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Academic year: 2022

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sete minutos

André Furlan

Introdução

Naquela mesa um segundo se transformou num tempo ilimitado.

(2)

Cenas vividas, lembradas e esquecidas, voltei a viver. Num turbilhão, como num sonho acordado, vi e senti... Imaginação, lembranças, cores e sabores de minha vida. Fui personagem, protagonista no filme da vida. Agora sou réu e juiz, personagem e espectador.

Desdobrado, me vi em momentos tristes ou felizes, rindo, cantando, sofrendo... É o espetáculo da vida numa retrospectiva aleatória.

Realidade, emoção, fantasia... Uma mescla final que resulta em mim.

Naquela mesa, num momento aconteceu...

Como num sonho ou um portal para uma dimensão paralela, comecei a ver cenas numa definição mais elaborada do que o televisor mais avançado que existir.

O mais interessante é o fato que assistia cenas onde às vezes era o personagem principal, outras, espectador anônimo. Minha mente podia controlar o avanço das imagens... Podia até pausar ou retroceder as cenas, mas não conseguia interromper a transmissão. Era prisioneiro destas

imagens, onde como num bom filme, me emocionava com cenas marcantes.

Tudo escuro. De repente, como no cinema, a transmissão começa.

A partir de agora relato os fatos num tempo presente, pois aqui espaço e tempo interagem, numa dimensão superior à nossa.

TURBILHÃO

Agora sou protagonista deste filme, como num reality show. Participo, vejo, sinto tudo o que acontece.

Saindo de um tipo de turbilhão estou num terreno fétido e escuro. Apesar da

pouca luminosidade, posso ver nesta penumbra seres que rastejam penosamente

neste lodo pútrido. Sinto aqui todo desespero de uma alma desesperançada, o

supremo exílio de náufrago eterno. Aqui parece só haver solidão e dor. Súplicas

inaudíveis dos caídos nos abismos da depressão, lamúrias dos que perderam a fé...

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Aqui também estou no rol dos rastejantes aflitos, sofredores sem saída... Por quantas vezes em que não via saída para sofrimentos da vida, nem alegria em momentos de dor...

Num piscar de olhos, o cenário muda.

Um vilarejo humilde, uma reunião de pessoas ouvindo atentamente um homem, que tem a autoridade de um rei, a pureza de uma criança e o dom de curar o corpo e a alma.

Estou entre ou ouvintes também buscando motivos, cura e alegria...

Muitas curas são realizadas, muitos são abastecidos com o néctar da luz e da paz.

Uma moça paralítica rasteja até Jesus Cristo e clama por ajuda. Vejo

claramente a união espiritual entre ambos acontecendo. Um fluxo luminoso sai então do Anjo de Deus e atinge toda parte neuromuscular desta mulher.

Posso ver toda conexão neurológica sendo totalmente refeita.

Esta moça então se levanta e dá seus primeiros passos...

Novamente o turbilhão me leva...

Agora só há a ausência de imagens e cores. Tudo escuro e silencioso. Não sinto medo. De repente sinto que sou puxado. Estou nascendo! Sou um bebê!

Estranho ver-me assim... Já sou homem... Sou adulto... Nem sei porque vi isto! Tomara que o turbilhão me leve logo para outro lugar... Minha vida é boa. Agradeço por minha família, meu filho... Só vai ser duro morrer como cadeirante... Sei lá... Nem quero falar nisto...

De repente, dois seres me seguram pelos braços e me lançam num bosque

onde todos parecem muito felizes e pacíficos. Estranho estar aqui. Sinto-me

fora deste ambiente, incapaz de coexistir com tamanha felicidade, sabendo

da existência do sofrimento e da dor. Desejo sair deste lugar!

(4)

Sou agora carregado qual saco de lixo e precipitado nos abismos da Terra.

Perco os sentidos.

Tempos depois...

Abro meus olhos e me sinto agora feliz, vivendo agora momentos tão bons...

- Pega esta, Black!

Estou no quintal de minha casa num tempo que andava normalmente, antes da esclerose múltipla deixar sequelas musculares. Brinco com meu saudoso labrador, Black. Recém-casado, sinto-me muito feliz. Adoro vir no quintal brincar com o Black! Ele já morreu há algum tempo... Chorei muito... Mas prefiro vê-lo morto a sofrendo.

Sinto-me agora subir, tão alto que passa as nuvens e num campo celestial vejo o Black!

Ele vem perto de mim, saudável e forte, pelos negros brilhantes e macios.

Aqui tem também o mesmo brinquedo que usávamos no quintal de casa.

Emocionado, brinco bastante com meu amigo labrador. Fico muito feliz!

Um campo com grama verde bem claro e vivaz. Aqui posso andar e correr, como nos tempos idos. Contente, brinco com meu saudoso amigo labrador...

Jogo a argola plástica e ele a busca e traz para mim.

Logo estou novamente no turbilhão de imagens, céleres e vivas.

Agora estou no meu casamento. Momento muito feliz e inesquecível!

Revivo a viagem da lua de mel nas praias de Ubatuba... Muita alegria!

Passeamos nas praias de Perequê-Açu, Toninhas, Lázaro, Promirim e muitas outras. Agora estamos em Paraty, um lugar muito bonito!

Sinto-me feliz!

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Agora, o turbilhão me leva a um momento muito especial: o nascimento de meu filho, Jônatas.

Estou na sala de espera, vacilante para acompanhar o parto. A enfermeira vem me chamar e venço todo receio e vou para a sala do parto. Ao entrar, vejo minha esposa deitada e com o corte da cesárea já feito. Quanto sangue!

Quase desmaio... Mas consigo me refazer e me posiciono na parte de trás da maca. Então o Jônatas nasce!!!

Um momento lindo e inesquecível!

O instante mais maravilhoso de minha existência!

De repente tudo fica escuro e rodando...

Estou agora num tipo de mesa diferente das atuais. As pessoas sentadas no chão alimentam-se com pães e tomam vinho. Pessoas simples, ávidas por algo que não compreendo. Também como e bebo, pois sinto fome.

Ao longe alguns homens caminham em nossa direção. As pessoas estão agora inquietas, aflitas. Logo entendo que um destes homens é Jesus Cristo, que vem lanchar com prostitutas e cobradores de impostos. Sinto-me bem aqui sabendo que o Santo de Deus não julga também meus defeitos.

Compassivo, senta-se conosco e sua presença traz alívio para nossas almas.

Nossa vida, um caminhar à procura de felicidade e respostas para nosso vazio, para nossa insatisfação crônica.

O turbilhão me leva a lugares e situações marcantes. Cada etapa de minha vida, cada indecisão, lágrimas que derramei, traumas.

Cada momento, uma lição, aprendida ou não.

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Inquieto, me movo lentamente em minha limitação física.

Agarro-me a fatos, mas sou escravo de momentos lúgubres.

O turbilhão sacia minha passividade e acelera a velocidade de momentos mornos.

Quero o prazer de ser lido, a volúpia de ser devorado por seus

pensamentos... Cuspa-me, mas não tenha a insensatez de me excluir de sua mente.

Vivencio momentos singulares; frequento situações de épocas remotas e históricas. Para recordar ou aprender? Não sei. Mas garanto que cada momento traz emoções vívidas. Prazer, riso, lágrimas, dor.

Agora viajo por um terreno sem vida.

Tudo parece morto e vazio. Minha mente parece sentir a mesma coisa, numa depressão profunda. Parece que nada mais faz sentido e não há saída aparente. Gostaria de sair logo daqui... Lugar fétido e sujo, em que afundo os pés numa lama escura e pegajosa. O problema é que às vezes me sinto deste jeito... A deficiência física parece vencer-me em certos instantes...

Tem momentos em que o fato de quase não poder andar suprime a alegria de viver.

No anseio da vida,

A perder-se em momentos vazios, Clamo lúgubre, solitário,

Perdido na vastidão de mim...

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Busco momentos incertos Busco nem sei o que, Na vida célere, impetuosa, Vida que nunca tem fim.

Analisando fatos e tempos, observo a constância de minha busca; contemplo e sinto no turbilhão a procura infinita por respostas impossíveis de se

encontrar. Quem sabe a vida seja um eterno buscar respostas que apenas não pertencem a agora ou aqui.

Sozinho, neste momento, interajo com energias e pensamentos. Solitário, posso ver-me, consigo acessar informações escondidas nos porões de minha mente. Por vezes, penso no sentido de minha vida agora como deficiente físico e sempre encontro um milhão de motivos, porquês... Só que às vezes meu espírito se entristece com a limitação física. Espírito livre, cavalo selvagem, quero correr, quero voar.

Sou levado então a uma sala totalmente escura e fria, onde posso ouvir gemidos de dor. Não é possível ver coisa alguma, porém trata-se de um ambiente conhecido embora não consiga definir nada.

Começo depois de algum tempo a entender que local é este: trata-se de minha mente, de meu interior em momentos de sofrimento interno, momentos em que não encontrava saída, motivos, nem paz.

Tem vezes que por mais que tentasse me acalmar, nada adiantava e apenas queria me isolar e é para estes instantes que o turbilhão me leva: para as profundezas de minha alma.

Não me recordo de ter ido a um lugar tão triste e escuro. Mesmo minha

experiência na floresta escura me mostrou um lugar tão ermo...

(8)

O frio da alma não pode ser comparado ao frio ambiente.

O frio da alma causa uma dor não curada por analgésicos.

Apenas o amor aquece e cura este frio.

No ambiente lúgubre de minha mente nem a luz dos anjos entravam, pois minha dor era tanta que impossibilitava qualquer ajuda externa.

Quanto tempo durou? Não posso precisar, o tempo tem suas leis e não consigo definir a duração deste pesadelo real, em que às vezes me sinto.

Mas sei que até nestes momentos de profunda dor e desespero há ajuda esperando, embora por vezes inacessível...

Sinto-me por vezes como um mendigo sentado na porta de uma igreja ou templo aguardando a caridade alheia.

Até quando sofrer esperando uma ajuda já tão presente e real?

Quando alcançar uma paz sempre tão acessível, embora distante, trancada pelos portões da ilusão?

Às vezes a vida é como estar num mar revolto, onde ondas gigantes tragam-me e afogam sonhos e metas. É um eterno nadar em meio à

tempestade buscando a ilha da paz, inacessível e distante, uma busca externa sem fim por algo interior tão próximo, porém tão impossível de ser

alcançado.

Neste ambiente ermo me vejo num momento tão triste e vazio. Até quando

isto vai durar? “Turbilhão, me leve daqui!!! ", mas meu pedido não se

realiza ainda e o martírio destes momentos continua...

(9)

O turbilhão me leva...

Estou nadando no mar, minhas pernas já não respondem bem, mas nado no mar... Sinto-me muito bem nas águas mornas de Ubatuba, Praia Dura.

O Jônatas nada comigo aqui, minha esposa também. Boas recordações, revividas com o turbilhão...

Praia Dura, Ubatuba...

Agora estou na cadeira de rodas observando pais correrem brincando com seus filhos, jogando bola, pulando corda... Nunca pude fazer isto com meu filho, mas sempre adaptei brincadeiras e passeei com ele como pude. Deixo assim a mensagem de nunca desistir, ter fé, acreditar que sempre podemos viver, independente de problemas. A vida terrena é só a casca da árvore e uma realidade muito maior nos aguarda! Isto é real!

Acredito ser importante a gente ser feliz com o que tem, mas sempre ter novos projetos, metas, sonhos. Nunca estagnar, como um rio sempre em movimento, em que as águas têm sua autodepuração, porém apodrecem se parar.

Num ambiente árido e antigo, sento-me no chão para comer pão sírio. De repente, um homem vestindo uma túnica senta-se a meu lado. Reconheço-o das histórias que já li. Trata-se de Judas Iscariotes, o traidor.

Mesmo sabendo quem ele é e o que fez, não sinto raiva. Na verdade quantas vezes neguei o pão ao que me pediu outras em que não ajudei com palavras ou tive pensamentos ruins... Não julgar, acredito nisto.

Ele sem dizer palavra alguma se levanta, despede-se com um abanar de

cabeça e vai embora...

(10)

VIDA

O que é a vida se não uma eterna sucessão de fatos que ecoam nos tempos sem fim...

Vejo-me em frente a um espelho que mostra não só o momento, mas o desenrolar de fatos aleatórios com inúmeras possibilidades. Realmente cada ação que tomo modifica o rumo da vida.

O que é este instante?

Uma gota de água na folha enroscada Querendo cair...

Um momento único Em minha vida vivido E depois esquecido Sem razão de ser.

Um instante sem par

Sem dupla nem razão Para apenas viver...

Sem piedade tu passas Não voltas nem paras E assim passo também...

sete minutos

Neste instante sinto que já não me movimento. Calmamente abro os olhos e

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percebo que estou novamente sentado onde estava e que se passaram apenas sete minutos!

O turbilhão veio e passou... Lembranças, fatos, ensinamentos? Apenas sei que tenho que continuar...

Referências

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