul do país (no entorno das antigas Missões), mas existiam em todas as províncias, inclusive no Rio de Janeiro. Na maior parte das províncias brasileiras oco r-reram combates envolvendo índios, quase sempre por

questões de terras, e as mortes eram freqüentes de ambos oslados.

Para citar exemplos envolvendo contingentes indí

-genas nas proximidades da Corte, vemos que nos

pri-meiros tempos daRegência foi revogada aguerra ofe

n-siva (decretada em 1808 por d. João vi) contra os

Botocudos da região do rio Doce (Espírito Santo e

Minas Gerais) e contra os "bugres"deSão Paulo. Cabe perguntar: por que tal gestodeabolir aguerra of~hsiva

tantos anos depois?

O decreto regencial, de 27 de outubro de 1831, eliminava aguerra declarada formalmente pela Coroa etambém a escravidão - mas mantinha a militariza

-ção de áreas indígenas, principal ponto das Cartas

Régias. Assim, pelo menos juridicamente, o Estado brasileiro se eximia da responsabilidade de guerrear contra os índios e também proibia acondição servil destes,embora osmantivesse sobtutelaoficiale militar, Mas, senão havia guerra oficialmente decretada, a

u-mentava aviolência das frentes de expansão e autori -dades locais sobre asterras dos índios, sem que fossem devidamente c~ibidas. Amesma lei regencial afirmava que osíndios em estado de servidão seriam"desoner a-dos" dela e, ainda, estendia aos índios do Brasil a .40·

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1.Oex-imperador PedroI, envelhecido após aabdicação: contraste comaimagem vigorosa habitualmente divulgada.

2.Jornal O Republico, expressão dos liberais Exaltados.

3.AsTrêsJornadas deJulho deParisem 1830 foram estopim para

.a saídaded. PedraIdo poder.

(22)

4 e 5.As disputas políticas e o clima de confronto durante as Regências eram temas freqüentes nas sátirasdascaricaturas. Abaixo, aprimeira caricatura impressa no Brasil,em 1837.

6. O padre Feijóabandona a Regência e deixa um rastro.Antes de sereleito o primeiro regente uno, em 1835, Diogo Feijó foi ministro daJustiça.

7.Bernardo PereiradeVasconcelos, líder Moderado associado ao despotismo napoleônico, é acusado de enterrar asliberdades conquistadas coma abdicação de d. PedroI,em 7 de abril de 1831.

(23)

oPERíODO DAS REGÊNCIAS

condição jurídica dos órfãos, que deveriam ser ampa

-rados pelo Estado atéque aprendessem ofícios.

Em rápidas pinceladas, aRegência traçou sua posi-ção: o decreto apontava para oaprendizado de ofícios como forma de integração dos índios àsociedade na -cional. Ora, a preocupação em abolir a escravidão

(ainda que apenas formalmente) e ao mesmo tempo constituir mão-de-obra livre especializada atendia a

que interesses?Para quem oterreno estaria sendo pre -parado?

Não tardou para que fosse apresentado. àRegência

um plano para organização da Companhia Brasileira

do Rio Doce, definida como "uma Sociedade pela

união de Capitalistas Brazileirose Inglezes" (a grafiade

ambos era com "z"), cujo objetivo era estabelecer a

navegação entre o RiodeJaneiro eafozdo rio Doce e

em todo o curso deste, além de promover agricultura, colonização nasterrasdasmargens fluviais,mineração, extração de salà beira-mar, abrir caminhos terrestres etc.Oresponsável peloprojeto chamava-seJoãoDiogo Sterz Stoclcexchange (o sobrenome comporta curiosa associaçãode palavras). E,para evitar reações proteci o-nistas em defesado mercado interno, apareciam incor -porados como sócios da empreitada os nomes mais

expressivosdapolítica brasileira, afinaflor dosdirig

en-tesdasRegências e dosliberaismoderados: Evaristo da Veiga, Hermeto Carneiro Leão, Chichorro da Gama,

Limpo de Abreu, Antonio Ferreira França, Miguel 8. Ocelibato clerical foium dos temas em debate durante asRegências,

causando atritos com o Vaticano.

k':~i!>'.~..

.

-.:5

...

,

-Acidade im erial do RiodeJaneiro, centro deuma so~iedade escr.avista ~. multifaceta:a. Osinteresses e aspectos diversos da socI~dade brasileira

(24)

MARCO MOREL

Calmon Du Pin e Almeida, Francisco Gê Acaiaba Montezuma, além do conde de Valença, do marquês de Inhambupe e de outras figuras da monarquia. Re-velava-se assim um grau de articulação entre os novos dirigentes do Império e osdonos do dinheiro.

Também os capitalistas ingleses sefaziam presentes

através da mineração nosarredores de Caeté, Mariana,

Ouro Preto e São João d'EI Rey - áreas que, anos

antes, ainda eram em parte ocupadas pelos Botocudos. A Brazilian Company (1832-1844) eaNational

Bra-zilian Mining Association (1833-1851) funcionavam nesses locais. Ainda que tardiamente (em relação ao apogeu da extração), a mineração era feita nas áreas

onde a presença indígena até então a impedira ou dificultara.

Assim, da mesma maneira que as pesquisas históri-casdestacam a influência britânica naescravidão afri-cana no Brasil,éimportante também considerar como

os interesses ingleses afetaram a vida das populações indígenas - deixando às autoridades ou aos proprie -tários nacionais oônus de "limparem o terreno" enem

sedando ao trabalho, nessecaso, de elaborar grandes argumentos humanitários para aexploração das terras

e da mão-de-obra indígena.

Durante as Regências cresceu ainda mais a presença do capitalismo britânico no Brasil em diversas faces:

comercial, no consumo crescente de produtos ma nu-faturados ingleses, como também 'através do controle

·42 .

O PERíODO DAS REGÊNCIAS

do transporte das mercadorias (exportadas e importa-das) em navios britânicos; diplomática, na pressão contra o tráfico de escravos.Mesmo que os empré sti-mos externos tenham praticamente cessado no per ío-do, a presença de empresas e dos interesses britânicos se manteve econtinuou a fincar raízes.

Os anos 1830 e 1840 foram marcados por escra vi-zação e tráfico de índios, por exemplo em Minas Gerais. Se no caso dos escravos africanos a passagem para o trabalho livre, ainda que apenas teoricamente, pudesse ter uma conotação humanitária, no caso dos índios a passagem da vida tribal para a inserção no mercado de trabalho representava uma violência mais evidente, dadas as resistências que muitos opunham. Nesses casos o interesse poderia ser de eliminá-Ias, já que não se enquadravam como mão-de-ob{a. A popu-lação indígena coloca-se como protagonista histórico no século XIX brasileiro: através de rebeliões (como a Cabanagem paraense) eguerras, integrada a atividades

e ofícios diversos nos meios urbano e rural, resistindo com energia àtomada desuas terras ou integrando-se à sociedade, sendo por ela marcada e deixando suas marcas também. Sabe-se que atualmente a população brasileira é constituída, segundo estudos de genética das populações, de pelo menos um terço com origens

indígenas.

Os índios também eram enquadrados como inte -grantes do "mundo natural" e, nessa condição, torna

(25)

MARCO MOREL O PERíODO DAS REGÊNCIAS

ram-se objeto de pesquisas científicas em larga escala,

mas apenas por estrangeiros, os viajantes naturalistas.

Era a época do primeiro graI;de inventário do "mundo

natural" em escala planetária e, no Brasil das primeiras

décadas dos oitocentos, fervilharam esses repre

-sentantes do mundo científico etecnológico ocidental.

Alheio a sedições, um jovem britânico encantou-se

com a natureza brasileira durante sua estada no Rio de

Janeiro entre abril e julho de 1832. Abordo do navio

Beagle, o futuro naturalista Charles Darwin começava

a colher dados e fazer reflexões que o levariam à sua

teoria da evolução das espécies. Instalado numa

cháca-ra em Botafogo, quando não colhia insetos e observava

pássaros, passava horas contemplando a formaçãõ·de

nuvens para os lados do Corcovado e, à noite, deslu

m-brava-se com os enxames de vaga-lumes enfeitando a

escuridão.

Numa viagem para os lados de Cabo Frio, Darwin

vivenciou rápido episódio que o impressionou. Estava

numa canoa conduzida por um negro escravo alto e

corpulento quando, numa tentativa de comunicar-se

com o cativo, começou a gesticular efalar com ênfase.

Foi o basta~te para que o canoeiro se encolhesse apa

-vorado, supondo que seria espancado pelo viajante.

Darwin ficou chocado com a postura de submissão de

uma pessoa muito mais forte que ele e desabafou em

seu diário: "Esse homem havia sido treinado para

suportar uma degradação mais abjeta do que a escra

vi-dão do animal mais indefeso."

No período regencial ocorreu verdadeira africani

za-ção do Brasil: calcula-se, por estimativa, que, dos cinco

milhões de africanos trazidos para cá ao longo de

quatro séculos, um milhão emeio entrou na primeira

metade do século XIX. Verdade que uma das primeiras

leis da Regência, exatos sete meses após a saída de d.

Pedro I,determinou a abolição do tráfico de escravos,

medida que visava a atender à'pressão forte britânica,

e também correspondia à consciência de parte dos

dirigentes liberais brasileiros. Entretanto, apesar dos

esforços da diplomacia inglesa ede parcela das lideran

--çaspolíticas brasileiras, o tráfico ainda continuaria por

duas décadas, mostrando o poder,dos grandes propri

e-tários, traficantes e seus representantes.

Porém os ingleses, as elites políticas, os grandes

proprietários ecomerciantes não eram os únicos ag

en-tes históricos envolvidos na questão. Havia os próprios

escravos. Sua presença na vida pública se dava de

diversas maneiras, embora não fossem qualificadas, na

época, como políticas. De forma mais visível, aparece

em episódios como a Balaiada, no Maranhão e no

Piauí, e na Revolta dos Malês, por exemplo, como se

verá adian te.

Os cativos desenvolveram inúmeras formas de resis

-tência, individuais ou coletivas, como fugas, ataques,

roubos ou assassinatos contra senhores e feitores, sui

(26)

MARCO MOREL

cídios, pequenos e grandes quilombos, envolvimento em lutas políticas não detlagradas por escravos, entre outras. Um exemplo: 25 cativos foram legalmente condenados e mortos em praça pública no ano de 1838 por terem assassinado senhores ou feitores, sem contar os que sofriam punições fora do alcance da legislação,

os que eram mortos durante perseguição e aqueles que nunca foram alcançados.

Os quilombos proliferavam em todas as'províncias

brasileiras ao longo do séculoXIXe,se fossem somados, possivelmente dariam número de participantes tão expressivo quanto o famoso Quilombo dos Palmares. E nem sempre a relação era de hostilidade: havia quilombplas que vendiam com certa regularidade sua produção para mercados vizinhos. Outros assaltavam e saqueavam passantes ou propriedades. Pode-se dizer, com o historiador Stuart Schwartz, que as múltiplas (e aparentemente fragmentadas) resistências escravas ocorridas na primeira metade dos oitocentos, ao custo de muitas vidas e sofrimentos, ainda que debeladas,

constituíram forma de pressão e resultariam nas polí

-,ticasemancipacionistas dos anos seguintes ou seja,não foram em vão.

Facetas socioculturais. Reduzir a sociedade brasileira dos

anos 1830 aum binômio composto de uma minoria dominadora de senhores brancos diante de uma massa

de escravos é visão empobrecedora que se encontra

·46·

O PERíODO DAS REGÊNCIAS

superada - oque nãosignifica, evidentemente, negar o peso decisivo do racismo e da escravidão como relação social. Em estudo específico sobre aBahia do início do século XIX, a historiadora Kátia Mattoso propõe adivisão da hierarquia socialem quatro grupos, por critério econômico, de prestígio social e de poder.

No topo estavam altos funcionários da administração

monárquica (governador, ouvidores gerais,desernbar

-gadores, secretários de estado e intendentes), oficiais de patente elevada, altoclero regular, grandes negociantes e grandes proprietários de terra, no ramo dosengenhos e da pecuária.

O segundo grupo dessa classificação incluía funcio -nários de nível médio (juízes de primeira instância, procuradores, escrivães, tabeliães, diretores de órgãos públicos etc.), oficiais militares de nível médio, mem -bros do baixo clero, alguns proprietários rurais (sobre -tudo os do setor de subsistência), lojistas, me stres-ar-tesãos de ofícios considerados nobres (ourives, enta lha-dores, entre outros), profissionais liberais diplomados (médicos e advogados que não provinham das famílias mais ricas) e as pessoas que viviam de rendas. Essas últimas representavam 21%do total emajoritaria men-te se mantinham do trabalho escravo.

Faziam parte do terceiro grupo funcionários públi-cos emilitares de baixo escalão, integrantes deprofis -sões liberais secundárias (barbeiros, pilotos de barco,

(27)

MARCO MOREL

sangradores etc.}, artesãos, pescadores, marinheiros e

os que comerciavam alimentos nas ruas (com freqüê

n-cia libertos). No último e quarto grupo vinham os

escravos (que compunham um terço da população),

mendigos edesocupados. I

Acomplexidade da hierarquia social indicava estra

-tégias de sobrevivência de escravos e seus descendentes

que passavam pela negociação, convivência eincorpo

-ração à sociedade, como as irmandades católicas de

negros, os escravos de ganho do meio urbano e o

aprendizado de ofícios mais complexos. Eram diversi

-ficados os caminhos da alforria. Calcula-se que já em princípios do século XIX um terço da população bras i-leira era classificada como de "pardos livres", quantida -de que aumentaria progressivamente. Isto se refletiu

inclusive na imprensa, quando apareceram jornais que

discutiam abertamente aquestão racial, como O Criou

-linho, OHomem de cor ouOMulato eBrasileiroPardo, entre outros - todos, aliás, surgidos durante aRegê n-ciaTrina Permanente.

Uns cinco meses depois da saída de d. Pedro Ido

,poder, surge pela imprensa um plano de reforma agrá

-ria, lançado por Ezequiel Correia dos Santos no seu

jornal Nova Luz Brazileira. Chamado de Grande Fa

-teusim Nacional. propunha adistribuição, pela Coroa,

de terras para todas as pessoas interessadas, com prefe

-rência para as camadas pobres da população, além da

·48·

O PERíODO DAS REGÊNCIAS

retirada das terras excessivas dos grandes proprietários,

qualificados na proposta de "malvados aristocratas li

-berais". Tal proposição foiduramente combatida e não

chegou sequer a ser encaminhada como proposta no

Parlamento. Porém a discussão pública de temas como

racismo e redistribuição de terras no cem e de uma

sociedade escravista mostra como se ampliavam as

possibilidades de expressão durante o período aqui

tratado. Não setratava exatamente de uma "democr

a-cia coroada", pois a liberdade não era concessão dos

governos, que nem sempre conseguiam seu controle,

mesmo usando diferentes formas de coerção.

Portanto, o ambiente cultural transformou-se com

a abdicação de d. Pedro I, representando ampliação e

diversificação na esfera pública cultural eliterária. Veja

-se o caso do livreiro e editor francês Pierre Plancher:

não vacilou diante da queda de seu protetor e, mos

-trando maleabilidade, mudou o nome de seu negócio

para Tipografia Constitucional de Seignot-Plancher,

abandonando em boa hora otítulo de Tipografia

Im-perial que recebera. Passa então a acompanhar as ten

-dências do momento, transformando-as em linhas edi

-toriais. Publica uma série de obras relativas às novas

formas de sociabilidade, como Constituição dopovo

maçônico (1832) e os Annaes maçônicos jluminenses

(1832), e imprime também os Estatutos daSociedade

deEducação Liberal (1833).

(28)

MARCO MOREL

~ltaAe...estud6s sistemáticos~

o-nável que nesseQ1QJllentO-o~oHe-am-Fhaçã:o-do-ptlblico ieitor-~daq.lliilltldad@---ae-impreSsOs (livros, jornais,

manifestos, relatórios, poemas etc.),jlem-G~e acen tuam ake!=si4-aàe-Ele-aebates--pehí-à-ee e-a-disse -minação da palavra-rimada. Movimento que não será

estranho aoaparecimento do romantismo - a

publi-cação considerada pioneira desse estilo, arevistaNich -teroy, foi lançada em Parispor um grupo de brasileiros

em 1836, marcados pelo clima das Regências. Desse

modo, existe ligação entre as transformações culturais

e políticas do período com o florescimento do roman-tismo.

Outro livreiro e editor que se firmou nesse contexto foi Francisco de Paula Brito, mulato (ou-seja, classifi-cado entre os pardos livres) e de origens pobres que viria a ter papel destacado na esfera pública cultural da

cidade imperial, sempre envolvido em empreitadas

políticas, associativas e literárias. Seria ele, aliás, o primeiro eprincipal incentivado r da vida literária de outro jovem pardo e pobre, Machado de Assis.Paula .Brito sabia que a sociedade brasileira não era marcada

apenas por confrontos e crises.Em parceria com Fra n-cisco Manuel da Silva (autor da pomposa música do

Hino Nacional), Paula Brito compôs o lundu A M ar-requinha, cuja melodia sincopada eexpressõesdeduplo sentido faziam rir,dançar edivertir aosom daviola de arame: ·50· O PERíODO DAS REGÊNCIAS Os olhos namoradores Da engraçada iaiazinha Logo me fazem lembrar Suadoce marrequinha Iaiã me deixe Veramarreca Senão eu morro Leva-me àbreca.

Em outras palavras: mesmo durante o período re-gencial, aspessoasnão eram de mármore, nem de ferro!

Rebelar e revelar

Não por acaso, rebelar e revelar já foram uma só

palavra,Asrebeliões sãomomentos nos quaisde termi-nadas práticas, propostas e agentes históricos ganham maior visibilidade, marcam os rumos dos aconte ci-mentos eimprimem presença nos registros históricos, ainda que de forma fugazou explosiva.

Aênfase nas rebeliões apresenta limitações, além das já indicadas na introdução deste livro.A maioria desses episódios durante asRegências ainda não foiestudada

de maneira maisprofunda, restando prisioneira sejada

visão conservadora que enxerga apenas "desordens", seja de um certo ufanismo pela "luta popular", ou

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