ISSN 2176-1396
OS PARADIGMAS EDUCACIONAIS NA PRÁTICA PEDAGÓGICA
Maria Paula Mansur Mader
1- PUCPR Marilda Aparecida Behrens
2- PUCPR Grupo de Trabalho – Educação, Complexidade e Transdisciplinaridade Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo
O artigo apresentado a seguir apresenta o desenvolvimento de uma pesquisa-ação, de abordagem qualitativa. Durante o primeiro semestre de 2014, a pesquisa envolveu 20 professores universitários como participantes do processo investigativo, entre mestrandos e doutorandos, coordenados e mediados por uma professora doutorada na pesquisa sobre Paradigmas Educacionais na Prática Pedagógica, da linha de Pesquisa Teoria e Prática Pedagógica na Formação de Professores do Programa de Pós-graduação em Educação da PUC-PR. Todos os envolvidos estavam altamente comprometidos com o levantamento dos pontos-chave, reforçando o caráter conclusivo da pesquisa.A partir do pressuposto de que vivemos um momento em que se faz necessário estabelecer uma ruptura entre duas diferentes dimensões, sendo a primeira baseada no paradigma newtoniano-cartesiano, de característica conservadora e fragmentada; e a segunda, que busca a produção de conhecimento, com característica inovadoras, baseada na visão sistêmica que se opõe totalmente à visão fragmentada, foi desenvolvida uma investigação a fim de verificar se é possível criar novas propostas de metodologias para que o docente universitário oportunize aprendizagem criativa, crítica e transformadora, baseada em referenciais teóricos e práticos que subsidiem a prática educativa com paradigmas pedagógicos inovadores. A pesquisa, dessa forma, apresenta como seu principal objetivo: investigar os desafios para a aplicação do paradigma da complexidade na prática pedagógica a partir de referenciais teóricos sobre os paradigmas conservadores e inovadores. Os resultados vieram reforçar a consciência dos envolvidos acerca das barreiras a serem transpostas e apontam para a necessidade urgente de repensar as práticas pedagógicas, aplicando efetivamente o paradigma inovador na docência, em todos os níveis de ensino, a fim de estabelecer consonância com a contemporaneidade.
Palavras-chave: Educação. Complexidade. Formação de Professores.
1 Doutoranda em Educação pela PUCPR, na linha de Pesquisa Paradigmas Educacionais e Formação de Professores. Mestre em Comunicação e Linguagens pela UTP; Especialista em Leitura de Múltiplas Linguagens, pela PUCPR, graduada em Letras-Português e em Comunicação Social – Relações Públicas, ambas pela PUCPR. Docente do UniBrasil Centro Universitário. E-mail: mpmader@gmail.com.
2 Doutora em Educação Currículo pela PUCSP. Professora Titular da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). E-mail: marilda.aparecida@pucpr.br.
Introdução
Durante toda a história da humanidade, todas as áreas de conhecimento sofreram, e sofrem, influência dos paradigmas da ciência, e com a Educação não é diferente. O pensamento newtoniano-cartesiano pautou o ensino nos dois últimos séculos, pregando a fragmentação e a reprodução do conhecimento, suportado por uma metodologia que visava apenas a memorização e a repetição. E apesar do contexto atual desta sociedade, em que a tecnologia transformou completamente as relações humanas e, consequentemente, os processos de aprendizagem devido ao acesso à informação, ainda encontramos uma prática docente baseada no paradigma conservador, fruto da influência do pensamento newtoniano- cartesiano.
A superação desse pensamento conservador, a fim de alcançar um novo paradigma, é o grande desafio enfrentado pelos educadores, a fim de construir novas metodologias para preparar um novo cidadão, ou seja, conforme Behrens (2011, p. 15), um "cidadão sensível, intuitivo, feliz e que seja competente para contribuir na reconstrução da sociedade."
Assim, podemos considerar que vivemos um momento de ruptura entre duas diferentes dimensões: a primeira, baseada no paradigma newtoniano-cartesiano, de característica conservadora e fragmentada; e a segunda, que busca a produção de conhecimento, com característica inovadoras, baseada na visão sistêmica que se opõe totalmente à visão fragmentada e busca, justamente a contextualização e as inter-relações dos sistemas que integram o planeta.
Com base nesse desafio, o presente artigo apresenta o desenvolvimento de uma pesquisa de abordagem qualitativa que se desenvolveu a partir de uma reflexão crítica sobre os paradigmas da ciência e da educação e sua influência no processo pdagógico. Justifica-se a relevância do tema pela emergência em refletir, analisar e reconstruir a prática pedagógica em consonância com a realidade do contexto em que se encontram docentes e discentes de ensino superior, em pleno século XXI. Assim, cabe investigar: Como criar novas propostas de metodologias para que o docente universitário oportunize aprendizagem criativa, crítica e transformadora, baseada em referenciais teóricos e práticos que subsidiem a prática educativa com paradigmas pedagógicos inovadores?
Para tanto, alguns autores foram fundamentais durante a investigação: Behrens (2011),
Capra (1996), Ferguson (1992), Kuhn (1991) e Morin (2000).
Metodologia
O desenvolvimento do trabalho se deu a partir da metodologia de pesquisa-ação com abordagem qualitativa. De acordo com THIOLLENT (2005, p. 16)
A pesquisa ação é um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo e no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo
O processo investigativo faz parte do projeto de pesquisa intitulado Formação Pedagógica do Professor Universitário, e ocorreu durante 11 encontros de investigação sobre Paradigmas Educacionais na Prática Pedagógica, no Programa de Pós-graduação em Educação da PUC-PR, especificamente no grupo de pesquisa Paradigmas Educacionais e Formação de Professores - PEFOP, da linha de pesquisa Teoria e Prática pedagógica na formação de professores. O grupo de pesquisadores envolvido compreende 20 professores universitários de diferentes áreas do conhecimento, entre mestrandos e doutorandos num processo de formação continuada no stricto sensu, mediados e coordenados por uma professora doutora. O início do processo foi marcado pela exposição por parte da professora do contrato pedagógico, no primeiro encontro do grupo, a fim de nortear os trabalhos, apresentando ementa, contextualização, problematização, objetivos, programação, atividades, metodologias, procedimentos, cronograma e processo avaliativo.
As fases do processo, ou seja, os encontros do grupo foram compostos por diferentes
momentos e atividades, envolvendo discussões com abordagens teóricas exploratórias,
complementadas por leituras individuais previamente recomendadas e reflexões individuais e
em grupo. Como atividade a partir das leituras, foram elaborados quadros sinópticos
individuais sobre os paradigmas conservadores e inovadores, com as categorias aluno,
professor, metodologia, avaliação e escola, de modo a facilitar a síntese e compreensão das
diferenças e semelhanças entre as diferentes abordagens. Já em sala, coletivamente, esses
mesmos quadros deram origem a elaboração de novos quadros conjuntos que instigaram
reflexões e discussões do grupo sobre as diferentes abordagens pedagógicas e suas
consequências no processo de aprendizagem. Todo o processo foi contemplado por avaliação
de portfólio e produção de artigo científico individual e coletivo, além de ter sido permeado
por diversos materiais audiovisuais que complementavam a reflexão e discussão acerca da
crise do paradigma da ciência.
Sobre os paradigmas
Conforme Behrens (2011), desde que Galileu Galilei descreveu a matemática da natureza, e assim demonstrou a importância das propriedades quantificáveis da matéria (forma, tamanho, número, posição e quantidade do movimento), a sociedade vem sendo influenciada pelo pensamento newtoniano-cartesiano. Ainda de acordo com a mesma autora, esse paradigma não caracteriza um erro histórico, e foi necessário no processo evolutivo do pensamento humano. Porém esse pensamento de característica reducionista fragmentou a realidade, separando emoção e razão, e deixou como rastro uma sociedade de produção de massa. Sob influência desses estudos, René Descartes (1596-1650) escreveu o "Discurso sobre o método", em que propõe quatro preceitos: nunca aceitar algo como verdadeiro sem evidências concretas; repartir cada conceito analisado em tantas partes quantas fosse possível a fim de simplifica-las para resolvê-las; conduzir os pensamentos em ordem, sempre partindo do mais simples para o mais complexo; efetuar em toda parte relações metódicas completas e revisões gerais, que provocassem a certeza de não omitir nada.(BEHRENS, 2011)
Toda essa referência se tornou a base científica do século XX, e consequentemente pautou uma metodologia de ensino com foco na reprodução do conhecimento, de forma fragmentada, conduzindo o homem a separar ciência de ética e razão de sentimento (BEHRENS, 2011). Todo o conhecimento científico do século XIX e meados do século XX é fruto desse método compartimentalizado, que se desenvolve sintetizado em manuais que oferecem descrições objetivas e inquestionáveis da natureza e definem formas de interpretação do mundo, sustentados no modelo explicativo mecânico-causal.
Esse paradigma conservador, segundo Behrens (2011), influencia toda a sociedade, mas determina principalmente três abordagens pedagógicas: tradicional, escolanovista e tecnicista, trazendo consequências especialmente para a educação. Para a abordagem tradicional a escola é o lugar oficial no qual se realiza a educação e o que é levado em consideração são os conteúdos apenas, não havendo lugar para reflexões. Nesse contexto, o professor é quem detém esses conteúdos e os transmite aos alunos, numa metodologia expositiva, sendo o papel dos alunos restrito a ler, copiar e decorar, para reproduzir tais conteúdos, inquestionáveis, na avaliação.
Na década de 30 do século XX, (BEHRENS, 2011) em contraposição à pedagogia
tradicional, surge a proposta da abordagem escolanovista (ou humanística), apresentando
significativas mudanças para o ensino. A ideia era ter a escola como um espaço que instigasse
a busca por aprendizados significativos para os alunos, que passava a ser a figura principal do processo, respeitado em suas diferenças. Nesta abordagem cabe ao professor o papel de
"facilitador" da aprendizagem, com autonomia para criar seu próprio repertório e relacionar- se individualmente com cada aluno. A metodologia levava em conta as particularidades psicológicas e de idade do aluno e apesar de tratar o aluno individualmente, valorizava também o trabalho em grupo, e a avaliação era pautada na autoavaliação e na busca por metas pessoais. A implementação da escolanova, por exigir uma estrutura diferenciada, tanto em espaço físico quanto em preparo dos docentes, acabou restrita a algumas poucas escolas experimentais ou escolas destinadas à elite (BEHRENS, 2011).
Entre as décadas de 60 e 70 do século XX, (BEHRENS, 2011) a abordagem tecnicista é introduzida no país, inspirada nas teorias behavioristas da aprendizagem e sob a forte influência da ditadura militar, com o objetivo de adequar a educação às exigências da sociedade industrial e tecnológica. Para Saviani (1985, p.16 apud BEHRENS 2011. p.48) a pedagogia tecnicista buscou "planejar a educação de modo a dotá-la de uma organização racional capaz de minimizar as interferências subjetivas que pudessem por em risco sua eficiência". Na abordagem tecnicista, a escola tem o papel de treinar os alunos e organizar o processo de aquisição de conhecimentos específicos e especialmente úteis para a sua integração no sistema, e este aluno, por sua vez, tem papel de simples espectador da realidade, devendo seguir à risca os manuais e instruções. Consequentemente o professor restringe-se ao papel de transmissor e reprodutor de conhecimentos, através de uma metodologia de ensino repetitiva e mecânica, a fim de avaliar os resultados unicamente através da resposta certa que demonstra a qualidade do aprendizado.
E assim o ensino segue organizado em partes isoladas, ou seja, em áreas, cursos e
disciplinas, por períodos e/ou séries, limitando os profissionais a especialidades e afastando-
os da visão de totalidade. Para Morin (2000) essas especializações nas disciplinas escolares
conduziram grandes avanços na ciência moderna, mas hoje essas ciências disciplinares não
colaboram com eficiência para solucionar os grandes problemas globais, pois a especificidade
acaba por retirar o problema de seu contexto, dificultando a percepção da realidade, que
depende da totalidade para ser compreendida. E o agravante é que essa fragmentação do
ensino acentua-se à medida que o aluno vai atingindo o ensino superior, deixando claro ao
aluno que a escola é responsável pela formação apenas do intelecto, sendo este absolutamente
separado de qualquer valor ou sentimento, que não fazem parte da ciência e se restringem à
formação familiar.
Porém, conforme aponta Behrens (2011), essa frieza da racionalidade e da objetividade científica tem sido questionada nas últimas décadas por educadores como Freire (1992, 1997), Giroux (1997), Capra (1996), que se preocupam com o futuro das gerações.
Está mais do que evidente, especialmente no âmbito da educação, que o pensamento cartesiano já não se aplica ao contexto e às necessidades desta sociedade, e precisa, portanto, ser superado e substituído. Porém é importante deixar claro que a evolução e substituição de um paradigma não implica em denegri-lo, mas sim em perceber a necessidade de superá-lo em determinado momento em que há necessidade de se estabelecer novos modelos. Conforme Kuhn (1991, p.13) “paradigmas são as realizações cientificas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornece problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência”.
Neste momento, observa-se que a sociedade contemporânea, intitulada Sociedade do Conhecimento, convive com a revolução das tecnologias e da comunicação que oferece cada vez mais acesso à informação e como consequência um grande aumento na produção de conhecimento, tanto em quantidade como em velocidade. Mas as consequências, segundo Behrens (2011), não apresentam apenas avanços técnicos, científicos e eletrônicos, e infelizmente trouxeram desafios e angústias, levando ao estresse e à competitividade, a um pensamento isolado e fragmentado que impede o homem de ver o todo e retira a responsabilidade dos atos isolados perante a sociedade. Em síntese, o que temos diante de nós é uma sociedade "adoecida", marcada por desigualdades, em que a exploração de recursos da Terra em prol da ganância do consumismo atingiu níveis preocupantes, gerando violência, miséria, fome, desigualdade, e são constantes pautas de discussão ao redor do mundo, a fim de refletir sobre um novo paradigma capaz de perceber o todo e não apenas as partes.
Segundo Capra (1996, p. 25), "O novo paradigma pode ser chamado de uma visão de mundo holística, que concebe o mundo como um todo integrado, e não como uma coleção de partes dissociadas", o que nos permite enxergar e estudar os problemas dessa sociedade de forma contextualizada, já que estão todos entrelaçados e não podem ser tratados isoladamente.
Ainda conforme Capra,
A percepção do mundo vivo como uma rede de relações tornou o pensar em termos de redes [...] outra característica chave do pensamento sistêmico. Esse "pensamento de rede" influenciou não apenas nossa visão da natureza, mas também a maneira como falamos a respeito do conhecimento científico.(1996, p.37).