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Da perda não elaborada: a melancolia em Sigmund Freud

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Da perda não elaborada:

a melancolia em Sigmund Freud

Resumo

Este trabalho desenvolve a noção de melancolia em Freud, a partir de seu ensaio de 1917, Luto e melancolia. A partir do estado dolo- roso de luto, Freud perscrutará a disposição da melancolia, apre- sentando, em ambas as realidades, as mesmas características, sendo outorgado ao indivíduo melancólico mais um traço: a considerável queda que existe em sua autoestima. Para Freud, a melancolia compromete o sentimento de si no indivíduo que a padece, poden- do alimentar nele uma delirante expectativa de punição, inclusive com a possibilidade do suicídio.

Existe, no escrito freudiano Luto e Melancolia, uma tentativa de se “esclarecer a essência da melancolia comparando-a com o [...]

afeto normal do luto”

1

. (FREUD, 2011, p. 45) Logo em seu primeiro parágrafo, Freud se coloca num debate acerca do tema, dialogando de forma clara com a psiquiatria da época, esclarecendo que sua abordagem vai buscar ser mais refinada em relação às múltiplas classificações psiquiátricas, até então postuladas. Diz Freud:

[...] façamos a tentativa de elucidar a natureza da melancolia, comparando-a com o afeto normal do luto. Mas desta vez temos que admitir algo de antemão, para evitar uma superes- timação de nossos resultados. A melancolia, cuja definição varia mesmo na psiquiatria descritiva, apresenta-se em va- riadas formas clínicas, cujo agrupamento numa só unidade não parece estabelecido, e das quais algumas lembram antes afecções somáticas do que psicogênicas. [...] nosso material se limita a um pequeno número de casos, cuja natureza psicogê- nica não permitia dúvida. Assim, desde já renunciamos a toda pretensão de validade universal para nossas conclusões, e nos consolamos na reflexão de que, dados os nossos atuais meios de pesquisa, dificilmente poderíamos encontrar algo que não fosse típico, se não de toda uma classe de afecções, ao menos um menor grupo delas. (2010, p. 171)

Logo nesta citação, Freud levanta uma exortação com vistas no es- clarecimento de que a definição de melancolia é oscilante, até mes- mo na psiquiatria descritiva. Segundo Edler, ele estaria se referindo a Kraepelin

2

, que em seu compêndio de psiquiatria, descrevia enti- dades clínicas como expressões da melancolia, tais como a loucura maníaco-depressiva, além de não ter concebido o fator psicogênico como fator crucial dos casos estudados por ele. (2008, p.29).

1 Na edição da Companhia das Letras, com a tradução de Paulo César de Souza, no lugar do termo “essência”, existe “a natureza”, ou seja, há “a tentativa de elucidar a natureza da melancolia” (Freud, 2010, p. 171).

2 Emil Kraepelin foi um psiquiatra alemão, com considerável influência no mundo, no final do século XIX e início do XX. Foi ele quem desenvolveu a classificação das patolo- gias psíquicas, causando grande repercussão na ciência europeia e internacional. Como sugestão de leitura, indica-se a Loucura maníaco-depressiva, cuja primeira edição em português data de 2012, pela editora Forense.

José Gilton Paz Leite Mestre em Filosofia pela Universidade São Judas Tadeu – USJT

Bolsista da Secretaria de Edu- cação do Estado de São Paulo giltonpaz@hotmail.com Palavras-chave

Melancolia; Luto; Perda. Auto-

estima. Libido.

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Assim, preocupando-se primeiramente com a tentativa de pers- crutar a natureza da melancolia e de analisar as suas afecções psíquicas, Freud buscará compreendê-los a partir do trabalho de luto. Existem, para ele, semelhanças nas características gerais des- sas duas realidades, tais como a dor, o desânimo e a apatia, uma sensação de pesar e a perda de interesse pelas coisas relacionadas ao mundo, todas elas oriundas de uma falta, ou seja, um objeto que fora amado e que agora não mais existe. À luz do que até aqui foi exposto, ressaltamos que a perda pode se dar de várias maneiras.

Como exemplo, existe uma espécie de “perda absoluta”, que consis- tiria na morte, a separação de algo ou alguém, o desaparecimento, a desistência, ou exílio etc. No entanto, mais que isso, as perdas não se referem apenas a pessoas: pode-se perder o patrimônio, a posição social e profissional. O que é sabido é que a perda faz parte natural da vida, apesar das pessoas reagirem a dela de maneiras distintas. Para Freud, tanto o luto quanto a melancolia manifes- tam-se enquanto respostas a essa perda. O luto, neste sentido, seria uma reação sadia, ainda que dolorida, à realidade natural da perda, que acomete a todos. No entanto, diz ele, “sob as mesmas influên- cias observamos, em algumas pessoas, melancolia em vez de luto, e por isso suspeitamos que nelas exista uma predisposição patológi- ca”. (2010, p. 172)

A “consideração conjunta” de luto e melancolia, à luz desse viés, marca o pensamento freudiano, em virtude do importante salto que houve em relação aos seus Rascunhos, escritos propedêuticos, quando as suas investigações sobre o tema tinham por partida a hipótese econômica da anestesia, consequência de uma espécie de hemorragia da libido

3

, culminando no fenômeno melancólico.

Existem vários esboços e rascunhos trocados entre Freud e Fliess, donde se pode afirmar nesse referencial teórico as ideias elementa- res de Freud ainda em sedimentação, muitas vezes ainda de forma um pouco confusa e imprecisa. No entanto, acredita-se que, por meio de um trabalho de busca e estudo, pode-se considerar, a partir desses Rascunhos, um caminho propedêutico para a análise da me- lancolia, que marca o percurso de Sigmund Freud naqueles anos.

É, pois, nessa troca de cartas que pode-se perceber a influência e a contribuição de Fliess no debate e na formulação das primeiras obras freudianas. Nessas correspondências, cujos nomes são dados de Rascunhos, Freud buscava apresentar ao seu interlocutor Fliess, uma teoria geral das neuroses. É também no auge desse período histórico de correspondências, ou seja, entre 1892 e 1896, que po- demos encontrar efetivamente, à luz da problemática das neuroses, a questão da melancolia diante de Freud.

Importante será acompanhar, de relance, o percurso do problema da melancolia em cada uma das cartas trocadas com Fliess, para que se possa inferir a dimensão da importância e da complexidade da

3 Apesar de não ter sido um termo criado por Freud, não poucas vezes as pessoas ten-

dem a considerá-la invenção sua. Termo latino, utilizado primeiramente por Moriz Bene-

dikt e, mais tarde, pelos fundadores da sexologia (Albert Moll e Richard von Kafft-Ebing)

para designar uma energia própria do instinto sexual, ou libido sexualis. Freud retomou

o termo numa concepção completamente distinta, para reportar-se à manifestação da

pulsão sexual na vida psíquica e, por extensão, a sexualidade humana em geral e a

infantil em particular. (Roudinesco; Plon, 1988, p. 471)

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questão para Freud, já que supomos a relevância da mesma, estando presente nos principais momentos de seu percurso intelectual.

Ao contrário do que afirma Edler, em sua obra Luto e Melancolia, à sombra do espetáculo

4

(2008, p. 29), é no conceituado Rascunho A que surge a primeira inquietação freudiana acerca dos ditos “afetos tristes”. Tal terminologia implica numa imprecisão, utilizada por Freud nas cartas dirigidas a Fliess, no que tange aos fenômenos ligados direta ou indiretamente à melancolia. Parece-nos claro que os “afetos tristes” possuem estreita relação com termos não tão cla- ros em distinção, tais como a depressão, depressão periódica, afetos depressivos, depressão periódica branda, melancolia, melancolia senil, melancolia neurastênica, melancolia histérica, melancolia genuína aguda, melancolia cíclica, melancolia de angústia e estado de ânimo tipicamente melancólico. Dentre os sete problemas apre- sentados por Freud no Rascunho A, o sexto implica numa pergunta que envolve a etiologia da depressão periódica. Interroga o pai da psicanálise: “o que é que participa da etiologia da depressão neuró- tica?” (FREUD, 1996, Volume I, p. 221). Freud, de pronto, responde à questão, afirmando que tal depressão consiste numa forma de neurose de angústia, possuindo íntima ligação com as neuroses atuais, manifestando-se com ataques de angústia e fobias.

Posteriormente, com o escrito Rascunho B, escrito em fevereiro de 1893, Freud busca se empenhar na distinção dos tipos etiológicos das neuroses. De acordo com o seu escrito, entre as neuroses de angústia, inicialmente, são caracterizadas duas formas particulares:

as que se revelam como um estado crônico e as que se manifestam como um ataque de angústia. (FREUD, 1996, Volume I, p. 227).

Ambas as formas, segundo Freud, se apresentam, na maioria das vezes, combinadas, sendo que os ataques de angústia estão mais ligados à realidade histérica, enquanto que os sintomas crônicos são mais evidentes na neurastenia, sendo caracterizados por serem estreitamente ligados às angústias relacionadas ao corpo, como por exemplo, hipocondria, angústias em relação ao acionamento do corpo, agorafobia, claustrofobia e vertigem de altura, e a memória ou a tomadas de decisão. A depressão periódica, neste Rascunho, só aparece como um terceiro tipo de neurose de angústia, não in- cluído, portanto, nos outros dois tipos citados: estado crônico e ataque de angústia. Este tipo de depressão, a periódica, é ligada, por Freud, a um trauma psíquico que, por meio de um processo racional, produz como efeito o período específico de depressão que pode durar de semanas até meses. É nesse Rascunho que aparece, pela primeira vez, uma pontual distinção entre esse mecanismo de depressão periódica e a melancolia. Para Freud, a característica da melancolia é ser acompanhada de uma anestesia psíquica e, por- tanto, sexual. Diz ele:

Devo examinar a depressão periódica, um ataque de angústia com duração de semanas ou meses, como uma terceira forma de neurose de angústia. Essa forma de depressão, em contraste com a melancolia propriamente dita, quase sempre tem uma conexão aparentemente racional com um trauma psíquico.

4 A autora deste opúsculo afirma que foi apenas no Rascunho G, datado de janeiro de

1895, as primeiras interrogações sobre o tema.

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Este, no entanto, é apenas a causa precipitante. Ademais, essa depressão periódica não é acompanhada por anestesia [sexual]

psíquica, que é característica da melancolia. (FREUD, 1996, Volume I, p. 228).

É a ausência da anestesia psíquica, portanto, que inclui a depressão em um outro grupo completamente distinto da realidade melancó- lica. Apesar dessa distinção, vale ressaltar que ainda não existe, até então, por parte de Freud, nenhum tipo de teorização sobre a gê- nese e as demais características que evidenciam a problemática da melancolia, exceto a questão da anestesia sexual psíquica.

No caso dos melancólicos, existe uma identificação com a anestesia sexual, ou seja, não sentem necessidade de relação sexual, não de- senvolvendo, portanto, sensações correspondentes a ela, em virtude da hemorragia da libido anteriormente descrita. Em contrapartida, ainda que não haja, por parte do melancólico, uma necessidade pelo ato sexual, há pelo indivíduo que padece essa realidade, um anseio por amor em sua forma psíquica. No Rascunho E, Freud afirma que é a acumulação da tensão erótica psíquica não descar- regada que produz o mecanismo da melancolia. Citando-o,

[...] Com frequência muito especial verifica-se que os melan- cólicos são anestésicos. Não têm necessidade de relação sexual (e não têm a sensação correlata). Mas têm um grande anseio pelo amor em sua forma psíquica – uma tensão erótica psí- quica, poder-se-ia dizer. Nos casos em que esta se acumula e permanece insatisfeita, desenvolve-se a melancolia. Aqui, pois, poderíamos ter a contrapartida da neurose de angústia. Onde se acumula tensão sexual física – neurose de angústia. Onde se acumula tensão sexual psíquica – melancolia. (FREUD, 1996, Volume I, p. 237)

Menciona-se, portanto, de forma clara, que onde há acúmulo de tensão sexual física, gera-se a neurose de angústia e, do outro lado, onde existe o acúmulo de tensão sexual psíquica, gera-se a melancolia. Ainda que sem o instrumental teórico que abordará a relação do corpo com o psiquismo, naquele período, sugere-se que Freud buscou encontrar meios de fundamentar sua ideia de que, na melancolia, havia um freio na descarga psíquica, descartando as hipóteses de causa eminentemente físicas, dominantes na psiquia- tria daquela época.

É no Rascunho G que Freud irá, em 7 de janeiro de 1895, desen-

volver um estudo mais acurado acerca da melancolia, dando-lhe

um conceito mais consistente, levando-nos a considerar que, neste

momento, existe o trabalho mais importante sobre a melancolia até

o seu célebre escrito de 1915[1917]. É, portanto, neste Rascunho,

que se formularão hipóteses e que se encontrarão dificuldades que a

teoria freudiana não conseguirá resolver até o surgimento dos es-

critos metapsicológicos, mas que certamente servirão de base para a

construção da teoria sobre a melancolia, em sua comparação com o

fenômeno do luto. A ligação da melancolia com a anestesia sexual,

já mencionada no Rascunho A, permanece atuante nesse escrito. Há

também nesse escrito freudiano a tentativa de se relacionar a me-

lancolia com a angústia, além da hipótese de ligação entre melan-

colia e hereditariedade. É, contudo, a partir desse escrito que Freud

postula que o afeto que corresponde tanto à melancolia quanto ao

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luto é o anseio por alguma coisa perdida. Tal coisa, para ele, é algo inscrito na vida instintiva, o que nos leva a sugerir que a melanco- lia, na verdade, consiste num luto obstinado pela perda considerável de libido. Outra questão que se ressalta através de uma leitura aten- ta ao Rascunho G é justamente a ideia de uma anorexia nervosa como nuance melancólico de uma sexualidade não desenvolvida.

Assim, enquanto que o anoréxico padece pela perda de apetite, o melancólico sucumbe pela perda de libido. Afirma Freud:

A neurose nutricional paralela à melancolia é a anorexia. A famosa anorexia nervosa das moças jovens, segundo me pare- ce (depois de cuidadosa observação), é uma melancolia em que a sexualidade não se desenvolveu. A paciente afirma que não se alimenta simplesmente porque não tem nenhum apetite;

não há qualquer outro motivo. Perda do apetite – em termos sexuais, perda da libido. Portanto, não seria muito errado partir da ideia de que a melancolia consiste em luto por perda da libido. (1996, Volume I, p. 247)

É, neste estágio, que Sigmund Freud inicia uma elementar discus- são econômica sobre o mecanismo da melancolia. O que se perce- be, ao longo das considerações freudianas nos Rascunhos, é que a anestesia se evidencia quando se menciona a melancolia. Agora, no Rascunho G, Freud questiona como e qual papel a anestesia desempenha no fenômeno melancólico. Em todas as suas manifes- tações, a anestesia se manifesta na omissão ou impossibilidade da sensação de prazer e bem-estar na esfera psíquica, ainda que efe- tuada e efetivada no órgão fisiológico, próprio da esfera corporal.

Em outras palavras, é o quesito quantitativo da descarga pulsio- nal que determinará a possibilidade qualitativa de prazer. Assim, Freud resume o evento melancólico, descrevendo-o por meio de seus efeitos: “inibição psíquica, com empobrecimento pulsional e o respectivo sofrimento” (1996, Vol. I, p. 252). Tal empobrecimento psíquico consiste numa espécie de hemorragia interna que atinge a pulsão. É como se a excitação psíquica escapasse por um buraco, dando claras evidências de uma abordagem econômica. Corrobo- rando com o que até aqui foi exposto, Edler afirma que, neste Ras- cunho, Freud “destaca a apatia, o desinteresse, a anestesia sexual, o empobrecimento de excitação” do indivíduo e continua “[...], como se a excitação escoasse através de um furo: [...] daí o cansaço, a fraqueza, a perda de vitalidade e o desinteresse pela vida”. (2008, p.29,30). Tudo o que até agora foi abordado reflete tenros, porém importantes elementos para a posterior envergadura freudiana acerca da melancolia.

É a partir de agora que, no Luto e Melancolia, o ponto inicial não mais é reportado à questão da anestesia, mas transferido para a perda do objeto. Perder algo ou alguém de valor implica em luto.

Neste sentido, Freud considera o luto como a possibilidade de um padecimento normal por parte do sujeito, que se manifesta como reação à perda de algo ou alguém querido, acarretando, ainda que de forma provisória, em “um sério afastamento da conduta nor- mal da vida”. (FREUD, 2010, p. 172). Corroborando com aquilo que Freud postula, Peres afirma que a ideia de imortalidade, contida ainda que forma indireta no psiquismo de todos os seres humanos,

“[...] entra em colapso quando da morte de um ente querido, mo-

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mento em que perdemos nossas alegrias, esperanças e ambições, e a intensidade de um luto nos absorve e nos retrai do mundo em que vivemos”. (2011, p. 109) O afastamento que Freud menciona e a absorção que Peres evoca, serão de ordem natural quando, apesar da dor, do incômodo e da relutância em se admitir a perda do obje- to, houver, por parte do pranteador, uma elaboração e consequente superação do ocorrido. Tal superação, no entanto, não consiste num total esquecimento ao objeto perdido, do qual foi investido, num primeiro momento, grande carga libidinal. Nasio abrilhanta aquilo que defendemos, quando argumenta:

A imagem do ser perdido não deve se apagar; pelo contrário, ela deve dominar até o momento em que – graças ao luto – a pessoa enlutada consiga fazer com que coexistam o amor pelo desaparecido e um mesmo amor por um novo eleito. Quando essa coexistência do antigo e do novo se instala no incons- ciente, podemos estar seguros de que o essencial do luto come- çou. (1997, p. 13)

Assim, a elaboração e posterior superação da perda não consiste numa amnésia ou esquecimento daquilo que se viveu com o objeto de maior apreço. Tudo isto fará parte do passado e marcará a histó- ria do sujeito, dentro de uma nova perspectiva: a da simbolização.

Daí Freud afirmar que “também é digno de nota que jamais nos ocorre ver o luto como um estado patológico”. (2010, p. 172).

A melancolia, por sua vez, possui características semelhantes, tais como um desânimo profundamente doloroso, capaz de promover na vida do indivíduo a suspensão do interesse pelo mundo externo, tornando-lhe inábil na capacidade de amar, inibindo-lhe de toda atividade e rebaixando-lhe o sentimento de autoestima, podendo chegar ao ponto de alimentar, dentro de si, “uma delirante expec- tativa de punição”. (FREUD, 2010, p. 173). Freud, a partir dessas características, estabelece um comparativo entre as realidades do luto e da melancolia: o luto revela os mesmos traços existentes na melancolia, com exceção de um só, a saber, o profundo estado de perturbação no sentimento de autoestima, por parte do indivíduo padecente. Afirma Freud:

O luto profundo, a reação à perda de um ente amado, comporta o mesmo doloroso abatimento, a perda de interesse pelo mundo externo – na medida em que não lembra o falecido -, a perda da capacidade de eleger um novo objeto de amor – o que signi- ficaria substituir o pranteado -, o afastamento de toda atividade que não se ligue à memória do falecido. (2010, p. 173)

A inibição e o estreitamento do Ego são, na concepção freudiana,

as características de uma dedicação ao processo de luto. Saber per-

ceber, compreender e explicar esse fenômeno do luto corrobora a

ideia de um comportamento passageiro, mas não patológico. “Na

verdade, esse comportamento só não nos parece patológico porque

sabemos explicá-lo bem”, afirma Freud (2010, p. 173). Assim, ele

afirma que existe um árduo, porém necessário trabalho realizado

pelo sujeito no estado de luto que traduz-se num complexo proces-

so psíquico. Tal trabalho consiste na gradual aceitação da realidade

por parte do sujeito que sofre, qual seja, a aceitação da prova de

realidade: o objeto amado não mais existe. Assim, impõe-se que

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toda a libido investida por parte do sujeito seja retirada de suas ligações com esse objeto. A oposição a esse imperativo é, de certa forma, compreensível, em virtude do sujeito que investiu grande carga libidinal em relação ao objeto não aceitar, de pronto, a si- tuação de ruptura ou rompimento do referido investimento. Para Freud, tal oposição pode gerar uma espécie de psicose alucinatória de desejo, ou seja, um afastamento da realidade, através de uma resistente adesão ao objeto amado, que não mais existe. Nasio afir- ma que em tais alucinações, a pessoa enlutada se depara com uma certeza inabalável de que o morto voltará e transforma a sua “con- vicção” em uma espécie de delírio ou fantasia. (1997, p. 31) Neste sentido, Leader também fornece-nos sua contribuição. Cito-o:

Pensamos em sua presença em nossas vidas; recordamos mo- mentos passados juntos; imaginamos que o veremos na rua;

esperamos ouvir sua voz quando o telefone toca. De fato, os pesquisadores afirmam que [...] pessoas enlutadas realmente experimentam alguma forma de alucinação com seus entes queridos perdidos. Eles estão lá, assombrando-nos durante o processo de luto, mas, a cada vez que pensamos neles, parte da intensidade de nossos sentimentos está sendo fracionada.

(LEADER, 2011, p. 34)

Não obstante, o normal é que vença o respeito à realidade, que se realiza de forma gradual, por meio de um grande dispêndio de tem- po e de energia. Enquanto isso, a existência do objeto que partiu, perdura na psique. Afirma Freud:

Cada uma das lembranças e expectativas em que a libido se achava ligada ao objeto é enfocada e superinvestida, e em cada uma sucede o desligamento da libido. Não é fácil fundamentar economicamente por que é tão dolorosa essa operação de com- promisso em que o mandamento da realidade pouco a pouco se efetiva. É curioso que esse doloroso desprazer nos pareça natural. (2010, p. 174)

Conforme Freud, executar gradualmente a ordem da realidade é algo extraordinariamente doloroso, mas que depois do tempo necessário para a conclusão do trabalho de luto, o ego fica novamente livre e desinibido. Kehl ilustra a ideia freudiana, afirmando que o trabalho de paulatino desligamento da libido em relação ao objeto de prazer e satisfação narcísica que o ego perdeu, seja por morte ou abandono, é dispendioso e por demais custoso e complementa: “ter sido arran- cado de uma porção de coisas sem sair do lugar: eis uma descrição precisa e pungente do estado psíquico do enlutado”. (2011, p. 18).

No caso da melancolia, conforme escrito anteriormente, a sua es- sência pode também estar relacionada à reação da perda de um objeto amado, ainda que idealizado. Sobre isto, Freud afirma: no que diz respeito à melancolia, “em uma série de casos é eviden- te que ela também pode ser reação à perda de um objeto amado;

quando os motivos que a ocasionam sãos outros, pode-se reconhe- cer que essa perda é de natureza mais ideal. O objeto não é algo que realmente morreu, mas que se perdeu como objeto de amor”

(2011, p. 51) Consideramos que há, no enredo da vida do melan-

cólico, uma espécie de dependência exacerbada daquele que ele

ama, com o intuito de dar sentido à sua própria existência. Perder

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o seu objeto de profunda estima, seja de forma real ou idealizada, implica em doloroso estado de abandono. Neste sentido, Freud nos concede uma exemplificação, como se houvesse a síndrome da

“noiva abandonada”

5

. (2011, p. 51) Existe, de fato, uma perda que acomete o melancólico: ele pode até saber quem perdeu, mas não o que perdeu neste algo/alguém. É Freud quem afirma que aquilo que o sujeito melancólico perdeu no objeto é alheio à sua cons- ciência, o que marca uma distinção do fenômeno de luto: no que diz respeito a esta realidade, a do luto, nada do que faz menção à perda é inconsciente. Cito-o: “não podemos discernir com clareza o que se perdeu e com razão podemos supor que o doente também não é capaz de compreender conscientemente o que ele perdeu”

e complementa “o doente [...] sabe quem ele perdeu, mas não o que perdeu nele [no objeto]” Para a questão do luto, “nada do que diz respeito à perda é inconsciente”. (2011, p. 51) Para o enlutado, o mundo tornou-se sem sentido. Para o melancólico, no entanto, algo de maior gravidade acontece: o seu eu, ou seja, o próprio ego é que se torna oco e sem atrativos. Segundo Freud:

No luto, vimos a inibição e a ausência de interesse explicadas totalmente pelo trabalho do luto que absorve o Eu. Na melan- colia, a perda desconhecida terá por consequência um trabalho interior semelhante, e por isso será responsável pela inibição que é própria da melancolia. Mas a inibição melancólica nos parece algo enigmático, pois não conseguimos ver o que tanto absorve o doente. O melancólico ainda nos apresenta uma coisa que falta no luto: um extraordinário rebaixamento da autoes- tima, um enorme empobrecimento do Eu. No luto, é o mundo que se torna pobre e vazio; na melancolia, é o próprio Eu.

(2010, p. 175 e 176)

Acerca da inibição melancólica que Freud menciona na citação aci- ma, Edler afirma que não há clareza diante daquilo que se foi com o objeto amado, mas, sem dúvida, a perda desconhecida ou não identificada resultará numa ocorrência interna, assim como a que ocorre com o luto. E é essa ocorrência que ocupará o eu, deixando- -o indisponível a investimentos externos. (2008, p.30) É-nos sabi- do, contudo, que o ponto de origem tanto da melancolia quanto do luto consistirá na perda do objeto.

Consideramos, portanto, que há uma espécie de violência origi- nada

6

pela perda de um objeto de amor, que faz com que o Eu, no luto, possa realizar um trabalho de simbolização, requerendo um sentido e uma elaboração gradativa para tal perda. Para iniciar um trabalho de luto, portanto, faz-se imprescindível ao sujeito o reconhecimento de que algo importante lhe falta. No luto há uma luta, onde o sujeito busca não sucumbir, mas reagir. Edler corro- bora com a visão freudiana acerca do estado do sujeito enlutado.

Citando-a:

5 A síndrome da noiva abandonada pode ser uma alegoria de uma mulher que amando, sonhou com todas as suas forças pelo momento do casamento, do enlace definitivo com o seu parceiro que, segundo ela, seria o seu único motivo de viver. Ao chegar o momento da celebração, com a constatação do abandono, ou seja, da perda do amado, perde-se tam- bém o sonho, a alegria, o deleite, perde-se a si, haja vista a noiva ter depositado no amado toda a sua razão de existir.

6 Termo utilizado por mim, para evidenciar o incômodo pelo fim da zona de conforto que

a perda de qualquer objeto de apreço produz.

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A perda de objetos muito amados lança o sujeito na condição de sofrimento. Mas, por outro lado, o homem reluta e chega mesmo a se opor à ideia de afastar-se de um objeto amado que perdeu.

Isso quer dizer que a elaboração do luto dá trabalho, implica um gasto energético significativo, consome tempo, e, durante esse tempo, a existência do objeto perdido é prolongada no psiquis- mo. O desligamento se dá paulatinamente. (2008, p. 43).

Ainda acerca do luto, percebe-se que todo o seu trabalho, num primeiro momento, introduz o indivíduo numa incansável busca do reencontro, ou seja, do encontrar-se de novo com aquilo que se foi, conforme já mencionado. Quando se percebe que o objeto de estima perdido não pode mais ser reencontrado, ele passa a ser en- carado como algo desaparecido, deixando em seu lugar uma ânsia desejante que, a partir deste momento, passa a ser a companheira inseparável do homem. É, pois, a partir dessa ânsia desejante que podemos inferir que o desejo se estruturará a partir de um luto primeiro, luto este primordial, essencial, desenrolando o seu drama existencial na impossibilidade de completude, haja vista a sua con- dição desejante, a saber, faltante ao indivíduo, ser o impedimento desmascarado de sua plena satisfação

7

.

No caso da melancolia, a dor pela perda é tão profunda quanto a do luto, mas que torna o indivíduo inábil, incapaz de produzir qualquer simbolização, ficando o ego remetido ao imenso vazio

8

, completamente indisponível a investimentos externos. Nasio afirma que existe a possibilidade de um indivíduo ficar paralisado durante toda a vida, caso o luto se tornar obstinado. Citando-o:

Compreende-se então que se esse trabalho de desinvestimento que deve seguir-se à morte do outro não se cumprir, e se o eu ficar assim imobilizado em uma representação coagulada, o luto se eterniza em um estado crônico, que paralisa a vida da pessoa enlutada durante vários anos, ou até durante toda a sua existên- cia. (1997, p. 29)

É aqui, neste ponto, que se pode afirmar o rebaixamento da auto- estima do melancólico, em virtude de um empobrecimento do seu eu. Conforme Leader (2011, p. 16), “no luto, sentimos pesar pelos mortos; na melancolia, morremos com eles”. Nasio, por sua vez, obtém de um de seus interlocutores os seguintes dizeres: “Uma parte dela”, da pessoa a quem esse alguém ama, “está desesperada- mente viva em mim, e uma parte de mim está para sempre morta com ela”. (1997, p.30) Ilustra-se, nesta fala, aquilo que Freud tão bem expressou, qual seja, a identificação que o sujeito possui com aquilo que se foi. Neste espírito, é Freud quem afirma que o sujei- to melancólico se descreve como alguém incapaz, completamente indigno e desprezível, chegando a recriminar-se, insultando-se, rejeitando-se e, por vezes, castigando-se. É um ser extremamente autocrítico, fazendo Freud considerar que, possivelmente, tenha

7 Acerca desta questão, Lacan, pensador pós-freudiano desenvolve sua teoria como extensão ao trabalho de Freud, formulando o conceito do objeto a. Longe de ser nossa pretensão tratá-lo neste trabalho, em virtude de nosso objetivo ser outro, registramos apenas que este objeto a nada mais seria, em suma, que o objeto causador do desejo e, portanto, faltante ao sujeito.

8 Pobre, sem atrativos, sem força, com hemorragia da libido.

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se aproximado bastante do autoconhecimento. (2011, p. 55) Edler, em seus escritos, chama essa realidade de “hiper-realismo sem concessões” (2008, p. 31), haja vista ele nos parecer ter razão e captara verdade apenas “com mais agudeza” do que outras pes- soas, não melancólicas. (Freud, 2011, p. 55) Em contrapartida, o questionamento que surge logo após a consideração freudiana é:

por que é preciso o adoecimento para se chegar bem próximo do conhecimento de si? O melancólico é, pois, um ser que se satisfaz no autodesnudamento, revelando certo gozo em sua autoexposição.

Para Freud,

O importante é que ele está fazendo uma descrição correta de sua situação psicológica. Perdeu o autorrespeito e deve ter boas razões para tanto. Isso nos põe diante de uma contradição que coloca um enigma difícil de resolver. Segundo a analogia com o luto, deveríamos concluir que ele sofreu uma perda no objeto;

de suas afirmações surge uma perda em seu ego. (2011, p.57)

Agora, a questão que aqui se coloca é como um sujeito de estado narcísico tão evidente pode coadunar-se com uma autoestima tão ínfima. Tanto Peres (2011, p.115) quanto Edler (2008, p.32) suge- rem uma explicação para a questão quando traz à tona o termo alemão, Selbst, que pode ser entendida, no português, como auto, ou seja, algo voltado a si. Neste sentido, o sujeito melancólico se caracterizaria pelo seu (auto)centramento ou (auto)referência, tanto na censura e no envilecimento de si, quanto no engrandecimento e no delírio de grandeza que, conforme veremos adiante, podem manifestar-se no estado maníaco-depressivo. “Em ambas as condi- ções, reduzido ao mínimo ou elevado ao máximo, o sujeito está no centro da avaliação”. (Edler, 2008, p. 32)

Há também, no que diz respeito à afecção do melancólico, segundo Sigmund Freud, a hipótese de uma cisão no ego. Isso porque existe, na obra Luto e Melancolia, a consideração de um agente crítico- -moral intrapsíquico que observa, avalia e aflige desmedidamente o ego a partir do seu eu ideal. Esse agente que possui uma criticidade aguçada será, futuramente, nomeado de superego, quando a segun- da tópica freudiana for elaborada na obra O Eu e o Isso. Trata-se de uma instância moral reguladora, onde o controle que exerce na vida do sujeito, algo que lhe é característico, manifesta-se, na melancolia, completamente exacerbado, cruel e punitivo, agindo de forma sádica sobre o eu, em lugar do objeto. Vale, no entanto res- saltar, que neste estágio do escrito freudiano, não havia a elabora- ção da segunda tópica, assunto que será desenvolvido mais adian- te, bem como a existência do superego como instância crítica. Em contrapartida, Freud já reconhecia, no Luto e Melancolia, o meca- nismo de autotortura, quando mencionou a cisão do eu, que daria origem, posteriormente, ao superego. É, portanto, numa espécie de embate que uma parte do ego se contrapõe à outra, avaliando-a de forma radical, como que se estivesse tomando-a por objeto. Assim,

“o supereu, definido como instância crítica, põe em evidência que é do interior da subjetividade que o sujeito é julgado e condenado”.

(Edler, 2008, p. 32). À luz de um olhar atento, Freud afirma que o

desagrado moral do melancólico se evidencia de forma exagerada

em contraste aos demais aspectos, tais como os físicos, de beleza,

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de vigor ou fraqueza ou inferioridade social. “Só o empobrecimen- to assume um lugar preferencial entre seus temores ou afirmações”.

(Freud, 2011, p. 53)

A prática da escuta de um melancólico, para Freud, não é tarefa fá- cil. Ele afirma que faz-se necessário o uso de paciência diante das autoacusações que lhe são peculiares, haverá a impressão de que as queixas mais fortes dirigidas contra si, na verdade, são outorgadas de forma bem mais fiel ao objeto que ele possui vínculo afetivo estreito, ou seja, o amor. Segundo Freud (2011, p. 59), “tem-se à mão a chave do quadro [...], na medida em que se reconhecem as autorrecriminações como recriminações contra um objeto de amor, a partir do qual se voltaram sobre o próprio ego”.

O melancólico é, portanto, aquele que de tanto se queixar, dá queixa. Assim, tudo aquilo que pensam dizer sobre si, são, de fato, dizeres sobre outrem. Evocando Edler nesta discussão, “a substitui- ção da identificação pelo amor objetal é um importante requisito em vários tipos de perturbações narcísicas e uma das precondições que presidem o desencadeamento de um quadro melancólico. (Ed- ler, 2008, p. 35)

Depois do exame acerca dos fenômenos de luto e melancolia, ressaltando os seus aspectos congruentes e divergentes, faz-se im- portante salientar, o que faremos logo no parágrafo posterior, os pontos fundamentais do enigma da melancolia (Edler, 2008, p. 35), com o intuito de se apreender a sua dinâmica.

Segundo Freud, num primeiro momento, existe por parte do in- divíduo, ser de libido, uma escolha objetal. Essa escolha implica numa ligação objetal, onde o laço amoroso com um objeto externo escolhido, ainda que de forma inconsciente, se estabelece. A partir dessa escolha, haverá por parte do sujeito um investimento libidi- nal em relação ao objeto. Esse investimento, por sua vez, se mani- festará, com o intuito de obter um retorno almejado, seja de forma consciente ou não. Num segundo momento, quando essa relação entre sujeito e objeto se mostra de alguma maneira estremecida, inclusive, ao ponto de cindir-se, seja por ofensa real ou decepção, haverá o momento da perda. É a tal perda que se revelará condição imprescindível para o surgimento do luto em alguns casos e, em outros, a melancolia. É, portanto, no terceiro momento, que a rea- ção do indivíduo à perda fará toda a diferença no encaminhamento libidinal, acenando às possibilidades do luto ou da melancolia. O luto ocorrerá quando houver, por parte do indivíduo, um desinte- resse momentâneo pelo mundo externo, fazendo com que toda a ação por parte do indivíduo se concentre no trabalho de elaboração da perda. Aos poucos, de forma bastante gradual, o enlutado retira seus investimentos libidinais de volta para o seu próprio ego e os reinveste quando se recupera, no tempo oportuno. O resultado da perda, em retrospecto, não se revelará normal quando, mesmo após toda dor e tempo necessários

9

para a elaboração dessa dor

10

, não

9 Existe uma discussão infindável acerca do tempo necessário para o trabalho de luto. São diversos os autores que sugerem um tempo subjetivo, onde a demanda de um não implica na demanda de outrem. O que, no entanto, a grande maioria parece concordar é com a permanência prolongada desse tempo, que pode prolongar-se por mais de dois anos.

10 Consideramos aqui, um trabalho silencioso, gradual, porém indispensável no processo

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houver uma retirada, ainda que de forma gradual, de toda a libido investida no objeto que se foi, para que essa mesma energia possa ser deslocada para um novo objeto de apreço. Assim, quando o sujeito de libido, ainda que relutante, a retira do objeto voltando-a para o ego, não encontrando uso qualquer para outros fins, produz uma identificação do sujeito com o objeto abandonado. É, portan- to, nesse terceiro momento que os caminhos do luto e da melanco- lia divergem. Ainda que ciente que o seu objeto de amor não mais existe, o melancólico insiste numa ligação obstinada

11

com aquele/

aquilo que não mais há. Há, pois, uma espécie de fusão, nesta li- gação, com o antigo objeto estimado. O melancólico, em outras palavras, pode até perder o objeto empírico, não, porém, a ligação amorosa.

Na questão relacionada ao investimento objetal, a identificação é a etapa preliminar da escolha do objeto. Isso tem, para Freud, estreita ligação com a questão do narcisismo, termo psicanalítico formulado e reformulado por Freud, ao longo de seus escritos, que será analisa- do no capítulo posterior. Com o intuito de melhor entender o que até aqui desenvolvemos, Freud, depois de suas reelaborações, rebuscou um pouco mais esse conceito, conforme veremos detalhadamente adiante, e sugeriu uma diferenciação entre narcisismo primário e secundário. O narcisismo primário consiste num estado precoce ou preliminar, em que a criança investe toda a sua libido em si mesma, sendo, portanto, ela o seu objeto de prazer. Contudo, o secundário consiste num retorno da libido, ou seja, retirada dos seus investi- mentos objetais, ao ego. Diz Freud, no caso da melancolia (2011, p.

63): “a identificação narcísica com o objeto se torna então um subs- tituto do investimento amoroso e disso resulta que, apesar do con- flito, a relação amorosa com a pessoa amada não precisa ser aban- donada”. Ou seja, pode-se até partir o objeto de seu maior apreço; o sujeito, contudo, permanece imbuído de uma relação amorosa com aquele que, apesar de perdido, permanece substituído pela identifi- cação que encontra-se dentro de si. A partir de tudo o que foi de- senvolvido até agora, tanto com as exposições de Freud, quanto com os adendos dos comentadores e as nossas próprias intervenções, a conclusão sugerida pela análise da questão, ainda que, como o pró- prio Freud afirma, o material empírico não seja confirmado por uma investigação minuciosa, é que a melancolia, seja total ou em parte, se baseia no predomínio do tipo narcísico de escolha do objeto.

É, pois, nessa identificação que Freud afirma que, no caso da melancolia, não se trata de uma simples escolha de objeto, como ocorre normalmente no caso de luto. Há, pois, um momento ímpar na constituição de algo que não foi realizado de forma plenamente satisfatória, fazendo com que o eu fosse construído sem um resis-

de luto. O luto, conforme dito, é uma luta, onde o resultado final deve apresentar alguma elaboração ou simbolização. Não encontramos em Freud tais termos. Em retrospecto, seus intérpretes assim traduzem as palavras do autor: o trabalho de luto implica numa tentativa de encontrar sentido para a perda. Maria Rita Khel, em O Tempo e o Cão, Felipe Castelo Branco, em seu trabalho dissertativo Dos Tristes Trópicos, Sandra Edler, na Sombra do Espetáculo e Darian Leader, no Além da Depressão, todos contidos na Bibliografia deste trabalho encontram-se em comum acordo neste sentido. Aceitamos, juntamente com eles, a pertinência dos termos apresentados.

11 Termo nosso.

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tente alicerce. É justamente por isso que o melancólico estabelece uma ligação desmedida com o objeto, efetuando nesta mesma li- gação, uma sólida identificação. Essa identificação, por sua vez, se caracterizará por uma dependência do melancólico diante do ob- jeto amado. Tal identificação ocorre num momento anterior a toda escolha objetal, fazendo parte da constituição do eu, culminando, conforme dito, numa relação de dependência à imagem do outro, da qual ele, o melancólico, encontra-se identificado. Identifica-se, pois com aquilo que não mais há.

Havia uma escolha de objeto, uma ligação da libido a certa pessoa; por influência de uma real ofensa ou decepção vinda da pessoa amada, ocorreu um abalo nessa relação de objeto. O resultado não foi o normal – a libido a ser retirada desse objeto e ser deslocada para um novo-, e sim outro, que parece reque- rer várias condições para se produzir. O investimento objetal demonstrou ser pouco resistente, foi cancelado, mas a libido livre não foi deslocada para outro objeto, e sim recuada para o Eu. Mas lá, ela não encontrou uma utilização qualquer: serviu para estabelecer uma identificação do Eu com o objeto aban- donado. Assim, a sombra do objeto caiu sobre o Eu, e a partir de então este pôde ser julgado por uma instância especial como um objeto, o objeto abandonado. (FREUD, 2010, p. 180 e 181)

A sombra do objeto recai sobre o ego e a perda objetal agora se traduz como a perda de si. Apesar de não encontrar tal observação nos escritos freudianos, sob uma espécie de exemplificação traze- mos uma alegoria à sombra: observando a sombra humana, me- diante da posição ou ângulo da luz que no momento nos acomete, ela pode se ocultar e se esconder, mas também pode acompanhar alguém por trás da sua própria imagem. Percebendo-a cuidadosa- mente em nosso caminhar ou inércia, a sombra é a mancha, o fun- do ou o vazio de algo, e neste caso específico, do homem. Na me- lancolia, a sombra sugere o vazio e a escuridão do objeto, quando o sujeito tenta, de todas as formas, enxergar-se naquilo que partiu.

Eis o melancólico: um nada ou, no máximo, um resto daquilo que se foi. Assim, a falta que evidencia a perda do objeto que se ama conclama ao indivíduo uma tentativa de prolongar a sua presença, ainda que não seja pela via de ligação objetal, o que seria, confor- me discutimos acima, uma empreitada impossível, mas que o será pela via de identificação.

Tal identificação, no entanto, não impede a manifestação da am-

bivalência ocasionada na bipartição do eu, com o imperativo da

instância crítica, futuro superego, por demais cruel. Ao mesmo

tempo em que o eu está agora profundamente identificado com

o objeto, levando-nos a inferir que aquilo que restou do eu foi o

próprio objeto através de um laço amoroso que reluta em desfazer-

-se, o agente crítico mencionado anteriormente, posterior superego

e parte do eu, se volta contra o próprio eu, destacando-se de forma

exagerada no indivíduo melancólico, com nuances de massacre,

impiedade e humilhação, tomando o próprio ego como objeto. Esse

eu é subjugado moralmente pelo supereu. Aqui está, portanto, a

ambivalência: o eu ama o objeto, enquanto que o superego odeia

o mesmo objeto através do eu cindido. É, pois, na forma de autoa-

cusação que o melancólico expressa a sua desmedida: é uma exis-

tência simultânea de amor e ódio contra um objeto perdido, mas

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imerso em si. A instância crítica, depois nomeada de supereu, se manifesta com requintes de crueldade, esmagando o eu sob a pres- são da culpa e encontrando, nesse dinamismo, alguma forma, ain- da que paradoxal, de satisfação. A melancolia, portanto, “por um lado, [...], é reação à perda real do objeto de amor, mas além disso está comprometida com uma condição que falta no luto normal ou que, quando ocorre, o converte em luto patológico” (FREUD, 2011, p. 65). Ela é, pois, um luto inconcluso: reluta e não passa. Na linguagem de Leader, “debaixo dos sentimentos depressivos estava um luto não resolvido [...]” (2011, p.31)

Conforme estudado há pouco, expomos, à luz de Freud, existe, por parte do ser melancólico, um deleite no autotormento. “O automar- tírio claramente prazeroso na melancolia” (FREUD, 2010, p. 184), tais tendências sádicas e odiosas, oriundas da ambivalência citada, foram remetidas a um objeto que, num dado momento, sofreram um retorno para a própria pessoa. Há, pois, nesse sentido, uma es- pécie de investimento vingativo do doente em relação aos objetos originários da perda, através de um rodeio da autopunição, “onde o ódio entra em ação nesse objeto substitutivo, insultando-o, humi- lhando-o, fazendo-o sofrer e ganhando nesse sofrimento uma sa- tisfação” (Freud, 2011, p. 67), haja vista a sua identificação objetal pela via narcísica. Ratifica-se, portanto, três momentos de um pro- cesso que existem num destino do insistente investimento amoroso do indivíduo melancólico: uma regressão à identificação que, por consequência, culminará conflito de ambivalência, evidenciando-se no sadismo. O melancólico vinga-se do objeto, que agora encontra- -se em si mesmo. Sobre tal ambivalência, desde o artigo sobre o narcisismo, logo adiante analisado, Freud indica a coexistência de dois afetos antagônicos, que por caminhos opostos, se dirigirão ao mesmo objeto. Não significa, portanto, a transformação do amor em ódio, mas sim amor e ódio juntos. Amar e odiar: eu e instân- cia crítica. É justamente neste ponto que existe a possibilidade de um portador melancólico se enveredar pelo caminho do suicídio.

Em outras palavras, o eu só poderá se condenar à morte se puder portar-se a si mesmo como um objeto odiado e hostil.

O ego só pode matar a si próprio se puder, por meio do retorno ao investimento do objeto, tratar-se como um objeto, se puder dirigir contra si a hostilidade que vale para o objeto e que re- presenta a reação primordial do ego contra os objetos do mun- do externo. Assim, na regressão a partir da escolha narcísica de objeto, o objeto foi de fato suprimido, mas provou ser mais poderoso que o próprio ego. Nas duas situações opostas, o mais extremado enamoramento e o suicídio, embora por caminhos inteiramente diferentes, o ego é subjugado pelo objeto. (FREUD, 2011, p. 69)

Dialogando, portanto, com os termos freudianos formulados e de-

finidos no Luto e Melancolia, tal sujeito padecente possui, tanto

na situação de profundo enamoramento quanto na realidade do

suicídio, uma inquirição ao ego, quando o objeto, tirano, mantém

a proeminência sobre o eu. É justamente aqui, neste ponto, que

Freud menciona a angústia de empobrecimento como uma das ca-

racterísticas mais notáveis do espírito melancólico: o eu, rebaixado,

subjugado e pobre, agora se caracteriza como um ego angustiado,

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capaz de realizar no suicídio o seu ato limite. Numa espécie de confusão entre ele e o objeto, afirma Edler, temos no suicídio, en- quanto satisfação sádica, a destruição do eu pela sua identificação, ainda que de forma inconsciente, com o objeto. (2008, p. 37). Peres afirma algo relevante, corroborando com o ponto de vista da co- mentadora anterior, quando postula que “o suicídio do melancólico em verdade esconde um assassinato do outro”. (2011, p. 116). Freud considera o complexo melancólico como uma ferida aberta, onde atrai para si energias de investimento de toda parte, ao ponto de esvaziar o ego até o seu total empobrecimento. Lançando o olhar para a realidade da perda, na questão da melancolia, poderíamos afirmar que ela não possui condições de ser simbolizada e elabo- rada, dificultando, por isso, toda a possibilidade de cicatrização.

É por isso que, à luz de Freud, a tal ferida aberta é a evidência de uma mazela não curada, produzindo dor constante no eu, que mos- tra-se aqui indisponível, através de sua inibição e de sua apatia.

Em suma, enquanto que o enlutado possui um movimento provisó- rio de inibição e retraimento enquanto tenta superar esse momento de perda, sem, no entanto, se castigar, o melancólico, por sua vez, compromete a integridade do eu, com suas autopunições.

É também na obra Luto e Melancolia que Freud buscará pensar uma peculiaridade mais notável da melancolia, requerendo, por isso, maiores esclarecimentos. Segundo ele, existe uma tendência própria do espírito melancólico em, sintomaticamente, transformar- -se em sua face oposta, a saber, a da mania. Ressalta Freud, porém, que nem toda melancolia possui, necessariamente, esse destino.

Em alguns casos, no entanto, observou-se uma tendência de al- ternância regular entre lados melancólicos e maníacos, como uma espécie de loucura cíclica. Freud, ao analisar a questão maníaca, relacionando-a com a realidade melancólica, sugere dois pontos de apoio que, para ele, serão fundamentais: o primeiro consiste numa impressão psicanalítica e, o segundo, numa experiência econômica geral. No que diz respeito ao primeiro ponto, ou seja, a impressão psicanalítica, a mania não possui conteúdo distinto da melancolia, realçando, inclusive, que ambas as realidades lidam com o mesmo problema, onde o eu sucumbe na melancolia, enquanto que, na mania, o eu domina o complexo melancólico, deixando-o de lado.

O segundo ponto de apoio, por sua vez, se evidencia pela experi- ência quando, em todos os estados de euforia, tais como a alegria, o triunfo e o júbilo, características prementes da mania, podem ser facilmente reconhecidas sob as mesmas condições econômicas.

Na mania, surge um comportamento paradoxal em face do anterior. O sujeito que, antes, se isolava, queixava-se, recusava a alimentação e não demonstrava nenhum interesse diante do mundo, ressurge das cinzas exibindo uma extraordinária mudança no humor. No entanto, tal comportamento, muitas vezes percebido pelo próprio sujeito como significativo de uma cura, está longe de sê-lo. [...] Freud ressalta que o conteúdo da mania só na aparência difere da melancolia. As duas condi- ções são interligadas e dependentes das mesmas condições de economia interna, submetida à melancolia. (Edler, 2008, p. 40).

Assim, as situações maníacas que ressaltam um estado de ânimo

elevado, ainda que em completa oposição com a depressão e a

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melancolia que denotam um estado de ânimo abatido, tristonho e sombrio, também deixam permanecer oculto ao ego o que ele suplantou e sobre o qual ele se sobressai. Eis uma gangorra emo- cional que possui o seu sustentáculo, num primeiro momento, na realidade inconsciente.

Reunindo, portanto, ambas as indicações – tanto a impressão psi- canalítica quanto a experiência econômica geral -, o possível resul- tado, mesmo que plausível, ainda pouco definido, é:

Na mania o ego precisa ter superado a perda do objeto (ou o luto pela perda, ou talvez o próprio objeto) e desse modo todo o montante de contrainvestimento que o doloroso sofrimento da melancolia atraíra do ego para si e ligara fica agora dispo- nível. Na medida em que, como um faminto, o maníaco sai em busca de novos investimentos de objeto, ele nos demonstra de um modo inequívoco sua libertação do objeto que o fez sofrer.

(FREUD, 2011, p. 77)

Freud, apesar de não querer se esquivar da discussão sobre a ma- nia, em virtude de novas questões que surgem a partir do resultado mencionado na citação acima apresentada, reconhece não poder encontrar, nessa conclusão, o caminho da clareza.

Voltando à reflexão tanto para o caso do luto quanto para a reali- dade da melancolia, nem toda perda produz uma reação tão dolo- rosa ao indivíduo, revelando-se, portanto, enquanto uma questão fundamentalmente econômica. Afirma Freud que “se o objeto não tiver para o ego um significado tão grande, reforçado por milhares de laços, sua perda não se prestará a provocar um luto ou uma me- lancolia” (2011, p. 80,81). É, portanto, sabido que a execução deta- lhada e morosa da libido deve ser atribuída tanto ao luto quanto à melancolia a partir das mesmas tendências econômicas.

O caminho da melancolia é, por sua vez, muito mais complexo que o trabalho de luto. Em virtude do conflito de ambivalência,

“na melancolia se tramam portanto em torno do objeto inúmeras batalhas isoladas, nas quais ódio e amor combatem entre si: um para desligar a libido do objeto, outro para defender contra o ata- que essa posição da libido”. (FREUD, 2011, p.81). Fazendo menção à primeira tópica, onde se estabelece uma tripartição psíquica regida pelo consciente, pré-consciente e inconsciente, Freud afirma que, enquanto que no processo de luto há tentativas de desfecho de seu trabalho no sistema inconsciente, não há nenhum bloqueio que impeça o seu processo de desligamento de investimento libidinal chegar ao consciente, passando, inclusive, pelo pré-consciente. Isso é, para ele, considerado um caminho normal. No caso do trabalho melancólico, o caminho é bloqueado, seja por uma de várias cau- sas ou por uma ação conjunta delas. É assim, portanto que, para o pai da Psicanálise, todas as lutas de ambivalência existentes na melancolia permanecem alheias à consciência até o momento do desenlace melancólico.

Este consiste, como sabemos, no fato de que o investimento libidinal ameaçado finalmente abandona o objeto, mas só para se retirar de volta ao lugar do ego do qual havia partido.

Desse modo, o amor deixou de ser eliminado por sua fuga para

o ego. Depois dessa regressão de libido o processo pode se

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tornar consciente e se representa para a consciência como um conflito entre uma parte do ego e a instância crítica. (FREUD, 2011, p.83)

O ego, portanto, se degrada ao ponto de se enfurecer contra si,

numa relação ambivalente, afrouxando a fixação da libido ao obje-

to, como que se, com tal fúria, pudesse matá-lo. Freud acredita que

o processo melancólico possa chegar ao fim dentro do sistema in-

consciente, quando a fúria, por fim se aplaca ou até mesmo quan-

do o objeto perca, progressiva e gradualmente, o seu valor. Não se

sabe, contudo, qual dessas duas possibilidades erradica a melan-

colia numa maior frequência. O que se, de fato, constata são três

características do estado de espírito melancólico, que são, conforme

elucidadas nas linhas anteriores, a perda do objeto, a ambivalência

e a regressão da libido para o ego.

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Referências

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