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EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA 36ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DA CAPITAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

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EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA 36ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DA

CAPITAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Processo n.º0008657-88.2021.8.19.0001

“1) É possível responsabilizar criminalmente o Ex-Presidente do Clube de Regatas do Flamengo, EDUARDO BANDEIRA DE MELLO, por fatos ocorridos após a sua saída da Presidência do Clube?

RESPOSTA: Não. No caso, opera-se a vedação do regresso infinito, contida na regra inserida no art. 13, § 1º, do Código Penal. Uma vez que o incêndio ocorreu, segundo as informações, por falta de manutenção ou defeito de aparelhos, cuja supervisão e revisão estava a cargo de um técnico, essa causa superveniente (conduta descuidada do técnico ou supervisor) exclui a suposta causalidade anterior, imputada ao ex-presidente do Clube.

Aqui se aplica inteiramente o pensamento de PUPPE no sentido de que para a responsabilidade penal É INDISPENSÁVEL QUE O RESULTADO CORRESPONDA EXATAMENTE À CONDUTA DESCUIDADA DO SUJEITO, a qual explica por si mesma o resultado.

Portanto, se o resultado pode ser inteiramente explicado pela ação posterior do técnico ou instalador, sem que se tenha a necessidade de incorporar nessa explicação o comportamento do ex-presidente, está claro que se trata de uma INTERRUPÇÃO do nexo causal que exclui a imputação anterior.

Ademais, como se observa da imputação contida na denúncia,

nenhum dos atos atribuídos ao ex-presidente, como o fato de não

designar um 1 (um) monitor, por turno, para cada 10 (dez) adolescentes residentes, responsável pela organização do ambiente (espaço físico e atividades

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2 adequadas ao grau de desenvolvimento de cada adolescente), pelo acompanhamento nos serviços de saúde, escolas e outros serviços requeridos no cotidiano e apoio na preparação para desligamento do Clube, ou assinar o contrato de locação de contêineres, ou não assinar o Termo de Ajustamento de Conduta, pode explicar o resultado do incêndio e as lamentáveis consequências daí decorrentes. Estas são explicáveis especificamente pelo descuido na manutenção dos aparelhos, que não precisa se juntar aos atos antecedentes para produzi-las.

Em resumo pode-se dizer que a ação do ex-presidente em nenhum caso implicou um aumento do risco para as pessoas que estavam no alojamento, nem se realizou no resultado, porquanto este último se produziu por fato completamente alheio à sua conduta. TAMPOUCO PODERIA ELE PREVER O RESULTADO CONCRETAMENTE OCORRIDO, tanto em face de um juízo objetivo quanto subjetivo.”

(Resposta ao primeiro quesito do parecer exarado pelo Eminente Professor JUAREZ TAVARES1)

EDUARDO CARVALHO BANDEIRA DE MELLO vem, respeitosamente a

Vossa Excelência, pelos advogados signatários, obediente ao disposto no artigo 396 e na forma do 396-A, ambos do Código de Processo Penal, apresentar sua

RESPOSTA À ACUSAÇÃO,

pelos fatos e fundamentos a seguir aduzidos:

1 Professor Titular de Direito Penal da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Professor Visitante na

Universidade de Frankfurt am Main, na Universidade de Buenos Aires e na Universidade Pablo D’ Olavide (Sevilha). Professor Honorário da Universidade de San Martín (Peru). Doutor em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor Emérito da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. Subprocurador-Geral da República aposentado. Advogado (OAB/PR 3583; OAB/RJ 1352-A; OAB/DF 39.209).

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SUMÁRIO:

I – Introito Necessário: página 4;

II – Ausência de nexo de causalidade. Incidência do artigo 13, §1º, CP. Presença de causa superveniente que afasta a imputação. Atipicidade manifesta da conduta. Absolvição sumária. Art. 397, III, CPP: página 10; III – Reestabelecendo a verdade: o Defendente jamais incrementou o risco não autorizado da ocorrência do incêndio culposo. Atipicidade da conduta: página 15;

IV – Conclusões: página 53; V – Pedidos: página 55;

V – Na remota hipótese de não absolvição, indicação de testemunhas: página 57;

VI – Documentos anexos:

• Parecer do Professor JUAREZ TAVARES (DOC.1);

• Estatuto Social do Clube de Regatas do Flamengo (DOC.2);

• Nota de Solidariedade publicada por ex-Presidentes do Clube (DOC.3);

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I–INTROITO NECESSÁRIO

Antes de apresentar as razões jurídicas pelas quais o Defendente não pode ser criminalmente responsabilizado pelos fatos imputados na Denúncia,

cumpre asseverar que EDUARDO BANDEIRA DE MELLO e toda sua família

lamentam e compartilham, ao longo desses últimos 2 (dois) anos, da dor das famílias que perderam seus entes queridos no trágico acidente, jovens e

promissores atletas da categoria de base do seu time de coração, o CLUBE DE

REGATAS DO FLAMENGO, com os quais ele teve o privilégio de conviver.

Inegável, pois, que revisitar tais fatos é exercício penoso e a absurda imprecação em seu desfavor é totalmente despropositada, sendo verdadeira peça nonsense, vejamos:

O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro ofereceu Denúncia contra EDUARDO CARVALHO BANDEIRA DE MELLO,ex-Presidente do Clube

de Regatas do Flamengo à época dos fatos, e outras 10 (dez) pessoas, imputando-lhes o crime do artigo 250, §2º c/c artigo 258 (ref. artigo 121, §3º, por 10 (dez) vezes, e artigo 129, por 3 (três) vezes, na forma do artigo 70), todos do Código Penal.

Consta da inicial acusatória que, de 2015 a fevereiro de 2019:

“os DENUNCIADOS, consciente e voluntariamente, praticaram condutas comissivas e/ou omissivas, isolada e/ou conjuntamente, por imperícia, negligência e/ou imprudência penalmente relevantes, conforme será devidamente descrito e imputado a cada qual adiante, que concorreram eficazmente para que no dia 8 de fevereiro de 2019, por volta de 05h00min, no interior do Centro de

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conhecido como “Ninho do Urubu”, situado na Estrada dos Bandeirantes, nº 25.997, Vargem Grande, Rio de Janeiro/RJ, nesta Comarca, ocorresse um incêndio de grandes proporções (de acordo com o laudo pericial de local acostado aos autos), que resultou direta e consequentemente na morte de dez adolescentes (...), todos atletas da categoria de base do futebol da referida Agremiação Esportiva, enquanto dormiam no local, em contêiner utilizado por adaptação

como dormitório.”2

Em relação ao Defendente, a Denúncia inicia sua narrativa afirmando que ele assinou o contrato com a empresa NHJ, para a locação de containers para serem utilizados como módulos habitacionais pelos atletas da base, tendo, portanto, conhecimento quanto à utilização.

Em seguida, o Parquet imputa ao Defendente, na condição de suposto detentor final da tomada de decisão no Flamengo, não cumprir a

disponibilização de 1 (um) monitor, por turno, para cada 10 (dez) adolescentes residentes, incrementando o risco da produção do resultado

incêndio.

Mais adiante, acusou o Defendente, uma vez mais, na suposta condição de detentor final da tomada de decisão, de não ter cumprido com a adequação

da estrutura física do espaço destinado ao acolhimento dos adolescentes residentes às diretrizes e parâmetros mínimos, inclusive com sistema de prevenção de incêndio devidamente certificado pelo Corpo de Bombeiros Militar, novamente, sob a alegação de incrementando o risco do

resultado delitivo.

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6

Continua a Denúncia asseverando que desde a ação movida pelo Ministério Público cujo objeto era a interdição do Centro de Treinamento GEORGE HELAL, em 2015, apesar de o Defendente ter recebido inúmeras

oportunidades para regularizar a adoção de medidas, tais como a

disponibilização de um monitor para cada grupo de 10 atletas, a melhoria da condição das instalações dos dormitórios e a definição de um protocolo

de emergências, jamais regularizou plenamente a situação dos alojamentos. Neste contexto, a Denúncia traz à lume a produção desde 2012 de relatórios de vistoria técnicos de órgãos do MP/RJ que teriam identificado os mesmos problemas.

Finalmente a peça acusatória faz referência à uma proposta de Termo de Ajustamento de Conduta, datada de 2014, para que fosse imediatamente regularizada a situação dos jovens atletas da base, especialmente com relação às condições de suposta precariedade e insalubridade, a qual teria sido recusada pela Agremiação.

A recusa da referida proposta, com a manutenção dos jovens nas condições descritas, caracterizaria, segundo a acusação, a imprudência do Defendente, pois teria deixado de observar uma série de deveres de cuidado, tais como a disponibilização de um monitor para cada grupo de 10 atletas, a adequação da estrutura física do espaço destinado ao acolhimento dos

meninos, a regularização administrativa (com obtenção de alvarás e

certificados) e a adoção de sistema de prevenção de incêndio devidamente

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7

Estas condutas atribuídas ao Defendente até o fim do seu mandato, somadas às condutas dos demais denunciados teriam sido, na ótica Ministerial, determinantes para a produção do resultado incêndio do módulo habitacional.

Antes de mais nada, com todas as vênias ao subscritor da Denúncia, não se justifica, ao nosso sentir, a confusão temporal da sua narrativa, sobretudo quando se imputa o delito por diversas causas à mais de uma dezena de pessoas.

A partir de rápida leitura da Denúncia, depreende-se que o Parquet ignorou a ordem de sucessão dos fatos e das circunstâncias no tempo, o que

poderia comprometer a análise do processo de imputação, em especial, sob a perspectiva da superveniência de uma causa suficiente para o incêndio.

Ao nosso sentir, no entanto, a hipótese de ocorrência de uma causa superveniente, por si só, reitera-se, suficiente para explicar o delito de incêndio culposo qualificado é tão evidente, tão clara, que a Denúncia não conseguiria camuflar.

A erudita Denúncia, ao que parece, para imputar o resultado ao Defendente, socorreu-se da Teoria do Risco3, desenvolvida pelo Professor

alemão ROXIN, para tentar, SEM SUCESSO, superar o óbice intransponível da

regra insculpida no artigo 13, §1º, do Código Penal.

Com todas as vênias, atribuiu-se interpretação própria à referida teoria, que, na realidade, pretende delimitar a extensão da causalidade e não a

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ampliar como fez a Denúncia, já que fora desenvolvida com o intuito de corrigir os problemas do tipo da teoria causal e final da ação.4

A impressão que resta estampada é de que primeiro se escolheu responsabilizar o ex-Presidente do Clube, ora Defendente, e depois buscou-se “fundamentos”, ainda que totalmente equivocados.

Não bastasse, a Denúncia omitiu fatos e circunstâncias relevantíssimos para a interpretação do caso, que estão disponíveis nos autos, especialmente, para fins de imputação do Defendente, o que não surpreende já que as provas apresentadas, ou requeridas ao longo da investigação, foram deliberadamente ignoradas, data maxima venia.

Entre as informações sonegadas estão:

i) o fato de OS ATLETAS DA BASE TEREM SIDO

TRANSFERIDOS PARA NOVAS INSTALAÇÕES EM DEZEMBRO DE 2018;

ii) a resposta do Flamengo à proposta do TAC, com a

indicação de que a ampla MAIORIA DAS DEMANDAS OU JÁ ERAM CUMPRIDAS OU JÁ HAVIA DELIBERAÇÃO NESSE SENTIDO;

iii) o verdadeiro conteúdo dos relatórios de vistoria técnicos; iv) O CONHECIMENTO E APROVAÇÃO À ÉPOCA DO MP/RJ SOBRE A SITUAÇÃO DE HOSPEDAGEM DOS JOVENS DA BASE;

v) a ausência de previsão no estatuto sobre dever de

fiscalização específico do presidente; entre outros.

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Neste cenário, renovadas as vênias, revela-se absurda a imputação de responsabilidade criminal ao Defendente na tragédia que tirou prematuramente a vida de ARTHUR,ATHILA,BERNARDO,CHRISTIAN,GEDSON,JORGE,PABLO,

RYKELMO,SAMUEL e VICTOR, e que também lesionou CAUAN,FRANCISCO e

JHONATA.

Exclama-se, desde logo: EDUARDO BANDEIRA DE MELLO jamais

violou os deveres de cuidado ou incrementou o risco enquanto esteve à

frente da Presidência do Clube de Regatas Flamengo!

Muito pelo contrário, ele é reconhecido pela excepcional qualidade de sua gestão, marcada pela austeridade econômica e por investimentos inéditos na infraestrutura do Clube, inclusive nas categorias de base, que levaram o Flamengo de volta ao topo das competições desportivas de futebol no cenário internacional.

A despeito de a Denúncia partir de premissas fáticas absolutamente equivocadas, para se dizer o mínimo, mesmo que a narrativa Ministerial fosse

inteiramente verdadeira em relação ao Defendente, ainda assim, inexistira

qualquer possibilidade de responsabilização criminal, diante da mais evidente

ausência de nexo de causalidade entre as condutas imputadas ao Defendente

e o incêndio culposo com os resultados morte e lesão corporal.

É dizer, as condutas imputadas, repita-se, mesmo se verdadeiras, seriam atípicas!

E quem assim conclui é ninguém menos que o renomado professor JUAREZ TAVARES.

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Em consulta feita pelos advogados do Defendente, em parecer ora anexado (doc. 1), cuja opinião trazida apenas em parte na epígrafe deste texto,

não deixa qualquer dúvida sobre a impossibilidade absoluta de se atribuir responsabilidade criminal ao Defendente no triste episódio

retratado na Denúncia.

Como será demonstrado à saciedade, no entanto, tais condutas não são verdadeiras, longe disto. Não é que lhes faltem justa causa, isto é, lastro probatório mínimo, não! Na realidade, as provas dos autos apontam em sentido diametralmente oposto.

Antes, porém, a Defesa apresentará tese exclusivamente de direito, portanto, passível e obrigatória de ser analisada nessa fase processual, consubstanciada na manifesta ausência de nexo de causalidade entre as condutas imputadas ao Defendente e o resultado ocorrido, com base nos brilhantes e consistes fundamentos apresentados pelo Eminente Professor JUAREZ TAVARES no parecer anexo.

II–AUSÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE.INCIDÊNCIA DO ARTIGO 13,§1º,

CP. PRESENÇA DE CAUSA SUPERVENIENTE QUE AFASTA A IMPUTAÇÃO.

ATIPICIDADE MANIFESTA DA CONDUTA. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. ART. 397,

III,CPP.

O processo de imputação do resultado no tipo dos delitos culposos tem fundamento em dois elementos essenciais: a relação de causalidade e a imputação

normativa.5

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No âmbito da relação de causalidade, é cediço que o Código Penal vigente adota de forma expressa a teoria da condição ou da equivalência dos antecedentes para definir a relação de causalidade.

Em face da extensão que a teoria da condição pode alcançar, a fim de se delimitar o regresso infinito, nosso Código Penal instituiu o critério da

causa suficiente, isto é, quando concorram causas antecedentes e

supervenientes, exclui-se a causa antecedente quando a superveniente,

por si só, puder explicar o resultado.

À luz da redação do artigo 13, §1º, do Código Penal, portanto, impõe-se avaliar, na sucessão das supostas causas do incêndio, qual delas pode explicar,

por si só, a ocorrência do incêndio.

Malgrado a acusação entenda que diversas causas concorreram para o incêndio, logo na primeira nota de rodapé a Denúncia colaciona trecho do laudo de exame de local, atestando que o incêndio fora causado por “um fenômeno

termo-elétrico no interior do ar condicionado do quarto 06”.

Assim, ao que tudo indica, segundo a própria acusação, tal fenômeno teria ocorrido pela “inobservância do dever de manutenção adequada das estruturas

elétricas que forneciam energia ao aludido contêiner.”

Neste contexto, a partir da perspectiva, insista-se, da própria acusação, não há dúvidas de que a suposta inobservância do dever de manutenção

adequada das estruturas elétricas que forneciam energia ao aludido contêiner, explicaria

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Segundo o ilustre parecerista, “no âmbito dos delitos culposos, o que efetivamente

interessa é se o resultado foi ou não produzido conjuntamente pela ação

perigosa (descuidada) e pela ação superveniente. Se o resultado for produzido concretamente apenas pela ação superveniente não haverá imputação”.6

E segue o renomado Professor afirmando ser “fundamental que a suposta

ação descuidada anterior tenha seguido um ritmo que conduza

inexoravelmente ao resultado sem interrupção.”7

Nesta perspectiva, nenhuma das condutas atribuídas ao Defendente envolve o dever de manutenção adequada das estruturas elétricas das dependências do clube.

A contratação do contêiner, alguns anos antes, a dita recusa do TAC e suposta violação ao suposto dever geral de supervisão do Defendente, data

maxima venia, não produziram concretamente o resultado incêndio.

Nas palavras do parecerista, “se, assim, alguém reforma contêineres e os instala

como módulos residenciais (causa antecedente) não pode responder por um incêndio

que neles se produz em decorrência de um curto-circuito produzido pela falha de instalação no ar-condicionado, realizada por outra pessoa (causa relativamente independente).”8

Não bastasse tudo o quanto dito até aqui, assume especial relevo a data em que o incêndio ocorreu, 8 de fevereiro de 2019.

6 Fl. 59 do Parecer (doc. 1). 7 Idem.

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ÀQUELA ALTURA O CLUBE JÁ SE ENCONTRAVA SOB “NOVA” ADMINISTRAÇÃO, o que, por si só, já afasta a suposta condição de

garantidor atribuída pela Denúncia ao defendente.

Aliás, como afirmou o douto parecerista, o simples exercício do cargo de Presidente não o transforma em garantidor do bem jurídico, como tenta fazer crer a Denúncia. Para assumir a condição de garantidor seria necessário que o Estatuto do Clube dispusesse expressamente que lhe caberia fiscalizar

diretamente todas as atividades do clube, entre elas, a manutenção elétrica,

ou que o Defendente tivesse assumido essa função.9

A par disto, caso essa condição existisse, ainda assim teria havido a sua

transferência aos “novos” administradores, que mantiveram praticamente toda a equipe de diretores profissionais e empregados, isto é, toda a parte operacional na sua gestão.

Como cediço, já que as eleições do clube foram alvo de ampla cobertura jornalística, a troca na gestão se deu apenas na alta direção, isto é, no âmbito da Presidência e das Vice-Presidências, e, mesmo assim, vários desses “novos” integrantes não eram tão novos assim, tendo em vista a participação durante parte da gestão do Defendente na presidência do Clube.

Não houve uma “descontinuação” da gestão operacional do Clube que ficava a cargo das diretorias profissionais, ao menos, inicialmente.

Nestes termos, o Professor JUAREZ TAVARES na reposta ao quesito

número 3 do parecer, afirmou que:

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“(...) o fato de a diretoria anterior e seus respectivos

empregados continuarem a exercer suas funções, entre as quais se incluem as de fiscalização das condições e manutenção dos alojamentos,

evidencia, como se afirmou na resposta ao quesito anterior, uma interrupção do nexo causal, de modo a excluir a imputação ao ex-presidente dos efeitos ocorridos após o término do seu mandato.”

A discussão sobre a transferência da suposta posição de garantidor seria irrelevante, não fosse a afirmação Ministerial de que os deveres de vigilância e controle decorrentes da delegação de poderes do Presidente, alcançariam a necessidade de fiscalizar/supervisionar a manutenção das instalações elétricas, em especial, dos aparelhos de ar-condicionado.

Em síntese, não apenas as condutas atribuídas ao Defendente não podem ser consideradas causas para o incêndio, como, na ocasião, ele já não

mais detinha o suposto dever de supervisão geral que lhe foi atribuído, o

que apenas reforça a inequívoca ausência de nexo de causalidade.

Mas não é só! Trilha a peça vestibular caminho tortuoso e infértil.

Entre as diversas causas para o delito de incêndio culposo circunstanciado apontadas pela Denúncia, há comportamentos que teriam

ocorrido APÓS A SAÍDA do Defendente da presidência do clube, v.g, o

defeito na instalação/manutenção dos aparelhos de ar-condicionado dos contêineres.

Não se está aqui atribuindo responsabilidade a qualquer dos codenunciados, mas, tão somente, avaliando as condutas da forma como

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descritas na acusação, para se verificar como elas repercutem no nexo causal do evento incêndio.

Ocorre que se naquele momento, também descrito pela Denúncia como causa do resultado, o Defendente já não mais ocupava a presidência do

clube, por mais óbvio que possa parecer, não restam dúvidas de que os atos a

ele imputados são antecedentes à referida causa, bem como que era

impossível ao Defendente agir para evitar do resultado.

Ora, tal cenário caracteriza exemplo literário de hipótese de exclusão de

responsabilidade por existência de uma causa superveniente e pela impossibilidade de agir em imputações omissivas e/ou culposas, devendo o

Defendente, portanto, ser absolvido sumariamente da acusação lançada na denúncia, com base no artigo 397, inciso III, do Código de Processo Penal.

Isto, Excelência, se as condutas imputadas ao Defendente na Denúncia fossem verdadeiras. Como dito antes, a Denúncia não apenas se olvidou de informações extremamente relevantes, mas também emprestou interpretações

muito particulares às evidências da investigação, senão vejamos.

III - REESTABELECENDO A VERDADE: O DEFENDENTE JAMAIS INCREMENTOU O RISCO NÃO AUTORIZADO DA OCORRÊNCIA DO INCÊNDIO CULPOSO.ATIPICIDADE DA CONDUTA.

Esta primeira intervenção processual defensiva demonstrou, a não mais poder, a partir da narrativa tal como posta na Denúncia, tida anteriormente como incontroversa, que o Defendente jamais pode ser responsabilizado

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imputado, consubstanciado no incêndio que ensejou o precoce falecimento de

10 (dez) jovens atletas, e na lesão de outros 3 (três), cujo trágico ocorrido, repita-se, é profundamente lamentado por EDUARDO BANDEIRA DE MELLO

e toda sua família.

Como já exaustivamente delineado, as condutas atribuídas ao

Defendente são flagrantemente atípicas, seja pela ausência de nexo de causalidade com o evento delitivo, seja pela impossibilidade de agir para evitar o resultado, já que quando da ocorrência EDUARDO BANDEIRA DE

MELLO não era mais Presidente do Clube.

Sem embargo das sobreditas conclusões jurídicas, por dever de ofício,

revela-se imprescindível corrigir as equivocadas premissas fático-probatórias nas quais a inicial acusatória encontra-se arrimada, de forma

a demonstrar a inexistência de uma conduta perigosa que tenha violado dever objetivo de cuidado ou mantido situação de risco proibido.

Tamanha é a dissociação da descrição Ministerial com a realidade que a defesa técnica se vê compelida a reestabelecer a verdade dos fatos envolvendo o Defendente, para que, findo o exame deste arrazoado, compreenda-se que

não há outra solução se não a absolvição sumária pela evidente atipicidade da conduta (artigo 397, inciso III, do Código de Processo Penal).

Ao analisar a Denúncia, os signatários tiveram a impressão de que o Ministério Público, renovadas as vênias, parecia estar em posição de

alheamento absoluto à investigação por ele próprio conduzida.

A narrativa exposta na Denúncia é completamente dissonante dos elementos de convicção encartados aos autos, especialmente naquilo

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que guarda relação com as verdadeiras atribuições do Defendente enquanto Presidente do CLUBE DE REGATAS DO FLAMENGO.

Com efeito, insista-se, o Parquet atribui ao Defendente, na alegada (e inverídica!) condição de detentor final da tomada de decisão, o incremento do risco da produção de resultado e da violação do dever jurídico de cuidado, ao:

“i)“ter ciência de toda situação vivenciada pelo Futebol de Base, bem como das demandas envolvendo acolhimento noturno dos jovens atletas, e ter assinado contrato com a NHJ para aquisição e utilização de módulos habitacionais (contêineres)

inadequados como dormitórios dos adolescente sob responsabilidade da Agremiação Esportiva; ii) ter ciência da necessidade de medidas de cuidado objetivo (regularização da situação precária dos atletas de base, com a disponibilização de 1 monitor, por tuno, para cada 10 adolescentes residentes); adequação da estrutura física do espaço destinado ao acolhimento dos adolescentes residentes às diretrizes e parâmetros mínimos, inclusive com sistema de prevenção de incêndio devidamente certificado pelo Corpo de Bombeiros Militar; cessação do estado de clandestinidade administrativa dos módulos habitacionais, com obtenção dos alvarás, licenças e certificados para utilização do dormitório), o que importava em especial dever de vigilância e controle para evitar o resultado, bem como na necessidade da adoção das medidas para a cessação da situação de perigo, decorrente do seu dever de supervisão funcional e contratual dos seus subordinados, prepostos e contratados; iii) ter violado o dever de cuidado, haja vista que, mesmo alertado, permitiu a persistência de uma situação de risco proibido determinado pelas condutas de integrantes da sua gestão (por ele escolhidos, na forma do art. 129, inciso III, do Estatuto Social do Clube de Regatas do Flamengo).”10

De partida, é importante destacar que o Defendente nunca foi o

detentor final da tomada de decisão, ao revés do que aduz o Ministério

Público, queremos crer que de forma incauta.

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Basta uma singela observação das ATRIBUIÇÕES DO PRESIDENTE ELENCADAS NO ARTIGO 129 DO ESTATUTO SOCIAL DO CLUBE (doc. 2) para

se aferir, estreme de dúvidas, que simplesmente inexiste qualquer

disposição neste sentido.

É importante que se esclareça, desde já, que em razão de questões de

governança empresarial, como também por disposições estatutárias, o Presidente do FLAMENGO não é responsável por tomar, unilateralmente,

qualquer decisão, salvo nomeação e destituição de Vice-Presidentes e

Diretores, bem como a demissão de empregados – única atribuição, aliás, que é vedada a delegação (artigo 129, inciso X, do Estatuto Social).

Até mesmo em casos de urgência, quando é premente uma deliberação da administração do Clube sob matéria de competência do Conselho Diretor, o Presidente deve submeter sua resolução ao crivo do Conselho Diretor.

Com efeito, as questões estratégicas do Clube são todas discutidas

e resolvidas pelo Conselho Diretor, liderado pelo Presidente e composto

pelos Vice-Presidentes de cada pasta específica do FLAMENGO, como dito pelo

Defendente ainda em sede policial.

Nas palavras de FREDERICO DERZIE LUZ, ex-CEO (Chief Executive

Officer) do Clube, “dentro da estrutura do Flamengo existia o Presidente, depois os Vice-Presidentes que formavam o Conselho Diretor, esse conselho era que deliberava sobre as metas e orçamentos, tendo o poder estatutário para decidirem a respeito; Que cabia ao CEO a gestão da execução dessas metas aprovadas”.11

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Assim, no Estatuto Social do FLAMENGO, SIMPLESMENTE INEXISTE AUTORIZAÇÃO AO PRESIDENTE PARA QUE ESTE DECIDA, SOZINHO, SOBRE QUESTÕES ATINENTES À ALTA ADMINISTRAÇÃO DO CLUBE, sendo certo que

todo o processo decisório é conduzido de forma colegiada, no bojo das discussões travadas no Conselho Diretor.

Inclusive, no que guarda relação direta com o objeto de prova desta ação penal, observe-se que COMPETE AOS ÓRGÃOS DELIBERATIVOS DO

FLAMENGO -como o Conselho Deliberativo, o Conselho de Administração e

o Conselho Diretor -, a depender dos valores envolvidos, A AUTORIZAÇÃO PARA REALIZAÇÃO DE OBRAS DE CONSTRUÇÃO, REFORMA OU AMPLIAÇÃO DE IMÓVEIS, assim como a assinatura de contratos, exceto os de prestação de

serviços de futebol e de esportes olímpicos.

Nunca é demais lembrar que, após a eleição do Defendente para a presidência do Clube, promoveu-se profunda reestruturação no organograma da Agremiação, que passou a adotar uma rígida divisão horizontal

(departamentalização) e vertical (delegação) de tarefas, tão bem descrita

no próprio Relatório Final pela Autoridade Policial, a partir dos uníssonos depoimentos prestados em sede policial.

Neste contexto, como reconhecido pela acusação, quando de sua assunção à Presidência, o Defendente averiguou a necessidade de o Clube ostentar uma gestão verdadeiramente profissional, típica de grandes sociedades empresárias.

Diante disto, efetivou-se a contratação de um CEO (Chief Executive

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fiscalização das Diretorias Especializadas, para as quais o Defendente contratou profissionais com expertise para nelas atuar.

No ponto, elucidativo é o depoimento do atual Presidente do Clube, RODOLFO LANDIM, que asseverou que “os executivos (diretores

remunerados) se reportam ao CEO e ao Vice Presidente da respectiva parte simultaneamente, sendo que cabe ao CEO exigir dos executivos as determinações passadas efetivamente pelos VPs”.

Com isso, o Defendente cumpriu os deveres inerentes ao seu cargo, por meio de precisa delegação de funções, e deixou para as Diretorias Profissionais, integradas por executivos de alta qualificação, o escrutínio acerca daquilo que lhes era subjacente.

Assim, o processo de tomada de decisão competia à respectiva área técnica responsável pela matéria sob deliberação, no bojo do qual o

Defendente nunca foi envolvido.

O resultado era comunicado ao Defendente apenas APÓS findas

as ponderações pelo setor especializado, para que este adotasse as medidas

de estilo, como eventual assinatura de instrumentos contratuais, já que o Presidente é responsável por representar o Clube de Regatas do Flamengo nos atos da vida civil (artigo 129, inciso I do Estatuto Social).

Convém observar, sobre a imposição estatutária de celebração de contratos, que estes deveriam ser aprovados pelos setores financeiro e jurídico

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antes de serem encaminhados ao Defendente exclusivamente para assinatura12, a reforçar a sua falta de ingerência nessa espécie de processo decisório.

Como se vê, dada a própria estrutura organizacional do Clube, é

incorreto a não mais poder afirmar que o Defendente detinha o poder final de tomada de decisão, uma vez que isto não se coaduna com as funções

por ele de fato exercidas, tampouco há previsão estatutária neste sentido. Como visto, ao Presidente, como integrante do Conselho Diretor, competia, em síntese, deliberar, colegiadamente, em suma, acerca das

METAS E ORÇAMENTOS do FLAMENGO, e não decidir acerca de matérias

subjacentes às pastas técnicas, o que ficava restrito às Diretorias Profissionais. Aproveitamos este contexto de alusão ao organograma empresarial do Clube para afirmar, desde já, que o Defendente nunca violou seus deveres

de vigilância e controle por meio de condutas perigosas e descuidadas à título omissivo, ao contrário do que tenta fazer crer a Denúncia.

A maior prova disto é que o Ministério Público acertadamente não

implicou responsabilidade penal a nenhum CEO (Chief Executive Officer) do

CLUBE DE REGATAS DO FLAMENGO, cujos encargos cingiam-se à gestão geral

da Agremiação, conforme, insista-se, afirmado em vários depoimentos prestados em sede policial.

Ora, se o Parquet considerou – insista-se, corretamente – que não houve infringência de deveres de fiscalização, vigilância e controle por parte justamente daquele que os detinha (CEO), com muito mais razão deveria ter

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22

adotado idêntica conclusão em relação ao Defendente, de quem não era exigido o cumprimento de tais obrigações.

É de se notar, ademais, que não existe responsabilidade penal

apenas pela ostentação de determinado cargo ou posição, até porque,

como adverte CLAUS ROXIN, o Direito Penal compõe-se da soma de todos os

preceitos que regulam os pressupostos ou consequências de uma conduta humana, à qual é cominada determinada pena13, e não a uma função específica, mormente quando a violação a bem jurídico tenha sido causada por comportamento culposo de outrem.

O SIMPLES EXERCÍCIO DA PRESIDÊNCIA DO FLAMENGO PELO

DEFENDENTE NÃO O TRANSFORMA, AUTOMATICAMENTE, EM AGENTE GARANTIDOR DE QUALQUER BEM JURÍDICO QUE SEJA, o que autorizaria

imputações por descumprimento do dever de agir, isto é, por omissão imprópria, como quis emplacar a inicial acusatória.

De acordo com o ilustre Professor parecerista, para assumir a condição

de garantidor, seria necessário que o Estatuto do CLUBE DE REGATAS DO

FLAMENGO dispusesse expressamente que lhe caberia fiscalizar diretamente

todas as atividades de seus subordinados, ou que houvesse expressa assunção fática desta função pelo Defendente.14

Nesse sentido, cabe trazer à baila, por oportuno, a nota de

solidariedade emitida publicamente15 por outros 6 (seis) ex-Presidentes

13 ROXIN, Claus. Derecho penal, Parte General, Tomo 1. Madrid: Editorial Civitas S.A., 1997, p. 41. 14 Pag 80, resposta ao quesito 3

15 Ex-presidentes do Flamengo assinam carta em solidariedade a Bandeira de Mello. Disponível em

<https://blogs.oglobo.globo.com/lauro-jardim/post/ex-presidentes-do-flamengo-assinam-carta-em-solidariedade-bandeira-de-mello.html>. Acesso em 12 de março de 2021.

(23)

23

do CLUBE DE REGATAS DO FLAMENGO, em que os signatários, em apertada

síntese, deixam claro que, exigir do Defendente a fiscalização/supervisão de tudo o que ocorria dentro da Agremiação: “Em linguagem popular, SERIA EXIGIR

QUE O PRESIDENTE BATESSE O CORNER, CORRESSE PARA CABECEAR E,

TENDO AINDA A OBRIGAÇÃO DE FAZER O GOL”. O que seria: “Impossível e

desumano”, pois:

“(...), embora o regime seja presidencialista, NEM TUDO QUE

OCORRE É DE CONHECIMENTO DO PRESIDENTE DO CLUBE.

O nosso estatuto, pela grandeza do Flamengo, que tem orçamento superior a

muitos municípios brasileiros, PREVÊ UMA DIVISÃO DE

RESPONSABILIDADES, onde cada setor do clube tem um vice-presidente que, em última análise, é o presidente do referido setor.

Logo em seguida, há diretores e abaixo deles, gerentes e funcionários.

COMPETE AO PRESIDENTE OS ASSUNTOS INSTITUCIONAIS DE RELEVÂNCIA, enquanto que, cada área, através do seu

vice-presidente, gerentes e funcionários, tem sua vida própria. JAMAIS CADA UM DE NÓS TEVE INTERFERÊNCIA OU PARTICIPAÇÃO DIRETA NO DIA A DIA DE TODOS OS DEPARTAMENTOS.

NÃO É DA ALÇADA DO PRESIDENTE DO CLUBE VERIFICAR ITEM A ITEM O ANDAMENTO LOGÍSTICO DO CLUBE. Aliás, seria

impossível, dada a grandeza do Flamengo. (...).

Embora ainda impactados e com nossos corações partidos pelos nossos meninos do Ninho, não podemos cruzar os braços e assistir de camarote tamanha injustiça.

Este indiciamento tem como base o desconhecimento do estatuto que rege a vida de um grande clube.

(24)

24

Por uma questão de justiça, urge imediata reflexão por quem de direito.” (doc.

anexo - sic.)

Como se vê, ao contrário do quanto exigido pela Denúncia, inexiste qualquer previsão estatutária que imponha deveres de fiscalização e controle ao Presidente do Flamengo sobre os seus subordinados que atuavam com plena autonomia.

A par disto, caso essa condição existisse, ainda assim, como já demonstrado no capítulo anterior, teria havido a sua transferência aos

“novos” administradores, que mantiveram praticamente toda a equipe de diretores profissionais e empregados, isto é, toda a parte operacional na

nova gestão.

Em síntese, não apenas as condutas atribuídas ao Defendente não podem ser consideradas causas para o incêndio, como ele jamais deteve o suposto dever de supervisão geral que a Denúncia lhe atribuiu, o que reforça ainda mais a inequívoca ausência de nexo de causalidade.

Mesmo que assim não o fosse, o Parquet, ademais, parece ter deliberadamente ignorado a rígida, intensa e complexa repartição de

atribuições no âmbito da administração do Flamengo, que fora ainda mais

profissionalizada durante o mandato do Defendente para proporcionar ao Clube um cenário de gerência típico de companhias multinacionais.

Para tanto, a própria acusação declina a contratação de um CEO (Chief

Executive Officer), a quem cabia a gestão geral da Agremiação, sobretudo o

(25)

25

diretorias profissionais, para as quais o Defendente, àquela altura, havia nomeado executivos altamente especializados.

Diante dessa delegação de incumbências, essencial para o funcionamento do Clube, o Defendente, que sempre atendeu adequadamente o cuidado objetivamente exigido, passou a confiar que os ocupantes dos cargos inferiores também estavam operando dentro dos limites do risco autorizado, notadamente porque eles possuíam o know-how e plena autonomia para exercer da melhor forma possível os encargos que estavam em sua alçada.

O proceder do Defendente faz incidir, pois, o princípio da confiança, o qual preconiza, de acordo com o douto parecerista, que “todo aquele que atende adequadamente ao cuidado objetivamente exigido, pode confiar que os demais coparticipantes da mesma atividade ou de atividades paralelas também operem cuidadosamente.”.

A razão de ser do aludido princípio decorre da impossibilidade de, na vida moderna e diante de outras variadas atribuições, as pessoas tenham que desempenhar uma obrigação de exame sobre condutas de terceiros.

Transportando isto ao ambiente empresarial, como o da gestão do Flamengo, tem-se que é absolutamente impossível atribuir ao Presidente a incumbência de fiscalizar, a todo momento, a atuação dos demais, para aferir se eles estariam agindo dentro de suas atribuições, cumprindo os deveres objetivos de cuidado e obedecendo os ditames do risco permitido.

No caso específico do Clube de Regatas do Flamengo, como bem destacado pelos outros Presidentes, que antecederam o Defendente no cargo:

(26)

26

ANDAMENTO LOGÍSTICO DO CLUBE. ALIÁS, SERIA IMPOSSÍVEL, DADA A

GRANDEZA DO FLAMENGO.”

O princípio da confiança funciona, portanto, como critério de limitação do dever concreto de cuidado ou do risco autorizado, de tal sorte que sua aplicação obsta o reconhecimento de que a conduta do agente tenha incrementado ou aumentado o risco de produção do resultado lesivo.

Uma vez mais, como dito pelo renomado parecerista, “[s]alvo na hipótese

de ação conjunta e vinculante (duas pessoas fazem, conjuntamente, reparos na rede elétrica),

ninguém, em princípio, deve responder por ações defeituosas de terceiros. Nesse caso, pode até mesmo confiar em que todos os demais atendam aos respectivos deveres de cuidado. Essa confiança está hoje associada ao princípio da autorresponsabilidade, que é, na verdade, um critério de limitação da imputação e não, propriamente, de limitação do dever de cuidado.”16

Em arremate, de acordo com o Prof. JUAREZ TAVARES, “[a] consequência

da aplicação deste pensamento no direito penal será a de excluir a responsabilidade dos agentes em relação a fatos que se estendam para além do dever concreto que lhes é imposto nas circunstâncias e nas condições existentes no momento de realizar a atividade.”17

O sobredito entendimento amolda-se à perfeição ao caso do Defendente. Em razão do princípio da confiança, pois, a CONDUTA A ELE ATRIBUÍDA É FLAGRANTEMENTE ATÍPICA, uma vez que ela não aumentou

o risco da ocorrência do resultado.

16 Página 40 do Parecer emitido pelo Prof. Dr. Juarez Tavares (doc. XX). 17 Página 39 do parecer emitido pelo Prof. Dr. Juarez Tavares (doc. XX).

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27

Observe-se que o Supremo Tribunal Federal, ao tratar do tema, como não poderia ser diferente, afasta a responsabilidade criminal de dirigentes

ou ocupantes de cargo da alta cúpula empresarial em razão do princípio da confiança, senão vejamos:

“E M E N T A: “HABEAS CORPUS” – HOMICÍDIO CULPOSO –

ACIDENTE EM PARQUE DE DIVERSÕES – IMPUTAÇÃO DESSE EVENTO DELITUOSO AO PRESIDENTE E ADMINISTRADOR DO COMPLEXO HOPI HARI – INVIABILIDADE DE INSTAURAR-SE PERSECUÇÃO PENAL CONTRA ALGUÉM PELO FATO DE OSTENTAR A CONDIÇÃO FORMAL DE “CHIEF EXECUTIVE OFFICER” (CEO) – PRECEDENTES – DOUTRINA – NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO, NA PEÇA ACUSATÓRIA, DE NEXO CAUSAL QUE ESTABELEÇA RELAÇÃO DE CAUSA E EFEITO ENTRE A CONDUTA ATRIBUÍDA AO AGENTE E O RESULTADO DELA DECORRENTE (CP, ART. 13, “CAPUT”)

– MAGISTÉRIO DOUTRINÁRIO E JURISPRUDENCIAL.

INEXISTÊNCIA, NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO, DA RESPONSABILIDADE PENAL OBJETIVA – PREVALÊNCIA,

EM SEDE CRIMINAL, COMO PRINCÍPIO DOMINANTE DO MODELO NORMATIVO VIGENTE EM NOSSO PAÍS, DO DOGMA DA RESPONSABILIDADE COM CULPA – “NULLUM CRIMEN SINE CULPA” – NÃO SE REVELA CONSTITUCIONALMENTE POSSÍVEL IMPOR CONDENAÇÃO CRIMINAL POR EXCLUSÃO, MERA SUSPEITA OU SIMPLES PRESUNÇÃO – O PRINCÍPIO DA CONFIANÇA, TRATANDO-SE DE ATIVIDADE EM QUE HAJA DIVISÃO DE ENCARGOS OU DE ATRIBUIÇÕES, ATUA COMO FATOR DE LIMITAÇÃO DO DEVER CONCRETO DE CUIDADO NOS CRIMES CULPOSOS – ENTENDIMENTO

DOUTRINÁRIO – INAPLICABILIDADE DA TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO AOS CRIMES CULPOSOS – DOUTRINA –

(28)

28 “HABEAS CORPUS” DEFERIDO – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO.”

(Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 138.637 AgR. Rel.: Min. Celso de Mello. Segunda Turma. DJe de 22/10/2020)

Vale acrescentar, desde logo, que não há nada nos autos que indique, de forma mínima que seja, que o Defendente era informado pelos seus subordinados de que algo dentro das tarefas delegadas não estava correndo dentro do esperado. Ao reverso, consta dos autos que a ele era repassado

que tudo estava sendo tratado e providenciado, conforme confiado.

Feitos esses imprescindíveis esclarecimentos, malgrado já estar

suficientemente demonstrada a impossibilidade de se responsabilizar o ex-Presidente do clube, passemos à desconstrução dos equivocados

enunciados fáticos sobre os quais o Parquet alicerçou a imputação do Defendente, que teria adotado um suposto agir perigoso e descuidado – o que, repita-se, nem sequer existiu, considerada a já demonstrada atipicidade de sua conduta.

Ao Defendente é irrogado o aumento do risco da produção de resultado e a violação de dever jurídico de cuidado, por ter pretensamente optado por não cumprir a regularização do acolhimento dos atletas de base do Clube de Regatas do Flamengo, cujas desconformidades teriam sido apontadas em relatórios de lavra do Grupo de Apoio Técnico Especializado do Ministério Público.

As medidas que deveriam ser adotadas, segundo o Parquet, constariam no Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta (doravante “TAC”)

(29)

29

proposto pelo Ministério Público em 201418, avença cuja celebração o

Defendente teria se recusado, para o olhar da acusação.

De acordo com o Ministério Público, agindo dessa maneira, o Defendente teria adotado comportamento imprudente, por jamais ter regularizado plenamente a situação dos jovens atletas, a despeito de ter ciência de tais condições.

Nada mais equivocado, data maxima venia.

Caso o Ministério Público tivesse analisado o caderno investigativo com afinco, verificaria que o Defendente, em momento algum, apresentou

desídia em atender as demandas dos jovens desportistas do Flamengo,

notadamente aquelas alusivas à adequação da estrutura física do espaço destinado à residência dos adolescentes às diretrizes e parâmetros mínimos, inclusive com sistema de prevenção de incêndios.

Previamente a qualquer consideração sobre o real conteúdo das evidências que instruem o feito, das quais as conclusões Ministeriais são integralmente dissociadas, é forçoso elucidar que o Defendente não tinha ciência da real situação vivida pelos atletas da base do Flamengo, muito menos da apontada irregularidade administrativa do Centro de Treinamento.

Em outras palavras, as conclusões exaradas nas informações e

visitas técnicas solicitadas pela Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva da Infância e Juventude da Capital, bem assim a “clandestinidade

(30)

30

administrativa dos módulos habitacionais”, não foram comunicadas ao Defendente!

Existem inúmeros elementos informativos, produzidos durante as investigações, que indicam, a não mais poder, que o conhecimento de

assuntos desta índole permanecia restrito às respectivas diretorias profissionais, e não eram discutidos, tratados ou sequer mencionados com a Presidência do Clube.

Exemplo disto é a notícia sobre a interdição do Centro de Treinamento GEORGE HELAL, que não era nem sequer de conhecimento do atual presidente

do Flamengo até APÓS o incêndio, quando tal fato fora amplamente divulgado

pela imprensa19.

O assunto, portanto, tal como outros de igual natureza, restou circunscrito à ciência das diretorias do Clube, e não foi levado à Presidência,

COMO AFIRMOU O DIRETOR ADJUNTO DE PATRIMÔNIO,MARCELO SÁ20.

No mesmo sentido apontam os termos de declaração de JAIME

CORREIA DA SILVA21, GILNEY PENNA BASTOS22, REINALDO JOSÉ BELOTTI

VARGAS23, CARLOS RENATO MAMEDE NOVAL24, LUIS GUSTAVO NOGUEIRA

FRANCISCO25 e ALEXANDRE JACQUES WROBEL26.

19 Termo de Declaração de Luis Rodolfo Landim Machado (fls. 935/937). 20 Termo de Declaração de Marcelo Sá (fls. 373/375).

21 Fls. 412/413. 22 Fls. 414/416. 23 Fls. 733/735. 24 Fls. 776/779. 25 Fls. 917/918. 26 Fls. 1004/1007.

(31)

31

No mesmo sentido são os documentos apresentados pelo Defendente,

ainda durante a fase pré-processual, quais sejam, duas declarações assinadas

por diversos Vice-Presidentes do Flamengo durante a sua gestão, afirmando que ele jamais fora informado sobre qualquer coisa do tipo27.

Tal como a interdição do Centro de Treinamento, dentro da qual pode se incluir a alegada irregularidade administrativa dos contêineres, a conjuntura

concreta dos atletas jamais foi informada ao Defendente, na medida em que, insista-se, a ciência dessa espécie de matéria permaneceu, a todo momento, reservada às áreas técnicas da administração do Clube.

Já sobre a alegada negativa de assinatura do Termo de Ajustamento de Conduta, cumpre ressaltar, em primeiro lugar, que não houve a recusa generalizada como o Ministério Público afirmou. Na realidade a maioria das recomendações sugeridas já eram endereçadas ou já havia decisão das áreas técnicas nesse sentido.

A deliberação pela não celebração do TAC, a propósito, foi capitaneada pelas respectivas áreas técnicas. Note-se que o Defendente fora informado, pelas diretorias técnicas responsáveis, de que as exigências do Ministério Público ou já eram cumpridas, ou estavam em processo de regularização.

Os únicos itens que impediram a celebração do TAC tratam de questões estritamente financeiras, que, àquela altura, o clube ainda não tinha condições de arcar.

(32)

32

E é bom que se diga: nunca houve preocupação do Ministério

Público em renovar a proposta ao longo dos 5 (cinco) anos que se passaram entre a recusa e o acidente.

Assim, é dizer, a não celebração do Termo de Ajustamento de Conduta

jamais se deu por negligência com os meninos que integravam a base do

FLAMENGO.

E foi justamente essa conclusão final que fora transmitida ao Defendente, que acreditou, sem motivos para desconfiar, que as

determinações do Parquet ou eram cumpridas pelo Clube, ou estavam sendo atendidas pelas diretorias profissionais!

Munido, então, destas informações prestadas pelas diretorias profissionais, o Diretor Jurídico do Clube elaborou manifestação escrita, dando conta de que “o Clube de Regatas do Flamengo já adota as medidas propostas pelo i. Parquet e que o mesmo não age de forma irregular, não se fazendo necessário,

assim, a assinatura do Termo de Ajustamento de Conduta.”28.

A participação do Defendente neste ato se limitou à assinatura, em conjunto com o Diretor Jurídico, da referida manifestação e fora realizada, única e exclusivamente, por dever estatutário.

Na resposta encaminhada pelo Flamengo ao Ministério Público, há menção expressa às questões elencadas na Denúncia, cujo não atendimento teria, segundo a acusação, sido determinante para a produção do infeliz incêndio dos módulos habitacionais.

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33

Tais condições estariam consubstanciadas na disponibilização de 1 (um) monitor para cada grupo de 10 (dez) atletas, a regularização administrativa (com obtenção de alvarás e certificados) e a adequação da estrutura física do espaço destinado ao acolhimento dos meninos, com a adoção de sistema de prevenção de incêndio devidamente certificado pelo Corpo de Bombeiros Militar.

Em sua manifestação, insista-se, o Flamengo informou que tais requisições “estão sendo providenciadas e/ou adequadas nos termos da legislação específica

atual, motivo pelo qual igualmente não vislumbramos a assinatura do referido Termo.”29

Ou seja, as únicas informações que chegavam à alçada de

conhecimento do Defendente eram positivas e indicavam que todas as atribuições atinentes aos atletas da base estavam sendo devidamente cumpridas pelos delegados que tinham competência e autonomia para agir!

Especificamente sobre a disponibilização de monitores, indicada

na Denúncia – a qual fora oferecida em 14/01/2021 – como circunstância cujo descumprimento teria incrementado o risco não permitido do incêndio nos contêineres, impende ressaltar que o MESMO Ministério Público que propôs a

ação penal,já que órgão uno e indivisível, logo após o infortunoso episódio, mais precisamente em 21 de maio de 2019, CELEBROU Termo de Ajustamento de

Conduta com o Flamengo, estipulando obrigação de contratação de menos

monitores do que aquela prevista na proposta encaminhada em 2014.

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34

Com efeito, na avença pactuada em 2019, há a obrigação do Clube disponibilizar aos meninos apenas 1 (um) monitor no período diurno e 2

(dois) no período noturno, enquanto a proposição anterior – que, repita-se, o

não cumprimento teria incrementado o risco – exigia 1 (um) monitor, por

turno, para cada 10 (dez) adolescentes residentes, vejamos o que restou

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35

No ponto, pois, é de se indagar: “qual” é a opinião final do Ministério Público?!

Ora, data maxima venia, nem o próprio Parquet se entende. E não se entende por uma razão é muito simples, a disponibilização de 1 monitor para cada 10 atletas – como exigido na denúncia datada de janeiro de 2021 – ou de 1 (um) monitor no período diurno e 2 (dois) no período noturno – como avençado no TAC de 2019 – em nada contribui para o incremento do risco, conforme concluído, inclusive, pelo parecerista JUAREZ TAVARES (Resposta ao

quesito 1 – transcrito adiante.)

Assim, é completamente descabido imputar ao Defendente uma conduta lesiva ao dever objetivo de cuidado por não atender a demanda de 1 (um) monitor, por turno, para cada 10 (dez) atletas alojados – circunstância que, repita-se, lhe haviam comunicado estar sendo atendida –, se antes da

Denúncia o próprio Parquet compreendeu que isto seria, no mínimo, uma condição irrelevante para se evitar um novo incêndio.

Ainda sobre o suposto incremento do risco pela não celebração do TAC, causou perplexidade à Defesa o fato de o Parquet ter omitido da sua narrativa a informação de que, junto com a propositura da Ação Civil Pública ajuizada para interdição do Centro de Treinamento, fora requerida a concessão de antecipação de tutela, que permaneceu longos 4 anos sem resposta do Poder Judiciário, até a ocorrência do trágico acidente.

Ao longo desses anos, o Ministério Público e o Poder Judiciário entenderam que tudo que o Flamengo estava fazendo era suficiente para atender às exigências dos órgãos de controle, basta compulsar os autos da ação civil pública em que diversas audiências foram realizadas com a participação das

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36

partes. Não se pode admitir que a interpretação dos fatos mude conforme a conveniência e com o tempo.

Ora, se a situação reclamasse urgência e risco à integridade dos meninos do Ninho, seguramente o mesmo Parquet não teria descansado até que a situação tivesse sido efetivamente resolvida, recorrendo às instâncias próprias, insistindo, quiçá, no pleito cautelar proposto, ou até diligenciado junto às autoridades administrativas que, como sói, detém poder de polícia.

Infelizmente não param por aí as despropositadas afirmações lançadas na inicial acusatória, com todas as vênias.

É absolutamente inverídica a assertiva de que os relatórios de vistoria técnica, elaborados desde 2012, acerca dos problemas vivenciados pela base do Flamengo, indicavam a persistência das mesmas celeumas.

Muito embora não haja prova mínima de que os relatórios das visitas técnicas chegassem ao conhecimento do Defendente, mais relevante é o conteúdo e o teor das informações e vistorias técnicas sobre as instalações dos atletas da base.

O Ministério Público aparenta se olvidar que o documento cujo deslinde apontara uma piora nas condições dos alojamentos dos jovens, datado de 2012, NÃO TRATA DOS MÓDULOS HABITACIONAIS nos quais os jovens

residiam quando do lastimável incêndio circunstanciado30.

(37)

37

Os meninos, na época de elaboração do aludido relatório, estavam hospedados em uma casa de alvenaria, esta sim objeto de críticas promovidas por grupos multidisciplinares destacados pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.

Sem embargo, desde o primeiro relatório apontado pelo Parquet, o

cenário apontado pelos órgãos fiscalizadores sempre foi de evolução das condições ali avaliadas.

Os relatórios, informações e visitas técnicas engendradas pela Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva da Infância e Juventude são categóricos em apontar as melhorias durante a gestão do Defendente:

• Relatório Psicológico de 24 de junho de 2016, subscrito por Yasmim de Menezes França (Assessora Técnica – Psicóloga do CAO Infância e Juventude): “O espaço físico encontra-se com obras de adequação e as especificações

gerais quanto à infraestrutura (como tipos e quantidades de cômodos) encontram-se no Projeto. Foram encontradas boas condições de higiene, segurança e salubridade, e fomos informados sobre a frequência diária de limpeza da casa e do

contêiner onde se localizam os quartos, realizada por funcionários. (...) Foi sinalizado que as fiscalizações anuais ou semestrais do comissariado da Vara da Infância e da Juventude ao Centro de Treinamento têm colaborado para que o setor financeiro do Clube, localizado no bairro da Gávea, invista mais nos recursos para os atletas residentes. O pedagogo revelou que identifica mudança de paradigma institucional, visto que o foco do Clube não é apenas para as atividades de jogo de futebol por si só, mas ampliou-se para o cuidado aos atletas. Por mais que tenham se observado melhorias, identifica-se a necessidade de continuidade nos avanços amealhados.”31

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38

• Relatório de Vistoria de 15 de julho de 2016, subscrito por Daniel Elis Télio Duarte (Assistente Social do CAO Infância e Juventude): “No bojo da

explanação inicialmente feita pelo profissional de pedagogia e posteriormente pela assistente social, configurou-se o relato de que nos últimos dois anos algumas ações teriam sido implantadas com foco no processo de adequação das práticas institucionais na direção para a garantia de direitos do público infanto-juvenil, e que estariam em consonância a questionamentos e ponderações direcionadas ao clube feitas pela equipe de comissariado da VIJ da Capital, tanto quanto aos apontamentos do Ministério Público à época das pregressas vistorias realizadas.”32

• Relatório Técnico de 31 de maio de 2017, subscrito por Jaqueline Peixoto e Julie Caroline V. Siciliano (Pedagogas do CAO Infância e Juventude): “Os

centros de treinamento foram idealizados para concentrar as equipes técnicas e os atletas em um só lugar onde pudessem desenvolver a maior quantidade possível de suas atividades profissionais, como treinamentos físicos, técnicos e táticos. Esses locais foram adquirindo, ao longo dos anos, diversas funções. No Centro de Treinamento do Flamengo, o atleta/alojado recebe assistência médica, odontológica, nutricional, fisioterápica, psicológica e pedagógica sem sair das dependências do CT que conta com uma área muito extensa e encontra-se em constante construção e atualização por ser um projeto recente e dispor ainda de muita área livre, com quatro campos de futebol.”33

• Informação Técnica nº 069/2017, subscrita por Luís Otávio Guimarães Maneschy (Arquiteto e Urbanista, Técnico Pericial do GATE do MPRJ):

“Constatou-se na vistoria que o CT Jorge Helal (sic) foi objeto de significativas alterações em seus componentes construtivos, comparativamente com a situação observada pelo TP signatário, quando da elaboração da informação técnica IT nº 101/2012. O equipamento se encontra com alterações nas suas áreas externas, sendo concluídas obras no seu setor de entrada, como construção de estacionamento e de edificação de controle de

32 Fl. 618. 33 Fls. 658/659.

(39)

39 acesso, pavimentação, calçamento, dentre outras. Também as edificações e setores com containers foram objeto de intervenções de adequação e construções, implantando-se separação de uso para as categorias de base- atletas ainda sem formação. (...) Em vista da avaliação ora apresentada,

permite-se identificar que foram sanadas parcialmente as irregularidades apontadas pelo GATE IEDS na IT nº 101/2012. (...) Os atletas residentes das categorias de base e encontram alojados em uma edificação nova, contendo instalações para 42 residentes. Os cômodos que compõem o alojamento se encontram em condições apropriadas ao uso dos residentes.”34

• Informação Técnica nº 315, de 10 de julho de 2017: “Já o contêiner destinado aos jogadores registrados apresentava-se em melhores condições, embora com instalações sanitárias reduzidas se for levado em consideração

o fato de servir como acomodação para o uso diário e noturno. (...) Os atletas registrados na Federação de Futebol (federados) foram transferidos para o antigo repouso dos jogadores profissionais (que por sua vez foram transferidos para um novo CT, dotado de “hotel”), uma construção pré-fabricada. Aqueles jogadores que não são domiciliados na Cidade do Rio de Janeiro passam a noite em dormitórios com 6 camas cada. Encontra-se em boas condições de higiene e limpeza, embora com banheiros em número pequeno para o total de jogadores que utilizam suas dependências, se for levado em consideração que a utilização anterior, pelos jogadores profissionais, se dava apenas para descanso entre os treinamentos.

Quanto a casa destinada aos jovens que são selecionados para a “peneira”, persistiam os problemas apontados na IT nº 445/16. (...) Não foram constatadas melhorias em relação à área destinada aos menores de idade que procuram o clube para as chamadas “peneiras” e para aqueles que estão em teste no CT. Entretanto, para aqueles já registrados nas categorias de base, houve melhorias em relação

(40)

40

ao ambiente de repouso e/ou hospedagem durante a permanência no local.”35

A única exceção consiste na última vistoria, realizada em 18 de junho de 2018, mas que curiosa e estranhamente somente foi juntada aos autos do processo em que tramitava apenas em 2019, já quando o Defendente havia deixado a Presidência do Flamengo.

Ocorre que esse relatório somente indica más condições ao se

referir à casa “velha”, imóvel de alvenaria em que parte dos jovens atletas da

base eram hospedados. Ao analisar os módulos habitacionais, aduz que “[j]á

o contêiner destinado, de acordo com os Gestores, em caráter provisório, aos jogadores da base registrados APRESENTAVA-SE EM MELHORES CONDIÇÕES”36.

Não fosse o suficiente, de bom alvitre destacar que nenhum relatório

faz qualquer tipo de menção aos pontos específicos do TAC proposto pelo Ministério Público em 2014, cuja recusa a Denúncia indevidamente

imputa como incremento do risco.

Acrescente-se a isto que, ainda sob a Presidência do Defendente, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) concedeu ao Flamengo o “Certificado de Clube Formador” em 25 de abril de 201737, em seu grau máximo

(categoria “A”), documento que atesta as qualidades técnicas da entidade de prática desportiva da modalidade de futebol para a formação de atletas, senão vejamos:

35 Fls. 681/687. 36 Fls. 701/717. 37 Fl. 2960.

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41

Tal certificado é dispensado, portanto, às Agremiações que cumprem os mais diversos requisitos legais constantes na Lei nº 9.615/98 (Lei Pelé), dentre os quais o do artigo 29, §2º, inciso II, consistente em “manter alojamento e instalações desportivas adequados, sobretudo em matéria de alimentação, higiene, SEGURANÇA e salubridade”.

À conta disso, verifica-se que o FLAMENGO havia sido vistoriado pelas

Entidades de Organização e Regulamentação Desportiva e fora aprovado por estas, inclusive naquilo que se relaciona com a hospedagem dos jovens atletas.

Outrossim, o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente concedeu Certificado de Regularidade ao Flamengo38, o qual só é concedido a entidade que “ofereça instalações físicas em condições adequadas de habitabilidade, higiene, salubridade e SEGURANÇA.”, nos termos do artigo 91, §1º, alínea a, do ECA:

(42)

42

Essas eram as informações que chegavam ao Defendente, na

qualidade de Presidente do Clube, dando a entender que a sua equipe de gestores estava cumprindo com as obrigações legais e que por isso a Agremiação estava recebendo os certificados dos órgãos responsáveis.

É fundamental realçar, à luz do quanto já exposto, que, ao revés do que o Parquet consigna, não há que se falar, de forma alguma, em um quadro

de “clandestinidade administrativa” dos módulos habitacionais nos quais os jovens atletas estavam alojados.

Ora, O PRÓPRIO MINISTÉRIO PÚBLICO, ÓRGÃO UNO E INDIVISÍVEL, DETINHA CIÊNCIA DA EXISTÊNCIA DOS CONTÊINERES, tanto é assim que

os vistoriou, em múltiplas oportunidades, fazendo relatórios e informações técnicas a respeito.

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