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D is c u r s o e M e m ó r ia :

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Academic year: 2021

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RESUMO O texto traça o percurso dos imigrados de Pedrinhas Paulista,

seu processo de adaptação e de apreensão da nova língua, perm eado

p elo discurso do padre, D om Ernesto, um a das figuras centrais da

com unidade pedrinhense. Além disso, são analisados textos escritos

por ele, elaborados no intuito de m anter seus fiéis unidos.

PALAVRAS-CHAVE

língua; d iscu rso ; id en tid a d e; m em ória;

imigração.

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ABSTRACT II testo traccia il percorso degli im m igrati di Pedrinhas Paulista, il loro

processo di adattam ento e di apprendim ento della nuova lingua, perm eato dal discorso del parroco, Don Ernesto, una delle fig u re centrali della com unità predrinhense. Oltre a ciò, sono a n a lizza ti dei testi scritti da lui, allo scopo di m antenere uniti i fedeli.

PAROLE C HIAVE lingua; discorso, identità; memoria; immigrazione.

ABSTRACT Thispaper looks into the journey o f Pedrinhas P aulista’s immigrants, their

process o f adaptation and acquisition o f the new language, enriched by the discourse o f Priest Dom Ernesto, a pivotal character in the local com m unity. Furthermore, thepaper looks into texts authored by him in an attem p t to keep his congregation together.

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^ a p eq u en a cidade do in te rio r do E stado de São Paulo, P edrinhas Paulista,1 originada de u m a C olônia fo rm ad a p o r im igrados italianos, identificam os elem en to s ligados à problem ática de sua inserção n u m am b ien te to ta lm e n te diverso daquele de origem e de como ocorre a co n stru ção da identidade através do espaço e da língua.

A C olônia é fru to de u m acordo assinado em o u tu b ro de 1949, que regularizava todas as p e n d ê n ­ cias e n tre os o Brasil e a Itália ocorridas em conseqüência da Segunda G uerra M undial, e aciona­ va o tra ta d o de paz de 10 de fevereiro de 1947, desvinculando todos os bens italianos bloqueados pelo governo brasileiro d u ra n te a G uerra, sob a condição de que fossem usados p a ra co m p ra de te rra s e in fra -e stru tu ras em projetos de colonização. A Itália enviaria agricultores p a ra colonizar áreas destin ad as ao cultivo.

Os im igrantes, ao deixarem a Pátria, tin h a m idealizado um a im agem do Brasil que, n a m aioria das vezes, era fabricada pelos agentes in teressados em re u n ir m ão-de-obra p ara a em igração. As inform ações obtidas pelos im igrantes n o rm alm en te eram tendenciosas e criavam , dessa form a, um país que n a realidade não existia.

O m aterial que coletam os e n tre os anos de 1999 e 2000, em P edrinhas Paulista, co m p reen d e 45 e n tre v istas2 com o grupo de im igrantes anciãos e seus filhos nascidos na Itália; 115 questionários destinados aos filhos e netos, nascidos no Brasil; 98 redações elaboradas p o r e stu d an tes (d escen ­ d entes de italianos e n ão-descendentes) do Ensino F undam ental e M édio da cidade, confrontadas com redações de m esm o te m a coletadas, em 1965, pelo antropólogo João B aptista Borges Pereira, p ara sua pesquisa de D o u toram ento. E n tre tan to , nos d eterem os fu n d am en talm en te em trech o s

1. Pedrinhas Paulista localiza-se na Bacia do Paranapanem a, na direção Sudoeste do Planalto Paulista, na região da Alta Sorocabana, ap ro ­ xim adam ente a 550 km da Capital Paulista; faz lim ites com os m unicípios de Cruzália, Florínea e Maracai, no Estado de São Paulo e com o município de Sertaneja, no Estado do Paraná;

2. Dos 45 entrevistados, 25 p ertencem ao grupo dos m ais velhos e 20 ao grupo dos que chegaram à Colônia ainda jovens e crianças; desses im igrantes, 24 são provenientes do Vèneto, 11 do Lazio, dois do Abruzzo, dois do Trentino, um da Lombardia, um da Em ilia Romagna, um da Calabria, um do Friuli, um da U m bria e um da Puglia; o grupo dom inante n a com unidade é originário do Lazio, seguido pelo grupo Vèneto e Abruzzo. P redom ina nos dois grupos a agricultura como profissão, para os hom ens, e as m ulheres são donas-de-casa; são exceções o farm a­ cêutico c a farm acêutica, os com erciantes (três), a costureira, a pequena em presária e o diretor da Cooperativa.

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re tira d o s das e n tre v ista s,3 a fim de an alisar elem entos relativos aos discursos do padre, guia es­ p iritu a l e ideológico do grupo de im igrantes, cujos conteúdos reco rrem n a fala dos italianos da antiga C olônia e seus d escendentes. O m aterial re sta n te nos servirá com o co m plem ento p a ra que p ossam os co m p o r o q uadro geral da com unidade.

E n co n tram o s nos teste m u n h o s orais dos italianos de Pedrinhas Paulista alusões à te rra p ro m e­ tida, im agem m itizad a e co n stru íd a pela forte propaganda publicitária exercida no país de origem, a fim de convencê-los a em igrar. O novo lugar era idealizado com o se fosse o paraíso, espaço que precisava se r tra b a lh a d o pelo hom em . Tal visão em an a dos relatos dos italianos p ed rin h e n se s e coloca o im igrante quase com o u m h erói desbravador. E n tretan to , é necessário ressaltar que a pri­ m eira im p ressão p a ra a m aioria foi negativa, ao co n sta ta r a dificuldade de inserção no novo país e o se n tim e n to de p erd a ao te r de deixar p a ra trá s a p ró p ria aldeia e, m u itas vezes, en tes queridos.

F oram in ú m e ra s as dificuldades en co n trad as no prim eiro co n tato com a nova te rra , como a discrep ân cia e n tre as dim ensões e a paisagem italiana e brasileira; a diversidade do agrupam ento hum ano; diferenças do clima, da cor da te rra (esta região é fam osa po r sua te rra verm elha) e da água. A inda hoje os im igrantes recordam -se e co n fro n tam com o c o n trastav am as cores escuras do solo de P ed rin h as e de sua água com a alvura da te rra e a cristalinidade da água da aldeia. No relato intenso, p rin cip alm en te das m ulheres, ressaltam -se os dois m undos: o abandono do branco da paz p a ra en fre n ta r o verm elho, rep resen tativ o da lu ta e do sofrim ento n a adaptação ao novo lugar. Tais elem en to s rem e tem à saudade de sua aldeia, acolhedora e aconchegante, co n trap o n to fu n d am en tal ao novo lugar, sentido árido e distante.

A sua chegada, os im igrantes eram recebidos, no período da seca, pela poeira verm elha levantada pelo vento e o excessivo calor; na época das chuvas, pela “lam a g rudenta como cola”, com o alguns a descrevem . A esperá-los estavam os dirigentes da Com panhia, o padre, os italianos bem -sucedidos (ou m ais resignados), recebendo-os com frases como: “estam os m uito bem !”, “vocês não vão se a r­ rep e n d er de te r vindo para cá” “verão como fizeram bem em vir! ”, d en tre outras palavras de apoio e encorajam ento, dem onstrando o bem -estar de todos e, na m aioria das vezes, ocultando o verdadei­ ro se n tim en to que os afligia. Observamos, na com posição da cena da chegada das novas famílias, o quadro de um a com unidade feliz, da fam ília reunida, que luta e encoraja a vencer as adversidades.

O destino de Pedrinhas, en tretan to , era de o u tra sorte. A cidade idealizada e co n stru íd a p ara fins pro d u tiv o s e lucrativos, localizada próxim a a grandes rodovias, tem hoje seus p ro d u to s agrícolas facilm ente escoados. A C ooperativa, situ ad a estrateg icam en te à e n tra d a prin cip al da cidade, dá a dim ensão de sua im p o rtân cia en q u an to elem ento cen tralizad o r da econom ia. Duas avenidas principais, a “B rasil” (por onde se tem acesso ao cen tro urbano, com posta p o r duas pistas m edia­ das p o r um can teiro central) e a “Itália”, re p re sen tam no espaço o e n c o n tro e o en tre laçam en to de dois povos e de duas culturas.

A inda hoje a Igreja é u m a das únicas representações que espelha com clareza a realidade na qual se localiza o im igrante ped rin h en se, apesar dos cin q ü en ta anos de imigração.

3. Para a transcrição do m aterial foram utilizadas as regras do projeto NURC - Projeto de Estudo da Norma Urbana Lingüística Culta; e n tre ­ tanto, nos trechos m encionados neste texto foram usados apenas alguns sinais de transcrição, tais como parênteses (trecho não com preendi­ do ou não mencionado); reticências (pausa); ponto de interrogação. A fala do entrevistador foi om itida propositadam ente, a fim de ressaltar som ente o conteúdo sob análise. A tradução procura m anter-se fiel à fala original.

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O italiano de P ed rin h as Paulista, retira d o de su a te rra n atal e destitu íd o de suas regras sociais, foi inserido nu m am b ien te onde as no rm as foram feitas p a ra satisfazer um a com unidade italiana. Talvez p o r isso até hoje a idéia do “pedacinho da Itália no Brasil” ainda resista, reforçada pela re ­ construção do im aginário social recriado fora da Península. Ao m esm o tem p o em que p erd eram sua porção de aldeia, recriaram , em solo brasileiro, as regras italianas ped rin h en ses, que p e rd u ­ ram , passando de geração a geração.

Nas redações de 1965 e nas de 2000, são unânim es as opiniões positivas a respeito do padre. A inda hoje ele é considerado o centro, a viga m estra da com unidade, e é sem pre citado com o o “chefe”, o “d e te n to r do p o d e r” e o “fu n d ad o r de P ed rin h as”. A figura do padre fundador, Dom E r­ nesto, teve u m papel fu n d am e n tal n a questão da m an u ten ção dos costum es, nos valores éticos e m orais da com unidade, chegando a in te rfe rir pessoalm ente e individualm ente com o conselheiro espiritual e m u itas vezes com o pai, em nom e da m anutenção de um a pureza étnica, que p o r vezes chegou a extrem os. Sua figura m itificada aparece com o controladora e au to ritária. Sem dúvida, é o m ais im p o rta n te personagem da h istó ria dessa com unidade.

A Igreja é a p rim eira m arca au tê n tic a de ten tativ a de reconstrução de u m a identidade italiana em Pedrinhas. E rgueu-se, co n te m p o ran eam en te a ela, o cam panário, alto, p ara ch am ar e re u n ir os fiéis p a ra a missa. D u ran te anos a Igreja e o cam panário foram os elem en to s que m ais se des­ tacaram no cenário u rb a n o de P edrinhas. A Igreja de “São D onato” foi assim d en o m in ad a em hom enagem ao p ad ro eiro de San Donà diPiave, cidade de origem do padre e dos tr in ta prim eiros im igrantes que iniciaram a construção da Colônia.

Nas m issas dom inicais, realizadas em italiano, até m eados dos anos 70, os serm ões de D om E r­ nesto insistiam n a força n ecessária aos im igrantes p ara su p o rta r e su p erar obstáculos. Sua p re ­ sença e sua atuação fo ram fu n d am en tais p ara auxiliar na construção da im agem de u m a p eq u en a Itália p o r p a rte dos im igrantes de Pedrinhas.

A títu lo de exem plo, destacarem o s trechos de serm ões do padre que un iam a m ensagem reli­ giosa às suas in ten çõ es de p reserv a r o p atrim ô n io cultural das fam ílias sob sua tu tela. O culto re ­ ligioso co n stitu ía o m o m en to em que o reverendo se dirigia a todos os fiéis, indicando diretrizes de co m portam ento.

A análise que pro p o m o s p ara alguns dos textos de Dom E rn esto baseia-se, prin cip alm en te, nas idéias de B akhtin p a ra quem to d o “signo é ideológico” (1991:31) e a palavra, que é sem pre u m ide-

ologema (1990:135), realiza a idéia do hom em sobre seu m undo.

D entre os conceitos de B akhtin, in teressa-n o s aqui observar as diferenças de duas categorias que constam do capítulo IV, “A pessoa que fala no rom ance”, de seu livro Questões de literatura e

estética: a teoria do rom ance (1990). N esse capítulo, o crítico discute sobre form as de tran sm issão

do discurso e chega a duas m odalidades: a de palavra autoritária, típica das categorias ligadas ao p o d er (religiosa, política, m oral, a palavra dos pais e professores, etc) — que “exige de nós o re ­ conhecim ento e a assim ilação, ela se im põe a nós in d ep en d en tem en te do grau de sua p ersuasão

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in te rio r no que nos diz respeito, nós já a e n co n tram o s unida à au to rid ad e” (1990:143) — e a de

p a la vra in teriorm entepersuasiva que “é m etade nossa, m etade de o u tre m ” e nos revela possibi­

lidades d ife re n te s de significação, é a palavra “d e term in an te p ara o processo da tran sfo rm ação ideológica d a co n sciên cia individual” (1990:145).

A e stes co n ceito s u n e m -se os de P erelm an,4 estudioso belga que re to m a e am plia os elem entos básicos d a re tó ric a clássica p a ra p ro p o r sua “nova re tó rica” e que afirm a que a linguagem não é a p e n as u m m eio de com unicação, m as u m in stru m e n to de persuasão e convencim ento. E m seu tra ta d o , o crítico observa: “P ro p o m o -n o s ch am ar persuasiva a u m a argum entação que p reten d e v aler só p a ra u m a u d itó rio p a rtic u la r e ch am ar convincente àquela que deveria o b te r a adesão de to d o se r racio n al” (1996:31). O a u to r discute sobre a variação que pode haver en tre os dois te r­ m os (persu asão e convencim ento), co m en tan d o textos clássicos, com o A crítica da razão pura de K ant, e n tre outros. In teressa-n o s, contudo, seu p o n to de vista sobre a questão de persuadir, e n q u a n to capacidade de fazer aceitar argu m en to s não apenas pela razão, m as p o r um a identifi­ cação com o orador.

D om E rn esto serve-se essencialm ente da palavra autoritária, que não adm ite questionam entos, p ara to rn a r persuasivo seu discurso e garan tir seu lugar de liderança da com unidade de imigrantes. O p ad re d o m in a o discurso religioso e privilegia-se dele p a ra definir o co m p o rtam en to ideológico, não só religioso, pois apela ao patrio tism o e à necessidade de o grupo m a n te r a p ró p ria id en tid a­ de. E le m en to fu n d ad o r d este tipo de discurso é a revelação advinda da passagem de C risto sobre a terra; o h o m em te r á nela u m m odelo pela eternidade, pois todo fu tu ro já está d eterm in ad o pela revelação passada da verdade universal cristã.

E m discurso feito p a ra co m em o ra r a festa da Sagrada fam ília de N azaré, escrito em italiano em 1958 e adaptado e trad u zid o pelo pró p rio padre em duas ocasiões, em 1985, é possível obser­ v ar com o D om E rn esto convida as fam ílias a m a n te re m seus laços. Ele com eça seu discurso, em 1958, falando da “cap an n a ” (casebre) e depois da “um ile casetta” que e n c o n tra rá trad u ção literal n a “h u m ild e casinha”, do texto de 1985. Nos textos em italiano e em português, o p ad re fala do re to rn o ao lar d a sagrada fam ília, após visita obrigatória ao tem plo p a ra o ritu a l de purificação, q uando Je su s c om pletou 12 anos, e afirm a que naquele lar, onde “faltavam ta n ta s coisas”, reinava a paz, pois a alegria, Jesus, vivia nele.

Os textos exortam os fiéis a tom arem como “m odelo” aquela família, em que a mãe “é a verdadeira d o n a da casa e vive p a ra a fam ília”, o pai é “hom em ju sto e venerando, indefesso tra b a lh a d o r que, com o su o r de sua fronte, provê às necessidades da fam ília” e o m en in o é o “so rriso dos pais, que cresce em bondade, sapiência e graça d ian te de Deus e dos h o m en s” (1958 - trad u çã o nossa).

D om E rnesto, p o r várias vezes, en u m e ra trê s características p ara ilu stra r sua fala. O m odelo a se r seguido é o da fam ília de Je su s com posta p o r pai, m ãe e filho (que cresce em bondade, sapi­ ên cia e graça). Diz ain d a que o que afasta Jesu s das casas dos fiéis é a “b lasfêm ia dos pais, o desre- g ra m e n to dos filhos e, talvez, o pecado das m ães”; apela ainda p a ra a “serenidade, tranqüilidade,

4. PERELMAN, C. e OLBRECHTS-TYTECA, L. Tratado sobre a argumentação: a nova retórica. Trad. M aria E.G.G. Pereira. São Paulo: M ar­ tins Fontes, 1996.

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paz” que só poderão ser conquistadas pela com unidade dos italianos “exilados de sua te rra n a ta l” pela p resen ça de Jesus.

Vemos que o p ad re form ula seu texto utilizando-se m uito do n ú m ero três, caro aos cristãos, p o r rele m b rar a san tíssim a trin d a d e e a perfeição divina. Eni O rlandi, em seu texto Discurso e texto:

form ulação e circulação dos sentidos5 observa:

F o rm u la r é d a r corpo aos sentidos. E, p o r ser um ser sim bólico, o h o m em consti- tu in d o -se em sujeito pela e n a linguagem , que se inscreve n a h istó ria pa ra signifi­ car, te m seu corpo atado ao corpo dos sentidos. Sujeito e sen tid o co n stitu in d o -se ao m esm o tem p o tê m sua corporalidade articulada no en co n tro da m aterialidade da língua com a m aterialidade da história. (2001:9)

H istória que, no p a re c e r do padre, deve ser escrita segundo m odelo divino, cujo exem plo na te rra foi dado pela h arm o n ia da sa n ta família.

Além de p rocurar, com seu serm ão, m a n te r unidas as famílias, base da e s tru tu ra social, o sa­ cerdote refere-se aos fiéis com o “em ig ran tes” (6 anos após sua vinda p ara o Brasil) e “exilados” em discurso feito em língua italiana, p a ra reforçar aos fiéis a necessidade de não e sq u ecer suas origens e sua identidade. Ele te rm in a seu discurso dizendo:

Q uest’an n o abbiam o u n m otivo tu tto speciale p e r celebrare con festa q u esta festa, siam o em igranti, siam o p er così dire in esilio in cerca di pane e lavoro e quale cum ulo di sacrifici, quale cum ulo fatiche disum ane a noi! E bene, sappiate che pro p rio p e r noi, p ro p rio p e r le famiglie degli em igranti il papa ha dato com e esem pio, m odello di sostegno, la sa n ta fam iglia di N azareth. Specchiamoci in quello, im itiam o quella,

fa ccia m o che G esù segni nelle n o stre case e sta te certi rito rn e rà la seren ità, la tra n -

q u ilità e la pace.6 (grifos nossos)

Dom E rn e sto te rm in a seu serm ão com u m a exortação utilizando-se do m odo im perativo (es­ pelhem os, im item os, façam os, fiquem - verbos grifados no texto original) e do estilo paratático; usa a palavra a u to ritária , pela alusão a u m a fé em algo m aior e não pela racionalidade. Mas, ao m esm o tem po, u sa os term o s “em ig ran tes e exilados” reto m an d o u m a realidade h istó rica re ­ cente: a g u erra e a d estru ição que obrigaram os hom ens a p ro cu rarem novas te rra s em busca de “pão e tra b alh o ” e utiliza, ainda, a p rim eira pessoa do plural, “n ós”, de m odo que, ao re lem b rar “q u an to s sacrifícios e esforços desum anos p a ra nós”, o padre insere-se nas lu tas e co m p artilh a os sen tim en to s dos “exilados italianos”

O reco n h ecim en to do exílio, a percepção do afastam ento e da nostalgia, do m al dupays, in te n si­ ficam a sensação de deslo cam en to e o desejo im possível do reto rn o im ediato; esses fatores

forne-5. ORLANDI, E. Discurso e texto: form ulação e circulação dos sentidos. Campinas/SP: Pontes, 2001.

6. "Este ano tem os um motivo especial para celebrar esta festa, somos emigrantes, somos por assim dizer em exílio, em busca de pão e trab a­ lho e quantos sacrifícios, quantos esforços desum anos para nós. Pois bem! Saibam que ju stam en te para nós, ju stam en te p ara as famílias de em igrantes o papa deu como exemplo, modelo de sustentação, a santa família de Nazaré. Espelhem o-nos nela, imitem o-la, façamos com que Jesus abençoe nossas casas e, fiquem certos, reto rn ará a serenidade, a tranqüilidade, a paz”

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cem ao d isc u rso de d o m E rn e sto duas direções. A prim eira, da solidariedade (“pelos sacrifícios e esforços im postos a n o s ), faz com que a sua seja ap a/av ra interiormente persuasiva que “é m etade nossa, m e ta d e de o u tre m ” e nos revela possibilidades diferentes de significação, é a palavra “d e­ te rm in a n te p a ra o processo da tra n sfo rm ação ideológica da consciência individual” (1990:145).

Ao m esm o tem po, o te rm o “exílio”, utilizado n este contexto (o serm ão do p ad re d u ra n te a m is­ sa,) assu m e v alor “cósm ico”, já que as condições de exílio, de nostalgia, de um a in ten sa necessi­ dade d e re to rn o às origens p assam a ser, m ais do que re to rn o à Itália, a necessidade de re to rn o ao “paraíso p e rd id o ”. Os em igrados assum em , então, valor de “povo escolhido por D eus” que precisa su p e ra r as provas, p a ra p o d e r v o ltar ao lar divino; do m esm o modo, a voz de Dom E rnesto, o pas­ tor, assu m e valor profético, ao reco rd a r a essas alm as o seu p o n to de origem , não m ais Itália, mas o rein o de Deus. Os “em ig ra n tes”, com o os cham a dom E rnesto, são um povo de Deus, distante da sua te rra , m as u n ido pela língua, pela cu ltu ra e pelos laços de fam ília que devem espelhar-se no arquétipo, no m elh o r m odelo pa ra a hum anidade: “a sagrada fam ília”.

Nos discursos de 1985, v in te e sete anos m ais tarde, o p ad re já não fala em exílio e faz seu serm ão em p o rtuguês, p o rq u e as exigências da colônia, agora rica e com in ú m ero s em pregados brasilei­ ros, são o u tras, m as convida os fiéis a serem pais m ais a ten to s e a m a n te re m a união da família, visto que as crises e tragédias ocorrem graças ao “desequilíbrio m oral do m undo contem porâneo e à d esintegração da fam ília”

N esses serm ões, o rev eren d o a lerta que os pais ab an d o n aram as escolas da m oralidade e da esp iritu alid ad e em nom e da preocupação com a c a rreira dos filhos, que “soltam com dinheiro nas cidades p a ra estudar, sem preocupar-se em form á-los n a v erd ad e ira responsabilidade, sem o ed u carem n u m clim a de verd ad eira liberdade, a fim de que cu m p ram as suas obrigações para com D eus e com a sociedade”. Ele insiste que os pais devem seguir seus filhos “com solicitude e energia”, p a ra ev itar tragédias e crises e p a ra que estes sejam “sua honra n a vida, seu consolo na velhice e seu prêm io n a e tern id a d e” (grifos do p ró p rio autor). R etom a m ais u m a vez o exem plo da sagrada fam ília e o uso do n ú m ero três, com o m eios de reforçar a questão da h o n rad ez na te rra e da salvação pela eternidade.

A m a n u ten ç ão d a família, un id a no lugar de origem , agora P edrinhas Paulista, a peq u en a Itália co n stru íd a com o trab alh o dos im igrantes sob sua orientação, é a solução p a ra m a n te r a id en tid a­ de local d a rica e p ró sp e ra com unidade italiana, po r isso o p ad re ex o rta os fiéis a c u m p rirem seu dever p a ra que, além das com odidades m ateriais, cada lar seja “u m verdadeiro ninho de amor, de felicidade e de paz e n tre todos os seus m em b ro s”.

D om E rn esto m uda de língua, m as a entoação de seu discurso é sem pre a m esm a. Ele busca agora p re se rv a r u m a o u tra identidade, não m ais a dos “em ig ran tes”, m as a dos pedrinhenses.

Os discursos de p ad re E rnesto, repletos de axiom as e form ulados com e stru tu ra s p aratáticas e form as verbais im perativas, além das m uitas referências à com unidade com o u m todo pelo uso de “aqueles que, as fam ílias, etc.”, caracterizam seu discurso de pregador e fu n d ad o r da Missão

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de c u ra de P edrinhas, não só corno um discurso religioso, m as tam b ém com o o de u m guia p o li­ tico-ideològico disposto a m o stra r os cam inhos p a ra os “em ig ran tes italianos” n a nova p eq u en a Itália brasileira.

D om E rnesto, contudo, não se lim itou ao discurso, m as p ro cu ro u c riar um am b ien te italiano de vários m odos. U m a das m arcas deixadas pelo p ad re são os ciprestes p lan tad o s n a fre n te do cem itério de P ed rin h as e da Igreja, os quais re m e tem à sua aldeia de origem , sendo a viva re p re ­ sentação de u m a característica italian a na paisagem do lugar.

A im p o rtân cia dos cip restes está p re se n te nos relatos a seguir e d e n o ta o quão preciosos foram p ara o p ad re e p a ra to d a a com unidade, com o elem en to s que m a n tê m u m elo d ireto com a lu ta pela adaptação do p ró p rio im ig ran te n a te rra p ro m etid a e o desejo de dar-lhes u m pouco da p ai­ sagem italiana.

( ) lui h a p o rta to le sem enti, è, le sem en ti h a portato, m a no n h an n o preso m olto b en e ( ) son m o rti più della m età p erchè c’era ’na m alattia che avevano preso, so c h e ... n o n e ra il vero c ip re sso ... dopo qua è stato trovato il cipresso, ad attato a q u e­ sto e allora adesso sono quelli che sono qui ( ). M a h a co m b attu to ta n to D on E rn e ­ sto perch é n o n eran o abituati, i cipressi erano ab itu ati al clim a di là di San D onà di P ia v e ... il freddo...7

( ) lui li h a p o rtati, poi n e portav a uno, due in ogni fam iglia p e r ricordare dell’ I ta ­ lia, p erch é lui aveva m olta tradizione ( ) lui voleva solo che restassi urna colonia italiana...8

“E m ig ran te” com o seus com patriotas, Dom E rn esto e n fren ta o m esm o sofrim ento dos com pa­ nheiros, p o rtan to , se n te com o sua aquela colônia e deseja u m a pequ en a Itália p ara os im igrantes e p a ra si. A religião e a educação são os principais in stru m en to s do p ad re p a ra a tra ir os fiéis: as m issas em italiano e o ensino da língua italiana no jard im da infância foram elem entos fu n d am e n ­ tais na te n ta tiv a de m an u ten ç ão de u m a identidade italiana, em b o ra os im igrantes provindos de diversas regiões da Itália logo com eçassem a fazer uso do que cham am os de in terlin g u a9 p a ra a com unicação (B erruto, 1998:42).

A inda hoje podem os observar nos teste m u n h o s orais dos italianos a forte p rese n ça de e le m e n ­ tos do discurso do p ad re fundador, traço s m arcan tes n a construção de u m a id en tid ad e italiana p ed rin h en se. É a u n ião fam iliar, os b o n s filhos ju n to aos pais, o trab alh o e a rep u lsa c o n tra quem não gosta de trab a lh ar, com o se pode verificar n a fala orgulhosa do te ste m u n h o a seguir:

... i bam bini crescendo m io m arito lavorando abbiam o lavorato tu tti perché io son(o) u n a p e rso n a (che) m i piace m olto lavorare ah (quanto però) io (lo) dico sem p re mi

7. Entrevista concedida em julho de 1 9 9 9 - “( ) ele trouxe as sem entes, é, trouxe as sem entes, mas não pegaram m uito bem ( ) m orreu mais da m etade porque pegaram um a doença, sei q u e ... não era o verdadeiro c ip re ste ... depois, aqui, foi encontrado o cipreste, adaptado a isso e então agora, são aqueles que estão aqui [os adaptados] ( ). Mas Dom E rnesto lutou tanto, porque não estavam acostum ados, os ciprestes es- tavam acostum ados ao clima de lá, de San Donà di P ia v e... o frio ”, Tradução nossa.

8. E ntrevista concedida em julho de 1999 - “( ) ele os trouxe, depois levava um ou dois para cada família p ara lem brar-se da Itália, porque ele tin h a m uita tradição ( ) ele queria som ente que ficasse um a colônia italiana ( ) ”. Tradução nossa.

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piace solo chi lavora e chi è vagabondo n o n è p e r m e ( ) e la vita è a n d a ta così di di di di sofrim ento (in) com incio m a dopo (guardi) io ho avuto i figli che sono sta ti m olto b u o n i se m p re ubbidiscono sem pre lavorando col padre la m ad re tu tti10

Na m e sm a en trev ista , a se n h o ra co n tin u a a narração sobre a coragem que foi necessária para e n fre n ta r as dificuldades de adaptação ao novo lugar:

... m a (è) orm ai a gente tá enfrentando a gente tem que ter coragem de enfrentar la vita m a che è sta to duro è stato ( ) e allora grazie a Dio abbiam o enfrentato lavorato sem p re an d ato avanti ( ) è la v ita è u n a lo tta così ( ) u

Palavras como trabalho, sofrimento, coragem, enfrentar, obediência, sacrifício e luta, que fazem p ar­ te dos serm õ es de D om E rnesto, são re c o rre n te s nos testem u n h o s dos italianos de Pedrinhas.

No te ste m u n h o a seguir, palavras com o coraggio, sopprawivere, enfrentar, appoggiarsi e a figura de D om E rn e sto revelam -se com o elem entos prim ordiais na então C olônia e até os dias atuais:

( ) abbiam o arrivato qui n o n abbiam o trovato n ie n te u n poco di stra n o l’abbiam o tro v a to m a la volo n tà il coraggio dell’em igrante quando disradica la la dalla come si dice radice vecchia enfrenta t u t t o ... adesso chi ha fatto il pro p o sito di d ire “no qui c’è com e so p p ra w iv e re ” ( )... e allora siam o siam o p ro cu rato di te n e r coraggio di appoggiarsi l’uno all’a ltr o ... abbiam o avuto un padre veneziano di San D onà di Piave D on E rn esto quello lì ha preso le redi [redini] e ha m a n te n u to p erch è io dico sem ­ pre “grazie a 'sto Don E rn esto che oggi P ed rin h a esiste” p erchè lui è v en u to come m issionario com e padre spirituale e h a fatto la p arte di p ad re h a fatto la p a rte da console h a fatto la p arte da padre di fam iglia... il disanim o è stato g ra n d e ... la p ropria situazione dell’em igrante p ro cu ra sem pre di abbracciarsi uno all’a ltr o ... quello che è successo in P edrinha o eravam o abruzzesi o veneziani o siciliani nasceva l’am icizia sulla p rim a vista non c’e r a ... ci siam o u n iti... no n o n c’è stato 'n a separazione di razze o di regione c’abbiam o p ro cu rato sem pre di aiu tarsi di consigliarsi di m an ten erci q u an to più u n iti p orque solo così podevam o so p p ra w iv e re ...

Sì sì oggi si co n tin u a della stessa m an iera perchè il tem p o è p assato ci siam o uniti sem p re di più abbiam o c o stru ito sem pre di più ... ( ) s’è co stru ito P e d r in h a ... ( ) tu tto con l’un io n e del popolo ( ) sentivam o tu tta la stessa necessità tu tto lo stesso desiderio di te n e re qualcosa di meglio e r a ... il p ad ro n e del paese u n o anim ava da u n a p a rte e lui si anim ava e si tira avanti così né? passiam o qualcosa n o stra ai n ostri figli ai n o stri n ip o ti... ( ) la radice n o n si può p erd ere p erch è se no loro dom ani

ri-10. E ntrevista concedida em julho de 2000 - “as crianças que cresciam m eu m arido que trabalhava todos trabalham os porque eu sou um a pessoa (que) gosta m uito de trab alh ar ah (quanto porém ) eu falo sem pre gosto só de quem trabalha e quem é vagabundo não tem vez ( ) e a vida foi assim de de de de sofrim ento (no) início m as depois olha eu tive os filhos que foram m uito bons sem pre obedecem sem pre trabalha­ ram com o pai a mãe todos ( ) ”. Tradução nossa.

11. E ntrevista concedida em ju lh o de 20 0 0 - “m as (é) a gente tá enfrentando a gente tem que ter coragem de enfentar a vida m as que foi duro fo i( ) e então graças a Deus enfrentam os trabalham os sem pre fomos em frente ( ) é a v i d a é uma luta assim ( ) . Tradução nossa.

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peto quando si dom an d an o n o n s i ... non sanno chi sono e la gran d e preo ccu p azio ­ ne e la grande resp o n sab ilità della perso n a anziana penso io è g iu stam en te quello di p assare alla gioventù l’avventura quello che s’è passato, p erch è siam v en u ti qui p erch è certi figli oggi dicono che “i genitori no stri sono sta ti ig n o ran ti c’h an n o p o r­ ta ti a ’sto B rasile perchè não sei que não sei que p erchè in Italia c’e ra qu esto e c’era quell’a ltro ” s ì ... c’era in Italia m a m ancava il principale p erchè l’Italia n essu n o lo può m e tte re in dubbio che è uno dei più belli paesi del m ondo m a “la bellezza non riem pie la pan cia” com e si dice nel dialetto nostro è vero? ( ) ‘sti vecchi ‘sti gen ito ri dovevano far qualcosa e allora la gente l’h a se n tu to alla pelle la resp o n sab ilità e ... cosa sen tiv an o ‘sti vecchi n o stri e allora noi lo s a p p ia m o ... li passiam o ai fig li... m a quelli che no n c’h an n o detto il p erchè hanno ven u to qui in Brasile o a ' n altro posto del m ondo n o n lo sanno accusano i g enitori di averli tira to dall’Italia p erchè l’Italia oggi è u n g ia rd in o ... invece la realtà non è quella p erchè se si stava bene lì se i no stri padri i n o stri g enitori avevano tu tto p e r p o te r so p p raw iv ere la fam iglia uscivano di lìp rà q u e l N on c’era m otivo ( ) 12 (grifos nossos)

P ara p o d e r c o m p reen d er a relação en tre língua e espaço e o poder da fala do padre sobre o p e­ d rin h e n se é fu n d am en tal fazer um a análise da variedade de língua italiana ex isten te em P ed ri­ nhas Paulista. N ote-se, no te ste m u n h o acima, a ênfase dada à união do grupo que, de acordo com o relato, agiria com o u m a grande fam ília unida, graças à força m oral incutida p o r Dom Ernesto. A língua, p ara o italiano p ed rin h en se, passa a ser um a língua própria, única, com o única é a co m u n i­ dade p ed rin h e n se , form ada pelos “em igrados e exilados” guiados pela força e pelos ideais de Dom E rnesto. A força que em a n a de seus serm ões, repetidos e co n stan tem en te reelaborados, reforça a idéia inicial da m an u ten ção de u m povo unido e coeso em sua m oral, costum es e língua.

A antiga C olônia de P edrinhas, in serid a nu m am biente estrita m e n te ru ra l em seu início, hoje cede lugar a um espaço hetero g ên eo com posto p o r m ansões que ladeiam a avenida principal da peq u en a cidade e p o r novos bairros de casas populares, o que d enota como se com põe a sociedade pedrinhense. Há, ainda, n u m a sim bólica representação de avanço urbano, dois prédios inacabados.

12. E ntrevista concedida em julho de 1999 - “( ) chegamos aqui não encontram os nada achamos um pouco estranho mas a vontade e a cora­ gem do em igrante quando é arrancado a a da como se diz da velha raiz enfrenta tu d o ... agora quem veio com o propósito de dizer “não aqui há como sobreviver” ( ) e então procuram os te r coragem de apoiar-nos um ao outro ... tivemos um padre veneziano de San Donà di Piave Dom E rnesto aquele lá tom ou as rédeas e m anteve porque eu sem pre digo “graças a esse Dom E rnesto que Pedrinhas existe hoje” porque ele veio como m issionário como pai espiritual e fez a p arte de padre fez a parte de cônsul fez a p arte de pai de família ... o desânim o foi grande ... a própria situação do em igrante [que] procura sem pre abraçar-se um ao outro ... o que aconteceu em Pedrinhas ou éram os abruzeses ou venezianos ou sicilianos nascia a amizade à prim eira v is ta ... não h a v ia ... nos u n im o s... não não houve um a separação de raças ou de região procuram os sem pre ajudar-nos aconselhar-nos m anter-nos sem pre unidos porque só assim podíam os sobreviver... sim sim hoje se continua da m esm a m aneira porque o tem po passou nos unim os sem pre mais construím os sem pre m ais... ( ) construiu-se P e d rin h as... ( ) tudo com a união do povo ( ) sentíam os todos a m esm a necessidade todos o mesmo desejo de ter algo m elhor e r a ... o dono da cidade [refere-se ao pa­ dre] um anim ava de um lado e ele se animava e se vai em frente assim né? passamos algo nosso aos nossos filhos aos nossos n e to s ... ( ) a raiz não se pode perder porque senão eles am anhã repito quando se perguntam não s e ... não sabem quem são e a grande preocupação e a grande responsabilidade dos mais velhos penso eu é ju stam en te o de passar à juventude a aventura o que se passou porque viem os para cá porque certos filhos hoje dizem que “os nossos pais foram ignorantes nos trouxeram para este Brasil porque não sei que não sei que porque na Itália tinha isso e tin h a aquilo” s im ... havia na Itália mas faltava o principal porque a Itália ninguém pode duvidar que é um dos mais belos países do m undo mas “a beleza não enche a barriga” como se diz no nosso dialeto, não é verdade? ( ) esses velhos esses pais tinham que fazer alguma coisa e então a gente sentiu na pele a responsabilidade e ... o que sentiam esses nossos velhos e então nós o sab em o s... passam os aos filh o s... mas aqueles que não lhes disseram [o] por quê vieram ao Brasil ou a um outro lugar do m undo não o sabem [e] acusam os pais de tê-los tirado da Itália porque a Itália hoje é um ja r d im ... ao contrário a realidade não é aquela porque se se estava bem lá se nossos pais tinham tudo para que a família pudesse sobreviver por quê sairiam de lá, prá que? não havia motivo ( ). Tradução nossa.

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As m u d a n ças no am b ie n te urb a n o de P edrinhas, ocorridas no d eco rrer desses anos, evidenciam u m a m u d a n ç a p ro fu n d a no im aginário das pessoas. A invenção da P átria, processo que se iniciou com a fun d ação d a Colônia, cu lm in a com a co nstrução dos sím bolos atuais, com o o M em orial e o P o rtal da cidade. Tais elem entos, inseridos no espaço ped rin h en se, ajudam a p e rp e tu a r um a visão cada vez m ais artificial e este re o tip a d a da Pátria, m as rep resen tam , no im aginário local, o re tra to da p e q u e n a Itália.

P odem os d izer que, n u m a com unidade e stru tu ra d a com o P edrinhas, a m em ó ria do im igrado não é individual; h á traço s de m em órias individuais que se som am n a m em ó ria coletiva dos in te ­ g ran tes dessa com unidade e form am , assim , um en tre la ç am e n to de idéias e ideais em que cada um deixou sua m arc a pessoal e a in teg ro u aos anseios do grupo e da família.

A língua é p a rte in te g ra n te dessa m em ó ria e dos te ste m u n h o s orais dos italianos de Pedrinhas; nela se percebe u m a m a n e ira p artic u la r de com unicação, co n stru íd a de acordo com o dialeto de origem , d a facilidade individual de assim ilação do italiano falado pelo p ad re e pelos funcioná­ rios d a C o m p an h ia e de seus con tato s com a Itália atu alm en te. Os im ig ran tes adultos chegaram a P ed rin h as falando cada u m seu dialeto natal. A língua italiana, que su p o stam e n te deveriam te r trazid o da Itália e à qual se sen tem ligados por afeto profundo, p a ra eles, pelo m enos em parte, foi c o n stru íd a em Pedrinhas.

Na m ed id a em que se evocam lem branças das te ste m u n h a s que chegaram a P ed rin h as ainda adolescentes ou adultos jovens, as recordações traze m à to n a fragm entos de língua italiana, p o r­ que, quando crianças, ainda n a Itália, eles freq ü en taram a escola. Por isso, p ercebem os em seu discurso, depois de ta n to s anos, u m a prevalência do italiano sobre o dialeto; em seus te ste m u ­ nhos, as in te rferên cias dialetais são m ínim as no plano do léxico, m as n o tam o s c e rta dificuldade n a co n stru ção das frases. Talvez, p o r isso, as noções repetidas pelo padre em seus serm õ es sejam tão p re se n te nas falas dos pedrin h en ses. Os conceitos que ele elaborou de união, fratern id ad e e coragem p a ra a fundação e m an u ten ção de um espaço italiano m an têm -se na m em ó ria como traço de italianidade, de h eran ça da te rra natal.

Os prim eiros resultados da pesquisa sobre a língua dos im igrados italianos de P edrinhas Paulista destacam questões relativas à existência de variedades de língua italian a n a cidade de São Paulo e em diversos locais próxim os ou distan tes da capital paulista. Dados im p o rta n te s n u m m om ento em que lingüistas do m u n d o todo estão envolvidos em estu d ar as form as e os processos que as línguas so freram p a ra tran sfo rm are m -se em variedades lingüísticas diferentes ou até m esm o em o u tras línguas. São estudos que m erecem destaque, não som ente do p o n to de vista lingüístico, mas ta m b ém social, a fim de m an ter-se ou recu p erar-se a peculiaridade dessas com unidades.

Na língua falada em geral, sem diferenciar nível de instrução dos in terlo cu to res, pode-se obser­ v ar que h á traço s genéricos que co n trastam radicalm ente dos da língua escrita ou da língua falada tra n sp o sta p a ra a escrita. Tais traços enfocam a situação e o m o m en to no qual o corre a conversa­ ção e n tre dois ou m ais in te rlo cu to res e o grau de in teração e n tre eles. Para que a conversação se

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realize deve haver id en tid ad e tem poral, m as não necessariam en te identidade espacial (notem -se os telefonem as, válidos pela e sp o n tan eid ad e expressiva que p e rm item ao in terlo cu to r). A língua falada n u m a situação e sp o n tâ n e a te n d e a realizar u m discurso não elaborado, com rep etiçõ es de palavras ou de frases e p red o m in ân cia de coordenação e pausas, a fim de d ar tem p o ao in te r ­ lo cu to r de o rganizar suas idéias. Tal discurso pode ser re e stru tu ra d o d u ra n te a conversação, em qu alquer m om ento, sem p re ju d ic ar a coerência do assu n to em questão.

Os testem u n h o s dos im igrados ped rin h en ses são um claro exem plo de discurso não elaborado, apesar dos en trev istad o s saberem , u m pouco an te s d a entrevista, o assu n to a se r tratado. E m b o ­ ra houvesse essa consciência, a in teração e n tre d o cu m en tad o r e in fo rm an te foi a m ais n a tu ra l possível.

A p a rtir do m o m en to em que lhes se colocam as p erg u n tas relativas às lem branças da viagem , da chegada e da adaptação, iniciam a p ró p ria narrativa: constroem e reco n stro em c o n sta n te m e n ­ te, revelando os lim ites de q u an to resta de seu italiano, perdido, em p arte, todavia arq u itetad o e rearq u itetad o p a ralelam en te à construção e reco n stru ção de sua vida e de u m a Itá lia inventada e im aginada p o r eles e p o r seu guia ideológico-espiritual em Pedrinhas Paulista.

A nna G iacalone R am at, n u m de seus ensaios (1994:47), indica as grandes tran sfo rm açõ es so­ fridas pelo italiano com o co n tato externo, que, ao m esm o tem po, se am plia no espaço de a b ra n ­ gência da língua fora do país de origem . O utro dado im p o rtan te é que o italiano, ou u m a v arie­ dade dessa língua, to rn a -se veículo de ligação e n tre italianos provenientes de diferentes regiões da península.

O utra estudiosa da língua italian a fora da Itália, Cam illa B ettoni, em pesquisa sobre Italianos na A ustrália observa:

L’ italofonia degli em igranti va com unque qualificata com e non standard. In fa tti la loro v a rietà più alta è l’italiano popolare, definito m olto a p p ro p riatam en te in qu e­ sta sede con B erru to (1987:108) la ‘v arietà sociale dell’italiano [...] u sa ta d a /tip ic a di stra ti sociali bassi, incolti e sem icolti’. D’altra p arte l’italiano standard, p raticam en te assen te nella re a ltà dell’em igrazione com e ben e d’uso, è p u r sem pre p re se n te com e ideale, con tu tte le v irtù - e tu tti i difetti - di un m odello che i pochi anni di scuola avevano im posto nei program m i m a non garan tito in classe. (2002:415)

P ortanto, a lingua qu e se ouve hoje nos testem u n h o s dos italianos p ed rin h en ses não é u m a p u ­ ra e sim ples deform ação d a língua sta n d ard (e não se pode ab so lu tam en te to m a r com o m odelo de com paração), tam p o u co é língua m a te rn a dos im igrados, m as é u m a língua construída, nu m p rim eiro m om ento, no c o n tato com o padre, com o já m encionado.

Como diversos lingüistas já observaram em outros países de im igração italiana, n a variedade de língua usada nas e n trev istas de P edrinhas Paulista a subordinação tam b ém é pouco utilizada. H á

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escassez de conjunções subordinadas, m as tam bem coordenadas, como conclusivas e adversativas: q u in d i, d u n q u e , t u tta v ia , p e r ta n to , ao passo que é m uito freq ü en te o uso de 'm a ’ e ’p erch é’, o qu e to rn a a n a rra tiv a m en o s co m p ro m eted o ra do p o nto de vista sintático. E n tre o u tra s coisas não se p ode e sq u e cer que a c a ra cterística da coordenação das frases na língua falada p e rte n c e a q u a lq u e r língua, a té m esm o quando se tra ta de língua culta.

N a fala dos italian o s p ed rin h en ses, as reform ulações em p o rtu g u ês-b rasileiro /italian o e italia- n o /p o rtu g u ê s-b ra sile iro refletem a dificuldade que os in fo rm an tes tê m p ara achar u m a m aneira ad eq u ad a de ex p ressar a idéia. P o rtan to , observa-se que há sem pre a te n ta tiv a de esclarecer o as­ su n to ao d o cu m en tad o r, seja p o r m eio de um a palavra ou frase em portu g u ês-b rasileiro e de sua refo rm u lação (sem pre em p ortuguês-brasileiro), seja p o r m eio de u m te rm o de origem dialetal ou po rtu g u ês-b rasile iro e sua reform ulação em italiano.

Os im igrados p ed rin h en ses reconhecem -se com o italianos pelo uso da língua, apesar de a m aio­ ria te r plena consciência de que se tr a ta de u m a língua b a sta n te m isturada; reconhecem -se pelo espaço que cria ram em seu im aginário, espaço reco n h ecid am en te italiano. Sabem os que a língua m a te rn a nacional é a base da identidade de u m povo e os pedrin h en ses, reconhecendo-se como italianos pelo uso da língua, não p erd eram de todo sua identidade. Até hoje, quando falam sobre o assunto, não se co nsideram apenas vênetos, calabreses, abbruzzesi, m as italianos pedrinhenses que se e n te n d e m reciprocam ente.

O exercício de elaboração e reelaboração do discurso dos im igrados de P edrinhas P aulista cons­ tró i o seu p a trim ô n io lingüístico italiano e é u m a de suas vitórias sobre as dificuldades e n fren ­ tad as no m o m e n to em que eles se fixaram no Brasil. E n tre ta n to s elem en to s que co n stitu em a realidade co tid ian a p ed rin h en se, a variedade interlingüística dos italianos dessa p eq u e n a cidade surge com o u m a das ten tativ as de m a n te r sua identidade, elem en to fu n d am en tal, a fim de que o h o m em te n h a o sen tim e n to de p e rte n c e r a determ in ad o lugar.

Os p e d rin h e n se s p ercebem que o espaço que co n stru íram ju n ta m e n te com Dom E rnesto, por m eio d a idealização de sua aldeia de origem , é um lugar com o qual se identificam p len am en te e que, n a sua visão, se to rn o u o paraíso reencontrado. A língua é o veículo de suas m em órias, n a rra ­ das e elevadas a m ito, e a n arrativ a dos prim eiros im igrantes italianos, elevada à fábula, perm eia o am b ien te e é repassado aos descendentes. D essa form a, há um a concaten ação de m em órias, so m am -se h istó ria s de vida que são rep etid as e reforçadas pelas gerações de n eto s e bisnetos nascidos em P ed rin h a s Paulista.

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Referências

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