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A PANDEMIA E O AVANÇO DO FINANCIAMENTO DA GESTÃO PRIVADA NA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE SÃO PAULO

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Revista Educação Básica em Foco, v.1, n.2, julho a setembro de 2020

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A PANDEMIA E O AVANÇO DO FINANCIAMENTO DA GESTÃO PRIVADA NA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE SÃO PAULO

Mauricio de Sousa1

Introdução

Introdução Desde o mês de março de 2020 as redes de ensino brasileiras se deparam com uma nova realidade: a suspensão das aulas presenciais, em virtude da pandemia do coronavírus. Essa suspensão trouxe como principal mudança a migração do ensino presencial para plataformas digitais como forma de garantir o atendimento educacional aos estudantes.

Essa mudança abrupta na forma de ensinar ressaltou a desigualdade social na educação principalmente porque as camadas populares não têm acesso aos instrumentos mínimos para garantia desse “ensino a distância” que são computadores e internet de qualidade. Na outra ponta os docentes têm apresentado dificuldades para desenvolver o seu trabalho pedagógico nas plataformas digitais, pois não foram formados e nem preparados, acarretando sobrecarga de trabalho e stress para esses profissionais.

Concomitantemente observamos que o Estado nos níveis estaduais e municipais tem atuado de forma bastante limitada para resolver os problemas dos estudantes e professores, sem garantir os insumos necessários, o que, por sua vez, pode provocar uma onda de evasão e abandono escolar na educação básica no ano de 2020. Essa situação pode ser explicada em parte, pela simplificação dos formuladores de políticas educacionais ao imaginar que a educação a distância se faz apenas com a transferência da forma ensinar presencial para as plataformas virtuais. Também não podemos deixar de mencionar a incapacidade do governo federal, através do Ministério da Educação, para promover uma política de coordenação para o sistema de ensino

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brasileiro.

Não obstante a esses graves problemas enfrentados por toda a comunidade escolar brasileira, a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo (SMESP), aproveitou este momento para aprovar projetos que aprofundem a privatização da educação municipal paulistana, um deles é a transferência dos recursos públicos para compra de vagas em escolas particulares de educação infantil.

A gestão não estatal da educação infantil paulistana

A cidade de São Paulo conta com a maior rede de ensino municipal do país com quase 1 milhão de estudantes, 562 escolas de ensino fundamental e médio, 3067 escolas de educação infantil e mais de 65 mil profissionais de educação, destes mais de 46 mil são professores. O atendimento a educação infantil, na faixa etária de 0 a 3 anos é um dos grandes gargalos desta rede de ensino. Uma das políticas adotadas para sanar este gargalo foi o estabelecimento do sistema de parceria com organizações sociais na gestão das creches, ou seja, a SMESP repassa recursos financeiros públicos para essas organizações sociais gerirem as escolas. Esta forma de gestão é uma das características das teses dos reformadores da educação, apontadas por Freitas (2012, p. 386) que diz “... o advento da privatização da gestão introduziu na educação a possibilidade de que uma escola continue sendo pública e tenha sua gestão privada”.

Esse modelo de gestão privada foi adotado desde o ano de 1999, momento em que as creches deixaram de ser administradas pela da Secretaria de Assistência Social e foram absorvidas pela SMESP, conforme estabelecido pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996. Nesta transição as creches públicas paulistana passaram a ser chamadas de Centro de Educação Infantil (CEI).

Com esse modelo “público estatal e público não estatal” passou a existir na SMESP três tipos de CEIs: CEI direto (prédio e gestão pública estatal); CEI

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Indireto (prédio estatal e gestão privada) e CEI Parceiras (prédio e gestão privada). Na Tabela 1, observamos o avanço do modelo público não estatal, ou seja, número de CEIs parcerias aumentou de forma acentuada, nos últimos quatro governos da cidade, em oposição aos investimentos para os CEI diretos (público estatal), por exemplo, nos dois últimos governos não houve a inauguração de nenhum CEI direto.

Tabela 1 – Taxa de evolução da quantidade de CEI da rede municipal de ensino de São Paulo

no período de 1999 a 2019

Ano DiretosCEI IndiretosCEI ParceirosCEI

Quantidade de parceiras efetivadas

ao final de cada governo

Taxa de expansão dos CEI Parceiros ao final de cada governo (%) 1999 272 149 291 - -2000 271 152 293 2 0,68 2004 326 200 327 34 11,6 2008 346 294 541 214 65,44 2012 357 319 798 257 47,5 2016 362 354 1327 529 66,29 2019 362 381 1750 423 31,87

Fonte: SÃO PAULO, 2016; SÃO PAULO, 2020. Elaboração do pesquisador.

Mesmo com esse aumento exorbitante de CEIs parceiros (cerca de 501% em vinte anos) esta rede de ensino ainda não conseguiu garantir em algumas regiões da cidade, vagas para bebês e crianças. Com o objetivo de minimizar este problema, o governo atual, de Bruno Covas, divulgou um novo modelo de gestão, em dezembro de 2019, que consiste na compra de vagas em escolas particulares. Trata-se do Programa Mais Creche e Bolsa Primeira Infantil (S O PAULO, 20), onde a transferência de recursos dar-se-á em duas direções: financiamento de vagas nas escolas particulares e o pagamento no valor de duzentos reais para as famílias (limite de três crianças), que não conseguirem vaga em um CEI da cidade.

De acordo com essa legislação um dos critérios estabelecidos para que as unidades particulares se credenciassem ao programa é ser uma instituição sem fins lucrativos, comunitárias, confessionais ou filantrópicas. Esse programa

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nada mais é a adoção da política de vouchers, que se iniciaria em 2020, porém com a pandemia o processo foi interrompido.

Se por um lado, a pandemia atrapalhou o processo de escolha das escolas particulares, por outro não impediu que o governo avançasse na política de compra de vagas na educação infantil. Aproveitando, o isolamento social, que impossibilitou a categoria dos profissionais da educação e toda a comunidade escolar de mobilizar-se presencialmente, em agosto deste ano, mesmo com a pressão virtual aos vereadores, o governo conseguiu aprovar a Lei 17.7437 (S O PAULO, 2020) que aprofundou esse processo. Essa lei possui dois agravantes que julgamos essenciais: a ampliação do público alvo, de 0 a 5 anos, ou seja, toda a fase de educação infantil; e, caso, em alguma região o número de escolas credenciadas não atender a demanda, o poder executivo fica autorizado a fazer o chamamento público de escolas que tenham fins lucrativos. Isto é, a verba pública financiando o lucro particular.

Com a aprovação desta lei, além do financiamento a escolas particulares na educação infantil, foi autorizado vouchers para a aquisição de uniformes e material escolar pelas famílias para toda educação básica desta rede de ensino.

Retomando o problema do modelo de gestão verificamos que no caso dos CEIs parceiros que são supervisionados pela SMESP existem distorções entre a gestão estatal e não estatal como exemplo: salários mais baixos, jornadas de trabalho maior, edificações sem infraestrutura adequada, e, por fim, o desvio de verbas pelos gestores destas organizações sociais, como foi noticiado pela mídia.

O que poderemos esperar deste modelo de gestão totalmente privado? É sabido que a maioria das escolas particulares utiliza material apostilado, ou seja, o dinheiro público financiaria empresas privadas que fornecem este material. Além disso a lógica do mercado permeia estas escolas, onde tudo é comprado desde uniformes a atividades extracurriculares (passeios, aulas de ballet, judô etc.). Assim no momento que a SMESP comprar uma vaga numa escola particular, abandonará esta família “beneficiada” a toda sorte de mercado.

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Considerações

Terminamos este texto com as observações de Ball e Youdell sobre a mudança do papel do Estado no processo de privatização dos serviços públicos, entre estes a educação

No se trata sólo de que el Estado renuncia a sucapacidad para gestionar los problemas sociales y responder a las necesidades sociales. Em realidad, se trata de una nueva modalidad de acción estatal [...] implica un cambio en el papel del Estado, que pasa de prestar directamente los servicios educativos a convertirse en un contratista, un supervisor y um evaluador de los servicios prestados por muchos otros proveedores. (BALL; YOUDELL, 2007, p. 57-58)

O governo municipal de São Paulo cada vez mais se estabelece como contratualista de serviços na educação infantil negando o seu dever constitucional de oferecer uma educação pública de qualidade.

Referências Bibliográficas

BALL, Stephen J.; YOUDELL, Deborah. Privatización encubierta en la

educación pública. V Congreso Mundial Internacional de la Educación. 2007. Disponível em:

<http://www.feccoocyl.es/files/pdf/feccoocyl_071207_privatizacion_encubiert a _educacion_publica.pdf>. Acesso em: 01 de setembro 2020.

FREITAS, Luiz Carlos de. Os reformadores empresariais da educação: da desmoralização do magistério à destruição do sistema público de educação.

Educação & Sociedade, v. 33, n. 119, p. 379-404, 2012.

SÃO PAULO. Lei 17.437 de 12 de agosto de 2020. Estabelece medidas para a organização das unidades educacionais no Município de São Paulo; prorroga os mandatos do Conselho Municipal de Assistência Social e do Conselho de Habitação. Disponível em http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/lei-17437- de-12-de-agosto-de-2020. Acesso em: 26 agosto de 2020.

SÃO PAULO. Decreto No 59.134, de 12 de dezembro de 2019. Regulamenta a Lei no 17.244, de 5 de dezembro de 2019, que dispõe sobre a criação dos Programas Mais Creche e Bolsa Primeira Infância. Disponível em:

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dezembro-de-2019>. Acesso em: 24 de agosto de 2020.

SÃO PAULO. Balanço da gestão 2013-2016. Diário Oficial da cidade de São

Paulo: Suplemento, São Paulo, 30 de dezembro de 2016, p. 38.

SÃO PAULO. Cadastro das escolas municipais, conveniadas e privadas. Dados

Abertos. Disponível em:

<http://dados.prefeitura.sp.gov.br/pt_PT/dataset/cadastro-de-escolas- municipais-conveniadas-e-privadas>. Acesso em: 30 de agosto de 2020.

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