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Acordo Mercosul/União Europeia e entrada na OCDE armadilhas para um futuro governo brasileiro

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Academic year: 2021

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Acordo Mercosul/União Europeia e entrada na OCDE – armadilhas para

um futuro governo brasileiro

Paulo Nogueira Batista Jr.

Alvaro Luiz Vereda Oliveira

TEXTO 3

Setembro/2021

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Textos para discussão - Cátedra Celso Furtado – Colégio Brasileiro de Altos Estudos/CBAE-UFRJ A Cátedra Celso Furtado se insere no Programa de Cátedras do Colégio Brasileiro de Altos Estudos da UFRJ. O Programa pretende atualizar e divulgar discussões acerca de temas relevantes para a sociedade, para a academia, para as esferas de governo e para o setor produtivo, reunindo nas cátedras especialistas de diferentes áreas, interessados no presente e em propostas para o futuro. É neste contexto que se insere a Cátedra Celso Furtado que tem como tema “Políticas macroeconômicas para o desenvolvimento do Brasil”.

A série de divulgação de textos para discussão se insere entre as atividades da Cátedra. Apresenta-se a seguir o terceiro texto da série com o título “Acordo Mercosul/União Europeia e entrada na OCDE – armadilhas para um futuro governo brasileiro” de autoria de Paulo Nogueira Batista Jr. & Alvaro Luiz Vereda Oliveira.

Organizadores Catedrático: Paulo Nogueira Batista Jr.

Pós-doutoranda: Maria Isabel Busato

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Textos para discussão - Cátedra Celso Furtado – Colégio Brasileiro de Altos Estudos/CBAE-UFRJ Acordo Mercosul/União Europeia e entrada na OCDE – armadilhas para um

futuro governo brasileiro

Paulo Nogueira Batista Jr.

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Alvaro Luiz Vereda Oliveira

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O Brasil vem participando de negociações econômicas internacionais de importância estratégica. Este texto trata de duas delas, que têm, como procuraremos mostrar, impacto muito mais negativo do que positivo para o País: o acordo Mercosul/União Europeia e a entrada do Brasil na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

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As duas remontam ao governo Temer, que decidiu pleitear o ingresso na OCDE e retomar negociações antigas com a União Europeia. Foram levadas adiante pelo governo Bolsonaro, mas estão basicamente paralisadas, por obra das suas políticas climáticas. Dificilmente serão concluídas enquanto o governo não for substituído ou não mudar suas políticas nessa área.

As duas questões devem ficar para um outro governo, que começará em janeiro de 2023, admitindo-se que Bolsonaro chegue ao final do seu mandato, mas não alcance a reeleição. Do governo Bolsonaro, um dos poucos bons resultados – completamente involuntário – é o de ter inviabilizado, com suas políticas de negligência ou destruição ambiental, tanto a entrada na OCDE quanto a ratificação do acordo com a União Europeia. Com a importância que esse tema adquiriu na agenda internacional, a linha adotada pelo governo brasileiro desde 2019 constitui verdadeira aberração, contribuindo para o isolamento internacional do País. Uma política ambiental mais civilizada traria talvez a desvantagem de viabilizar a conclusão dessas duas iniciativas, emparedando o próximo governo.

Porém, o mais provável é que Lula ou Ciro Gomes, ambos defensores de políticas de desenvolvimento, venham a ser confrontados, se eleitos, com as duas negociações em aberto: a) um acordo pronto ou praticamente pronto, mas ainda não ratificado, entre o Mercosul e a União Europeia; e b) um processo relativamente adiantado de preparação para a entrada do País na OCDE. Como nem Ciro nem Lula dariam continuidade aos descalabros ambientais do atual governo, o caminho estaria, em princípio, aberto para finalizar as negociações internacionais em curso. O problema é que elas oferecem poucas vantagens e se chocam frontalmente com a autonomia das políticas nacionais de desenvolvimento.

Se, por outro lado, o vencedor das eleições for alguém da direita tradicional, não- bolsonarista, a chamada terceira via, é provável que a questão se coloque de outra forma e sem dificuldades insuperáveis, pois a finalização das duas negociações se enquadra

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Titular da cátedra Celso Furtado do Colégio de Altos Estudos da UFRJ. Foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, de 2015 a 2017 e diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países em Washington, de 2007 a 2015.

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Advogado, atuou como diplomata e subsecretário para assuntos internacionais do Ministério da Fazenda de 2007 a 2010.

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Uma primeira versão deste texto foi publicada por um dos autores na revista Carta Capital. Paulo

Nogueira Batista Jr., “Há Salles que vem para bem”, Carta Capital, 28 de maio de 2021.

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Textos para discussão - Cátedra Celso Furtado – Colégio Brasileiro de Altos Estudos/CBAE-UFRJ perfeitamente na agenda neoliberal tradicionalmente defendidas por esse campo político.

O que se pretende com essas negociações, por um lado, é expor a economia brasileira à competição internacional, cristalizando essa abertura em acordos internacionais de difícil reversão. Esses acordos impediriam, por outro lado, a adoção de políticas nacionais de desenvolvimento que se chocam com o princípio neoliberal de não-intervenção (ou atuação limitada) do Estado na economia.

Quais são os argumentos neoliberais? São, em boa medida, genéricos ou de natureza ideológica, do tipo “o Brasil precisa estreitar laços com os países mais avançados”, “não podemos ficar restritos ao mundo emergente e em desenvolvimento”,

“precisamos modernizar e abrir a economia”, “temos de aprimorar nossas leis e regulamentos e obter um selo de qualidade”. Argumentos que não comovem nenhum país emergente que tenha noção dos seus objetivos de longo prazo e da importância de conservar margem de manobra na definição de políticas públicas, mas que podem, como sabemos, sensibilizar setores da elite nacional acostumados a se pautar pela agenda dos Estados Unidos e de outros países desenvolvidos. Essa incapacidade de avaliar com independência, realismo e senso crítico as opções que se oferecem ao País no campo internacional têm nos custado caro.

OCDE – uma organização pesadamente normativa

A OCDE não é apenas um fórum de discussão, onde nossa voz seria ouvida se nos tornássemos membros. Trata-se de um organismo normativo, que estabelece uma grande variedade de compromissos e obrigações para seus países membros. Entre decisões, acordos, recomendações e declarações existem nada menos que 247 instrumentos no âmbito da instituição.

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O OCDE existe desde 1961 e se consolidou como organismo que reflete, de forma infalível, as prioridades e interesses dos Estados Unidos, dos principais países da Europa e de outras nações desenvolvidas. Os emergentes que lá figuram são meros coadjuvantes, sem peso real na definição das normas da instituição, há muito consolidadas pelos desenvolvidos. Na prática, são sócios de segunda classe, que aceitam limitar suas políticas em troca do prestígio de participar do “clube dos ricos”.

O Brasil está, desde 2017, na fila dos candidatos e vem se esforçando para atender os requisitos e as exigências. Sintomático que o secretário-geral da OCDE, o mexicano Angel Gurría, tenha afirmado pouco antes de deixar o cargo que, entre os seis candidatos atuais, “o Brasil tem enorme vantagem, faz parte da família e já está na cozinha”.

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De lá não sairá... Pode até ser aceito como membro, mas continuará na cozinha da OCDE na companhia de México, Colômbia, Chile e Costa Rica.

Aderir à OCDE implicaria perder soberania em matéria de políticas públicas em troca da expectativa de avaliações positivas da gestão econômica e estrutura regulatória do país. Isso pode ser aceitável para países que já se desenvolveram ou estão satisfeitos com o espaço que detêm nas relações econômicas internacionais. Não é o caso daqueles

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Organisation for Economic Cooperation and Development, OECD Legal Instruments, disponível em:

https://legalinstruments.oecd.org/en/.

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“O Brasil e a OCDE”, O Estado de S. Paulo, 13 de maio de 2021, p. A3.

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Textos para discussão - Cátedra Celso Furtado – Colégio Brasileiro de Altos Estudos/CBAE-UFRJ que desejam mudar estruturalmente sua inserção, o que implica ir além do status quo e defender permanentemente a sua independência na definição e implementação de suas políticas econômicas e de desenvolvimento.

O resultado de uma adesão à OCDE pelo Brasil seria a limitação de margem para a elaboração e execução de políticas nacionais autônomas (o chamado policy space), o que não seria compensado por eventuais estímulos a avanços regulatórios e institucionais.

Fundamentalmente, porque o trabalho de seleção de melhores práticas e políticas e sua posterior incorporação ao direito interno brasileiro, após exame cuidadoso, pode ser realizado internamente – inclusive, se for o caso, tomando por base estudos e políticas da própria OCDE. Em outras palavras, nada nos impede de avaliar o que está sendo feito pelos membros da OCDE e recomendado pela organização para depois incorporarmos, com liberdade, o que é benéfico para o progresso do País, no âmbito do Poder Executivo ou por decisões do Congresso Nacional, sem perda de policy space e sem estreitar nossas opções de desenvolvimento.

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Não se deve perder de vista que os compromissos exigidos pela OCDE são mais amplos do que os de outras instituições multilaterais. No campo dos movimentos internacionais de capital, por exemplo, a OCDE é bem mais rigorosa do que o FMI na busca de compromissos de liberalização.

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O Convênio Constitutivo do FMI, no seu Artigo VI, garante aos países a liberdade para regular os movimentos de capital.

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Tentativas de modificar esse aspecto da estrutura legal do FMI não foram bem-sucedidas. No tempo em que um dos autores deste texto era diretor executivo do Brasil e de outros países no FMI, houve tentativas de importar aspectos das normas da OCDE no que diz respeito a movimentos internacionais de capital. Não sendo o Brasil membro da OCDE, a cadeira brasileira na Diretoria Executiva do FMI podia se opor a isso com sucesso, assim como fazia o ministro da Fazenda, Guido Mantega, nas reuniões do conselho ministerial da instituição.

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Como são numerosos e, não raro, detalhados e intrusivos os compromissos exigidos dos países membros, participar da OCDE tem, como já indicamos, implicações em muitas áreas das políticas econômicas e de desenvolvimento. Para dar mais um exemplo, veja-se como são afetadas as empresas estatais dos membros. A OCDE se preocupa em assegurar que haja um level playing field (campo de jogo nivelado) entre essas empresas e as privadas, inclusive as estrangeiras. O que se busca é impedir que os governos concedam a essas empresas tratamento diferenciado e mais vantajoso. Ao fazê- lo, porém, retira-se dos países um instrumento potencial de promoção do desenvolvimento. Uma das justificativas para a própria existência de empresas públicas,

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Sobre a entrada do Brasil na OCDE ver Rômulo Tavares Ribeiro, “Brasil como membro pleno da OCDE: uma análise crítica”, Oikos – Revista de Economia Política Internacional, vol. 19., nº 3, 2020.

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Ver Organisation for Economic Cooperation and Development, OECD Code of Liberalisation of Capital Movements, 2021, disponível em: https://www.oecd.org/daf/inv/investment-policy/Code-capital- movements-EN.pdf

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International Monetary Fund, Articles of Agreement, Article VI – Capital Transfers, disponível em:

https://www.imf.org/external/pubs/ft/aa/pdf/aa.pdf

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Sobre a discussão do controle de capitais no FMI depois da crise internacional de 2008, ver Paulo

Nogueira Batista Jr., O Brasil não cabe no quintal de ninguém: bastidores da vida de um economista

brasileiro no FMI e nos BRICS e outros textos sobre nacionalismo e nosso complexo de vira-lata, 2ª

edição, São Paulo: LeYa, 2021, p 49-59.

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Textos para discussão - Cátedra Celso Furtado – Colégio Brasileiro de Altos Estudos/CBAE-UFRJ recorde-se, é justamente a possibilidade de favorecer a sua atuação com tratamentos de tipo especial e, com isso, utilizá-las como instrumento de políticas de desenvolvimento.

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Não é por acaso que nenhum dos outros países dos BRICS está pleiteando ingresso na OCDE. Rússia, Índia e China são grandes países emergentes que prezam a sua autonomia estratégica. Mesmo a África do Sul, menor e potencialmente mais vulnerável às pressões ocidentais, não faz questão (até onde se sabe) de entrar nesse clube.

Acordo Mercosul/União Europeia – poucas vantagens, muitas limitações O acordo Mercosul/União Europeia também é altamente problemático. A negociação propriamente dita já foi concluída. O acordo encontra-se em fase de revisão jurídica e tradução para depois ser encaminhado aos Parlamentos.

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Engana-se quem pensa que se trata de um acordo de livre-comércio. Não é, e por duas razões. Primeira: os europeus se reservam o direito de proteger, de formas variadas, a sua agricultura contra a concorrência dos produtores mais competitivos do Mercosul.

Segunda: o acordo abrange uma série de temas que transcendem a órbita comercial strictu sensu.

Em termos de acesso ao mercado europeu, o acordo é muito limitado. Os negociadores europeus sempre se mostraram relutantes em abrir seus mercados agrícolas aos produtores do Mercosul, o que contribuiu decisivamente para que as negociações não fossem concluídas desde o seu início em 1999. Tentou-se no governo Fernando Henrique Cardoso, tentou-se no governo Lula, mas os europeus sempre insistiam em pedir muito e oferecer pouco. A relutância europeia persistiu e o acordo só pôde ser fechado em 2019 porque os negociadores sul-americanos, ansiosos para concluir a negociação, se mostraram dispostos a aceitar uma barganha desequilibrada.

O pouco acesso a mercados europeus que se obteve com o acordo ficou condicionado, além disso, pela inserção de cláusulas ambientais e sociais que podem se tornar verdadeiras escape clauses para os compromissos assumidos. Assim, alegações de supostas violações de padrões ambientais e sociais mínimos poderiam, em tese, fundamentar sanções unilaterais na forma de suspensão de obrigações, inclusive no que diz respeito a acesso a mercados. O agravante é que a disciplina da suspensão temporária de obrigações é pouco rigorosa. Prevê-se apenas um compromisso genérico de que as partes se absterão de utilizar preocupações ambientais e sociais de forma abusiva com o mero intuito de justificar a retomada de práticas protecionistas.

O acordo proporciona, portanto, pouco acesso adicional, e mesmo assim condicionado, aos mercados da União Europeia. Por outro lado, abre os mercados do Mercosul para as exportações industriais europeias por meio da diminuição das tarifas de importação. As empresas industriais brasileiras e de outros países do Mercosul ficariam expostas à concorrência com as grandes empresas da Alemanha e de outros países

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Rômulo Tavares Almeida, op. cit., p. 99, 100.

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O acordo em princípio e seus textos foram postados pela União Europeia. Ver EU-Mercosur Trade Agreement: The Agreement in Principle and its texts, disponível em:

https://trade.ec.europa.eu/doclib/press/index.cfm?id=2048

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Textos para discussão - Cátedra Celso Furtado – Colégio Brasileiro de Altos Estudos/CBAE-UFRJ europeus, o que aprofundaria a desindustrialização em curso no Brasil nas décadas recentes. Desfrutando de vantagens competitivas de natureza estrutural, as corporações europeias tenderiam a dominar vários mercados hoje protegidos por tarifas relativamente elevadas de importação do Mercosul. Texto recente publicado pela Universidade de Boston, alerta que a liberalização comercial prevista nesse acordo desembocaria no que os autores chamam de “desindustrialização prematura” e aprisionamento do Mercosul em uma condição de “subordinação tecnológica e industrial”.

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Vale acrescentar que entre os setores industriais mais afetados pelo acordo estariam o automobilístico, o de máquinas e equipamentos (de transporte e elétricos), o químico e o farmacêutico, liderados no Brasil, não raro, por multinacionais europeias. O acordo poderia incentivar o retorno dessas indústrias aos países de origem, processo conhecido como reshoring. Contribuiria assim para a reindustrialização europeia e a desindustrialização do Brasil, para a exportação de indústrias e empregos industriais do Brasil para a Europa. No Brasil, em contraste, observaríamos o reforço do perfil do emprego urbano precário, sobretudo no setor de serviços, e o avanço da desigualdade pela perda de qualidade dos postos de trabalho.

Além de desequilibrado no que tange à questão do acesso a mercados, o acordo vai muito além do comércio de bens para estabelecer obrigações em áreas como serviços, investimentos, competição, solução de controvérsias, propriedade intelectual (inclusive indicações geográficas

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), compras governamentais e proteção do meio ambiente.

No que se refere a compras governamentais, por exemplo, o acordo coloca em pé de igualdade as empresas do Mercosul com as empresas europeias industriais e de serviços, mais avançadas tecnologicamente e mais competitivas. O que se prevê é apenas um período de transição que os países signatários teriam para adaptar-se ao novo regime de liberalização plena de suas compras governamentais. Nas condições atuais, a legislação brasileira inclui a possibilidade, essencial em qualquer plano de desenvolvimento e geração de empregos, de utilizar esse instrumento para favorecer as empresas instaladas em território nacional. Embora a lei de licitações adote a não- discriminação como regra geral, ela permite favorecer os produtores nacionais com a introdução de margens de preferência de preços e exigências de conteúdo local, além de abrir a possibilidade de estabelecer requisitos em termos de transferência de tecnologia.

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Problemas e desequilíbrios análogos aparecem em diversas outras áreas do acordo. No frigir dos ovos, obtém-se um pouco de acesso adicional ao mercado europeu em troca de: a) abertura dos mercados do Mercosul para benefício das exportações

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Jeronim Capaldo and Özlem Ömer, Trading Away Industrialization: Context and Prospects of the EU- Mercosur Agreement, Working Paper 52, June 2021, Global Development Center, Boston University.

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O acordo inclui reconhecimento mútuo de indicações geográficas como parte da proteção à propriedade intelectual. A União Europeia listou 355 dessas indicações no anexo do capítulo do acordo sobre

propriedade intelectual; o Brasil, apenas 38. José Gilberto Scandiucci Filho, Acordos internacionais e desenvolvimento: que estratégia para o Brasil?, abril de 2021, Núcleo de Estudos de Conjuntura, FACAMP, p. 8.

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Gustavo Tavares da Costa, É hora de o Brasil liberalizar suas compras governamentais?, Texto para

Discussão 1, agosto de 2021, Cátedra Celso Furtado, Colégio de Altos Estudos, Universidade Federal do

Rio de Janeiro, disponível em: www.nogueirabatista.com.br/category/documentos/catedra-celso-furtado-

ufrj/.

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Textos para discussão - Cátedra Celso Furtado – Colégio Brasileiro de Altos Estudos/CBAE-UFRJ industriais da Alemanha e outros países europeus; e b) severa limitação de políticas governamentais em diversos campos.

Não por acaso, um negociador europeu foi flagrado confessando que “we have in a way got way with murder on this deal” (em tradução livre: obtivemos tantas concessões que o acordo foi um assassinato).

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A inconfidência não surpreende. Nos seus aspectos principais, o acordo foi concluído em 2019, no primeiro ano do incompetente governo Bolsonaro e na reta final de um governo fraco na Argentina, o de Mauricio Macri. Vamos ter que nos livrar desse entulho todo.

Ressalte-se que a perda de espaço para a execução de políticas nacionais ocorreria justamente num momento em que políticas ativas, patrocinadas e conduzidas pelo Estado, têm-se destacado como resposta à pandemia da Covid-19. A economia política predominante no pós-pandemia revigora a centralidade da atuação estatal e resgata a política industrial. Grandes potências como a China e, mais recentemente, a União Europeia e os EUA recorrem à ação do Estado em grande escala. A China nunca se deixou seduzir pela agenda neoliberal, mas mesmo os EUA, por orientação do novo Governo democrata, recolocam o Estado como vetor principal de impulso ao crescimento econômico e à recomposição de um contrato social abalado por desequilíbrios e desigualdades acumulados durante quatro décadas de neoliberalismo e agravados pelos impactos desiguais da pandemia em 2020-2021.

Uma questão chave, elucidativa do caráter problemático das negociações em que o Brasil se envolveu desde 2016, é a da segurança sanitária. A experiência da pandemia revelou os riscos da excessiva dependência externa para prover os sistemas de saúde de equipamentos médicos, vacinas e outros medicamentos e insumos. Ficou evidente a necessidade de assegurar um suprimento estratégico mínimo, produzido nacionalmente, a fim de diminuir a vulnerabilidade a eventos de saúde pública de caráter extremo. Países que defendem a sua autonomia não querem ficar reduzidos à condição de pedintes em períodos de emergência internacional. Pergunta-se: os compromissos nas áreas de concorrência, compras governamentais e propriedade intelectual negociados com a União Europeia favorecem políticas industriais com esse escopo? Parece evidente que não. A recente posição do bloco europeu no âmbito da OMC, contrária à quebra de patentes de vacinas contra a Covid-19 que poderia oferecer a alternativa de produtos genéricos aos países mais pobres, constitui indicativo valioso da resposta a essa pergunta.

Cabe recordar, finalmente, que o Itamaraty sempre resistia a tratar temas que não os de acesso a mercados fora do âmbito na OMC. Priorizava o tratamento da agenda para além do comércio no plano multilateral, evitando abordá-la em âmbito bilateral ou plurilateral, por entender que essa agenda incluía temas horizontais que afetam as condições de comércio e competição em escala global, devendo assim ficar na órbita de discussões estruturais sobre comércio internacional, reforçadas por coalizões de interesses as mais amplas possíveis, como foi o G-20 comercial, ao longo da Rodada Doha.

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“Para negociador, acordo favorece UE mais que Mercosul”, Valor Econômico, 4 de dezembro de 2019,

p. A16.

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Textos para discussão - Cátedra Celso Furtado – Colégio Brasileiro de Altos Estudos/CBAE-UFRJ Aceitar discutir e realizar concessões importantes em temas OMC e OMC+ fora do contexto multilateral, seja por adesão à OCDE, seja por meio do Acordo Mercosul- União Europeia, caracteriza precedente indesejável, que pode se repetir em acordos posteriores, a serem negociados segundo esse paradigma, onde o Brasil, isolado (como é desejo de alguns), ou associado a um Mercosul enfraquecido, iria decidir os termos de suas relações comerciais (e para além das comerciais) sem o recurso a barganhas e a coalizões mais amplas que o multilateralismo da OMC oferece.

O que fazer?

Um futuro governo brasileiro pode desativar as duas armadilhas (e outras, não abordadas neste texto) sem confrontação e sem alarde. Seria algo semelhante ao que fez o governo Lula com a ALCA (Área de Livre Comércio das Américas) em 2003 e 2004,

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acordo que serve de matriz, aliás, para o acordo Mercosul/União Europeia. Graças à ação inteligente e habilidosa dos diplomatas Celso Amorim, Samuel Pinheiro Guimarães e Adhemar Bahadian, sem barulho e sem brigar com ninguém, o Brasil impediu a concretização da ALCA, que o governo Fernando Henrique Cardoso, submisso às orientações dos Estados Unidos, havia deixado praticamente pronta. Não restou aos americanos outra alternativa senão negociar acordos bilaterais no modelo ALCA com alguns países latino-americanos. O Mercosul ficou de fora.

No que diz respeito à OCDE, basta abandonar o pedido de ingresso e continuar como parceiro-chave da organização, participando sempre que possível e conveniente de discussões sobre temas de nosso interesse. Os regulamentos e as práticas recomendados pela OCDE que forem úteis para a nossa economia e o nosso desenvolvimento podem ser adotados em âmbito nacional, sem estreitar por compromisso internacional o espaço de atuação do País em áreas de interesse estratégico

No que se refere ao acordo Mercosul/União Europeia, o natural seria tentar uma redefinição dos compromissos e concessões, buscando maior equilíbrio em várias áreas.

Os europeus nem teriam condições de denunciar uma volta atrás, posto que eles mesmo vêm procurando reabrir o acordo concluído em 2019 para introduzir mais obrigações na área ambiental. Se for possível reequilibrar o acordo, ótimo. Se não, o que parece mais provável, continuaremos a prezar e desenvolver as nossas relações econômicas com o bloco europeu, sem amarrar-nos a compromissos internacionais desequilibrados e invasivos.

Em tudo isso, o fundamental é nunca esquecer que o Brasil não pode abrir mão da sua capacidade de definir e desenvolver suas políticas nacionais de forma independente.

Referências bibliográficas

BATISTA Jr., Paulo Nogueira (2005). O Brasil e a economia internacional: recuperação e defesa da autonomia nacional, Rio de Janeiro: Elsevier.

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Sobre as negociações da Alca, ver Paulo Nogueira Batista Jr., O Brasil e a economia internacional:

recuperação e defesa da autonomia nacional, Rio de Janeiro: Elsevier, 2005, p. 75-132.

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Textos para discussão - Cátedra Celso Furtado – Colégio Brasileiro de Altos Estudos/CBAE-UFRJ BATISTA Jr., Paulo Nogueira (2021). O Brasil não cabe no quintal de ninguém:

bastidores da vida de um economista brasileiro no FMI e nos BRICS e outros textos sobre nacionalismo e nosso complexo de vira-lata, 2ª edição, São Paulo: LeYa.

CAPALDO, Jeronim and Özlem Ömer (2021). Trading Away Industrialization: Context and Prospects of the EU-Mercosur Agreement, Working Paper 52, June 2021, Global Development Center, Boston University.

COSTA, Gustavo Tavares da (2021). É hora de o Brasil liberalizar suas compras governamentais?, Texto para Discussão 1, agosto de 2021, Cátedra Celso Furtado, Colégio da Altos Estudos, Universidade Federal do Rio de Janeiro, disponível em:

www.nogueirabatista.com.br/category/documentos/catedra-celso-furtado-ufrj/.

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SCANDIUCCI, José Gilberto (2021). Acordos internacionais e desenvolvimento: que estratégia para o Brasil?, abril de 2021, Núcleo de Estudos de Conjuntura, FACAMP.

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