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O TRABALHO DOCENTE E O DESAFIO DE EDUCAR NAS ESCOLAS CONTEMPORÂNEAS: REPENSANDO A SALA DE AULA

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ISSN 2176-1396

O TRABALHO DOCENTE E O DESAFIO DE EDUCAR NAS ESCOLAS CONTEMPORÂNEAS: REPENSANDO A SALA DE AULA

Ariana Cosme 1 -Universidade do Porto - Portugal Grupo de Trabalho – Educação, Complexidade e Transdisciplinaridade Agência Financiadora: não contou com financiamento to Resumo

Vivemos num tempo onde se define a profissão docente em função de parâmetros distintos daqueles que estiveram na afirmação sócio-profissional da profissão, nomeadamente do ponto de vista dos compromissos éticos que a fundamentam. Tempo este em que nos defrontamos com dificuldades iniludíveis de construirmos consensos, suficientemente sólidos acerca da intervenção educativa dos professores e das suas responsabilidades profissionais que terão que ser compreendidas à luz das dissonâncias e das contradições que se revelam no debate que, hoje, se trava acerca das finalidades e das funções das escolas como instituições educativas. Um debate que tem que afectar obrigatoriamente a reflexão sobre a redefinição do trabalho docente, a qual, pelas mais diversas razões, constitui, nas sociedades em que vivemos, uma reflexão prioritária. É, enquanto contributo para uma tal reflexão, que este texto se justifica, um texto que corresponde, em larga medida, ao trabalho de reflexão que produzi no decurso do meu trabalho de investigadora e formadora no decurso dos últimos anos Um texto através do qual me proponho abordar especificamente a relação que se estabelece entre a redefinição do trabalho docente, os sentidos dos processos de influência educativa que os professores animam nas escolas e a redefinição do trabalho nas salas de aula, como uma problemática onde a articulação entre Educação e Ética constitui a articulação matricial que sustenta a referida reflexão.

Palavras-chave: Influência Educativa. Trabalho Docente. Repensar a Sala de Aula.

Ser professor: questões e desafios

A relação entre a redefinição do trabalho docente e a natureza e os sentidos dos processos de influência educativa que os professores animam coloca-me no domínio de uma primeira decisão estruturante que obriga os professores a discutir se pretendem participar no projeto de uma escola subordinada a uma racionalidade de carácter meritocrático ou no

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Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação -Universidade do Porto -Portugal

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projeto de uma escola que se define em função de uma racionalidade comprometida com os valores que caracterizam os contextos tendencialmente democráticos.

Trata-se de uma decisão que decorre das opções ideológicas distintas que se assumem, quer acerca do que se entende por educar, quer acerca do que se entende quais são as finalidades políticas, sociais, culturais e educativas da Escola, as quais tendem a determinar, por sua vez, o modo como se interpreta a função desta instituição enquanto contexto de socialização incontornável no seio das sociedades em que vivemos. Uma opção que deverá ter consequências:

a) quanto ao entendimento do que é o papel da comunicação entre si e os seus alunos;

b) quanto às modalidades de gestão curricular que se adoptam;

c) quanto aos processos de mediação pedagógico-didáctica que se animam e aos dispositivos que, neste âmbito, se mobilizam;

d) quanto à filosofia de avaliação que se perfilha e ao grau de congruência entre essa filosofia e os dispositivos de avaliação que se implementam; (

e) quanto à utilização desses dispositivos, à leitura dos resultados que se obtêm e às consequências pedagógicas dos mesmos.

Assim, é a partir da decisão mais ampla que enunciei, em função do qual se opõe uma racionalidade educativa meritocrática a uma racionalidade educativa democrática, que deverão ser compreendidas as opções mais circunscritas que os professores deverão vivenciar relacionados com os espaços e os momentos de gestão curricular, com os espaços e os momentos de mediação pedagógica e, finalmente, com os espaços e os momentos do processo de avaliação.

Ainda que haja que valorizar outros espaços de reflexão a ter em conta quando se

aborda a problemática da redefinição do trabalho docente, tais como aqueles que dizem

respeito ao modo como os professores participam na construção do seu conhecimento

profissional, às relações que estes estabelecem entre si ou às relações que os professores

estabelecem com os outros actores e instâncias de decisão que lhes são exteriores, é a partir do

exercício da influência educativa que os docentes protagonizam que se visa responder à

pergunta que justifica esta comunicação, O que é ser professor, hoje, numa escola e num

tempo de incertezas? Uma questão que será respondida em função da reflexão já anunciada e

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tendo em conta o reconhecimento de três pressupostos que permitem balizar essa mesma reflexão.

Vivemos num tempo onde se define a profissão docente em função de parâmetros distintos daqueles que estiveram na afirmação sócio-profissional da profissão. É um tempo em que nos defrontamos com dificuldades iniludíveis de construirmos consensos acerca da intervenção educativa dos professores e das suas responsabilidades profissionais e que precisam de ser compreendidas à luz das dissonâncias e das contradições que se revelam no debate que, hoje, se trava acerca das finalidades e das funções das escolas como instituições educativas.

Um debate que tem, obrigatoriamente, que se centrar sobre a redefinição do trabalho docente, a qual, pelas mais diversas razões, constitui, nas sociedades em que vivemos, uma reflexão urgente; uma leitura mais atenta dos discursos dos professores, bem como dos teóricos que se debruçam sobre o campo da educação escolar, mostra-nos que a organização do tempo e do espaço de trabalho pedagógico é uma das preocupações mais referidas nesses discursos.

Como cumprir o programa curricular e as metas educativas estabelecidas nos planos nacional, municipal e local? Como é que posso trabalhar, de forma bem sucedida, com tantos alunos a meu cargo numa sala de aula? Que condições de trabalho são necessárias para que os meus alunos possam trabalhar em grupo, pesquisar e desenvolver projetos mais adequados aos desafios que a aprendizagem exige?

Estes são alguns exemplos de questões que nos mostram como a reflexão sobre a transformação das práticas pedagógicas não poderá ser dissociada da reflexão sobre organização do espaço e do tempo de trabalho nas escolas.

Um olhar retrospectivo sobre a afirmação da Escola no mundo contemporâneo, entre

os séculos XVIII e XIX, permite que constatemos que, em larga medida, quer o sucesso de

um tal projecto, quer a sua própria configuração como projecto educacional, passou pelo

modo como tal processo de afirmação enfrentou e resolveu o desafio relacionado com a

organização e a gestão do espaço e do tempo pedagógicos. Pode mesmo considerar-se que a

afirmação da Escola como instituição educativa de massas só foi possível devido ao

desenvolvimento de uma “tecnologia da sala de aula” (BARROSO, 1995, p.10) que permitiu

responder a duas questões primordiais: (i) Como “ensinar tudo a todos como se fossem um

só”? (BARROSO, 1995, p.69). Quais são as modalidades de organização do trabalho

pedagógico mais adequadas para promover a instrução colectiva dos alunos?

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No tempo em que vivemos, sabemos que as perguntas terão que ser de outra natureza, já que a problemática da organização do espaço e do tempo pedagógicos é abordada em função de um outro tipo de preocupações educativas. Preocupações educativas que têm a ver com a necessidade das escolas se constituírem como espaços de aprendizagem e de produção cultural, condição para que, concomitantemente, se possam assumir como espaços de socialização e de formação pessoal e social. Neste âmbito, a reflexão sobre a organização dos espaços e dos tempos de trabalho na sala de aula constitui uma reflexão crucial, na medida em que não é possível recusar o paradigma pedagógico da instrução sem problematizar o modo de ensino simultâneo através do qual aquele paradigma se tem vindo a concretizar.

Se os desafios educativos que, actualmente, se colocam a todos os que se relacionam com os projectos de educação escolar passam, em larga medida, por reconhecer o sujeito que aprende nas suas singularidades pessoais e culturais, enquanto sujeito que é co-construtor de saberes no âmbito de um grupo que potencia essa possibilidade, então os espaços e os tempos dedicados ao trabalho nas escolas terão que ser organizados de forma congruente com tais intenções pedagógicas.

Em primeiro lugar, esses espaços terão que se pluralizar e o tempo dedicado ao trabalho escolar terá que ser gerido de forma mais desafiante e mais diversificada.

Em segundo lugar, esses espaços e tempos educativos terão que ser objecto de um tipo de gestão participada e intencionalmente pensada, por parte de todos aqueles que partilham uma sala de aula. Assim, um dos desafios que se coloca aos professores é o de entender, como um objectivo nuclear da sua intervenção docente, o de contribuir para que os seus alunos aprendam a gerir os espaços e os tempos de trabalho como uma competência que estes deverão desenvolver.

Em terceiro lugar, e relacionados com os pressupostos definidos anteriormente, importa reconhecer que a gestão daqueles espaços e tempos se subordina à necessidade da construção de um ambiente educativo que possa ser definido como uma comunidade de aprendizagem. Isto é, como um espaço de interacção humana onde, como refere Bruner (2000), se providenciam os apoios adequados aos principiantes, se gerem as tarefas a propor e as condições da sua realização e onde cada um que aprende contribui, à medidas das suas possibilidades, para que os outros possam aprender também.

A homogeneidade dos alunos, entendida como uma virtude da escola tradicional, na

lógica das pedagogias da instrução, passa a ser entendida como uma ilusão insensata. É a

diversidade e a heterogeneidade que se tornam num dos mais importantes desafios

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pedagógicos a enfrentar, quanto mais não seja porque é através do contacto, da partilha e do confronto com os outros que se ampliam as possibilidades de aprender e de se formar.

A omnipotência do professor que lhe permite ser o único que, no grupo-turma, conhece os objectivos a atingir e as estratégias para que os mesmos se concretizem, detendo, igualmente, o poder de avaliar se isso foi conseguido, tem que ser objeto de problematização, já que aqueles objectivos se transformam em objecto de partilha, de negociação e de apropriação por parte dos alunos, assim como aquelas estratégias deixam de ser avaliadas em função apenas do seu grau de aproximação ou de distanciamento face às estratégias de referência que se impõem como estratégias-padrão, mesmo que o seu sentido e racionalidade seja estranho aos alunos que as terão que mobilizar.

Isto não significa que se defenda que os professores têm os seus dias contados ou que a sua ação possa ser menorizada. A sua participação é decisiva como interlocutores qualificados, isto é como alguém que sabe que não pode fazer pelos alunos aquilo que só aos alunos compete fazer, ainda que possa contribuir para que estes se transformem em seres mais inteligentes e humanamente mais capazes. Estes, enquanto interlocutores qualificados, terão que saber melhor do que ninguém que a possibilidade de quem quer que seja se afirmar como pessoa depende da qualidade da interacção e da cooperação com os outros.

Neste caso, a organização do espaço nas salas de aula terá que ser pensada de molde a permitir que cada um possa trabalhar de forma autónoma ou em grupo, desenvolvendo acções de colaboração com outros e possibilitando quer o apoio tutorial dos professores, a quem dele necessite, quer o desenvolvimento de sessões de trabalho colectivas.

De igual modo, o tempo de trabalho e os dispositivos ou os procedimentos que dizem respeito à sua gestão, terá que ser concebido para organizar os momentos em que as actividades acima enunciadas ocorrem, garantindo-se, igualmente, a participação gradual dos alunos na gestão dos mesmos, de forma a que, por um lado, se introduzam rotinas que rentabilizem o trabalho e favoreçam a explicitação de regras comuns e, por outro, que se permita que esses mesmos alunos possam experimentar e viver, de forma concreta, uma situação que conduz ao desenvolvimento da sua autonomia e das experiências de cooperação.

O professor como interlocutor qualificado: Contributo para o debate

Seria simplista e ingénuo poder resumir o papel dos professores nas escolas a um

papel que pudesse ser circunscrito, apenas, ao de transmissor de informações e ao de

avaliador da capacidade de reprodução dos alunos. Seria, igualmente, muito fácil e, sobretudo,

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mais cómodo que os alunos fossem seres auto-suficientes do ponto de vista das aprendizagens a realizar, limitando-se os professores a propor-lhes tarefas que correspondessem às suas necessidades e interesses.

Os cenários descritos referem-se a dois tipos de narrativas insensatas de conceber o trabalho docente. Se, no primeiro caso, a importância dos professores se constrói à custa da menorização dos alunos quer como intérpretes e produtores de significados, quer como seres capazes de desejar e de decidir, no segundo caso, o trabalho dos professores afirma-se, de algum modo, como um trabalho que secundariza o contacto com o património cultural comum para que, deste modo, os alunos se possam revelar. Eis-nos, assim, perante um dos grandes equívocos educativos das abordagens pedagógicas que enfatizam a auto-educação como primeir finalidade das escolas, equívoco através do qual se aborda de forma condescendente a apropriação do património cultural como operação que nos oferece a possibilidade de os alunos se afirmarem como seres mais inteligentes e socialmente mais capazes.

Proponho pensar o trabalho docente a partir de outros pressupostos e de outros desafios e exigências profissionais que contribuam para superar as limitações e aos equívocos destas duas modalidades de configuração do trabalho docente.

Neste sentido, a reflexão a produzir sobre os sentidos e a natureza do trabalho dos professores terá que ser desenvolvida em torno do tipo de relações que se estabelecem entre os pólos estruturantes em presença no âmbito de uma acção educativa (professor, aluno e saber) e não em função da tentativa de identificar qual desses pólos estruturantes é o pólo mais decisivo para dinamizar aquela mesma acção. Esta deslocação do domínio dos pólos estruturantes da relação pedagógica para o da valorização da dinâmica e das tensões que permitem que essa relação aconteça, resulta do facto de se reconhecer que os significados que atribuímos às coisas, aos factos e aos acontecimentos não se geram a partir do interior da mente, mas do diálogo que alguém tem oportunidade de estabelecer com o património cultural que, hoje, temos ao nosso dispor e, por via disso também, com outros seres humanos que assumem, assim, um papel decisivo como elementos de regulação, de apoio e de interlocução no âmbito do referido diálogo.

É a partir destes pressupostos que o papel dos professores se configura como o de um

interlocutor qualificado, isto é como o de alguém que tem condições pessoais e culturais para

apoiar de forma activa e intencional o processo de formação pessoal e social dos seus alunos,

não fazendo por eles o que só a eles compete fazer, mas não os deixando entregues a si

próprios sem rumo e sem apoio (COSME, 2009).

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Nesta perspectiva, o professor não é um pastor, mas também não se limita a ser uma espécie de anjo-da-guarda. Como interlocutor qualificado, o professor passa a ser entendido como alguém que estimula, negoceia e cria as condições para que os seus alunos adquiram autonomia intelectual e sócio-moral, tornando-se, assim, capazes de utilizar e de recriar os instrumentos, as informações e os procedimentos que lhes permitam pensar o mundo que os rodeia e agir aí de forma informada e eticamente congruente com os valores próprios de uma sociedade democrática.

Não creio que seja possível continuar a alimentar a crença de que os professores são, acima de tudo, instrutores. Se foi por via da afirmação do paradigma da instrução que a profissão se configurou como uma profissão e se afirmou socialmente como tal, importa compreender que esse paradigma é, hoje, um problema com que os professores se debatem nos seus quotidianos profissionais.

Nas escolas, deixou de ser possível aceitar, sem problematizar, que esta pudesse continuar a ser identificada como um contexto onde, mais do que praticar e desenvolver um conjunto de competências cognitivas, sociais e éticas, se divulgasse, sobretudo, um conjunto de informações sobre essas práticas (CANÁRIO; ALVES, 2004). Um contexto onde só fossem aceites tanto as questões daqueles que normalmente já conhecem as respostas, como as próprias questões para as quais já existem respostas elaboradas, as quais, por sua vez, tenderiam a ser entendidas como as únicas respostas aceitáveis (CANÁRIO; ALVES, 2004).

Foi, assim, perante um tal universo educativo que aspira a funcionar em torno de um conjunto de algoritmos pedagógicos e didáticos previamente definidos e validados que, em reação a este universo, se afirmou uma perspetiva pedagógica alternativa, em função da qual se afirmou a valorização das aprendizagens dos alunos como o desafio nuclear que as escolas teriam que enfrentar todos os dias. Ao ato de ensinar, este novo paradigma que designarei por paradigma da aprendizagem (COSME; TRINDADE,2011) opunha, agora a importância do ato de aprender.

Ato este que implicava a necessidade de se reconhecer o protagonismo pedagógico dos

alunos que os professores, de acordo com esta perspetiva, deveriam passar a estimular, como

uma das suas competências fundamentais e decisivas. Neste sentido, a profissão docente

passaria a definir-se, sobretudo, como uma atividade de animação e de organização de

ambientes educativos que propiciassem as aprendizagens dos alunos, desvalorizando-se,

assim, o ensino como o eixo identitário dessa atividade e da configuração daquela profissão. É

que, de acordo com esta perspetiva, para além da necessidade de se garantir o protagonismo

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pedagógico dos alunos, os professores deveriam garantir o desenvolvimento de competências diversas, na medida em que seriam estas que assegurariam, no futuro, que aqueles pudessem lidar com os desafios e as exigências desse mesmo futuro.

Sendo uma perspetiva interessante, quer por tudo aquilo que anuncia, quer pelo modo como não ignora as necessidades e as exigências da vida em sociedades que se anunciam como politicamente democráticas e, igualmente, como sociedades do conhecimento, é, também, uma perspetiva que não deixa de exprimir algumas vulnerabilidades e limitações que se afirmam, entre outras coisas, por via da ingenuidade epistemológica que o paradigma da aprendizagem dá mostras, quando ignora ou, pelo menos, quando ilude as tensões inevitáveis que se estabelecem entre os indivíduos e o património de saberes já estabelecido e culturalmente validado. Ingenuidade que, de algum modo, desarma os professores perante os compromissos que justificam a sua atividade profissional, na medida em que estes, mais do que assumirem o exercício de um dado tipo de influência educativa como condição do exercício da profissão, tendem a conceber este exercício em função da organização de situações e de ambientes que favorecessem as interações a estabelecer com outros, em função de projetos de intervenção mobilizadores, e, consequentemente, o desenvolvimento de competências e das aprendizagens que tais situações e ambientes suscitariam.

É perante esta perspetiva, cujo maior equívoco consiste em circunscrever o exercício de influência educativa à ação de instruir, que se podem compreender algumas das razões que justificam a configuração da atividade docente como uma atividade de interlocução qualificada (COSME, 2009).

Assim, recusa-se que os professores possam continuar a ser identificados como instrutores, mas recusa-se, também, que os professores sejam entendidos, apenas, como simples animadores ou organizadores de ambientes de aprendizagem. É igualmente limitador entender que o exercício da influência educativa, exercício central em função do qual se configura e justifica a profissão docente, seja identificado como um ato de domesticação, o que significa que, mais do que negar a influência educativa como o nó górdio da atividade docente, se discuta como é que um tal exercício pode ser condição e oportunidade de promoção da humanidade dos sujeitos.

Por isso é que um professor não pode fazer pelos alunos aquilo que só aos alunos

compete fazer e, simultaneamente, não pode demitir-se de apoiar esses alunos a fazer o que só

estes podem e devem fazer. Um compromisso que vai obrigar os professores a assumir

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responsabilidades curriculares e, também, a propor projectos, a desafiar os saberes pessoais dos seus alunos, a confrontá-los com as suas limitações e os seus limites.

A afirmação dos professores como interlocutores qualificados, enquanto resposta que proponho para se responder às exigências que se lhes colocam numa escola e num tempo de incertezas, não pode ser entendida como uma resposta pronta e fácil. Exige a assunção, pelos profissionais de educação, de uma atitude de compromisso ideológicos, culturais e pedagógicos que estão longe de poder ser entendidos como compromissos universais.

Exige, também, que se afirme que é em torno dos processos de influência educativa que os professores animam que a reconfiguração da profissão terá que ser abordada, a qual passa a ser entendida como uma dimensão subordinante das restantes tarefas e desafios que estes profissionais têm que assumir. Processos esses que, decorrendo do facto desses professores serem entendidos como interlocutores qualificados, os conduzem a compreender que a sua função é inestimável para dinamizarem as atividades conducentes a criar as condições necessárias à aprendizagem dos alunos, passando o seu papel por animar e estimular processos de comunicação no contexto das salas de aula, garantindo a possibilidade dos alunos se apropriarem de uma fatia decisiva do património cultural que temos, hoje, ao nosso dispor.

Neste sentido, do ponto de vista de uma racionalidade pedagógica democrática, a questão que se coloca não é se o professor deverá valorizar o acto de ensinar ou as actividades de aprendizagem dos alunos, mas como é que o processo de influência educativa que por si é dinamizado poderá contribuir para que os alunos possam aprender. Ensinar é, apenas, uma das modalidades possíveis para dinamizar esse processo, não devendo ser entendida como a única modalidade de que dispomos para o fazer. Aprender é a finalidade desejada pelos docentes que, a partir de certo momento, lhes escapa, passando a dizer respeito unicamente aos alunos.

Deste modo, o objecto final do exercício de influência educativa assumido pelos professores consiste em assegurar as condições que permitam aos estudantes realizar, pelo menos, as aprendizagens desejadas.

Trata-se de um desafio com o qual se torna difícil lidar, na medida em que o professor nunca sabe até que ponto é que através do já referido processo de influência educativa se concretizou o que se esperou concretizar.

Evidencia-se a importãncia da comunicação como determinante para o ato educativo

que depende da qualidade e da pertinência das interações que se estabelecem entre os

professores e os alunos, ou os alunos e os professores entre si, a propósito das relações que se

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estabelecem com o saber, ampliando e complexificando o olhar sobre o mundo.

(TRINDADE; COSME, 2010) As aprendizagens deixam de ser identificadas com o

“desenvolvimento de intercãmbios subjetivos” para serem percepcionadas com o expressão da

“gestão do conhecimento «objetivo»” (BRUNER, 2000, p.90) em função da qual se defende que as intervenções educativas no seio das escolas devem ajudar os alunos a ampliar esses processos de relacionamento entre os individuos e os objetos do saber daí que o espaço da sala de aula deva ser repensado como “uma subcomunidade de discentes recírpocos, com o professor a orquestrar os processos) (BRUNER,2000, p. 42).

B. Charlot ao propor que cada pessoa é “um sujeito confrontado com a necessidade de aprender e com a presença, no seu mundo de conhecimentos de diversos tipos” (CHARLOT, 2000, p.33), desafia-nos ao estabelecimento de relacionamentos diversos entre os individuos e os objetos de saber e entre os individuos e outros individuos, na relação com esses obejetos,quer no ãmbito da vida que se partilha em comunidade.

Para continuar a discussão...

A prática educadora e a reconfiguração da ação docente passam a ser definidas, fundamentalmente, pelo reconhecimento da necessidade de ampliar o campo das possibilidades culturais e cognitivas dos seus alunos, enquanto contributo para o seu desenvolvimento e a afirmação como pessoas no mundo em que habitamos e desse modo, possamos afirmar o contributo da escola neste processo mais amplo de formação que crianças, jovens e adultos vivem nos dias de hoje.

Educar é permitir que o sujeito se reconheça e afirme como um sujeito no seio de uma comunidade que com ele partilha um património comum.Aprendemos quando partilhamos utilizamos e recriamos, de forma cooperada, um património cultural (COSME; TRINDADE, 2013).

É tendo tal propósito como referência que, reconhecendo as tensões e os dilemas que

hoje poderão ser entendidos como constitutivos da profissionalidade docente, nos

confrontamos com esse primeiro desafio profissional que resulta da necessidade de se

reconhecerem os saberes e as competências dos alunos e, por outro, pela necessidade de se

definirem quando e como é que se podem estabelecer confrontos e ruturas com esses saberes e

essas competências que forma a que se possam assumir como oportunidades de

desenvolvimento e de aprendizagem desses alunos.

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Mas esse desafio, concomitantemente, deverá conduzir os professores a refletirem sobre os meandros, as vicissitudes epistemológicas e as particularidades conceptuais da problemática da gestão do trabalho pedagógico, para que aqueles confrontos e aquelas ruturas possam ser geridos de forma o mais esclarecida possível, potenciando a existência de um processo de comunicação fecundo que, a seu modo, contribua para a afirmação de um processo mais amplo de formação dos alunos nas escolas de hoje.

Um desafio que, como tentei demonstrar neste texto, sendo lido, quantas vezes, como um desafio técnico e pedagógico, é, sobretudo, um desafio ético. Um desafio que, do ponto de vista do desenvolvimento de qualquer projeto de redefinição do trabalho docente, confronta os professores com os sentidos do trabalho que realizam e os valores e as opções axiológicas que os fundamentam.

REFERÊNCIAS

BARROSO, João. Os Liceus: organização pedagógica e administração (1836-1960). Lisboa:

Fundação Calouste Gulbenkian/Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica, 1995.

BRUNER, Jerome. Cultura da educação. Lisboa: Edições 70, 2000.

CANÁRIO, Rui; ALVES, Natália. Escola e Exclusão Social:das promessas às incertezas.

Análise Social, Lisboa, vol. XXXVIII, n.169, p.981-1010, 2004.

CHARLOT, Bernard. Da relação com o saber: elementos para uma teoria. Porto Alegre:

Artmed, 2000.

COSME, Ariana. Ser professor: a acão docente como uma ação de interlocução qualificada. Porto:

LivPsic, 2009.

COSME, Ariana; TRINDADE, Rui. Aprender a aprender na escola: Porquê? Como?

Quando? Pinhais: Editora Melo, 2011.

COSME, Ariana; TRINDADE, Rui. Organização e gestão do trabalho pedagógico: perspetivas, questões, desafios e respostas. Porto: LivPsic, 2013.

TRINDADE, Rui.; COSME, Ariana. Escola, educação e aprendizagem: desafios e respostas

pedagógicas. Rio de Janeiro: WAK Editora, 2010.

Referências

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