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CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E PROGRESSIVIDADE TRIBUTÁRIA: APONTAMENTOS PARA CONCRETIZAÇÃO DA JUSTIÇA DISTRIBUTIVA

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CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E PROGRESSIVIDADE TRIBUTÁRIA:

APONTAMENTOS PARA CONCRETIZAÇÃO DA JUSTIÇA DISTRIBUTIVA

Vinícius de Godeiro Marques Aluno de Graduação em Direito na UFRN, Natal-RN, Brasil vinigodeiro@gmail.com RESUMO

O presente artigo se propõe a analisar o papel desempenhado pelos princípios da capacidade contributiva e da progressividade tributária na distribuição dos encargos fiscais à população. Enquanto por aquele se diz que os tributos devem ser adequados à capacidade econômica do contribuinte; esse impõe que quanto mais alto for o conjunto de riquezas, maiores serão as alíquotas a incidir. Assim, partindo da compreensão do papel exercido por esses princípios, objetiva-se estabelecer parâmetros mínimos a serem observados pela política fiscal do Estado com o fim de resguardar a distribuição equitativa de ônus fiscais. Para tanto, buscou-se nos ideais de justiça distributiva desenvolvidos por Ronald Dworkin e John Rawls o aporte necessário ao desenvolvimento do trabalho, concluindo- se que os princípios citados devem contribuir para que os ganhos da parcela mais afortunada da população elevem também as condições das classes menos abastadas.

Palavras-chave: Direito tributário. Progressividade. Justiça distributiva.

1 INTRODUÇÃO

A repartição de renda em um eficiente modelo de justiça distributiva pode ser apontada como condição necessária para o desenvolvimento equânime de uma sociedade. Com efeito, aqueles que nascem em um contexto de pobreza não podem ser penalizados por uma circunstância que lhes foi imposta no momento de seu nascimento, assim como quem nasceu em um cenário financeiro mais privilegiado não pode rogar para si o mérito de tal conquista.

Em meio a essa dualidade encontra-se a difícil tarefa de se redistribuir renda

sem que de uns seja dado mais do que merece e de outros retirado algo além do

que lhe cabe. Isso porque, à maneira como não é possível defender a ausência de

intervenção do Estado em prol dos menos afortunados economicamente, também

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não é possível negar o direito de propriedade de quem detém um maior acúmulo de riquezas. Assim, no âmbito deste artigo, serão abordadas as diferenças de capacidade econômica entre os contribuintes da relação tributaria e ao menos uma forma como o Estado deve se utilizar dos princípios da capacidade contributiva e do princípio da progressividade para tentar fazer cumprir um ideal mínimo de justiça fiscal.

Para tanto, será destinada uma primeira seção para tratar de forma sucinta a respeito de dois ideais contemporâneos de justiça distributiva. O primeiro, desenvolvido através da obra “A virtude soberana: teoria e prática da igualdade” de Ronald Dworkin, tentará pôr em evidência que a igualdade deve ser tomada como critério primeiro para a resolução de questões acerca de como repartir os recursos em uma sociedade complexa. Contudo, afastando a exigência de igualdade medida através dos níveis de bem-estar da população, será defendido que apenas a igualdade na repartição de recursos é exigível.

Num segundo momento, por meio da análise empreendida por John Rawl em seu livro “Uma teoria da justiça”, será apontada a relação entre os seus dois princípios de justiça para a consecução de uma política fiscal equânime. Assim, dar- se-á a defesa de que as desvantagens sociais fomentadas pelos ganhos de uma parcela da população devem trazer consigo consequências benéficas para todos os cidadãos.

Por fim, serão abordados os principais aspectos daquilo que a doutrina entende por princípios da capacidade contributiva e da progressividade, buscando traçar o seu conteúdo mínimo na ordem jurídica brasileira.

2 APONTAMENTOS SOBRE JUSTIÇA DISTRIBUTIVA 2.1 Teoria e prática da igualdade

A rigor, o princípio democrático atribui à maioria o papel de escolher as formas com que serão repartidos os benefícios e responsabilidades inerentes aos recursos cujo manejo está vinculado à comunidade como um todo. Os objetivos e metas obtidos desse conjunto deliberativo, entretanto, devem obedecer a um ideal mínimo de justiça, bem como respeitar os direitos individuais tão caros às minorias.

Dentro de um esquema político complexo, como aquele vivenciado hoje nas

diversas democracias espalhadas pelo globo, torna-se relevante traçar os direitos

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mínimos a uma distribuição justa de recursos que cada cidadão pode exigir. Bem por isso a redistribuição de renda é uma temática que suscita controvérsias.

De um lado, pode-se defender que o esquema distributivo de uma sociedade é tão melhor desenhado quanto mais conseguir transferir recursos entre as pessoas até que nenhuma transferência adicional possa deixa-las mais iguais em bem-estar.

A medida de justiça seria, então, tomada com base na capacidade de fomentar os planos de vida boa de cada cidadão isoladamente. De outro lado, contudo, é possível afirmar que se tratam as pessoas como iguais quando se distribuem os recursos de maneira que nenhuma transferência adicional possa deixar mais igual a parcela total de recursos de cada um (DWORKIN, 2005, p. 4-5).

Na primeira tentativa de resposta faz-se uso da ideia de igualdade de bem- estar para nortear a repartição das riquezas e oportunidades dentro do Estado; na segunda, por sua vez, entende-se que a igualdade de recursos é o critério final a ser utilizado.

Para os adeptos das teorias do bem-estar, se “o bem estar individual é uma questão de êxito na satisfação de preferências, na realização de metas e aspirações” (DWORKIN, 2005, p. 11), a igualdade de êxito preconiza a distribuição de recursos até que nenhuma transferência adicional possa reduzir as diferenças entre os êxitos das pessoas. Nessa perspectiva, as preferências sobre como deve ser feita a distribuição de recursos tem papel relevante, assim como também o tem as preferências de cada homem acerca de seus próprios desejos frente a diversas situações.

Um critério distributivo baseado naquilo que se deseja fazer, contudo, indica que a repartição dos recursos estará diretamente vinculada ao ideal majoritário.

Quanto mais preferências se agreguem em torno de um determinado objetivo, mais ele deverá ser privilegiado em detrimento de outros. Portanto, mais ou menos frequentemente as preferências dos grupos derrotados deixarão de ser recompensadas. Consoante Dworkin, (2005. P. 23-4) “a igualdade de êxito irrestrita somente é aceitável quando as preferências políticas das pessoas são bem fundadas, e não apenas quando são populares, o que significa , é claro, que no fundo é um ideal vazio, que só tem utilidade quando endossa uma distribuição que já se mostrou justa independentemente”.

A noção de êxito na satisfação das preferências políticas somente pode

conviver em uma sociedade de um homem só, se é que isso existe. Com efeito,

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sequer a forma mais restrita de igualdade de êxito é suficiente para servir de guia à distribuição de recursos. Sob essa perspectiva se pretende que os recursos devam ser destinados “no grau de preferências de cada pessoa com relação a sua própria vida e circunstâncias” (DWORKIN, 2005, p. 26-7). Porém, ainda assim não é possível confirmar de forma irretorquível o que é êxito ou se o desejo de um é suficiente para se retirar aquilo que é também desejado por outro.

No final, nenhuma concepção de justiça distributiva fundada no bem-estar é capaz de fornecer uma resposta realmente coerente e aceitável. A satisfação é apenas parcial. A guisa do exemplo cunhado por DWORKIN (2005, p. 73-4), se realmente levamos a sério um ideal assim concebido, não teríamos dificuldade em aceitar que portadores de deficiência possuam benefícios e incentivos – tais quais as cotas em concursos públicos – na estrutura da sociedade e até seria possível justificar esse tipo de ação como voltada para prover um maior bem-estar em suas vidas. Mas, se um deficiente visual demonstrasse que auferiria muito mais bem-estar com a aquisição de um violino raro que realizando uma cirurgia inovadora para recuperar a sua visão, poderia ele exigir do Estado o violino tal qual exigiria a cirurgia?

A ideia de gostos dispendiosos se apresenta como um entrave a esse ideal e a volatilidade dos desejos de cada homem torna impossível satisfazer todos em igual medida. Por conta disso, o bem-estar não é um critério de implementação factível.

Todavia, a igualdade de recursos condiz com a igualdade de quaisquer recursos privados, de forma que nenhuma divisão de recursos será uma divisão igualitária se, depois que feita a divisão, qualquer homem preferir o quinhão de outrem ao seu próprio quinhão (DWORKIN, 2005, pg. 81). A distribuição assim compreendida permite a cada um escolher o que será seu de acordo com um conjunto finito de recursos que tem disponível e que foi equitativamente dividido em um momento inicial. Embora seja razoável esperar que alguém não possa adquirir tudo aquilo que deseja, isso em nada influencia na distribuição de recursos privilégios e encargos da sociedade – pelo contrário, decorre da própria escassez de recursos que obriga a escolher quais bens adquirir em prioridade.

A igualdade de recursos impõe que os recursos dedicados à vida de cada pessoa devem ser iguais. Essa igualdade de recursos, porém, é apenas temporária.

Conforme observa Dworkin (2005, p. 91):

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Alguns podem ser mais talentosos que outros na produção daquilo que desejam e vão barganhar para obter. Alguns podem gostar de trabalhar, ao passo que outros podem não gostar, ou preferir fazê-lo em atividades menos lucrativas. Alguns permanecerão saudáveis, ao passo eu outros adoecerão [...]. Por quaisquer desses e dezenas de outros motivos, algumas pessoas preferirão as parcelas de outras em, digamos, cinco anos, às suas próprias.

Ora, as diferenças de habilidades, talentos e comprometimento farão com que exista um progressivo desnivelamento entre os recursos privados, como conciliar isso com o ideal de igualdade de recursos?

Para responder a esse questionamento, Dworkin (2005, p. 91) esclarece que os ganhos e perdas que alguém deveria ter previsto e poderia ter recusado fazem parte de sua sorte por opção e não autorizam a redistribuição de recursos em favor de quem optou por fechar um negócio de risco e veio a perder todo o dinheiro aplicado. Efetivamente, um homem pode apostar no caminho que deseja seguir e escolher quais riscos pretende enfrentar, bastando que assuma a responsabilidade pelos seus atos e pague o preço da vida que leva. Contudo, “a sorte bruta diz respeito ao resultado de riscos que não são apostas deliberadas” (DWORKIN, p. 91).

Nesses casos, a má-sorte está além do risco calculado e exige a redistribuição.

A divergência de recursos ocasionada pela má-sorte bruta não pode ser explicada pelos riscos que cada um escolheu se submeter (DWORKIN, 2005, p. 95) e impõe a compensação. Sob essa linha de raciocínio, quem teve o infortúnio de nascer cego foi afetado pela má-sorte bruta e não pode ser responsabilizada pelo menor numero de riquezas que consegue acumular em razão disso.

A exposição aqui utilizada, contudo, até agora vem omitindo um fator importante: em uma sociedade complexa, as relações de redistribuição não se dão entre homens, mas são intermediadas pela figura do Estado. Nesse aspecto, a tributação e a progressividade possuem grande relevância. Isso porque a redistribuição periódica alcançada pelos tributos é a maneira mais eficaz de combater a sorte genérica que faz os talentos de uns os levarem à prosperidade e o de outros não (DWORKIN, 2005, p. 115-7).

Sabendo que a sorte bruta irá acometer alguém em algum momento e que talentos igualmente raros não são remunerados da mesma forma, ao Estado compete planejar as medidas de redistribuição de riquezas, de justiça distributiva.

Para tanto, o uso da tributação é essencial enquanto condição de possibilidade para

alcançar um maior nível de desenvolvimento equitativo em uma sociedade. Nesse

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aspecto, Dworkin (2005, p. 128 e ss.) trabalha sob a perspectiva de que o Estado funcionaria à semelhança de uma seguradora, cujos prêmios (tributos) serão repassados sempre que observado o sinistro (má-sorte bruta).

De qualquer forma, com base na ideia de igualdade de recursos, é um tanto quanto injusto que ricos e pobres paguem o mesmo imposto, por exemplo. Em verdade, nada justifica que o Estado exija a mesma contribuição de pessoas com rendas diversas e, havendo uma situação de desigualdade ocasionada pela má- sorte bruta, faz-se necessário a sua intervenção a fim de mitigar a desigualdade.

2.2 Uma regra de justiça

Seguindo a mesma linha de raciocínio, a teoria cunhada por John Rawls (2008, p. 4-6) descreve aquilo que chamou de sociedade bem ordenada: uma sociedade moldada para promover o bem de seus membros, regulada por uma concepção pública de justiça na qual todos aceitam os mesmos princípios de justiça e cujas instituições sociais atendem a esses princípios.

Para o autor, um dos maiores expoentes do contratualismo durante as últimas décadas, as deliberações sobre a estrutura da sociedade, bem como a formulação da ideia de justiça que deverá ser por ela incorporada, depende daquilo definido na posição original. Com efeito, posição original representa um momento inicial de igualdade em que um conjunto de homens e mulheres com diferentes gostos, talentos, ambições e condições sociais, sem que tenham o conhecimento de suas próprias aptidões e posições dentro da comunidade, se reúnem para formularem o contrato social que irá reger sua sociedade.

As partes que se encontram na posição inicial são mutuamente desinteressadas e não estão dispostas a sacrificar os seus interesses em benefício dos outros; entretanto, estão submetidas a certas circunstâncias que condicionam as informações disponíveis para definirem a estrutura básica de sua sociedade:

Em primeiro lugar, ninguém sabe qual é o seu lugar na sociedade, classe nem status social; além disso, ninguém conhece a própria sorte na distribuição dos dotes e das capacidades naturais, sua inteligência e força, e assim por diante. Ninguém conhece também a própria concepção do bem, as particularidades de seu projeto racional de vida, [...] as circunstâncias de sua própria sociedade. Isto é, não conhecem a posição econômica ou política, nem o nível de civilização e cultura que essa sociedade conseguiu alcançar.

As pessoas na posição original não sabem a qual geração pertencem. [...]

Presume-se, porém, que conhecem os fatos genéricos acerca da sociedade humana. Elas entendem os assuntos políticos e os princípios da teoria econômica; conhecem a base da organização social e as leis da psicologia

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humana. De fato, presumem-se que as partes conhecem quaisquer fatos genéricos que afetem a escolha dos princípios de justiça. (RAWLS, 2008, p.

166-167).

Nesses termos, a posição original deve ser interpretada como um teste que garante o ajuste das decisões tomadas com base na sua perspectiva. A partir dela, é possível refletir acerca das escolhas políticas que devem ser tomadas e alcançar uma decisão isenta de paixões pessoais. A posição original garante que cada um se coloque no lugar do outro antes de decidir e reflita se aquele resultado pretendido realmente pode ser desejado para sua vida (RAWLS, p.168-169). Assim, quem está submetido às suas regras não escolherá viver em uma sociedade escravocrata se sabe que existe uma grande chance de que ele mesmo se torne um escravo, também não buscará um sistema que suprima as concepções de vida das minorias quando pode pertencer a elas.

Nesse momento, as partes poderão estabelecer em definitivo as normas que irão reger a sua sociedade, mas não saberão se essas regras lhes beneficiam ou não; aparentemente, regras mais liberais favorecerão quem detém o maior conjunto de riquezas, enquanto que regras de caráter distributivo impulsionarão o desenvolvimento de forma mais equânime. Farão essa escolha com base em um equilíbrio reflexivo que determinará se certos arranjos políticos são mais justos ou corretos que outros.

Assim, uma vez que também desconhecem as suas preferências, gostos e preconceitos, Rawls (2008, p.157) sabem que o véu da ignorância impede que defendam uma concepção de justiça social egoísta; pelo contrário, conduz a deliberação a respeito da estrutura básica da sociedade a um consenso alcançado por indivíduos mutuamente desinteressados que ali estão para resguardar seus interesses. Mesmo que não saibam exatamente quais sejam suas verdadeiras ambições, irão preferir um arranjo que possibilite concretizar o maior número possível de inclinações e, já que não sabem se ocuparão um lugar mais ou menos privilegiado na estrutura de sua sociedade, buscarão conciliar esse desejo com um sistema que não apenas se abstenha de frear o desenvolvimento da parcela menos favorecida, mas também o fomente.

É aqui que se colocam os princípios de justiça formulados por Rawls. Para o

autor (2008, p. 5):

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Há necessidade de um conjunto de princípios para escolher entre os diversos modos de organização social que definem essa divisão de vantagens e para selar um acordo acerca das parcelas distributivas apropriadas. Esses princípios são os princípios de justiça social: são um modo de atribuir direitos e deveres nas instituições básicas da sociedade e definem a distribuição apropriada dos benefícios e dos encargos da cooperação social.

Nessa posição inicial, o resultado das deliberações levariam os participantes a escolher dois princípios básicos de justiça. O primeiro “requer igualdade na atribuição dos direitos e dos deveres fundamentais, ao passo que o segundo afirma que as desigualdades sociais e econômicas [...] só serão justas se resultarem em vantagens recompensadoras para todos e, em especial, para os membros menos favorecidos da sociedade” (Rawls, 2008. p. 17-8).

Assim, o segundo princípio se aplica à distribuição de riqueza dentro de uma sociedade de forma que, mesmo não sendo igual, deve ser vantajosa para todos (Rawls, 2008, p. 74). Pelo princípio da diferença “só são moralmente legítimas as desigualdades sociais e econômicas estabelecidas para melhorar a sorte dos que se encontram na posição inferior da escala social” (Trindade, 2008, p. 71). Com efeito, a ordem social estabelecida não deve garantir os privilégios e a possibilidade de maior acúmulo aqueles que já gozam de boa situação de vida, a não ser que isso seja vantajoso para os menos afortunados.

Apoiado no princípio da diferença, é o resultado geral que está em jogo para a ideia de justiça distributiva. Assim, as vantagens são fomentadas tanto para aqueles mais afortunados quanto para os menos e somente se justificam caso a diferença de expectativas seja vantajosa para o indivíduo em pior situação.

Dito isso, as desigualdades sociais e econômicas devem estar dispostas de tal modo que propiciem o máximo benefício esperado para os menos favorecidos (Rawls, 2008, p. 100). Os tributos, por sua vez, devem perseguir esse objetivo buscando compensar efetivamente a diferença existente entre as parcelas mais ricas da população e os menos abastados. Se o ganho daqueles deve sempre ser convertido em benefício desses, não resta dúvida de que a progressividade é elemento fundamental para a consolidação de uma justiça distributiva capaz de fomentar mudanças substantivas na sociedade.

Na verdade, pelo princípio da diferença, em uma sociedade bem ordenada

“não fica proibido a ninguém enriquecer. O que acontece é que ao progredir

economicamente, o cidadão ou cidadã vão pagar mais impostos, proporcionalmente

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ao acúmulo de suas riquezas” (Trindade, 2008, p. 62). Notadamente, esse princípio da justiça não impede o desenvolvimento de uns, mas exige que a estrutura de uma comunidade esteja voltada para que os benefícios maiores recebidos por poucos sejam utilizados para melhorar diretamente a vida dos demais.

3 DOS PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E DA PROGRESSIVIDADE TRIBUTÁRIA

O Estado se depara rotineiramente com a conformação do ideal de justiça distributiva ao instituir isenções fiscais, ao criar e repartir as cargas tributárias, ao custear a saúde e educação e, dentre muitos outros exemplos, ao fixar a parcela da receita pública que irá ser empregada para fomentar o desenvolvimento da parcela menos privilegiada da população. Desta forma, como acima citado, não deve deixar de lado aqueles que se encontram em situação de desvantagem por motivos que não podem ser a eles imputados, assim como deve prezar para que a melhora das condições de vida daqueles mais abastados repercuta positivamente nas dos demais.

Partindo dessas duas conclusões preliminares é possível discutir de que forma a tributação deve se fazer presente para corrigir desajustes sociais ou, ainda com o mesmo objetivo, ser limitada. Para tanto, vem à baila o princípio da capacidade contributiva como pedra de toque à intervenção do Estado no domínio econômico privado.

Conforme leciona Roque Antônio Carrazza (2007, p. 87), intimamente ligado ao princípio da igualdade, a capacidade tributária auxilia na realização dos ideais republicanos. A partir dela, explica o autor, as cargas fiscais devem ser repartidas proporcionalmente entre quem tem mais ou menos condições econômicas de arcar com o seu ônus, não sendo justo exigir o mesmo de pessoas com diferentes níveis de patrimônio. Bem por isso, “quem tem maior riqueza deve, em termos proporcionais, pagar mais imposto do eu quem tem menor riqueza. Noutras palavras, deve contribuir mais para a manutenção da coisa pública. As pessoas, pois, devem pagar impostos na proporção de seus haveres” (CARRAZZA, 2007, p.

87).

Ora, não se devem ignorar as diferenças entre os contribuintes. Capacidades

contributivas diferentes devem receber tratamento e cargas tributarias diferentes.

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Logo, quanto maior a capacidade contributiva, maior deverá ser a parcela de contribuição, como dito por Luciano Amaro:

O postulado em exame avizinha-se do princípio da igualdade, na medida em que, ao adequar-se o tributo à capacidade dos contribuintes, deve-se buscar um modelo de incidência que não ignore as diferenças (de riqueza) evidenciadas nas diversas situações eleitas como suporte de imposição. E isso corresponde a um dos aspectos da igualdade, que é o tratamento desigual para os desiguais (

Amaro, 2014, p. 109)

Dentro desse contexto, a doutrina divide o princípio da capacidade contributiva em capacidade absoluta ou objetiva e capacidade relativa ou subjetiva (COSTA, 2007, p. 114).

Entende-se por capacidade contributiva absoluta a atividade desenvolvida pelo legislador de eleição dos eventos sobre os quais recairão os tributos estatais a partir da constatação de um fato que constitua uma manifestação de riqueza. Trata- se de pressuposto e fundamento jurídico de qualquer tributo (COSTA, 2007, p. 114), determinando que somente fatos reveladores de aptidão para cooperar com as despesas públicas, de capacidade para contribuir, autorizam o surgimento de obrigações tributárias.

Contudo, para os fins pretendidos nesse trabalho, apenas interessa a concepção desenvolvida acerca da capacidade contributiva relativa, a exigir “a repartição da percussão tributária, de tal modo que os participantes do acontecimento contribuam de acordo com o tamanho econômico do evento”

(CARVALHO, 2007, p. 174). Pressupondo a categoria acima abordada, a partir dessa ótica a capacidade se reporta ao cidadão singularmente considerado levando em consideração o seu potencial para contribuir e operando como critério de graduação dos impostos (COSTA, 2007, p. 115).

O princípio da capacidade contributiva subjetiva está previsto no art. 145 §1º da Constituição Federal de 1988 e atua como verdadeiro limite ao poder de tributar ao exigir que a obrigação tributária tome como medida capacidade contributiva do sujeito passivo. Com efeito, sob pena de assumir natureza confiscatória, não se pode exigir do contribuinte qualquer imposto que incida diretamente sobre a quantia necessária para se garantir o seu mínimo existencial.

Entende-se por confisco “a absorção total ou substancial da propriedade

privada, pelo Poder Público, sem a correspondente indenização” (COSTA, 2007, p.

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118), de forma que o tributo será ele mesmo confiscatório quando “exceder a capacidade contributiva relativa ou subjetiva visada” (COSTA, 2007, p. 118).

Em verdade, corolário da capacidade contributiva, o princípio da não- confiscatoriedade demarca o limiar que o Estado deve observar para não ferir os direitos fundamentais do cidadão. Desta maneira, “os impostos devem ser graduados de modo a não incidir sobre as fontes produtoras de riquezas dos contribuintes e, portanto, a não atacar a consistência originária de suas fontes de ganho” (CARRAZZA, 2007, p. 100).

E este é um ponto importante, haja vista que nenhum tributo pode furtar as condições mínimas de sobrevivência de cada cidadão, todo aquele acometido por má-sorte bruta, da forma acima disposta, detém uma prerrogativa perante o Estado de exigir isenções e cargas fiscais mais brandas quando verificada sua situação de hipossuficiência.

Da mesma forma, poderá também exigir que os ganhos de alguns sejam mais severamente tributados a fim de possibilitar a redistribuição equitativa de recursos e oportunidades dentro de sua comunidade. É nesse sentido que se fala que, enquanto no plano horizontal exige-se que contribuintes com mesma capacidade sejam tributados da mesma maneira, no plano vertical o princípio da capacidade contributiva deve “aplicar-se de modo progressivo, ou seja, a carga tributária individual deve aumentar em uma proporção maior ao incremento de riqueza disponível” (CALIENDO, 2005, p. 393).

O princípio da progressividade visa estabelecer alíquotas mais altas para as maiores porções de capacidade econômica. A intenção da progressividade fiscal é fazer com que a contribuição seja mais proporcional à renda do contribuinte e, aliás,

“implica seja a tributação mais do que proporcional à riqueza de cada um. Um imposto é progressivo quando a alíquota se eleva conforme se aumenta a base de cálculo” (COSTA, 2016, p. 364).

Como explica Carrazza (2007, p. 88), é por esse motivo que todos os

impostos devem ser progressivos, uma vez que é graças à progressividade que eles

atendem ao princípio da capacidade contributiva. É o caso do Imposto de Renda (IR)

e do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), por exemplo. Em ambos, é possível

vislumbrar a existência de alíquotas crescentes em função do aumento das bases de

cálculo.

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No mesmo sentido, o

princípio da capacidade contributiva também deve ser aplicado aos impostos indiretos, levando em consideração tanto os contribuintes de direito, quanto os contribuintes de fato. Isso porque, no caso de alimentos básicos e remédios, os seus contribuintes de direito são – geralmente – grandes empresas com alto poder econômico, sendo cobrados em um alto montante. Contudo, isso se reflete no preço dos produtos que consequentemente afetam os seus contribuintes de fato, que podem possuir um baixo poder aquisitivo para comprar produtos essenciais (Amaro, 2014, p. 110).

Por isso mesmo, no afã de concretizar a justiça fiscal, a progressividade se apresenta como um meio de se viabilizar a redução das desigualdades econômicas existentes entre as pessoas sem, ao mesmo tempo, limitar o crescimento da parcela mais abastada da população.

4 CONCLUSÃO

Como foi visto até esse momento, a distribuição de recursos compõe um ideal acerca do qual é possível oferecer diversas respostas. Em uma primeira tentativa de acerto, pode-se defender que uma sociedade estará tão melhor quanto mais for possível satisfazer os desejos particulares de seus cidadãos. Partindo dessa premissa, em um nível psicológico, o bem estar de cada um será enxergado como fim a ser perseguido.

Contudo, apesar de essa ser uma proposta amplamente desejável, garantir que todo homem tenha aquilo que deseja não é um objetivo factível em um contexto de recursos finitos e, ao fim, faria com que os desejos de uns fossem ignorados frente aos de outros. Por conta disso, somente é concebível a defesa do princípio distributivo na medida em que orientado pelo critério da igualdade de recursos.

Apoiando-se nessa perspectiva, os recursos destinados à vida de cada homem devem ser iguais, cabendo a ele escolher a melhor forma de gasta-los.

Desta maneira, a justiça distributiva deve tomar como base a obrigação de promover e manter esse equilíbrio, assegurando àqueles que foram postos em uma condição de desvantagem inata uma maior parcela de incentivos para fomentar seus planos de vida.

No mesmo contexto, em um ambiente no qual se aceita o ideal de justiça

distributiva em detrimento de uma concepção de justiça social egoísta, os encargos

da cooperação social deverão ser distribuídos de forma a, ao tempo que permitam o

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desenvolvimento da parcela mais próspera da população, garantir que os ganhos desses também tragam benefícios aos menos favorecidos.

Logo, ao Estado cumpre assumir essa posição e planejar as medidas de redistribuição de riquezas a fim que a sociedade cresça do modo mais equânime possível. Nesse contexto, os tributos devem ser um meio para atingir esse propósito, através da implementação dos princípios da capacidade contributiva e da progressividade tributária.

Com efeito, é através deles que, mais especificamente, esses valores são incorporados na ordem jurídica brasileira. Em consequência disso, defender o respeito à capacidade contributiva implica a proteção daquele que, por motivos diversos, não detém possibilidade de arcar com os custos dos tributos instituídos, ao mesmo tempo em que determina que os maiores ganhos auferidos por uns sejam redimensionados em benefício da coletividade como um todo.

Posto isto, ao Estado, intermediador no âmbito do Direito Tributário, compete a busca por caminhos capazes de beneficiar a todos e compensar a diferença existente entre as capacidades econômicas.

REFERÊNCIAS

AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2014 CALIENDO, Paulo. Da justiça fiscal: conceito e aplicação. In: TÔRRES, Heleno Taveira. Tratado de direito constitucional tributário: estudos em homenagem a Paulo de Barros Carvalho. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 371-405.

CARRAZZA, Roue Antonio. Curso de direito constitucional tributário. São Paulo:

Malheiros Editores, 2007.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 18. ed. São Paulo:

Saraiva, 2007.

COSTA, Regina Helena. Curso de direito tributário: Constituição e Código Tributário Nacional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

COSTA, Regina Helena. Praticabilidade e justiça tributária: exequibilidade de Lei Tributária e Direitos do Contribuinte. São Paulo: Malheiros Editores, 2007.

DWORKIN, Ronald. A virtude soberana: a teoria e a prática da igualdade. 1. ed.

São Paulo: M. Fontes, 2005.

RAWLS, John. Uma teoria da justiça. 3.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

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TRINDADE, Ubiratan. Justiça distributiva: uma leitura da obra de Jown Rawls. São Leopoldo: Unissinos (Dissertação), 2008

ABILITY TO PAY AND PROGRESSIVENESS TAX: NOTES TO ACHIEVE THE DISTRIBUTIVE JUSTICE

ABSTRACT

This article aims to analyze the importance of the principle of the ability to pay and progressiveness in the distribution of tax burden to the population. The first one says that the taxes should be adjusted to the economic capacity of the taxpayer.

The second one says that the higher the number of wealth, the greater the rates to cover. Therefore starting with the importance of these principles, aims to establish minimum parameters to be observed by the State’s fiscal policy in order to safeguard the equitable distribution of tax burden. For this purpose, sought in the ideals of distributive justice developed by Ronald Dworkin and John Rawls the necessary contribution to the development of the work, Concluding that the above- mentioned principles should contribute to the gains of the more fortunate portion of the population also raising the conditions of the less affluent classes

Keywords: Tax Law. Progressiveness. Distributive Justice.

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