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Orígenes Lessa - Memórias De Um Cabo De Vassoura

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Academic year: 2021

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MEMÓRIAS DE UM CABO DE VASSOURA MEMÓRIAS DE UM CABO DE VASSOURA ORÍGENES LESSA ORÍGENES LESSA EDIOURO EDIOURO CONTRACAPA CONTRACAPA

Memórias de um Cabo de Vassoura Memórias de um Cabo de Vassoura Orígenes Lessa

Orígenes Lessa

Xilografia de Ciro Fernandes Xilografia de Ciro Fernandes Como todos os outros,

Como todos os outros, ele nascera ele nascera madeira. madeira. Um simples Um simples cabo de vassoura, cabo de vassoura, que, exatamenteque, exatamente por ser simples, sentia e ouvia, falava e não era ouvido senão por aqueles que lhe eram mais por ser simples, sentia e ouvia, falava e não era ouvido senão por aqueles que lhe eram mais próximos e semelhantes. Pobre e sofrido cabo de vassoura, em ―cavalo‖ transformado, carente próximos e semelhantes. Pobre e sofrido cabo de vassoura, em ―cavalo‖ transformado, carente de afeto na

de afeto na hora da despedida, hora da despedida, da mudança, nda mudança, no receio de o receio de ser trocado por ser trocado por brinquedos brinquedos maismais modernos.

modernos. Um cabo Um cabo de vassoura de vassoura um tanto um tanto humano... e humano... e quase sempre quase sempre melhor que melhor que muitamuita gente...

gente... EDIOURO EDIOURO

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www.ediouro.com.br

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Orígenes Lessa Orígenes Lessa

Prêmio Mario de Andrade, 1975 Prêmio Mario de Andrade, 1975 Memórias de um Cabo de Vassoura Memórias de um Cabo de Vassoura Ilustrações Lee Ilustrações Lee 44ª edição 44ª edição Ediouro Ediouro

Copyright Ediouro Publicações S.A. Copyright Ediouro Publicações S.A. Todos os direitos reservados e

Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 protegidos pela Lei 9.610 de 10/02/98. de 10/02/98. É proibida a É proibida a reproduçãoreprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, da editora.

total ou parcial, por quaisquer meios, sem autorização prévia, por escrito, da editora. Seleção e preparação do vocabulário pela equipe dos professores:

Seleção e preparação do vocabulário pela equipe dos professores:  Aurely de Souza Pinto

 Aurely de Souza Pinto Esther Simy Benayon Esther Simy Benayon

Helena de Oliveira Gallo Netto Helena de Oliveira Gallo Netto Helenice Padovani Ferreira Helenice Padovani Ferreira Regina Célia Moreira da Cunha Regina Célia Moreira da Cunha Sônia Maria Ferreira Arruda Sônia Maria Ferreira Arruda  Vania Henriques da Rocha  Vania Henriques da Rocha

Coordenação de Betty Zimmerman Coordenação de Betty Zimmerman CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte

Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ L623m

L623m

Lessa, Orígenes, 1903

Lessa, Orígenes, 1903 – – 19861986

44ª Ed. Memórias de um cabo de vassoura / Orígenes Lessa; ilustração de Lee.

44ª Ed. Memórias de um cabo de vassoura / Orígenes Lessa; ilustração de Lee. – – 44ª ed.44ª ed. – – RioRio de Janeiro: Ediouro, 2002

de Janeiro: Ediouro, 2002 :Il.

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Inclui apêndice Inclui apêndice

ISBN 85-00-11681-1 ISBN 85-00-11681-1 1. Literatura

1. Literatura infanto-juvenil. I. Lee infanto-juvenil. I. Lee (ilustrador). II. (ilustrador). II. Título. Título. III. SérieIII. Série 98-0489 98-0489 CDD CDD – – 028.5028.5 CDU CDU – – 087.5087.5

EDIOURO PUBLICAÇÕES S/A EDIOURO PUBLICAÇÕES S/A De Janeiro

De Janeiro

Sede, Depto. De vendas e expedição Sede, Depto. De vendas e expedição Rua Nova Jerusalém, 345

Rua Nova Jerusalém, 345 – – CEP 21042-230CEP 21042-230 – – Rio de JaneiroRio de Janeiro – – RJRJ TEl.: (21) 3882-8240 / 8323

TEl.: (21) 3882-8240 / 8323 – – Fax: (21) 3882-8212 / 8313Fax: (21) 3882-8212 / 8313 Email:

Email: livros@ediouro.com.brlivros@ediouro.com.br

São Paulo São Paulo

 Av. Bosque da Saúde, 1432

 Av. Bosque da Saúde, 1432 – – Jardim da SaúdeJardim da Saúde – – CEP 04142-082 São PauloCEP 04142-082 São Paulo – – SPSP Tel.: (11) 5589-3300

Tel.: (11) 5589-3300 – – Fax vendas: (11) 5589-3300Fax vendas: (11) 5589-3300 – – ramal 233ramal 233 E-mail:

E-mail: ediouro@ediouro.com.brediouro@ediouro.com.br / E-mail Vendas: / E-mail Vendas: vendasp@ediouro.com.brvendasp@ediouro.com.br

Internet:

Internet: www.ediouro.com.brwww.ediouro.com.br

 VOCABULÁRIO  VOCABULÁRIO

 As explicações contidas nas notas de rodapé visam um maior entrosamento do leitor com  As explicações contidas nas notas de rodapé visam um maior entrosamento do leitor com o texto.

o texto.

Muitas vezes, durante o decorrer da leitura, palavras ou formas de expressão são apenas Muitas vezes, durante o decorrer da leitura, palavras ou formas de expressão são apenas parcialmente interpretadas

parcialmente interpretadas ou nem mesmo isso aconou nem mesmo isso acontece. tece. Assim, o que sAssim, o que se verifica é um e verifica é um maumau aproveitamento do trabalho literário e, o que é pior, um possível desinteresse pela leitura.

aproveitamento do trabalho literário e, o que é pior, um possível desinteresse pela leitura.

Objetivamos, então, dentro de cada texto e de acordo com o contexto, abrir novas Objetivamos, então, dentro de cada texto e de acordo com o contexto, abrir novas fronteiras para o pequeno leitor, oferecendo-se um enriquecimento de vocabulário e, ao mesmo fronteiras para o pequeno leitor, oferecendo-se um enriquecimento de vocabulário e, ao mesmo tempo, um aprimoramento de sua forma de expressão.

tempo, um aprimoramento de sua forma de expressão.

Sempre existirão outras formas que não as usadas para fazer uma criança compreender Sempre existirão outras formas que não as usadas para fazer uma criança compreender o que leu.

o que leu.

Em se tratando de interpretação, o trabalho estará sempre aberto para quaisquer Em se tratando de interpretação, o trabalho estará sempre aberto para quaisquer modificações.

modificações.

Esperamos, assim, atingir nossos propósitos. Esperamos, assim, atingir nossos propósitos.  A Equipe

 A Equipe

 AGRADECIMENTOS  AGRADECIMENTOS

 A

 A Editora Editora agradece agradece à à equipe equipe de de professores, professores, escolhidos escolhidos criteriosamente criteriosamente em em um um colégiocolégio que há

que há muitos anos muitos anos vem utilizando, sisvem utilizando, sistematicamente, os tematicamente, os livros da livros da Ediouro. Ediouro. Esta equipe Esta equipe foifoi convidada pela Direção da Empresa para a difícil tarefa de examinar o vocabulário de cada convidada pela Direção da Empresa para a difícil tarefa de examinar o vocabulário de cada livros, procurar explicar o significado dos termos ao nível de compreensão dos alunos e fazer livros, procurar explicar o significado dos termos ao nível de compreensão dos alunos e fazer uma classificação dos diversos livros de acordo com a idade dos presumíveis leitores.

uma classificação dos diversos livros de acordo com a idade dos presumíveis leitores.

Sabíamos que muitas divergências poderiam surgir e ainda surgirão no futuro, Sabíamos que muitas divergências poderiam surgir e ainda surgirão no futuro, especialmente quanto ao modo de interpretar os vocábulos.

especialmente quanto ao modo de interpretar os vocábulos.

Por isso os professores insistiram na idéia de a Editora rever, no futuro, parte do Por isso os professores insistiram na idéia de a Editora rever, no futuro, parte do trabalho ora efetuado.

trabalho ora efetuado.  Assim

 Assim a a Editora Editora espera espera que que outros outros professores, professores, no no manuseio manuseio diário diário destes destes livros, livros, nosnos enviem sugestões e críticas para que possamos, com o passar do tempo, aperfeiçoar o que já enviem sugestões e críticas para que possamos, com o passar do tempo, aperfeiçoar o que já foi feito.

foi feito.

Desejamos expressar nossos agradecimentos pela tão valiosa colaboração da equipe Desejamos expressar nossos agradecimentos pela tão valiosa colaboração da equipe chefiada por Betty Zimmerman.

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ORÍGENES LESSA ORÍGENES LESSA Paulista de

Paulista de Lençóis. Lençóis. Orígenes Lessa Orígenes Lessa nasceu em nasceu em 12 de jul12 de julho de 1903 ho de 1903 e viveu a e viveu a suasua primeira infância em São Luís do Maranhão, onde seu pai, historiador, jornalista e pastor primeira infância em São Luís do Maranhão, onde seu pai, historiador, jornalista e pastor protestante, esteve

protestante, esteve à frente à frente de uma de uma igreja local. igreja local. É filho É filho de Vicente de Vicente Themudo Lessa Themudo Lessa ee Henriqueta Pinheiro Lessa.

Henriqueta Pinheiro Lessa.  Após sua estada no

 Após sua estada no Maranhão, voltou para Maranhão, voltou para São Paulo, em São Paulo, em 1912. 1912. Depois de tentar Depois de tentar váriasvárias carreiras, entregou-se definitivamente ao Jornalismo, à Publicidade e à Literatura, a partir de carreiras, entregou-se definitivamente ao Jornalismo, à Publicidade e à Literatura, a partir de 1928.

1928.

 Ao tomar parte na

 Ao tomar parte na Revolução Constitucionalista de 1932, foi Revolução Constitucionalista de 1932, foi preso e removido preso e removido para o Riopara o Rio de Janeiro.

de Janeiro. No presídio de No presídio de Ilha Grande, Ilha Grande, escreveu a escreveu a reportagem NÃO HÁ reportagem NÃO HÁ DE SER NADA..DE SER NADA.... Trabalho que

Trabalho que o projetou nos o projetou nos meios literários. meios literários. Desde 1970, Desde 1970, passou a passou a dedicar-se à literadedicar-se à literaturatura infanto-juvenil, escrevendo vários livros como: Memórias de um Cabo de Vassoura; Napoleão infanto-juvenil, escrevendo vários livros como: Memórias de um Cabo de Vassoura; Napoleão em Parada de Lucas; Confissões de um Vira-Lata; Memórias de um Fusca; Os Homens de em Parada de Lucas; Confissões de um Vira-Lata; Memórias de um Fusca; Os Homens de Cavanhaque de Fogo; A Escada de Nuvens; A Floresta Azul; A Cabeça de Medusa; Juca Jabuti, Cavanhaque de Fogo; A Escada de Nuvens; A Floresta Azul; A Cabeça de Medusa; Juca Jabuti, Dona Leôncia e a Superonça; Procura-se um Rei; As Árvores Aflitas e A Multiplicação Milagrosa; Dona Leôncia e a Superonça; Procura-se um Rei; As Árvores Aflitas e A Multiplicação Milagrosa; Chore não, Taubaté... O Mundo É Assim, Taubaté; As Letras Falantes; Podem me Chamar de Chore não, Taubaté... O Mundo É Assim, Taubaté; As Letras Falantes; Podem me Chamar de Bacana; Jasão e os Centauros Invisíveis. E outros.

Bacana; Jasão e os Centauros Invisíveis. E outros.

No entanto, Orígenes Lessa se iniciou na Literatura como contista e seu primeiro livro foi No entanto, Orígenes Lessa se iniciou na Literatura como contista e seu primeiro livro foi O Escritor Proibido,

O Escritor Proibido, publicado em 1929. publicado em 1929. Entre os livros Entre os livros desse gênero, desse gênero, citam-se Omelete emcitam-se Omelete em Bombaim; Passa três; A

Bombaim; Passa três; A Desintegração da Morte; Desintegração da Morte; Balbino, Homem do Mar Balbino, Homem do Mar e 9 Mulheres. e 9 Mulheres. SeusSeus contos têm sido traduzidos para diversas línguas e figuram em inúmeras antologias nacionais e contos têm sido traduzidos para diversas línguas e figuram em inúmeras antologias nacionais e estrangeiras.

estrangeiras.

Destacam-se entre suas novelas e romances O Feijão e o Sonho (Prêmio Antônio de Destacam-se entre suas novelas e romances O Feijão e o Sonho (Prêmio Antônio de  Alcântara

 Alcântara Machado), Machado), com com milhares milhares de de exemplares exemplares vendidos; vendidos; Rua Rua do do Sol Sol (Prêmio (Prêmio CarmemCarmem Dolores Barbosa); A Noite sem Homem (Prêmio Fernando Chinaglia); O Evangelho de Lázaro Dolores Barbosa); A Noite sem Homem (Prêmio Fernando Chinaglia); O Evangelho de Lázaro (Prêmio Luíza Cláudia de Souza, do Pen Club do Brasil) e Beco da Fome.

(Prêmio Luíza Cláudia de Souza, do Pen Club do Brasil) e Beco da Fome.  Além

 Além de de NÃO NÃO HÁ HÁ DE DE SER SER NADA... NADA... escreveu escreveu ainda ainda ILHA ILHA GRANDE, GRANDE, sobre sobre a a RevoluçãoRevolução Constitucionalista.

Constitucionalista. Publicou também um estudo Publicou também um estudo sobre Getúlio Vargas sobre Getúlio Vargas na Literatura dna Literatura de Cordel.e Cordel.  À  À Maria Eduarda Maria Eduarda O. L. O. L. Pág 11 Pág 11 Capítulo 1 Capítulo 1 Eu já

Eu já fui cabo fui cabo de vassoura, de vassoura, confesso. confesso. Um cabo Um cabo de vassoura de vassoura como tantos como tantos outros. outros. SeriaSeria longo contar tudo o que tenho passado nesta longa vida, desde que me arrancaram da árvore longo contar tudo o que tenho passado nesta longa vida, desde que me arrancaram da árvore em que fui tronco e me levaram a uma oficina, onde fui cortado, torneado [= arredondado] e em que fui tronco e me levaram a uma oficina, onde fui cortado, torneado [= arredondado] e mil coisas sofri, até conhecer a nova

mil coisas sofri, até conhecer a nova função (= profissão] que me função (= profissão] que me reservava o destino.reservava o destino.

Meus irmãos de floresta, muitos cortados comigo na mesma ocasião, depois que Meus irmãos de floresta, muitos cortados comigo na mesma ocasião, depois que deixaram de ser galho ou tronco de árvore para ser madeira, que é como nos chamam depois deixaram de ser galho ou tronco de árvore para ser madeira, que é como nos chamam depois do serrote [= ferramenta para serrar] ou machado, estão espalhados pelo mundo de Deus. do serrote [= ferramenta para serrar] ou machado, estão espalhados pelo mundo de Deus. Muitos, hoje,

Muitos, hoje, são caixas são caixas e caixotes. e caixotes. Graças Graças a isso, a isso, têm acabado têm acabado conhecendo até conhecendo até paísespaíses estrangeiros,

estrangeiros, levando laralevando laranjas njas ou lataou latas de s de conserva. conserva. Outros acabaram Outros acabaram mesas, mesas, cadeiras,cadeiras, armários,

armários, móveis de móveis de toda sorte. toda sorte. Tenho priTenho primosmos Pág 12

Pág 12

que são portas, janelas e se contentam olhando o movimento da rua. Alguns, tão orgulhosos [= que são portas, janelas e se contentam olhando o movimento da rua. Alguns, tão orgulhosos [= vaidosos] no tempo das folhas, quando o vento passava e assobiava no árvoredo, são hoje, vaidosos] no tempo das folhas, quando o vento passava e assobiava no árvoredo, são hoje, apenas, soalho. Fraco destino, para quem vivia na altura e sonhava, na pior das hipóteses, ser, apenas, soalho. Fraco destino, para quem vivia na altura e sonhava, na pior das hipóteses, ser,

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pelo menos, teto ou armação de telhado, coisa que, para ser vista, obriga o bicho homem a pelo menos, teto ou armação de telhado, coisa que, para ser vista, obriga o bicho homem a levantar a cabeça. Ser pisado e repisado o dia inteiro, tábua humilde de assoalho, por pés levantar a cabeça. Ser pisado e repisado o dia inteiro, tábua humilde de assoalho, por pés desconhecidos, de sapato sujo, é triste para

desconhecidos, de sapato sujo, é triste para quem já foi árvore e quem já foi árvore e enfrentou raios e ventanias.enfrentou raios e ventanias. Tenho visto e ouvido muita queixa pela vida a fora. Mas o triste, mesmo, a suprema Tenho visto e ouvido muita queixa pela vida a fora. Mas o triste, mesmo, a suprema humilhação para quem foi árvore, é

humilhação para quem foi árvore, é acabar caixão de defunto.acabar caixão de defunto.

Esse era o grande terror de meus irmãos de madeira, quando aguardávamos, cheios de Esse era o grande terror de meus irmãos de madeira, quando aguardávamos, cheios de inquietação [= medo], no depósito, o nosso aproveitamento industrial [= levar material para inquietação [= medo], no depósito, o nosso aproveitamento industrial [= levar material para uma fábrica a fim de transformá-lo em um artigo de utilidade e vendê-lo ao público] como uma fábrica a fim de transformá-lo em um artigo de utilidade e vendê-lo ao público] como costumava dizer, em nossas conversas noturnas, o pesado portão de peroba, já industrializado costumava dizer, em nossas conversas noturnas, o pesado portão de peroba, já industrializado e veterano.

e veterano.

Lembro-me muitas vezes do portão a nos gozar: Lembro-me muitas vezes do portão a nos gozar:

 Vocês falam muito, mas vão acabar, embaixo da terra, agüentando cadáver...  Vocês falam muito, mas vão acabar, embaixo da terra, agüentando cadáver...

Eu, que ainda era tronco, madeira sem muita categoria [= valor], pelo que notava na Eu, que ainda era tronco, madeira sem muita categoria [= valor], pelo que notava na conversa dos homens, ficava gelado. Se pudesse, pelo menos, ser poste de iluminação, seria conversa dos homens, ficava gelado. Se pudesse, pelo menos, ser poste de iluminação, seria um consolo. Mas poste de madeira, com o tal progresso [= desenvolvimento] dos homens, vem um consolo. Mas poste de madeira, com o tal progresso [= desenvolvimento] dos homens, vem perdendo o cartaz há muito tempo...

perdendo o cartaz há muito tempo... Pág 13

Pág 13 Capítulo 2 Capítulo 2

Destino de quem foi árvore ou galho é dureza... Destino de quem foi árvore ou galho é dureza...

Os homens que nos utilizam e nos utilizaram, desde o começo dos tempos, cortando, Os homens que nos utilizam e nos utilizaram, desde o começo dos tempos, cortando, serrando, aplainando [= tornando liso], enfiando pregos, são de uma insensibilidade [= falta de serrando, aplainando [= tornando liso], enfiando pregos, são de uma insensibilidade [= falta de sentimentos] impressionante. Pensam que madeira não tem alma. Classificam-nos entre as sentimentos] impressionante. Pensam que madeira não tem alma. Classificam-nos entre as coisas ―inanimadas‖ 

coisas ―inanimadas‖ [= sem sentidos]. Os seres animados são eles. Eles e os bichos. E quando[= sem sentidos]. Os seres animados são eles. Eles e os bichos. E quando falo bichos, digo desde o leão, que é nobre e valente, o tigre, que é ligeiro e feroz, a águia, que falo bichos, digo desde o leão, que é nobre e valente, o tigre, que é ligeiro e feroz, a águia, que domina os céus, até à cobra traiçoeira, covarde e venenosa, que se arrasta no chão, e mesmo a domina os céus, até à cobra traiçoeira, covarde e venenosa, que se arrasta no chão, e mesmo a miseriazinhas insignificantes como a pulga, sugadora de sangue humano em casa onde não há miseriazinhas insignificantes como a pulga, sugadora de sangue humano em casa onde não há limpeza e DDT, e ao cupim, que destrói a madeira, principalmente a de natureza

limpeza e DDT, e ao cupim, que destrói a madeira, principalmente a de natureza Pág 13

Pág 13

mais frágil, como é o meu caso, que não sou carvalho [= espécie de madeira] nem jacarandá mais frágil, como é o meu caso, que não sou carvalho [= espécie de madeira] nem jacarandá [= espécie de madeira], sou apenas pinho

[= espécie de madeira], sou apenas pinho [= espécie de madeira].[= espécie de madeira].

Para o nosso grande inimigo (o homem, não o cupim), nós não

Para o nosso grande inimigo (o homem, não o cupim), nós não passamos de ―coisa‖.passamos de ―coisa‖. Que pode ser aproveitada de mil modos, sempre para satisfazer exclusivamente ao seu Que pode ser aproveitada de mil modos, sempre para satisfazer exclusivamente ao seu egoísmo e aos seus interesses imediatos, com uma indiferença total pelo que possamos sentir. egoísmo e aos seus interesses imediatos, com uma indiferença total pelo que possamos sentir.

Nunca passou pela cabeça desses monstros o que pode passar pela cabeça de uma Nunca passou pela cabeça desses monstros o que pode passar pela cabeça de uma árvore, ou pelo coração, quando um homem se aproxima de machado em punho.

árvore, ou pelo coração, quando um homem se aproxima de machado em punho.

E ninguém pode ter idéia do que é, para qualquer de nós, depois de corta aqui e corta ali E ninguém pode ter idéia do que é, para qualquer de nós, depois de corta aqui e corta ali e desce o machado ou passa a plaina, a visão de um simples prego. Como não temos o dom de e desce o machado ou passa a plaina, a visão de um simples prego. Como não temos o dom de ficar arrepiados, o sofrimento é puramente espiritual. O prego é trazido por mão impiedosa [= ficar arrepiados, o sofrimento é puramente espiritual. O prego é trazido por mão impiedosa [= cruel], é posto contra nós, em posição vertical, o martelo se ergue, desce a pancada fatal. Pan! cruel], é posto contra nós, em posição vertical, o martelo se ergue, desce a pancada fatal. Pan! Pan! O prego entrando... A madeira rasgada... E a ironia de saber que o cabo do martelo ou do Pan! O prego entrando... A madeira rasgada... E a ironia de saber que o cabo do martelo ou do machado é de madeira também...

machado é de madeira também...  Vingança

 Vingança da da gente gente é é quando quando o o sujeito sujeito erra erra o o golpe golpe e e acerta, acerta, não não no no prego, prego, mas mas nono dedo... É cada palavrão que a

dedo... É cada palavrão que a gente escuta...gente escuta...

Pior, porém, do que machado, serrote e prego, destino trágico e sem conserto, é a Pior, porém, do que machado, serrote e prego, destino trágico e sem conserto, é a madeira que o bicho homem utiliza apenas como lenha.

madeira que o bicho homem utiliza apenas como lenha. Destino de lenha [= madeira para ser

Destino de lenha [= madeira para ser queimada] é fogo!queimada] é fogo! Pág 15

Pág 15 Capítulo 3 Capítulo 3

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Esquecido esse negócio de prego e maus-tratos que sofremos ao longo da vida, claro Esquecido esse negócio de prego e maus-tratos que sofremos ao longo da vida, claro que há muita coisa bonita no destino da gente.

que há muita coisa bonita no destino da gente. Ser barco, deslizando [= escorregando] à

Ser barco, deslizando [= escorregando] à flor das águas...flor das águas... Ser mastro de navio...

Ser mastro de navio...

Ser pau de bandeira, o pessoal batendo

Ser pau de bandeira, o pessoal batendo continência...continência...

Ser portal de palácio, ser porta de igreja, ser altar bem trabalhado (a preparação é dura, Ser portal de palácio, ser porta de igreja, ser altar bem trabalhado (a preparação é dura, mas o resultado compensa), ser móvel de luxo, ser berço de criança, acabar escultura, são mas o resultado compensa), ser móvel de luxo, ser berço de criança, acabar escultura, são coisas que nos consolam [= aliviam] de qualquer sofrimento: serrote, sena mecânica, entalhe coisas que nos consolam [= aliviam] de qualquer sofrimento: serrote, sena mecânica, entalhe de pancadas cruéis...

de pancadas cruéis...

Eu tive um colega (colega em madeira, não na profissão) que viajou muito. Esteve em Eu tive um colega (colega em madeira, não na profissão) que viajou muito. Esteve em Congonhas do Campo. Conheceu um santo, não de pedra sabão nem de mármore,

Congonhas do Campo. Conheceu um santo, não de pedra sabão nem de mármore, Pág 16

Pág 16

de madeira. Vocês precisavam ver o orgulho com que ele dizia: de madeira. Vocês precisavam ver o orgulho com que ele dizia:

 —

 — Eu fui esculpido [esEu fui esculpido [esculpir = culpir = trabalhar em pedra, trabalhar em pedra, madeira ou mármore dando-lhe umamadeira ou mármore dando-lhe uma forma especial] pelo Aleijadinho [= Antônio Francisco Lisboa, notável escultor brasileiro] ... Vem forma especial] pelo Aleijadinho [= Antônio Francisco Lisboa, notável escultor brasileiro] ... Vem gente me conhecer de todos os cantos da terra...

gente me conhecer de todos os cantos da terra...

Claro que essa conversa só nós entendemos. Nossos temores e alegrias escapam aos Claro que essa conversa só nós entendemos. Nossos temores e alegrias escapam aos homens, insensíveis, por natureza, ás nossas mais íntimas reações. Que são como as dos homens, insensíveis, por natureza, ás nossas mais íntimas reações. Que são como as dos homens, as mais diversas. Como entre os homens, há madeira para tudo. Há madeira cujo homens, as mais diversas. Como entre os homens, há madeira para tudo. Há madeira cujo sonho é ser cadeira, por exemplo. A mim, a coisa sempre repugnou-me [repugnou = sonho é ser cadeira, por exemplo. A mim, a coisa sempre repugnou-me [repugnou = desagradou muito]. Não gostada de ver gente sentada com aquela parte em cima de mim.. E a desagradou muito]. Não gostada de ver gente sentada com aquela parte em cima de mim.. E a verdade é que há madeira que gosta de ser pisada, se alegra em ser chão... Há pau para toda verdade é que há madeira que gosta de ser pisada, se alegra em ser chão... Há pau para toda obra. Há gosto para tudo. Mas há madeira que preferia até ser lenha a ser cano de espingarda, obra. Há gosto para tudo. Mas há madeira que preferia até ser lenha a ser cano de espingarda, por exemplo. Em compensação há pau que gosta de abrir cabeça de homem, manobrado por por exemplo. Em compensação há pau que gosta de abrir cabeça de homem, manobrado por outros homens, nessa horrível rivalidade que separa os seres

outros homens, nessa horrível rivalidade que separa os seres humanos.humanos.

Uma coisa eu digo: tenho visto de tudo. Tenho visto homem brigando com homem, Uma coisa eu digo: tenho visto de tudo. Tenho visto homem brigando com homem, oprimindo [oprimido = pressionado] o homem, perseguindo o homem. Mas nunca vi madeira oprimindo [oprimido = pressionado] o homem, perseguindo o homem. Mas nunca vi madeira brigando com madeira, pau batendo em pau, a não ser quando manejado [= seguro com as brigando com madeira, pau batendo em pau, a não ser quando manejado [= seguro com as mãos] por homens. Que estes,

mãos] por homens. Que estes, sim, raramente são flor que se cheire...sim, raramente são flor que se cheire... Pág 17

Pág 17 Capítulo 4 Capítulo 4

Não vou contar tudo o que vi e sofri no depósito, Nem na marcenaria [= onde se Não vou contar tudo o que vi e sofri no depósito, Nem na marcenaria [= onde se trabalha a madeira] para a qual fui transferido, depois que dois ou três sujeitos bigodudos trabalha a madeira] para a qual fui transferido, depois que dois ou três sujeitos bigodudos estiveram discutindo preço e condições ao nosso lado. Fomos vendidos

estiveram discutindo preço e condições ao nosso lado. Fomos vendidos — — às toneladasàs toneladas — — comocomo escravos, um carregamento gigantesco de pinho. Nosso aproveitamento industrial estava escravos, um carregamento gigantesco de pinho. Nosso aproveitamento industrial estava traçado e ainda não sabíamos o que seria de nós.

traçado e ainda não sabíamos o que seria de nós.  —

 — Eu quero ser caixoteEu quero ser caixote — — dizia um colega meu, um tronco robusto [= forte] que ia serdizia um colega meu, um tronco robusto [= forte] que ia ser tábua, mas não sabia de quê.

tábua, mas não sabia de quê. — — Como caixote a gente tem chance [= oportunidade] de correrComo caixote a gente tem chance [= oportunidade] de correr o mundo.

o mundo.  —

 — Eu queria ser transformado em piano... Virar música...Eu queria ser transformado em piano... Virar música...  —

 — Piano de pinho?Piano de pinho?  — — perguntava com ironia um tronco de jacarandá.perguntava com ironia um tronco de jacarandá.  — — E ainda maisE ainda mais pinho nacional? Vai esperando...

pinho nacional? Vai esperando... Pág 18

Pág 18

Descobri logo que os da nossa espécie tinham cotação [= valor] muito baixa no Descobri logo que os da nossa espécie tinham cotação [= valor] muito baixa no mercado. Móvel barato. Casa humilde. Utilização inferior. Eu me encolhi mentalmente [= em mercado. Móvel barato. Casa humilde. Utilização inferior. Eu me encolhi mentalmente [= em pensamento].

pensamento].  —

(6)

Hoje eu não quero nem lembrar o que foram aqueles dias de espera. Nem vou contar o Hoje eu não quero nem lembrar o que foram aqueles dias de espera. Nem vou contar o que passei quando vi aqueles tornos mecânicos, as serras elétricas, todo aquele instrumental que passei quando vi aqueles tornos mecânicos, as serras elétricas, todo aquele instrumental que nos iria estraçalhar. E quanto sofri quando um cara, que examinava lote por lote e tronco que nos iria estraçalhar. E quanto sofri quando um cara, que examinava lote por lote e tronco por tronco, separou o meu e disse,.. Não. Não conto mesmo. É melhor passar por cima. Meu por tronco, separou o meu e disse,.. Não. Não conto mesmo. É melhor passar por cima. Meu velho tronco foi transformado em tronquinhos, em varinhas finas e redondas, que eu não podia velho tronco foi transformado em tronquinhos, em varinhas finas e redondas, que eu não podia atinar [= fazer idéia] para o que podiam servir. Sei que fui vendido, num grande lote de atinar [= fazer idéia] para o que podiam servir. Sei que fui vendido, num grande lote de tronquinhos iguais, a um fabricante qualquer. Num caminhão nos

tronquinhos iguais, a um fabricante qualquer. Num caminhão nos meteram.meteram.  —

 — Vamos ver um pouco do mundoVamos ver um pouco do mundo — — disse um companheiro ao ser transportado para odisse um companheiro ao ser transportado para o gigante de rodas.

gigante de rodas.

Não vimos. O caminhão era fechado. O caminhão saiu, rodou, parou, rodou de novo, Não vimos. O caminhão era fechado. O caminhão saiu, rodou, parou, rodou de novo, rodou e parou um infinito [= grande quantidade] de vezes. Ao fim de muito rodar, parada rodou e parou um infinito [= grande quantidade] de vezes. Ao fim de muito rodar, parada definitiva. Abriu-se a porta. Veio um operário e nos carregou para a fábrica. Éramos jogados no definitiva. Abriu-se a porta. Veio um operário e nos carregou para a fábrica. Éramos jogados no chão com a maior crueldade [=maldade]. Daí a pouco, torno outra vez. Fizeram-me, numa das chão com a maior crueldade [=maldade]. Daí a pouco, torno outra vez. Fizeram-me, numa das pontas, uma espécie de pescoço. Veio alguém de lixa na mão e nos deu um vago [= leve] pontas, uma espécie de pescoço. Veio alguém de lixa na mão e nos deu um vago [= leve] polimento. E quando dei por mim, tinha na outra ponta uma barba espetadiça, presa a mim por polimento. E quando dei por mim, tinha na outra ponta uma barba espetadiça, presa a mim por um troço de latão

um troço de latão  — — e tome prego!e tome prego!  — — que eu custei a saber o que significava. Fiquei muitoque eu custei a saber o que significava. Fiquei muito tempo sem entender. Fui amarrado, viajei de novo, acabei num armazém.

tempo sem entender. Fui amarrado, viajei de novo, acabei num armazém. Pág 19

Pág 19  —

 — O senhor tem vassoura?O senhor tem vassoura? — — perguntou uma freguesa entrando no armazém...perguntou uma freguesa entrando no armazém...

O vendedor apontou para o nosso lado. A mulher veio, examinou uma, examinou outra. O vendedor apontou para o nosso lado. A mulher veio, examinou uma, examinou outra.  —

 — Eu levo esta.Eu levo esta.

Eu desconfiava eu intimamente sabia, mas não queria acreditar. Agora não tinha mais Eu desconfiava eu intimamente sabia, mas não queria acreditar. Agora não tinha mais dúvidas... Não passava de cabo de vassoura, um

dúvidas... Não passava de cabo de vassoura, um mísero [= sem mísero [= sem valor] cabo de vassoura..valor] cabo de vassoura.. Pág 20

Pág 20 Capítulo 20 Capítulo 20

Só quem foi cabo de vassoura pode avaliar [= ter idéia] o que eu passei. A mulher me Só quem foi cabo de vassoura pode avaliar [= ter idéia] o que eu passei. A mulher me pegou muito sem jeito, várias compras numa sacola meio rasgada, e saiu para a rua. Eu queria pegou muito sem jeito, várias compras numa sacola meio rasgada, e saiu para a rua. Eu queria apreciar o movimento, mas ia de cabeça pra baixo. O bigode de piaçava estava lá no alto (eu apreciar o movimento, mas ia de cabeça pra baixo. O bigode de piaçava estava lá no alto (eu teria de agüentar aquele cara multo tempo agarrado a mim) e gozava a minha humilhação. Ele teria de agüentar aquele cara multo tempo agarrado a mim) e gozava a minha humilhação. Ele via e contava.

via e contava.  —

 — Pena você, aí embaixo, não poder apreciar... Vem ali uma morena daquelas, de pararPena você, aí embaixo, não poder apreciar... Vem ali uma morena daquelas, de parar o trânsito... Dá pra ver?

o trânsito... Dá pra ver? Não respondi. Não respondi.  —

 — Olha só que casa bonita... Alta pra chuchu... Estamos numa rua iOlha só que casa bonita... Alta pra chuchu... Estamos numa rua importante...mportante...

Eu só via o chão e em posição muito incômoda [= desagradável]. Papéis rasgados, muito Eu só via o chão e em posição muito incômoda [= desagradável]. Papéis rasgados, muito pé de gente, indo e vindo, sujeiras de toda qualidade:

pé de gente, indo e vindo, sujeiras de toda qualidade: Pág 21

Pág 21

casquinhas de sorvete, caixinhas de chiclete, latas enferrujadas, pedaços de vidro, cascas de casquinhas de sorvete, caixinhas de chiclete, latas enferrujadas, pedaços de vidro, cascas de frutas. Alguém, um pouco adiante, escorregou numa casca de banana e foi ao chão. Eu vi de frutas. Alguém, um pouco adiante, escorregou numa casca de banana e foi ao chão. Eu vi de perto o dono do escorregão, todo machucado.

perto o dono do escorregão, todo machucado.  Viu

 Viu a a cara cara dele?dele?  — — perguntou rindo a barba de piaçava [= fibra usada para fazerperguntou rindo a barba de piaçava [= fibra usada para fazer vassoura] na outra ponta.

vassoura] na outra ponta.  Vi. E daí?

 Vi. E daí?  —

 — O que é que ele disse?O que é que ele disse?

Em primeiro lugar, eu não repito essas coisas. Em segundo lugar, eu estava com pena, o Em primeiro lugar, eu não repito essas coisas. Em segundo lugar, eu estava com pena, o infeliz se machucou muito. E a nossa dona traduziu o que eu pensava:

infeliz se machucou muito. E a nossa dona traduziu o que eu pensava:  —

 — É incrível [= espantoso] como há pessoas inconscientes [= sem juízo] neste mundoÉ incrível [= espantoso] como há pessoas inconscientes [= sem juízo] neste mundo (naturalmente se referia ao mundo dos homens...) Então isto é coisa que se faça? Deixar casca (naturalmente se referia ao mundo dos homens...) Então isto é coisa que se faça? Deixar casca de banana na calçada?

(7)

Mas o homem já estava de pé e o resto, ou o rosto, eu não podia ver. Sei que ele saiu Mas o homem já estava de pé e o resto, ou o rosto, eu não podia ver. Sei que ele saiu resmungando e a parte propriamente vassoura do meu novo estado ria com uma inconsciência resmungando e a parte propriamente vassoura do meu novo estado ria com uma inconsciência e uma crueldade que tinha qualquer coisa d

e uma crueldade que tinha qualquer coisa de desumano. Ou melhor: humaníssima...e desumano. Ou melhor: humaníssima... Divertida ela estava lá em cima.

Divertida ela estava lá em cima.  —

 — Olha que vitrina mais linda!Olha que vitrina mais linda!

Não dava pra ver. Mas fiquei sabendo que a vassoura estava de bom humor e contava Não dava pra ver. Mas fiquei sabendo que a vassoura estava de bom humor e contava tudo, só para me machucar.

tudo, só para me machucar.  —

 — É pena você ser a parte de baixo, meu querido. O mundo é uma beleza! O bichoÉ pena você ser a parte de baixo, meu querido. O mundo é uma beleza! O bicho homem sabe fazer coisas! O

homem sabe fazer coisas! O homem é maravilhoso. As mulheres, ainda mais...homem é maravilhoso. As mulheres, ainda mais...

Ela estava divagando [= desconversando]. Eu queria era saber o que estava na vitrina. Ela estava divagando [= desconversando]. Eu queria era saber o que estava na vitrina. Mas não ia dar a confiança de perguntar. Felizmente ela estava na base do massacre e falou Mas não ia dar a confiança de perguntar. Felizmente ela estava na base do massacre e falou tudo.

tudo.  —

 — Que vitrina estupenda [= maravilhosa]! Só brinquedos de luxo!Que vitrina estupenda [= maravilhosa]! Só brinquedos de luxo! Pág 22

Pág 22

Coisas finas! Coisas fabulosas! Bonecas! Aviões! Automóveis! Cavalos! (Era a primeira vez que Coisas finas! Coisas fabulosas! Bonecas! Aviões! Automóveis! Cavalos! (Era a primeira vez que eu ouvia a palavra.) Foguetes

eu ouvia a palavra.) Foguetes astronáuticos!astronáuticos!

Eu ouvia tudo aquilo sem entender muito (ainda não estava habituado [= acostumado] Eu ouvia tudo aquilo sem entender muito (ainda não estava habituado [= acostumado] com o mundo dos homens) e, no fundo, embora humilhado, admirava a capacidade rápida de com o mundo dos homens) e, no fundo, embora humilhado, admirava a capacidade rápida de conhecer as coisas humanas que a minha parte propriamente vassoura vinha demonstrando. conhecer as coisas humanas que a minha parte propriamente vassoura vinha demonstrando. Não contive a minha admiração:

Não contive a minha admiração:  —

 — Como é que você sabe tudo isso?Como é que você sabe tudo isso?  Aí é que ela me humilhou de uma vez:  Aí é que ela me humilhou de uma vez:  —

 — Crânio [=inteligência], meu filho, crânio! Eu sou a parte de Crânio [=inteligência], meu filho, crânio! Eu sou a parte de cima. Eu sou a cabeça!cima. Eu sou a cabeça! E gargalhava com o maior desprezo.

E gargalhava com o maior desprezo. Pág 23

Pág 23 Capítulo 6 Capítulo 6

Felizmente a minha humilhação não durou muito. Eu, aliás, tinha a intuição [= saber que Felizmente a minha humilhação não durou muito. Eu, aliás, tinha a intuição [= saber que algo vai acontecer] de que assim ia ser. Nossa dona entrou numa casa enorme. (Eu, algo vai acontecer] de que assim ia ser. Nossa dona entrou numa casa enorme. (Eu, naturalmente, ao contar estas coisas e ao dizer-lhes o nome, não quero dar a entender que já naturalmente, ao contar estas coisas e ao dizer-lhes o nome, não quero dar a entender que já as conhecia, fui aprendendo com o tempo...) Subiu dois degraus de mármore (o nome eu as conhecia, fui aprendendo com o tempo...) Subiu dois degraus de mármore (o nome eu soube depois) e parou diante de uma espécie de gabinete, de onde descia um barulho soube depois) e parou diante de uma espécie de gabinete, de onde descia um barulho crescente e saía um ventinho que

crescente e saía um ventinho que me consolava do calor da rua. Era me consolava do calor da rua. Era um elevador que baixava.um elevador que baixava.  —

 — Eta vassourinha ordinária [= ruim]!Eta vassourinha ordinária [= ruim]!

Não gostei da frase. Vinha da porta do elevador. Não foi ouvida pela nossa dona (os Não gostei da frase. Vinha da porta do elevador. Não foi ouvida pela nossa dona (os humanos são incapazes de penetrar a alma da madeira). Ela estava é se queixando do calor da humanos são incapazes de penetrar a alma da madeira). Ela estava é se queixando do calor da rua e do preço das coisas.

rua e do preço das coisas.  —

 — Está tudo pela hora da morte! Caríssimo!Está tudo pela hora da morte! Caríssimo!

Pág 24 Pág 24

Caríssimo! O dinheiro não compra mais nada! Caríssimo! O dinheiro não compra mais nada!

Havia uma outra dona no elev

Havia uma outra dona no elevador. A nossa continuava a falar.ador. A nossa continuava a falar.  —

 — Feijão é um absurdo [=sem cabimento]! Sabão é o preço do presunto, antigamente! EFeijão é um absurdo [=sem cabimento]! Sabão é o preço do presunto, antigamente! E você sabe quanto eu paguei por esta droga de vassoura [= vassoura sem valor] que você está você sabe quanto eu paguei por esta droga de vassoura [= vassoura sem valor] que você está vendo?

vendo?

Meu complemento vassoura estremeceu, no mais íntimo dos seus espetinhos de piaçava, Meu complemento vassoura estremeceu, no mais íntimo dos seus espetinhos de piaçava, quando a outra dona o olhou, com o maior pouco caso:

quando a outra dona o olhou, com o maior pouco caso:  —

(8)

Fiquei à espera de uma reação. Não veio. Minha parte vassoura, que era o objeto de Fiquei à espera de uma reação. Não veio. Minha parte vassoura, que era o objeto de tamanho desprezo, fingiu não ouvir.

tamanho desprezo, fingiu não ouvir.  A mulher continuava.

 A mulher continuava.  —

 — Você passa essa porcaria no chão, em vez Você passa essa porcaria no chão, em vez de limpar, suja mais...de limpar, suja mais... Eu estava começando a entender. A gord

Eu estava começando a entender. A gorducha insistia:ucha insistia:

Esfiapa-se toda... A gente tem que varrer a própria vassoura que se desfaz [= Esfiapa-se toda... A gente tem que varrer a própria vassoura que se desfaz [= desmancha]... Uma vergonha! Uma vergonha...

desmancha]... Uma vergonha! Uma vergonha...  —

 — O que é que a nossa amizade está dizendo?O que é que a nossa amizade está dizendo?  — — perguntei com malícia [= intençãoperguntei com malícia [= intenção maldosa] ...

maldosa] ... — — Aqui embaixo eu não ouço nada direito...Aqui embaixo eu não ouço nada direito... Mas a barba pretensiosa [= convencida], lá e

Mas a barba pretensiosa [= convencida], lá em cima, não quis responder.m cima, não quis responder. Tinha perdido completamente o rebolado [= jeito]...

Tinha perdido completamente o rebolado [= jeito]... Pág 25

Pág 25 Capítulo 7 Capítulo 7

Mas o bom

Mas o bom  — — ou o pior...ou o pior...  — — viria depois. A dona saia do elevador, tocava umaviria depois. A dona saia do elevador, tocava uma campainha, uma porta (essa era preguiçosa e resignada

campainha, uma porta (essa era preguiçosa e resignada [= corformada]) se abriu.[= corformada]) se abriu.

Entregou-nos à cozinheira, depois de colocar sobre uma mesa de fórmica (tenho um nojo Entregou-nos à cozinheira, depois de colocar sobre uma mesa de fórmica (tenho um nojo de plásticos...) a sacola de compras.

de plásticos...) a sacola de compras.

Eu acabava de travar [= fazer] relações com meu primeiro inimigo: a cozinheira. Só me Eu acabava de travar [= fazer] relações com meu primeiro inimigo: a cozinheira. Só me reconciliei com ela, tempos depois, quando a vi queixar-se à copeira das durezas de sua vida, reconciliei com ela, tempos depois, quando a vi queixar-se à copeira das durezas de sua vida, um filhinho doente, o marido desempregado. Ser gente nem sempre é um céu aberto. Só não um filhinho doente, o marido desempregado. Ser gente nem sempre é um céu aberto. Só não precisarmos comer, vestir, fingir importância, como acontece com os humanos, já é uma precisarmos comer, vestir, fingir importância, como acontece com os humanos, já é uma grande coisa. Muita madeira que se queixa da vida, se pensasse no que acontece com os grande coisa. Muita madeira que se queixa da vida, se pensasse no que acontece com os nossos exploradores, grandes e pequenos, ou que se enche de inveja quando os vê nossos exploradores, grandes e pequenos, ou que se enche de inveja quando os vê refestelados [= bem acomodados] numa poltrona a tomar uísque ou bater papo, ficaria

refestelados [= bem acomodados] numa poltrona a tomar uísque ou bater papo, ficaria Pág 26

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muito feliz dentro da sua passiva [= quieta] condição [= situação] de utilidade doméstica, muito feliz dentro da sua passiva [= quieta] condição [= situação] de utilidade doméstica, tantas vezes humilhante. Fome, pelo menos, não conhecemos. Nem dor de barriga, que é uma tantas vezes humilhante. Fome, pelo menos, não conhecemos. Nem dor de barriga, que é uma das coisas mais feias que eu tenho visto nos humanos. Mas é preciso voltar à minha cozinheira. das coisas mais feias que eu tenho visto nos humanos. Mas é preciso voltar à minha cozinheira. Ela me pegou pelo meio, olhou-me de cabo a rabo, ou melhor, de cabo à vassoura, e Ela me pegou pelo meio, olhou-me de cabo a rabo, ou melhor, de cabo à vassoura, e perguntou:

perguntou:  —

 — Não encontrou coisa melhor, Dona Sara?Não encontrou coisa melhor, Dona Sara?  A

 A dona dona tinha, tinha, mesmo, mesmo, jeito jeito de de Sara. Pra Sara. Pra rimar rimar com com taquara. taquara. Taquara Taquara rachada. rachada. Era Era umauma voz desafinada [= de som ruim] e desagradável. E foi com essa voz que ela falou:

voz desafinada [= de som ruim] e desagradável. E foi com essa voz que ela falou:  —

 — Eram todas iguais. Tudo muito Eram todas iguais. Tudo muito ordinário...ordinário...

Tratava-se do meu inimigo n.º 2. Mas o meu inimigo n.º 1, a cozinheira, que eu acabei Tratava-se do meu inimigo n.º 2. Mas o meu inimigo n.º 1, a cozinheira, que eu acabei perdoando mais tarde, como disse, porque muito infeliz, atirou-me a um canto, junto à pia: perdoando mais tarde, como disse, porque muito infeliz, atirou-me a um canto, junto à pia:

 —

 — Nunca vi coisa mais nojenta!Nunca vi coisa mais nojenta!  Ao lado havia uma lata d

 Ao lado havia uma lata de lixo, repleta de cascas de be lixo, repleta de cascas de batatas, sementes de tomate, restosatatas, sementes de tomate, restos de comida, óleo a escorrer de uma lata de sardinha, com a língua pra cima, com ar de fome ou de comida, óleo a escorrer de uma lata de sardinha, com a língua pra cima, com ar de fome ou de sede, um saco vazio de açúcar, borra de café, barbante, poeira, papel amarrotado, jornal de sede, um saco vazio de açúcar, borra de café, barbante, poeira, papel amarrotado, jornal amassado, um par de sapatos velhos, de boca aberta e buraco na sola.

amassado, um par de sapatos velhos, de boca aberta e buraco na sola. Dizer que eu

Dizer que eu — — ou que nós...ou que nós... — — éramos mais nojentos que aquilo, era muita vontade deéramos mais nojentos que aquilo, era muita vontade de ofender [= magoar].

ofender [= magoar].

Se era isso o que ela pretendia, conseguiu em cheio. Sorte dela foi que a patroa não Se era isso o que ela pretendia, conseguiu em cheio. Sorte dela foi que a patroa não entendeu o que eu pedia, do fundo das minhas entranhas [= interior] de cabo de vassoura: entendeu o que eu pedia, do fundo das minhas entranhas [= interior] de cabo de vassoura:

 —

 — Me acerta nela, patroa! No meio dMe acerta nela, patroa! No meio da testa... Me bota pra quebrar...a testa... Me bota pra quebrar... Pág 27

Pág 27 Capítulo 8 Capítulo 8

(9)

Quando o destino é de cabeça baixa, o melhor é pensar noutra coisa. Ninguém me tinha Quando o destino é de cabeça baixa, o melhor é pensar noutra coisa. Ninguém me tinha dito nada. Eu sabia que era vassoura. Ou cabo da... Mastro de navio, não era. Pau de bandeira dito nada. Eu sabia que era vassoura. Ou cabo da... Mastro de navio, não era. Pau de bandeira também não. Nem era bandeira... Não era espada. Não era automóvel Não era avião. Não também não. Nem era bandeira... Não era espada. Não era automóvel Não era avião. Não morava em Niterói. Não tinha sido talhado [= cortado, trabalhado para tomar uma forma morava em Niterói. Não tinha sido talhado [= cortado, trabalhado para tomar uma forma especial] pelo Aleijadinho ou por qualquer artista importante, para vir gente do mundo inteiro especial] pelo Aleijadinho ou por qualquer artista importante, para vir gente do mundo inteiro me conhecer. Não era colar em pescoço de madame. Não era aparelho de televisão. Não era me conhecer. Não era colar em pescoço de madame. Não era aparelho de televisão. Não era taça de champanha Não era jóia. Era aquela coisa comprida e magrela. Apenas. Tinha aquela taça de champanha Não era jóia. Era aquela coisa comprida e magrela. Apenas. Tinha aquela barba pobre lá embaixo... Ah! Sim! Agora a barba de piaçava estava lá embaixo e eu nem barba pobre lá embaixo... Ah! Sim! Agora a barba de piaçava estava lá embaixo e eu nem notara! Eu, de cabo, na quina [= canto] da parede, ela de focinho no chão, nós dois notara! Eu, de cabo, na quina [= canto] da parede, ela de focinho no chão, nós dois emendados para o resto da vida, a um canto da

emendados para o resto da vida, a um canto da Pág 28

Pág 28

cozinha, cheirando a alho e cebola, só podia ser aquilo... O chão de azulejo barato estava cheio cozinha, cheirando a alho e cebola, só podia ser aquilo... O chão de azulejo barato estava cheio de restos de tudo. Havia até água e café derramado. Fechei os olhos da alma e procurei mudar de restos de tudo. Havia até água e café derramado. Fechei os olhos da alma e procurei mudar meu pensamento. Voei para a floresta onde crescera livre e me fizera árvore. Recordei com meu pensamento. Voei para a floresta onde crescera livre e me fizera árvore. Recordei com saudade as carícias [= carinhos] do vento. Lembrei os banhos de chuva, que eram freqüentes saudade as carícias [= carinhos] do vento. Lembrei os banhos de chuva, que eram freqüentes no verão. Tinha a impressão de estar vendo todas as árvores agitando [= balançando] os no verão. Tinha a impressão de estar vendo todas as árvores agitando [= balançando] os galhos a pedir o socorro do céu, quando trovejava e os relâmpagos estalavam e se ouvia de galhos a pedir o socorro do céu, quando trovejava e os relâmpagos estalavam e se ouvia de longe uma colega atingida por um raio infeliz. Até isso eu lembrava com saudade. Até essa longe uma colega atingida por um raio infeliz. Até isso eu lembrava com saudade. Até essa agonia...

agonia...

Depois pensava em passarinho cantando e colegas floridas, uma quaresmeira [= nome Depois pensava em passarinho cantando e colegas floridas, uma quaresmeira [= nome de uma árvore] muito nossa amiga, um velho mulungu do norte, que era todo flor no meio do de uma árvore] muito nossa amiga, um velho mulungu do norte, que era todo flor no meio do ano, um operoso [= trabalhador] joão-de-barro que fez casa quase ao meu lado, num galho ano, um operoso [= trabalhador] joão-de-barro que fez casa quase ao meu lado, num galho robusto.

robusto.  As

 As palavras palavras da da cozinheira, cozinheira, que que provocava provocava a a copeira, copeira, não não me me devolveram devolveram à à terrívelterrível realidade. Voltei para a floresta. Revi aquele cara do machado, que nos derrubou. Pensei no realidade. Voltei para a floresta. Revi aquele cara do machado, que nos derrubou. Pensei no velho portão de peroba, do depósito onde morei muito tempo. Voltei ao velho mulungu meu velho portão de peroba, do depósito onde morei muito tempo. Voltei ao velho mulungu meu vizinho, tão orgulhoso de parecer toda uma flor gigantesca [= muito grande], visível [= que se vizinho, tão orgulhoso de parecer toda uma flor gigantesca [= muito grande], visível [= que se vê bem] e admirada a grande distância pelos que passavam na estrada.

vê bem] e admirada a grande distância pelos que passavam na estrada. Nisso, a patroa entrou de novo

Nisso, a patroa entrou de novo na cozinha.na cozinha.  —

 — Por favor, Maria! Isso também é Por favor, Maria! Isso também é demais, muita sujeira!demais, muita sujeira!

E cortando uma explicação qualquer que a mulher queria dar, com as muitas ocupações E cortando uma explicação qualquer que a mulher queria dar, com as muitas ocupações do momento:

do momento:  —

 — Eu quero que você me diga pra que foi que eu comprei vassoura? Comprei paraEu quero que você me diga pra que foi que eu comprei vassoura? Comprei para Pág 29

Pág 29

enfeite? Me diga! Quero tudo isso muito limpo, tá bem? E já! enfeite? Me diga! Quero tudo isso muito limpo, tá bem? E já!

Sem palavra a Maria me agarrou pelo meio e começou a esfregar, com fúria [= raiva], Sem palavra a Maria me agarrou pelo meio e começou a esfregar, com fúria [= raiva], minha barba no chão. Nas cascas, no c

minha barba no chão. Nas cascas, no café derramado, no lixo.afé derramado, no lixo.

Eu era apenas o cabo. Foi um alívio. A minha parte propriamente vassoura é que Eu era apenas o cabo. Foi um alívio. A minha parte propriamente vassoura é que passava o lixo na cara...

passava o lixo na cara... Pág 30

Pág 30 Capítulo 9 Capítulo 9

Devo confessar, muito envergonhado, que, quando senti a barbicha da piaçava Devo confessar, muito envergonhado, que, quando senti a barbicha da piaçava misturada no lixo, esfregada com raiva nas sujeiras do chão

misturada no lixo, esfregada com raiva nas sujeiras do chão  — — imundoimundo  — — eu me lembrei doeu me lembrei do que ela fizera comigo, na vinda do armazém, e tive um sorriso de vingança.

que ela fizera comigo, na vinda do armazém, e tive um sorriso de vingança.  A

 A infeliz infeliz me me gozara gozara [= [= zombara] zombara] na na rua, rua, já já contei. contei. Julgava-se Julgava-se mais mais importante. importante. Estava,Estava, no momento, por cima, e se gloriava disso. Não foi companheira. Falava, orgulhosa, no que no momento, por cima, e se gloriava disso. Não foi companheira. Falava, orgulhosa, no que

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estava encontrando, nas garotas e vitrinas que via, como se ela fosse um ser privilegiado [= estava encontrando, nas garotas e vitrinas que via, como se ela fosse um ser privilegiado [= melhor que os outros] e eu apenas uma coisa por baixo.

melhor que os outros] e eu apenas uma coisa por baixo.  —

 — É pena você ser a parte de baixo, meu querido! O mundo é uma beleza!É pena você ser a parte de baixo, meu querido! O mundo é uma beleza! E ria, não propriamente na minha cara, mas

E ria, não propriamente na minha cara, mas na minha ponta.na minha ponta. Ela, agora, estava conhecendo a beleza do

Ela, agora, estava conhecendo a beleza do mundo.. o focinho no azulejo sujo...mundo.. o focinho no azulejo sujo... Pág 31

Pág 31  A

 A poeira poeira a a subir-lhe subir-lhe pela pela barba. barba. Ela Ela amassada amassada contra contra o o chão. chão. Enfia Enfia aqui. aqui. Enfia Enfia ali. ali. ArrastaArrasta imundície [= sujeira]. Sente o cheiro dessa meia

imundície [= sujeira]. Sente o cheiro dessa meia lama...lama... Conheceu, papuda [= prosa]?

Conheceu, papuda [= prosa]?

Mas acontece que, onde ela ia, eu ia também. Do lado de cima, mas ia. Era levada Mas acontece que, onde ela ia, eu ia também. Do lado de cima, mas ia. Era levada contra a sujeira, mas eu ia atrás. Maria a introduzia embaixo do fogão, que a patroa contra a sujeira, mas eu ia atrás. Maria a introduzia embaixo do fogão, que a patroa comandava a operação-limpeza, eu tinha que

comandava a operação-limpeza, eu tinha que acompanhar sua triste visita.acompanhar sua triste visita.

E eu logo percebi que a sua humilhação era minha também. Talvez pior. Para todo E eu logo percebi que a sua humilhação era minha também. Talvez pior. Para todo mundo, ela era ―a‖ vassoura, eu apenas o cabo. Sem ela eu seria apenas um pedaço de pau e mundo, ela era ―a‖ vassoura, eu apenas o cabo. Sem ela eu seria apenas um pedaço de pau e eu ainda me lembro, no meu tempo de árvore, do destino que tinham os pedaços de pau: eu ainda me lembro, no meu tempo de árvore, do destino que tinham os pedaços de pau: fogão de caipira [= da roça], lenha para o fogo...

fogão de caipira [= da roça], lenha para o fogo...

Se ela estava errada antes, quando se imaginava por cima, eu erraria agora, tendo a Se ela estava errada antes, quando se imaginava por cima, eu erraria agora, tendo a mesma atitude. Na realidade e no fundo, nós não éramos santo de igreja, nem trono de rei, mesma atitude. Na realidade e no fundo, nós não éramos santo de igreja, nem trono de rei, nem cadeira de balanço. Na sala pegada havia uma. De palhinha e madeira, naturalmente. nem cadeira de balanço. Na sala pegada havia uma. De palhinha e madeira, naturalmente. Graciosa [= elegante], leve, meio dançando, meio cantando. Quem agüentava o pior dos Graciosa [= elegante], leve, meio dançando, meio cantando. Quem agüentava o pior dos humanos era a palhinha do assento. A parte de madeira balançava, ia e vinha, e a gente que humanos era a palhinha do assento. A parte de madeira balançava, ia e vinha, e a gente que nela repousava [= descansava] tinha um ar de bem-aventurança [= felicidade] de fazer inveja. nela repousava [= descansava] tinha um ar de bem-aventurança [= felicidade] de fazer inveja. Em cadeira de balanço os homens ficam bons, como em nenhum outro lugar. É paz no rosto, é Em cadeira de balanço os homens ficam bons, como em nenhum outro lugar. É paz no rosto, é coração aberto, é mão tranqüila. E a cadeira vai e a cadeira vem, macia e calma.

coração aberto, é mão tranqüila. E a cadeira vai e a cadeira vem, macia e calma. Que diferença, meu Deus!

Que diferença, meu Deus!

O fato é que eu não nasci cheio de curvas acolhedoras, mas reto e rijo [= duro]. Pra O fato é que eu não nasci cheio de curvas acolhedoras, mas reto e rijo [= duro]. Pra cadeira de balanço não servia. Tinha o destino

cadeira de balanço não servia. Tinha o destino Pág 32

Pág 32

traçado, no

traçado, no tal aproveitamento industrial tal aproveitamento industrial de que falade que falava o portão. va o portão. Fugir da Fugir da vassoura eu nãvassoura eu nãoo podia. Estávamos intimamente ligados. Fugir àquele emprego, também não. Eu não podia fintar podia. Estávamos intimamente ligados. Fugir àquele emprego, também não. Eu não podia fintar [= enganar] a cozinheira, quando ela me pegasse. Era fazer o que ela quisesse: a cara no lixo! [= enganar] a cozinheira, quando ela me pegasse. Era fazer o que ela quisesse: a cara no lixo! E só no lixo da cozinha, que nos outros cômodos da casa a família usava aspirador de pó, um E só no lixo da cozinha, que nos outros cômodos da casa a família usava aspirador de pó, um aparelho de voz grossa e metido a bacana. Esse nem sequer nos dava confiança. Estava aparelho de voz grossa e metido a bacana. Esse nem sequer nos dava confiança. Estava guardado num armário embutido na cozinha e, quando saía para o trabalho, nos outros guardado num armário embutido na cozinha e, quando saía para o trabalho, nos outros cômodos da casa, tinha pra mim

cômodos da casa, tinha pra mim — — ou pra nósou pra nós — — um ar de profundo desprezo. Até hoje nãoum ar de profundo desprezo. Até hoje não entendi por quê. Nós, pelo

entendi por quê. Nós, pelo menos, não precisávamos engolir a sujeira...menos, não precisávamos engolir a sujeira... Pág 32

Pág 32 Capítulo 10 Capítulo 10

 Acabada

 Acabada aquela aquela primeira primeira operação-limpeza, operação-limpeza, que que tanto tanto me me atormentou, atormentou, mas mas na na qual qual meme identifiquei [= entrosei, senti] com a minha parte vassoura e passei a sentir por ela uma identifiquei [= entrosei, senti] com a minha parte vassoura e passei a sentir por ela uma profunda simpatia, tive uma grande surpresa.

profunda simpatia, tive uma grande surpresa.  A operação fora dura.

 A operação fora dura. Dona Sara de voz de t

Dona Sara de voz de taquara (rachada) tinha sido impiedosa.aquara (rachada) tinha sido impiedosa.  —

 — Olha aquele canto como está, Olha aquele canto como está, Maria. É só pó... Passa a vassoura...Maria. É só pó... Passa a vassoura... Maria obedeceu.

Maria obedeceu.  —

 — Veja embaixo da pia. Está horrível!Veja embaixo da pia. Está horrível! Ela viu e varreu. Ou melhor, nós

(11)

 —

 — Esta cozinha está uma vergonha! Você é muito relaxada [= sem capricho], Maria!Esta cozinha está uma vergonha! Você é muito relaxada [= sem capricho], Maria! Olha só aquilo...

Olha só aquilo...

Maria olhou na direção do olhar de Dona Sara, o teto. Maria olhou na direção do olhar de Dona Sara, o teto. Pág 34

Pág 34  —

 — Tem até teia de aranha!Tem até teia de aranha! Maria suspirou.

Maria suspirou.  —

 — Você vai limpar ou não vai?Você vai limpar ou não vai?  —

 — Vou ver se dá jeito.Vou ver se dá jeito.

O jeito que ela deu foi nos virar de cabeça pra baixo. Quer dizer, a parte vassoura pra O jeito que ela deu foi nos virar de cabeça pra baixo. Quer dizer, a parte vassoura pra cima, a parte eu no rumo [= direção] do chão, como no passeio pela rua. Ergueu-nos na ponta cima, a parte eu no rumo [= direção] do chão, como no passeio pela rua. Ergueu-nos na ponta do braço, ergueu-se na ponta dos pés, com esforço (ela se queixava de dores nas costas) e do braço, ergueu-se na ponta dos pés, com esforço (ela se queixava de dores nas costas) e tocou a piaçava nas teias de

tocou a piaçava nas teias de aranha.aranha.  —

 — Olha a ―mamãe‖ subindo —Olha a ―mamãe‖ subindo — disse alegremente a minha parte vassoura, no primeirodisse alegremente a minha parte vassoura, no primeiro momento.

momento. — — Agora eu vou...Agora eu vou...

Me deu aquela raiva... Mas logo tive pena. A coitada não terminou a frase. Estava toda Me deu aquela raiva... Mas logo tive pena. A coitada não terminou a frase. Estava toda enrodilhada [= enroscada] naquela teia escura, que

enrodilhada [= enroscada] naquela teia escura, que lhe entrava pelos fios, um lhe entrava pelos fios, um trabalho danado,trabalho danado, depois, para a Maria tirar... E logo em seguida eu estava na minha posição natural e depois, para a Maria tirar... E logo em seguida eu estava na minha posição natural e impulsionava [= empurrava], sob o comando da cozinheira, o triste varrer das mil sujeiras, até impulsionava [= empurrava], sob o comando da cozinheira, o triste varrer das mil sujeiras, até que Dona Sara, de voz

que Dona Sara, de voz de taquara, se deu por satisfeita.de taquara, se deu por satisfeita.  —

 — Esta bem, Maria, está bem. Vê se Esta bem, Maria, está bem. Vê se conserva agora a casa limpa...conserva agora a casa limpa... E já saindo:

E já saindo:  —

 — Põe mais água no arroz, criatura. Se não, Põe mais água no arroz, criatura. Se não, ele acaba queimando. Você nunca aprende.ele acaba queimando. Você nunca aprende.  Ah! Taquara rachada! Sempre se queixando... Sempre reclamando...

 Ah! Taquara rachada! Sempre se queixando... Sempre reclamando...

Quando ela nos favoreceu com a sua ausência, Maria nos deixou outra vez no mesmo Quando ela nos favoreceu com a sua ausência, Maria nos deixou outra vez no mesmo canto onde havíamos começado nossa triste missão.

canto onde havíamos começado nossa triste missão.

Foi então que eu entendi bem minha parte vassoura e me identifiquei com ela. Foi então que eu entendi bem minha parte vassoura e me identifiquei com ela. Estávamos no tal canto da cozinha, eu por cima, ela por baixo, toda ruim... Molhada

Estávamos no tal canto da cozinha, eu por cima, ela por baixo, toda ruim... Molhada Pág 35

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do café e da água do chão. Empapada [= cheia] de poeira, teia e outras tristezas da vida do café e da água do chão. Empapada [= cheia] de poeira, teia e outras tristezas da vida moderna.

moderna.  —

 — Você viu que trabalho bonito a gente fez? Viu que limpeza perfeita? Eu sou a maior!Você viu que trabalho bonito a gente fez? Viu que limpeza perfeita? Eu sou a maior! Ela cultivava [= mantinha] o otimismo [= bom humor], por sistema. Procurava ver o Ela cultivava [= mantinha] o otimismo [= bom humor], por sistema. Procurava ver o lado melhor de todas as coisas.

lado melhor de todas as coisas.  —

 — Agora é que você vai ver, meu filho... Vamos botar esta cozinha nos eixos [= emAgora é que você vai ver, meu filho... Vamos botar esta cozinha nos eixos [= em ordem]! Acabar com essa pouca-vergonha!

ordem]! Acabar com essa pouca-vergonha! Pág 36

Pág 36 Capítulo 11 Capítulo 11

Sorte é que a nossa inimiga n.º 1 não entendia língua de madeira. Aliás, não devia ser Sorte é que a nossa inimiga n.º 1 não entendia língua de madeira. Aliás, não devia ser muito forte em linguagem humana, porque a todo momento eu ouvia a patroa gritar-lhe:

muito forte em linguagem humana, porque a todo momento eu ouvia a patroa gritar-lhe:  —

 — Será que você não entende, criatura? Tudo o que eu mando, você faz ao contrário...Será que você não entende, criatura? Tudo o que eu mando, você faz ao contrário... Mas foi injustiça minha chamá-la de inimiga n.º 1. Foi a primeira pessoa cuja inimizade Mas foi injustiça minha chamá-la de inimiga n.º 1. Foi a primeira pessoa cuja inimizade [= falta de amizade] eu senti, é diferente. Começou logo xingando, mal eu entrei na cozinha. [= falta de amizade] eu senti, é diferente. Começou logo xingando, mal eu entrei na cozinha. Mas não era má. Era uma sofredora. Acordava cedinho, antes de todo mundo na casa. Mas não era má. Era uma sofredora. Acordava cedinho, antes de todo mundo na casa. Virava-se [= agia] o dia inteiro. Começava a trabalhar antes dos outros tomarem o café e ainda estava se [= agia] o dia inteiro. Começava a trabalhar antes dos outros tomarem o café e ainda estava arrumando e ajeitando coisas depois que todo mundo estava dormindo, ou vendo novela na arrumando e ajeitando coisas depois que todo mundo estava dormindo, ou vendo novela na televisão. Lava, esfrega,

televisão. Lava, esfrega, Pág 37

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corta, descasca bota no fogo, tira do fogo, ferve a água, passa o café, pica a cebola, mói a corta, descasca bota no fogo, tira do fogo, ferve a água, passa o café, pica a cebola, mói a carne, limpa o camarão, vigia a panela, passa o bombril na frigideira, bate a omeleta, esconde carne, limpa o camarão, vigia a panela, passa o bombril na frigideira, bate a omeleta, esconde o prato quebrado, que a patroa está chegando...

o prato quebrado, que a patroa está chegando...

Quem a via resmungar [= reclamar em voz baixa] o dia inteiro tinha até medo. Parecia Quem a via resmungar [= reclamar em voz baixa] o dia inteiro tinha até medo. Parecia uma fera.

uma fera.

 A colher caía no chão.  A colher caía no chão.  —

 — Peste de colher!Peste de colher!

 A faca estava sem corte.  A faca estava sem corte.  —

 — Faca mais ordinária!Faca mais ordinária!  A patroa chamava.  A patroa chamava.  —

 — Se quiser, chame outra vez, que eu não estou ouvindoSe quiser, chame outra vez, que eu não estou ouvindo — — dizia baixinho para a paneladizia baixinho para a panela mais próxima.

mais próxima.

Mas tudo aquilo era aparência [= por fora]. Com o tempo fui vendo, fui me convencendo Mas tudo aquilo era aparência [= por fora]. Com o tempo fui vendo, fui me convencendo [= entendendo]. E mesmo quando ela esfregava a minha cara no chão, isto é, a minha [= entendendo]. E mesmo quando ela esfregava a minha cara no chão, isto é, a minha cara-vassoura é porque não havia outro jeito. É que a patroa exigia [= ordenava]. E só quando a vassoura é porque não havia outro jeito. É que a patroa exigia [= ordenava]. E só quando a patroa reclamava...

patroa reclamava...

Eu achava ótimo. Ficava na moleza no meu canto, olhando a vida, ouvindo rádio. Nesse Eu achava ótimo. Ficava na moleza no meu canto, olhando a vida, ouvindo rádio. Nesse ponto, eu não tinha nada em comum com o meu complemento de piaçava: estava muito pouco ponto, eu não tinha nada em comum com o meu complemento de piaçava: estava muito pouco interessado em botar a cozinha nos eixos.

interessado em botar a cozinha nos eixos.

Não custava nada usarem o aspirador de pó na cozinha também... Não custava nada usarem o aspirador de pó na cozinha também... Pág 38

Pág 38 Capítulo 12 Capítulo 12

Mas a família não era somente a Maria, Dona Sara e a arrumadeira, que não trabalhava Mas a família não era somente a Maria, Dona Sara e a arrumadeira, que não trabalhava na cozinha. Tinha Seu Conrado, freguês habitual [= de sempre] da cadeira de balanço. Tinha o na cozinha. Tinha Seu Conrado, freguês habitual [= de sempre] da cadeira de balanço. Tinha o Renato. Tinha o Mariozinho. Quando eles estavam em casa, de volta da escola, sempre havia Renato. Tinha o Mariozinho. Quando eles estavam em casa, de volta da escola, sempre havia mais gente. Gente em começo. Criança. criança é começo de mulher ou de homem. É como mais gente. Gente em começo. Criança. criança é começo de mulher ou de homem. É como árvore crescendo. Só que árvore, mesmo quando pequena, não chora, não faz barulheira não árvore crescendo. Só que árvore, mesmo quando pequena, não chora, não faz barulheira não precisa estudar, não escorrega não grita, não xinga, não corre, não brinca, não pula, não precisa estudar, não escorrega não grita, não xinga, não corre, não brinca, não pula, não desobedece.

desobedece.

CCriança, principalmente desobedece... Basta dizerem ―não‖, ela faz. E às vezes se dáriança, principalmente desobedece... Basta dizerem ―não‖, ela faz. E às vezes se dá muito mal...

muito mal...  —

 — Não brinque com fogo.Não brinque com fogo. Ela brinca e se queima. Ela brinca e se queima.  —

 — Não atravesse a rua, sem olhar antes os Não atravesse a rua, sem olhar antes os automóveis...automóveis... Pág 39

Pág 39

Por não obedecer, um amigo do Mariozinho ficou três meses no hospital. Por não obedecer, um amigo do Mariozinho ficou três meses no hospital.  —

 — Não fique na chuvaNão fique na chuva

Renato teve uma semana de cama, com uma tal de pneumonia, que é uma doença Renato teve uma semana de cama, com uma tal de pneumonia, que é uma doença cacete [= (gíria) desagradável].

cacete [= (gíria) desagradável].  Aliás, não

 Aliás, não gosto dgosto desse costume esse costume dos homens dos homens de nos de nos usarem como usarem como termo de termo de comparaçãocomparação para as coisas desagradáveis. Foi sem querer que eu falei ―doença cacete‖. Cacete é pau, é para as coisas desagradáveis. Foi sem querer que eu falei ―doença cacete‖. Cacete é pau, é madeira, é da nossa família. Aprendi com os humanos a usar a palavra, mas não acho direito. madeira, é da nossa família. Aprendi com os humanos a usar a palavra, mas não acho direito. Quando querem dizer que alguém, da confraria [= da amizade] deles, não tem assunto, ou fala Quando querem dizer que alguém, da confraria [= da amizade] deles, não tem assunto, ou fala demais, ou repete sempre a mesma coisa, dizem que é um sujeito ―cacete‖. Quando se demais, ou repete sempre a mesma coisa, dizem que é um sujeito ―cacete‖. Quando se ameaçam entre si, nas suas di

ameaçam entre si, nas suas disputas, falam em ―baixar o pau!‖ sputas, falam em ―baixar o pau!‖  [= (gíria) bater] Só para nos[= (gíria) bater] Só para nos envolver numa idéia desagradável, num sentimento desumano, mesmo porque hoje, nas suas envolver numa idéia desagradável, num sentimento desumano, mesmo porque hoje, nas suas pelejas [= lutas], eles usam coisas bem mais complicadas. O que mais me irrita, porém, é que, pelejas [= lutas], eles usam coisas bem mais complicadas. O que mais me irrita, porém, é que, quando querem chamar alguém de cínico, de mentiroso, dizem que o infeliz é ―c

quando querem chamar alguém de cínico, de mentiroso, dizem que o infeliz é ―c ara-de-ara-de-pau!‖ pau!‖  Cara-de-pau por quê? Alguém já viu pau mentir? Alguém já viu madeira fazer mal? Se o pau Cara-de-pau por quê? Alguém já viu pau mentir? Alguém já viu madeira fazer mal? Se o pau

Referências

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