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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL

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Academic year: 2022

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PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL – MESTRADO E DOUTORADO

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO REGIONAL

Danúbia Cremonese Sehn

A CONTRIBUIÇÃO DA OKTOBERFEST PARA O DISCURSO IDENTITÁRIO GERMÂNICO DE SANTA CRUZ DO SUL

Santa Cruz do Sul, abril de 2009.

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Danúbia Cremonese Sehn

A CONTRIBUIÇÃO DA OKTOBERFEST PARA O DISCURSO IDENTITÁRIO GERMÂNICO DE SANTA CRUZ DO SUL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Desenvolvimento Regional – Mestrado e Doutorado – da Universidade de Santa Cruz do Sul, para obtenção do título de Mestre em Desenvolvimento Regional.

Orientador: Prof. Dr. Mozart Linhares da Silva Co-orientadora: Profª. Drª. Ângela Cristina Trevisan Felippi

Santa Cruz do Sul, abril de 2009.

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À Chiara, minha irmã.

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AGRADECIMENTOS

Ao longo da realização deste trabalho, inúmeras pessoas colaboraram de maneira efetiva para torná-lo realidade. Gostaria de manifestar meus especiais agradecimentos ao meu orientador Mozart Linhares da Silva e a co-orientadora Ângela Felippi pelo incentivo, pela troca de idéias e pela indispensável colaboração. Ao CNPq, por me proporcionar a bolsa de estudos. A todos os colegas de curso, em especial à Mara Garske, Márcia Correa, Scheila Bartmann, Esmerahdson Pinho da Silva, Ronaldo Sergio da Silva, Iran Pas e Wilson Weschenfelder pela amizade e encorajamento na realização deste trabalho. Aos professores e às secretárias do Mestrado em Desenvolvimento Regional. À minha família, meus pais Ornélio e Ivete Sehn, e irmãs, Chiara e Eliana Cremonese Sehn pelo incentivo e força. Às amigas de Cachoeira do Sul, Fátima Vargas, Sandra Ritter, Rosana e Beatriz de Souza, Liane Almeida e Berenice Xavier. Aos entrevistados, em especial a Silvani Frantz, Maria Luiza Schuster, Pedro Thessing e Nestor Raschen pela colaboração na realização desta pesquisa. Ao meu noivo Marcelo Pereira Melatti, pela compreensão, incentivo e confiança.

Por fim, um agradecimento especial a Deus por todas as graças que, por meio dele, consigo alcançar.

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“... eu busco uma canção em que a minha mãe se reconheça, e minha filha se reconheça...”

Cecília Meirelles

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RESUMO

Esta pesquisa tem como objetivo analisar a contribuição do evento de conotação germânica, Oktoberfest, no processo de construção do discurso identidário germânico do município de Santa Cruz do Sul, localizado na região central do Rio Grande do Sul. A análise se divide em três capítulos, sendo que, no primeiro, apresentamos uma historização sobre a colonização alemã no Brasil, no Estado do Rio Grande do Sul e na cidade de Santa Cruz do Sul, bem como a ocupação dos imigrantes neste núcleo colonial, seu desenvolvimento e suas primeiras manifestações culturais. No segundo, apresentamos uma teorização sobre festas, principalmente as étnicas, e analisamos o quanto estas contribuem para a expressão da identidade cultural e construção da imagem de uma comunidade. Problematizamos a forma como um determinado grupo político da comunidade de Santa Cruz do Sul, bem como a imprensa local legitimaram os discursos identidários por meio das duas principais festas realizadas no município, a Festa Nacional do Fumo, FENAF, e a Oktoberfest. No terceiro capítulo, trazemos os resultados do trabalho de campo da pesquisa, ou seja, através da descrição sobre a elaboração e realização da Oktoberfest de 2008, realizada por meio da observação e de entrevistas semi-estruturadas aplicadas junto aos organizadores da edição mencionada, conseguimos demonstrar a afirmação identidária de um determinado grupo. Esta análise é importante para compreender a trajetória do movimento de reivindicação da identidade teuto-brasileira, sua constituição e negociação enquanto uma estratégia visando a manutenção da distintividade e, também, como um símbolo de classificação social, apontando para as representações de natureza étnica e cultural que interagem no contexto da Oktoberfest.

Palavras-chave: Oktoberfest, Santa Cruz do Sul, identidade alemã.

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ABSTRACT

This study aims at analyzing the contribution of this festivity with German connotation called Oktoberfest to the process of creating the discourse of German identity in the municipality of Santa Cruz do Sul situated in the central region of the state of Rio Grande do Sul. The study is divided in three parts. In the first, a historical analysis is made about the German colonization policy in Brazil, in the state of Rio Grande do Sul and in Santa Cruz do Sul as well as the work those immigrants did on their first colonial nucleus, their growth and their first cultural manifestations. In the second chapter a theory is introduced about celebrations, especially the ethnic ones, together with the amount of contribution those have brought to a cultural identity expression and the building up of the community complexion. A discussion is made about the way by which a specific political group of the community, as well as the local press have given legitimacy to those identity assertions, using the two main series of festivities in the municipality, namely the FENAF (National Tobacco Festivity) and the Oktoberfest. In the third part we bring in the results of the field investigation research on how the Oktoberfest of 2008 was brought about. We used direct observation and semi- structured questionnaires with the organizers of that year‟s event. It was possible to perceive this identity assertion with some of them. This analysis is important to understand the underlying process of this movement viewing the maintenance of this German-Brazilian identity claim, its constitution and negotiation as a strategy to keep this distinctiveness and, also, as a symbol of social classification, thus showing the ethnical and cultural representations which interact in the Oktoberfest context.

Key words: Oktoberfest, Santa Cruz do Sul, German identity.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

1 - Brasão Municipal de Santa Cruz do Sul ... 33

2 - Monumento do imigrante alemão ... 33

3 - Cartaz de divulgação da 1ª Oktoberfest ... 55

4 - Soberanas da 1ª Oktoberfest ... 55

5 - Vila Típica na década de oitenta e nos dias de hoje ... 61

6 - Charges da Oktoberfest de 1995 ... 63

7 - Cartaz de divulgação da 23ª Oktoberfest ... 69

8 - Panfleto informativo da 24ª Oktoberfest ... 79

9 - Site da 24ª Oktoberfest ... 80

10 - Janine Alves de Paiva recebendo a faixa de Naiara Pommerehn ... 85

11 - Bandeirolas para decoração da cidade ... 90

12 - Vitrine da loja Spengler ... 92

13 - Pórtico do Parque da Oktoberfest ... 92

14 - Espaço Cultural da 24ª Oktoberfest ... 101

15 - Símbolos da festa em forma de monumentos ... 109

16 - Jogo de Lanceiros ... 111

17 - Primeiro carro alegórico do desfile ... 115

18 - Presença das crianças no desfile da 24ª Oktoberfest ... 116

19 - Bicicleta Zig Zag Zug ... 117

20 - Representação dos imigrantes alemães com objetos da cultura alemã ... 119

21 - Grupo Étnico Madre Paulina ... 120

22 - Missa em Língua Alemã ... 127

23 - Gastronomia germânica ... 128

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LISTA DE TABELAS

1 - Histórico das Associações e Entidades que promoveram desde a criação ... 66

2 - Histórico das Feiras que acompanharam a Oktoberfest ... 66

3 - Histórico dos presidentes da festa desde a criação ... 67

4 - Público alvo da Oktoberfest de 2007 ... 68

5 - Relação de soberanas da festa ... 82

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 11

CAPÍTULO 1- HISTORIOGRAFIA REGIONAL E AS REPRESENTAÇÕES DE IDENTIDADE INFLUENCIADAS PELO PROCESSO IMIGRATÓRIO ... 14

1.1 Imigração alemã para o Rio Grande do Sul ... 17

1.2 Santa Cruz do Sul: a ocupação do núcleo colonial e desenvolvimento do município ... 18

1.3 O imaginário e a identidade étnica em Santa Cruz do Sul ... 25

1.4 Representações do germanismo em Santa Cruz do Sul ... 31

CAPÍTULO 2 - AS FESTAS ÉTNICAS E A OKTOBERFEST DE SANTA CRUZ DO SUL ... 40

2.1 De Festa Nacional do Fumo para Oktoberfest ... 44

2.2 A história da Oktoberfest de Santa Cruz do Sul ... 52

CAPÍTULO 3 - A OKTOBERFEST DE 2008 E O DISCURSO IDENTITÁRIO GERMÂNICO ... 71

3.1 A estrutura metodológica ... 71

3.2 Os preparativos para a festa: a elaboração da Oktoberfest de 2008 ... 74

3.2.1 A escolha da rainha da festa ... 80

3.2.2 A divulgação da 24ª Oktoberfest ... 85

3.2.3 Os demais preparativos da festa ... 86

3.3 A realização da 24ª Oktoberfest e 4ª Oktoberfeira ... 96

3.3.1 A abertura oficial da festa ... 97

3.3.2 O tema Tradições Germânicas e o Espaço Cultural ... 99

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3.3.3 Os bonecos como representação da família alemã ... 107

3.3.4 Os jogos germânicos ... 109

3.3.5 Os desfiles de carros alegóricos... 111

3.3.6 As músicas, as danças folclóricas, os trajes típicos, a religiosidade e a gastronomia ... 122

3.3.7 Os demais acontecimentos da Oktoberfest de 2008 ... 128

3.3.8 A cerimônia de encerramento ... 130

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 132

REFERÊNCIAS ... 135

ANEXOS ... 145

ANEXO A – Comissão da 24ª Oktoberfest ... 146

ANEXO B - Mapa com o layout do Parque, organizado para a 24ª edição da Oktoberfest ... 148

ANEXO C – Cartaz enviado a agências de viagens ... 149

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INTRODUÇÃO

A temática do desenvolvimento regional compreende múltiplas questões que implicam o entendimento das dimensões sociais, políticas, econômicas e culturais, entre outras. As relações entre cultura e desenvolvimento, e mais, a forma como a cultura se torna um elemento importante nas estratégias desenvolvimentistas, se apresentam, no global, como condição de legitimação das esferas regional e local. Diante deste quadro, os fenômenos de representação cultural, ou seja, de construção identitária, passaram a ser um importante campo de análise para o entendimento das relações de sociabilidade.

Entre as manifestações culturais norteadas pelo fenômeno identitário destacam-se as festas étnicas que, no caso do Sul do Brasil, possuem importante significado na definição das

“fronteiras” identitárias regionais, com seus signos de diferença e legitimação comunitárias.

A Oktoberfest de Santa Cruz do Sul, criada no ano de 1984, tem como fator estruturante de sua criação um forte apelo para exaltar as tradições germânicas, numa tentativa esperançosa de recuperar os costumes da cultura alemã, julgados, negligenciados e ameaçados desde os tempos da chamada Campanha de Nacionalização, quando as zonas de imigração e colonização foram cerceadas em suas manifestações culturais. Assim, inúmeros atrativos/elementos são criados e inseridos na festa com o propósito de atrair pessoas e ritualizar costumes julgados fortalecedores da identidade étnica da região.

Nesta direção, este trabalho tem como objetivo analisar como ocorre o processo de construção da Oktoberfest de Santa Cruz do Sul1, e qual a influência dos elementos inseridos

1 Santa Cruz do Sul é o pólo de desenvolvimento na região do Vale do Rio Pardo e cidade fortemente caracterizada pelo germanismo. Tem a indústria do fumo como a principal sustentadora da economia local, apesar da grande diversificação agrícola já existente. Está situada a 155 km de Porto Alegre, na encosta inferior do Nordeste do Estado, tem os municípios de Venâncio Aires, Sinimbu, Vale do Sol, Vera Cruz, Passo do

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na festa para a promoção do discurso da identidade alemã do município, uma vez que esse é caracterizado pelo predomínio desta narrativa identitária germânica. Este trabalho propõe descrever e analisar o processo de organização do produto Oktoberfest, desde a elaboração até a realização da edição de 2008.

Esta pesquisa enfoca a contribuição do evento Oktoberfest para o discurso da identidade alemã de Santa Cruz do Sul. Esta questão é importante porque implica a crítica da visão essencialista da identidade cultural tendente a naturalizar a cultura e os comportamentos sociais, no caso, com desdobramentos em posturas ufanistas e folclorizadas da identidade étnica. Trata-se de problematizar o processo de construção identitária a partir de uma festa étnica e questionar os elementos apontados como essencialmente étnicos da região lançando mão de uma perspectiva desconstrutivista que visa descentrar as identidades de uma postura naturalizada

Para analisar o problema apontado, esta dissertação foi estruturada em três capítulos.

No primeiro, apresentamos uma revisão da historiografia regional, demonstrando como ocorreu o processo de colonização alemã no Brasil, no Estado do Rio Grande do Sul e no núcleo colonial instalado na Fundação de Santa Cruz, bem como as principais ações que promoveram o desenvolvimento deste núcleo. Ainda, abordamos algumas representações do germanismo que norteiam a organização do imaginário e da memória social no município.

No segundo, apresentamos uma revisão teórica sobre festas, principalmente as étnicas, e analisamos o quanto essas contribuem para a expressão da identidade cultural e constituição da imagem de uma comunidade. Problematizamos a forma como um determinado grupo político da comunidade de Santa Cruz do Sul, bem como a imprensa local legitimaram os discursos identitários por meio das duas principais festas realizadas no município, a Festa Nacional do Fumo, FENAF, e a Oktoberfest. Ambas as festas, sempre tiveram o objetivo de divulgar o município e fortalecer nesta divulgação a imagem de etnicidade alemã. Desde a FENAF, realizada em três edições nas décadas de 60 e 70, os valores da cultura alemã vinham sendo ressaltados e, depois com a Oktoberfest, ainda mais evidenciados. Recorremos ao

Sobrado, Rio Pardo e Boqueirão do Leão que fazem divisa. A cidade está localizada numa área levemente ondulada ao Sul, vales, morros e elevações maiores, originadas dos primeiros contrafortes da Serra Geral.

Apresenta altitude média de 122m do nível do mar e clima subtropical temperado. As principais vias de acesso são através da RS 240 e BR 471 e sua população está estimada em 115.857 habitantes, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística do ano de 2007 (http://www.ibge.gov.br).

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principal jornal da cidade de Santa Cruz do Sul, a Gazeta do Sul, para levantar informações sobre a festa, já que este é um dos veículos que acompanha e divulga a Oktoberfest desde a sua criação. O mesmo veículo é cooperador da festa, pois atua colocando a cultura alemã em evidência e a identidade dos santa-cruzenses atrelados a esta etnicidade. Desta maneira, este meio de comunicação contribui para a criação do imaginário social sobre a festa no município.

No terceiro, trazemos os resultados do trabalho de campo da pesquisa, resultados estes que mostram o quanto a 24 ª Oktoberfest, de 2008, através de sua organização, intenta legitimar e construir discursos que visam fortalecer a identidade étnica do município. Ainda por meio de observação e de entrevistas semi-estruturadas aplicadas junto aos organizadores da edição mencionada, conseguimos observar as negociações e práticas que são articuladas através de discursos e negociações que, somadas, evidenciam a contribuição da festa para a manutenção da identidade hegemônica do município.

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CAPÍTULO 1

HISTORIOGRAFIA REGIONAL E AS REPRESENTAÇÕES DE IDENTIDADE INFLUENCIADAS PELO PROCESSO IMIGRATÓRIO

Nenhum Brasil existe. E acaso existirão brasileiros?2 Carlos Drummond de Andrade

Este primeiro capítulo apresenta uma revisão da historiografia de Santa Cruz do Sul, a partir do processo de colonização do município. Algumas iniciativas e representações começam a ganhar espaço no contexto de constituição de comunidade e contribuem para a construção de um discurso legitimador da identidade alemã no município.

Em princípios do século XIX inicia a história da emigração dos alemães para o Brasil.

Uma análise breve da situação da Alemanha neste século, nos permite entender as principais razões do deslocamento populacional dos alemães, num contexto em que, no Brasil, se estruturava uma política de ocupação de territórios escassamente povoados, sobretudo nas regiões de fronteira como a meridional.

O contexto da Alemanha, no início do século XIX3, foi marcado por fortes repercussões sociais relacionadas a sucessivos conflitos bélicos, revoluções políticas e econômicas entre 1830 a 1870. Sem condições de promover o próprio desenvolvimento, a Alemanha, que não existia como unidade nacional, estava dividida entre reinados, principados

2 Versos finais do poema “Hino Nacional”, publicado no livro Brejo das almas, de 1934 e também citado por Mirian Santos na tese “Bendito é o fruto: Festa da Uva e identidade entre os descendentes de imigrantes italianos de Caxias do Sul – RS.

3 Sobre o contexto econômico e social da Alemanha no século XIX, ver: (CUNHA, 1991, p. 18-40).

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e ducados, todos independentes entre si e unidos apenas pelo idioma. A revolução agrícola e demográfica que iniciara neste século, impulsionou o desenvolvimento industrial e a urbanização acelerada, abolindo as estruturas agrícolas ainda próximas dos modelos feudais.

Esta reforma levou o empobrecimento de milhares de camponeses que não foram absorvidos pelo setor industrial, e “a cada colheita ruim, a fome forçava os alemães a emigrarem, sendo esta uma das grandes causas do processo emigratório”. (WILLEMS APUD LANDO E BARROS, 1980, p. 14).

O processo de unificação do Estado alemão estava em andamento através das políticas aduaneiras de livre circulação de homens e capitais entre todas as unidades independentes, a fim de promover a integração econômica e comercial dentro da Confederação do Reno. Este

“mercado comum” contribuiu para o desenvolvimento industrial da Alemanha, mas, com a unificação liderada por Bismark em 1871, a industrialização se intensificou, absorvendo parte da mão-de-obra, mas também ocasionou a ruína de artesãos e trabalhadores da indústria doméstica, que não resistiram à concorrência das grandes empresas.

Assim, as lutas para a unificação nacional da Alemanha e o crescimento do capitalismo industrial, desde meados do século XIX, contribuíram para o excedente de mão de obra que se tornariam bem vindas na América pela crônica carência da mesma. Desta forma, os excluídos e marginalizados da Europa encontraram na emigração uma alternativa para superar as crises econômicas, no mesmo contexto em que, os estados-nação europeus, se livrariam de um excedente populacional que se apresentava como problema social. As políticas de distensão social criadas pelo Estado da Alemanha para amenizar problemas internos, serviram como estímulo para a emigração que tem o ano de 1824, como marco das primeiras correntes imigratórias para o Brasil4, através da atração de famílias alemãs para a parte sul, mais precisamente para o Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná.

Já o Estado brasileiro, nas primeiras décadas do século XIX, visava à ocupação de suas terras devolutas, sobretudo no Sul do país. O Governo Imperial e Provincial dão início ao processo de ocupação, através da implantação de um projeto com objetivos políticos e militares. Estes objetivos se traduziam principalmente em assegurar a posição brasileira e

4 Até então o povoamento brasileiro se realizara através da vinda espontânea de colonos brancos, (em sua maioria portugueses), da importação de escravos e incorporação de indígenas. (LANDO E BARROS, 1980, p. 9).

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proteger as fronteiras contra possíveis ataques espanhóis.5 Agenciadores brasileiros ficaram incumbidos de fazer a propaganda imigrantista e organizar o deslocamento da população para o Sul do Brasil.

Buscavam-se colonos que formassem núcleos de produção agrícola em regime de pequena propriedade para diversificar a estrutura produtiva brasileira e abastecer o mercado interno com produtos alimentícios. Dessa forma, também se resolveria o problema das importações, diminuindo o seu volume e formando assim, grupos dominadores da política e economia local. (PESAVENTO, 1980, p. 156-160). A estes colonizadores era oferecido, inicialmente, passagem paga, concessão de cidadania, concessão de lotes de terra, isenção de impostos por alguns anos e liberdade de culto.

Caio Prado Junior (1970) traz duas atividades distintas como os principais fatores para a elaboração das iniciativas imigratórias

uma, de iniciativa oficial, cujo objetivo era ocupar e povoar zonas até então desocupadas e distintas, na maior parte das vezes, da área de influência do latifúndio; a outra, de iniciativa particular, estimulada pelo governo, visava à obtenção de braços livres para a grande lavoura, em substituição ao braço escravo.

(PRADO, 1970, p. 19).

A colonização, além de ser um processo de ocupação estratégica e geopolítica, também foi planejada como um processo de substituição do trabalho escravo pelo trabalho livre, e do negro escravo pelo branco europeu, em um processo de colonização baseado na pequena propriedade. Nesta perspectiva, Santos (2004, p. 39) salienta que “a escravidão era vista como uma forma arcaica de produção, que não se coadunava com a modernidade, enquanto a colonização era vista como um processo civilizatório”6. Esta política influenciou a busca inicial por alemães, considerados etnia “desejável”, para ocupar as terras devolutas do sul do Brasil “pela sua índole e sua capacidade como agricultores e artífices”7. Ainda sobre a política imigratória brasileira, Fernando Henrique Cardoso afirma que,

5 Este período da colonização foi chamado de “colonização agro-militar” (LANDO E BARROS, 1982, p. 43).

6 Segundo Piccolo (1998, p.464) “O estabelecimento do núcleo colonial de São Leopoldo pelo Governo Geral em 1824 foi o marco inicial do processo colonizatório com imigrantes não-lusos no Rio Grande do Sul (...). Com a colonização estrangeira, incentivada pelos governos de D. João VI e de D. Pedro I, objetivava-se entre outros:

a difusão da pequena propriedade e do trabalho livre (em contraposição à grande propriedade escravista); a ocupação de espaços ( povoamento associado à defesa); o desenvolvimento da agricultura”.

7 Visconde de Abrantes, 1846 em missão especial do governo brasileiro em Berlim, sugere medidas para atrair imigrantes de nacionalidade alemã. (MAIO E SANTOS, 1996, p. 45).

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não se desejava, portanto, resolver apenas o problema da escassez de mão-de-obra;

ansiava-se pela renovação das práticas de trabalho; esperava-se a libertação do espírito criador no trabalho, milagre que só o imigrante, isto é, o braço estrangeiro, livre, proprietário, e não peado pelas velhas formas de produção ou por qualquer liame contratual limitativo, poderia realizar. (LANDO, A M.; BARROS, 1980. p.43).

Desta forma a colonização alemã no Sul do Brasil deu origem à formação de um novo tipo de campesinato no país que, por sua vez gerou a construção de núcleos urbanos e de um pequeno mercado regional. No Rio Grande do Sul, as cidades de São Leopoldo, Igrejinha, Teutônia e Santa Cruz do Sul são exemplos destes núcleos urbanos procedentes da colonização alemã.

1.1. Imigração alemã no Rio Grande do Sul

Na província do Rio Grande do Sul, a primeira fase de colonização tem como marco o ano de 1824, data da chegada dos primeiros imigrantes alemães ao Sul do Brasil, uma leva de 38 imigrantes que foram instalados na antiga Feitoria Real do Linho Cânhamo, onde foi fundada a colônia de São Leopoldo junto ao Rio dos Sinos. Além dessa, outras duas colônias são fundadas em 1826: Três Forquilhas (Osório) e São Pedro de Alcântara (Torres), ambas localizadas no nordeste do território gaúcho, próximas ao litoral. (CUNHA, 1991, 54-64).

O processo de colonização foi interrompido com a lei de orçamento de 15 de dezembro de 1830, que proibia despesas com a imigração. Em função disso, muitos imigrantes, recém chegados à Colônia não receberam o que lhes havia sido prometido, gerando forte descontentamento e contribuindo para a construção de um imaginário que narra as dificuldades iniciais dos imigrantes, como será mais bem explorado adiante. A Revolução Farroupilha que ocorreu entre 1835 e 1845 também contribuiu para a interrupção do movimento imigratório, que só foi reiniciado, e com maior intensidade, a partir do fim do conflito.

Por volta de dezembro de 1849 ocorre a segunda fase imigratória, com a vinda de mais famílias alemãs para o sul do Brasil. O Governo Imperial Brasileiro funda novas colônias de imigrantes no Vale dos Sinos, Jacuí e Taquari e este período imigratório seguiu com força até início do século XX. A colônia de Santa Cruz do Sul foi um emprendimento iniciado em 19 de dezembro de 1849 com a chegada dos primeiros imigrantes. Estes ocuparam os primeiros lotes de terra demarcada em novembro pelo engenheiro civil, Augusto de Vasconcellos Almeida Pereira Cabral. A localização destes lotes ficou concentrada no primeiro degrau da

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serra, naquela que se chamaria Picada Santa Cruz ou “Alt Picade”, (Picada Velha), em terras do distrito rio-pardense da Serra do Botucaraí, entre a margem esquerda do rio Pardo e o arroio Taquari Mirim.

1.2 Santa Cruz do Sul: a ocupação do núcleo colonial e o desenvolvimento do município

A colônia de Santa Cruz foi fundada e gerida pela Província de São Pedro, sob a presidência de Francisco José de Souza Soares de Andréa (Barão de Caçapava), que coordenou a distribuição dos lotes de terra, em 160.00 braças8 quadradas, conforme já vinha sendo distribuído os lotes da colônia de São Leopoldo. (CUNHA, 1991, p. 97). O núcleo colonial de Santa Cruz do Sul surgiu com uma política que objetivava a criação de colônias, com pequenos produtores rurais9. Os imigrantes que colonizaram Santa Cruz do Sul vieram do norte da Alemanha, das províncias que formavam a Confederação Germânica, como o Rheno, a Prússia, a Pomerânia, a Turingia, a Saxônia, a Westfália, o Hannover e Oldenburg.

Entre eles puderam ser encontrados médicos, artesãos, mas principalmente agricultores de heterogeneidade religiosa, pois vieram católicos, luteranos, judeus, maçons, anabatistas, etc.

(NEUMANN, 2006, p. 52).

Diversas leis foram criadas para organizar o sistema de assentamento dos imigrantes, principalmente quanto à demarcação dos lotes, à distribuição destes para homens casados e a proibição de mão de obra escrava. A lei nº 229 autorizava a concessão de terras para os imigrantes casados ou viúvos com filhos10, mas tinha como principal propósito a tentativa de evitar o isolamento dos imigrantes. Alguns autores que fazem a narrativa deste período, afirmam que “a vida de um colono solteiro seria muito difícil porque perderia muito tempo com trabalhos caseiros e se sentiria sozinho após a jornada de trabalho”. (MARTIN, 1979, p.

126).

8 Cada braça é equivalente a 2,2m

9 Os pequenos produtores rurais poderiam constituir uma agricultura voltada para o mercado interno, ocupação provincial, e a formação de uma classe de proprietários não ligados política e ideologicamente aos interesses dos grandes estancieiros. (VOGT, 1997, p.54).

10 Rio Grande do Sul. Índice das leis promulgadas pela Assembléia Legislativa de São Pedro do Rio Grande do Sul desde o ano de 1835 até o de 1851.

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Esta lei forçava a realização de casamentos arranjados pois, para o Brasil era interessante que as pessoas se adaptassem à nova terra e constituíssem os núcleos coloniais. A mão de obra familiar foi inserida diretamente nas atividades das colônias, já que os imigrantes deveriam tirar sustento dos lotes que lhes tinham sido concedidos e não podiam, ao menos em tese, se valer da mão de obra escrava. Mas tais leis nem sempre eram levadas à sério. Alguns autores, como Witt, (1996) e Cunha (1991) afirmam que o momento era de muita anarquia, pois havia ocupações e demarcações ilegais, (WITT, 1996, p. 37) feitas por imigrantes mais velhos e distribuição de terras efetuadas para solteiros (CUNHA, 1991, p. 125-130). Ainda a impossibilidade de controlar os fluxos (i)migratórios contribuía para as desordens das colônias.

Estes imigrantes foram nomeados de colonos por tornarem-se proprietários de um fragmento de terra denominada colônia. Sobre este aspecto, Seyferth (1993 p. 60) afirma que

“a categoria colono é usada como sinônimo de agricultor de origem européia, e sua gênese remonta ao processo histórico de colonização”. Ainda, para a autora, tal “categoria foi construída, historicamente como uma identidade coletiva com múltiplas dimensões sociais e étnicas”. (SEYFERTH, 1993 p. 60).

O desenvolvimento da colônia de Santa Cruz processou-se notavelmente, na medida em que a população crescia ano a ano, somando, em 1851, 175 habitantes. A colonização foi intensificada a partir de 1852,11 e em 1853, a colônia de Santa Cruz possuía 196 lotes distribuídos a 692 habitantes. Estes produziam o feijão, milho, batata, cevada, linho e principalmente o fumo nas terras da região. Neste ano de 1852 é registrada a primeira exportação com o envio, por meio da cidade de Rio Pardo, de 245 sacos de feijão e 160 arrobas de fumo. Esta exportação garantiu aos colonos a aquisição de produtos que eles não produziam na colônia, como o sal, remédios e ferramentas de trabalho. (CUNHA, 1991 p.

100). Assim, a produção agrícola era voltada para os gêneros alimentícios e para o plantio do fumo que acabou por caracterizar a cultura local com sua produção e exportação a partir do ano de 1860.

11 De 1849 a 1859 Santa Cruz do Sul recebeu 2.723 imigrantes. (KRAUSE, 1991, p.47). Estes dados demonstram o intenso movimento imigratório para a colônia de Santa Cruz.

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Conforme a narrativa de historiadores12 da região de Santa Cruz do Sul, os imigrantes tiveram várias dificuldades iniciais, sendo uma delas relacionada à adaptação devido à desorganização da administração pública da Província, e pela localização dos lotes em meio a florestas, obrigando-os a utilizarem-se das práticas culturais de desmatamento e produção13. Outras dificuldades referem-se à falta de estradas, ao choque cultural com a língua e com os hábitos do local, à falta de ambientes para cultos de católicos e evangélicos, às dificuldades com a educação dos filhos por falta de escolas e professores, as condições climáticas e às novas técnicas agrícolas e de pecuária. Estes aspectos aparecem narrados como agravantes à adaptação dos europeus no Sul do Brasil, o que faz supor que a realidade encontrada talvez diferisse da realidade esperada ou imaginada pelos alemães14. Naquele período, as autoridades alemãs viviam um momento de tensões provocadas pelo processo revolucionário. Desta forma, até 1890 não assistiram seus emigrados e este aspecto pode ter contribuído para a criação de um sentimento de abandono por parte dos alemães que emigraram.

Radünz (2007, p. 121) complementa que a relação Europa/Brasil meridional estava estabelecida através de quatro momentos,

Em primeiro, descaso quase generalizado com os emigrantes estabelecidos no Brasil, (...) em segundo, um interesse manifesto por parte da elite comercial da Alemanha pelos colonos no período que antecede a unificação – emigrante como potencial consumidor, (...) em terceiro, um descaso oficial quase geral refletindo a póstuma bismarkiana, (...) e por fim, do fim do século XIX até a Primeira Grande Guerra, a necessidade de serem gerados os mercados consumidores – colonos além- mar passam a ser considerados potenciais consumidores.

Isso demonstra que a Alemanha assiste seus emigrados somente no momento que lhe é oportuno, quando as potências industrializadas estavam carentes de mercados consumidores.

Neste momento, o governo deseja manter viva a chama da germanidade, e fornece auxílio às escolas, à imprensa e às comunidades religiosas que utilizavam o alemão como meio de

12 (KIPPER, 1967 e 1979; VOGT, 1997; MORAES, 1981; AZAMBUJA, 2002).

13 Estas práticas de derrubar o mato, atear fogo, esperar que secasse construir a choupana, semear e plantar as primeiras lavouras para esperar pela primeira safra já eram utilizadas pelos caboclos e índios que ocupavam as terras antes dos imigrantes. Dessa forma, é possível subetender que muitos ensinamentos dos caboclos e índios foram transmitidos ao novo colono.

14 Como o Brasil possuía muito interesse em atrair alemães e os agenciadores recebiam o pagamento por indivíduo aliciado, talvez o discurso para a atração do imigrante também fosse argumentado de forma utópica pelas autoridades brasileiras através de seus agentes na Alemanha. Ainda com o passar dos anos, os agenciadores encontravam dificuldades para recrutar alemães e com isso suas atenções ficaram voltadas para a Itália.

(SEYFERTH, 1996).

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comunicação. Até metade do século XIX, a criação de escolas e comunidades ocorria por iniciativa dos próprios colonos que conforme Radünz, (2007) “passaram a construir sua identidade colonial ressignificando suas tradições sob forma de uma negociação entre o antes e o agora”. (RADÜNZ, 2007, p. 125).

Todo processo imigratório provoca mudanças, tanto para o país que recebe os imigrantes, quanto para aqueles que emigram, pois a ocupação e organização de um território não ocorrem de forma instantânea, mas num processo de trocas. Corrêa (2002, p. 23-28), afirma que a história local precisa passar por uma revisão crítica frente aos novos paradigmas, pois a tendência à hiper valorização resulta em visões românticas de acentuado heroísmo.

“Sobre a imigração e os imigrantes, criou-se uma série de mitos. O imigrante heróico, trabalhador, econômico e realizador da economia gaúcha é a imagem que o grupo criou sobre seus feitos. (Giron, 1980, p.66). Dessa forma, a imigração é narrada até os dias atuais como uma conquista civilizatória dos colonos, que transformaram a selva em ambiente civilizado, sem considerar que a realidade da qual vieram, também apresentava um quadro de dificuldades e sofrimento. Assim, é comum encontrarmos descendentes de alemães que se percebem com uma demonstração de superioridade étnica, desconsiderando, muitas vezes, a participação do luso-brasileiro para o desenvolvimento do Estado e do país. (SEYFERTH, 1994).

Em 30 de novembro de 1854, é promulgada a lei que estabelece a venda de terras devolutas e, não mais, a distribuição gratuita das terras do Rio Grande do Sul. Neste mesmo ano, o presidente da Província, João Lins Vieira Cansansão de Sinimbu, visita a colônia de Santa Cruz, e reconhece a necessidade de um lugar para prática de culto religioso, já que a igreja mais próxima estava localizada na cidade de Rio Pardo. Neste mesmo momento, o presidente ordena que o Tenente da Armada, Francisco Cândido de Castro Menezes, demarque as picadas de Santa Cruz e Rio Pardinho para a povoação, com reserva de terras para logradouros públicos e chácaras. Em março de 1855, a demarcação se transforma num pequeno centro administrativo e comercial de toda a colônia de Santa Cruz, e as atividades econômicas, administrativas e sociais da colônia começam a ser incrementadas. (MARTIN, 1979 p. 102).

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Com o desenvolvimento social e econômico da colônia, em 1859, esta passa à condição de freguesia e, em 1878, é instalada a Câmara Municipal que contribui para a autonomia político-administrativa. Inicia, neste momento, uma importante fase do desenvolvimento da colônia, caracterizada pelo aumento de exportações agrícolas, lideradas pelo tabaco. (VOGT, 2001, p. 54).

Ronaldo Wink (2002), em seu estudo sobre a urbanização e o desenvolvimento de Santa Cruz do Sul aponta que,

de 1881 em diante a especialização fumageira consolidou-se definitivamente, trazendo o progresso econômico ao município e viabilizando a sua integração aos grandes mercados consumidores da época. Além disso, proporcionou a implantação de equipamentos e serviços em seu núcleo urbano, gerando condições necessárias à futuras instalações do parque industrial. (WINK, 2002, p. 70).

Houve, com isso, um incremento da fumicultura que se destacava como produto diferenciado das outras regiões, e apresentava boas condições de competitividade no mercado.

Os méritos da qualidade do fumo são tanto dos colonos, quanto da ação dos comerciantes que orientavam os agricultores, do plantio até a colheita e, depois comercializavam com grandes atacadistas de Porto Alegre. (VOGT, 1997, p. 92-100). Neste contexto, Noronha (2006, p. 61) destaca que os comerciantes detinham o controle das principais vias de acesso por onde a produção do fumo escoava, atuavam como banqueiros e monopolizavam as informações do preço do tabaco. Para este autor, estes comerciantes vão se constituir como o principal grupo de poder político do município de Santa Cruz do Sul.

Em 19 de novembro de 1905 é inaugurado o ramal ferroviário até Rio Pardo, e tal acontecimento veio para facilitar os transportes e contribuir para a aceleração do progresso econômico e social do município através da exportação. Na mesma ocasião, a vila de Santa Cruz foi elevada à condição de cidade, por causa do seu notável crescimento econômico, populacional e urbano. A luz elétrica foi inaugurada em 1906, a rede telefônica urbana em 1907, a Hidráulica Municipal da Gruta e o Hospital Santa Cruz em 1908.15

Neste contexto, o início do século XX remete à transformações no cenário de Santa Cruz do Sul, com obras rodoviárias municipais construídas para dar acesso à região serrana da

15 Consulta no site do Município de Santa Cruz do Sul. www.pmscs.rs.gov.br.

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cidade, e ao fumo que se manteve em pleno progresso, atraindo o capital internacional para a região. A instalação de algumas empresas como a The Brazilian Tobacco Corporation (1917), antecessora da Companhia Brasileira de Fumos em Folha (1920) e depois Souza Cruz (1955), foram muito representativas neste contexto econômico. Ainda, a instalação dos bancos Pelotense (1916), Nacional do Comércio e da Província (1917), são eventos de destaque no município. (VOGT, 1997, p. 101).

Com a produção fumageira crescendo consideravelmente a partir de 1918, Santa Cruz do Sul tornou-se referência no Estado pelo seu desenvolvimento econômico. Os produtores rurais, que representavam a base do processo tabagista, foram atrelados às grandes empresas através do sistema integrado de produção que determinava a venda da produção de fumo à empresa fornecedora de insumos agrícolas e assistência técnica. Paralelamente ao crescimento das indústrias fumageiras, outros empreendimentos na área de alimentação (259 estabelecimentos), transformação de minerais não metálicos (62 estabelecimentos), madeira (72 estabelecimentos), bebidas (30 estabelecimentos) e metalurgia (15 estabelecimentos) também foram se destacando até o final dos anos 50. (FONTOURA, 1956, p.21).

Entre 1960 a 1970, as indústrias fumageiras de Santa Cruz do Sul são inseridas no processo de internacionalização. Este momento representou um novo estágio no desenvolvimento econômico regional e, consequentemente, na estrutura social da comunidade. Santa Cruz do Sul juntamente com Venâncio Aires e Vera Cruz ganhou expressão no mercado internacional fumageiro por juntas, abrigarem “em termos de produção, compra e beneficiamento industrial do fumo, o maior complexo agroindustrial do gênero no mundo”. (SILVEIRA, 2003, p. 127). Como decorrência deste complexo fumageiro, Santa Cruz do Sul passou a ser chamada de “capital nacional do fumo”, incorporando o bilionário circuito de praças comerciais mundiais de fumo. A consolidação deste complexo agroindustrial intensificou o processo de modernização do território municipal e notadamente a cidade apresentou um novo conteúdo técnico científico, ou seja, uma nova estrutura e organização que permitisse atender o funcionamento do ramo fumageiro no âmbito mundial.

(SILVEIRA, 2003, p. 130-132).

Ainda, conforme Rogério Silveira (2003), dentre os reflexos econômicos e espaciais da atividade agrofumageira na cidade, destaca-se a inter-relação do mercado de trabalho

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safrista com a formação da periferia urbana em Santa Cruz do Sul. Houve, com isso, a entrada de trabalhadores provenientes de outros municípios que foram se instalando nas periferias de Santa Cruz do Sul, ocasionando o intercâmbio de pessoas. Com o aumento da mão de obra industrial, necessária para suprir as necessidades das indústrias fumageiras, o Poder Público Municipal cria um bairro para os operários, chamado de Camboím, depois Bom Jesus. O crescente processo de ocupação desorganizado e a expansão dos bairros populares geram forte descontentamento e até mal-estar na comunidade do centro e dos bairros de classe média e média alta.

Sobre este aspecto Bauman (1998) afirma que a sociedade, ao mesmo tempo em que traça suas fronteiras e configura seus mapas cognitivos, estéticos e morais, gera também pessoas que não se enquadram dentro dos limites julgados fundamentais para a vida ordeira.

Para o autor, “todas as sociedades produzem estranhos, mas cada espécie de sociedade produz sua própria espécie de estranhos e os produz de sua própria maneira”. (BAUMAN, 1998, p.

27).

Wink (2002) ressalta que a trajetória de desenvolvimento de Santa Cruz do Sul pode ser dividida em cinco fases: 1ª Fase: Origem (1849 – 1859); 2ª Fase: Freguesia e Vila (1859 – 1878); 3ª Fase: Tabaco (1878– 1917); 4ª Fase: Industrialização (1917 – 1965); 5ª Fase: Pólo Regional (1965 até a atualidade). Para cada fase mencionada, como veremos a seguir, ocorreram transformações culturais, que contribuíram para a construção de um imaginário identitário do município de Santa Cruz do Sul, que tenta, até os dias de hoje, reforçar o discurso da identidade alemã no município como uma cultura hegemônica.

Esta tentativa de diferenciar Santa Cruz do Sul das demais regiões por meio do fortalecimento étnico-cultural é uma ação que Hall (2003) denomina subordinada, pois tem influência de um grupo que faz com que as identidades sejam formadas e transformadas no interior das representações. A idéia de representação na história da filosofia ocidental está ligada à busca de formas de tornar o “real” presente, de apreendê-lo o mais fielmente possível por meio de sistemas de significação. (SILVA, 2000, p. 90).

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1.3 O imaginário e a identidade étnica em Santa Cruz do Sul

A história do desenvolvimento do município de Santa Cruz do Sul vem tecida, desde o processo imigrantista, em um discurso baseado na etnicidade. Neste sentido, Silva (2007) destaca que esta “é uma das tônicas da produção das narrativas identitárias da região, que está sempre aberta a interpretações, ao jogo político e a mitificações, relacionadas ao ethos do imigrante e a sua epopéia civilizatória”. (SILVA, 2007, p. 118-119).

O Deutschtum, palavra alemã que traduz o conceito de germanismo como uma ideologia que se refere à conservação das características culturais, sociais, raciais e dos grupos formados por indivíduos de origem germânica, é um conceito que se estruturou desde o período de formação da sociedade de Santa Cruz do Sul. Essa ideologia, por sua vez, dá sustentação à política e economia e ao engajamento da elite política da comunidade, pois fica no centro da geometria de poder das lideranças empresariais e culturais.

Desta forma, muitas simbologias foram criadas em torno do pioneiro alemão e da cultura germânica em Santa Cruz do Sul, que passaram a compor uma matriz genealógica representada constantemente como referencial de comunidade, e contornando sobremaneira a participação de outras etnias que também participaram e influenciaram o processo de desenvolvimento. Para Silva (2007, p. 121), “o imaginário racial remetido ao século XIX e suas alegorias evolucionistas influenciaram o pensamento brasileiro acerca da inferioridade dos negros, mestiços e caboclos” e em contraponto, as sociedades promoveram a superioridade moral e racial dos teuto-brasileiros num discurso desenvolvimentista. Neste sentido, Skolaude (2008, p. 36) ratifica que “é necessário pensar em identidades culturais e em culturas sendo produzidas nas relações de sociabilidade e poder, através do contato político, social e pessoal mais intenso com luso-brasileiros, negros e outros grupos culturais”.

A concepção da identidade assim alinhavada pela historiografia local, se alicerça no essencialismo e no purismo étnico, mas este processo geralmente exclui as minorias que dela fazem parte de fato. Wolff e Flores (1994), salientam que os fatores de identificação étnica dos teuto-brasileiros constituem uma diferenciação e, dessa forma, “reforçam os preconceitos e estereótipos dos teuto-brasileiros em relação aos luso-brasileiros, ítalo-brasileiros e vice- versa”. (WOLFF E FLORES, 1994, p. 212).

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Mas geralmente as temáticas relacionadas às imigrações sustentam um discurso naturalizado, que busca sustentar uma identidade, a partir de valores. É o que Meyer (2000) demonstra nesta citação,

Muitos dos estudos acadêmicos, reportagens jornalísticas e artigos comemorativos que se ocupam da temática da imigração alemã referem-se à cultura como um conjunto de crenças, valores, tradições e práticas que os imigrantes alemães

“trouxeram” de sua terra natal a qual corresponderia ao que é denominado, aí, de sua

“bagagem cultural”. (...) O conjunto desses processos acaba por conferir a cada

“bagagem pronta” um caráter que transcende e complexifica a simples noção dela como se fosse um conjunto finito e fixo de coisas, que alguém voluntariamente empacotou e transporta para usar da mesma forma em variados lugares; uma complexidade que, na associação usualmente feita entre bagagem e cultura, parece ser negada, também, a essa última quando ela é referida como conjunto de hábitos, crenças, valores e tradições que, como “coisas”, acumulados, preservamos e transmitimos. Essa noção pode ser problematizada em mais de um sentido, uma vez que o seu uso não só constrói as idéias de reificação e fixidez da cultura, mas também a possibilidade de sua homogeneidade intragrupal, quando deixa de enfatizar os processos de seleção e as relações de poder que os modulam. (MEYER, 2000, p. 36-37).

Na afirmação que Azambuja (2002) faz sobre a vinda dos imigrantes alemães, observamos esta visão através da seguinte afirmação, “consigo trouxeram seus valores, seus hábitos, suas crenças, sua língua, que tiveram papel fundamental na construção desta região.

(...) Essas marcas são observáveis tanto nos valores e costumes, bem como na arquitetura”.

(AZAMBUJA, 2002, p. 11). Assim podemos inferir que a leitura que alguns autores fazem do processo imigratório, bem como da cultura teuto-brasileira na região, constituem um discurso ufanista e essencialista da identidade. Cabe então salientar que as identidades são construções que os grupos sociais fazem, a partir das vivências e representações do passado sob influência do presente e, desta forma, a historicidade e veracidade tornam-se fictícias e distantes.

(HALBWACHS, 2004). A identidade é, assim, uma construção histórica que ocorre entre pessoas ou grupos em um determinado espaço geográfico, que organizam sua vida com base num conjunto de valores compartilhados. Ainda, as identidades são frutos de construções históricas que mesclam experiências passadas com realidades presentes.

Seyferth (1994, p. 19) acrescenta que algumas publicações comparam o pioneirismo dos colonos ao papel dos bandeirantes paulistas no povoamento do interior do País. “A imagem que emerge dessa comparação é a do colono pioneiro, com ampla capacidade de trabalho derivado de sua condição étnica, que criou um mundo civilizado cercado pela barbárie cabloca”. Sabe-se que alguns hábitos e costumes persistiram no Brasil porque as

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colônias ficaram concentradas em áreas restritas e isoladas, às vezes com pouco contato com a sociedade brasileira, o que não quer dizer que não sofreram a interferência de outros costumes, fornecidos por outras etnias. Os hábitos da cultura alemã foram se disseminando não só pela concentração dos grupos nas colônias, mas também pelo sentimento de pertencimento e desejo de preservação da cultura alemã. Muitas comunidades alemãs viviam à parte da cultura nacional, com valores, normas, pautas de comportamento mais próximos da Alemanha do que do Brasil, sendo mais fácil um luso-brasileiro aprender hábitos da cultura alemã do que um imigrante alemão adquirir os hábitos nacionalistas.

Magalhães (1998, p. 21) afirma que, comparado com outros grupos étnicos de imigrantes, os alemães representaram apenas 9% do total dos emigrados no Brasil, mas se distinguem pela sua concentração demográfica em determinados territórios. A imigração alemã acarretou uma concentração étnica em áreas homogêneas e compactadas, o que não significa dizer que outras etnias não foram introduzidas nestas áreas. Mas como o número destes demais grupos era pequeno, muitos consideravam as colônias alemãs como homogêneas. (SEYFERTH, 1996, p. 49).

Muitos autores como Woortmann (1988); Giron (1980, 1994); Seyferth (1994), Silva (2007) entre outros, fazem críticas em diferentes graus, aos trabalhos que louvam tanto os imigrantes alemães como os italianos. Destaca-se entre as críticas, a idéia de epopéia. Estes autores, se referem a construção deste imaginário de supervalorização do imigrante como um mito, que chamam de “mito do pioneiro”. Já para muitos descendentes de alemães e italianos, a visão vitoriosa é disseminada e compartilhada facilmente, especialmente nas épocas em que ocorrem comemorações de centenários de imigração.

A recriação da teuticidade na realidade sul-rio-grandense e brasileira nasce, interage e integra-se com outras etnias, e esta troca de culturas se enriquece e permite que uma nova seja criada. Assim, a cultura encontrada em Santa Cruz do Sul não é unicamente teuto-brasileira.

Ela possui diversos traços de outras etnias e é também gaúcha e brasileira. Canclini (1997) denomina estas manifestações como híbrida, porque se mistura e por que os grupos interagem entre si e promovem mudanças nos padrões culturais originais dos grupos envolvidos. Assim, o imigrante alemão, ao instalar-se no sul do Brasil, vai recriar sua identidade, e traduzir valores baseados na família, no trabalho, na religião, entre outros.

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Emílio Willems (1940) também recorre à noção de cultura híbrida, e explica que ela é resultante do contato dos imigrantes e seus descendentes com o meio ambiente, a sociedade e a cultura brasileira, ou seja, uma cultura que não é nem alemã, nem brasileira, mas sim uma mistura de ambas produzida pelo processo de colonização. Neste sentido, o processo de adaptação dos imigrantes alemães com a realidade pode ser pensado a partir da categoria utilizada por Bhabha (2003, p. 27), que corresponde a cultuar aquelas tradições trazidas da terra natal e adaptá-las a realidade da nova terra, dando origem a uma terceira cultura. Dessa forma, os costumes foram sendo adaptados e mesclados, desde a época em que os colonizadores tiveram contato com as populações luso-brasileira pré-existente na região de Santa Cruz do Sul.

A construção da identidade é um fenômeno que se produz com critérios de aceitabilidade, credibilidade e se faz por meio da negociação direta com outros. Memória e identidade são valores disputados em conflitos sociais e intergrupais e em conflitos que opõem grupos políticos diversos. Não podemos deixar de considerar que toda relação de identidade implica em operações de incluir e excluir, uma vez que demarca aqueles que pertencem e aqueles que não pertencem. Sendo assim, a defesa por uma identidade, automaticamente pressupõe uma relação de poder. Seus significados culturais e sociais são apoiados em representações e estas se ligam a sistemas de poder, quando representam quem tem ou não poder de definir e determinar a identidade. Assim, a constituição das identidades sempre depende de paradigmas de valores, de forma a colocar o sujeito numa relação de poder. A comparação também passa a ser uma forma de confrontar particularidades de uma identidade, com as características gerais de outras identidades, tidas como diferentes.

(WASSERMAN, 2001).

Para Rossini (2004, p. 11)

A identidade é a forma como o grupo define a si mesmo e a sua trajetória, social, cultural, histórica, marcando com isso sua diferença, sua alteridade em relação a outro grupo. É o momento em que o grupo aplaina suas diferenças internas, a fim de ressaltar seus traços em comum, a fim de demarcar seu espaço de ação, no campo das representações, diante do outro.

Para Vogt (2001), alguns meios foram utilizados como veículos de (re)produção cultural em Santa Cruz do Sul como a imprensa teuto-brasileira, a escola comunitária alemã, a

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religião e as atividades desenvolvidas pelas diferentes sociedades. Também a importância dada ao trabalho, educação, língua, heimat16 e ao associativismo, foram meios de (re)produção cultural em Santa Cruz do Sul. Estes meios sustentaram um imaginário como por exemplo, a “cultura do trabalho” que, para os alemães, constitui uma atividade geradora de riquezas ou necessária para a sobrevivência, mas também, segundo o trabalho representa um valor moral e um fator de identificação étnica. (SEYFERTH 1982, p. 74-155). Assim, a ética do trabalho se constituiu como ferramenta essencial do espírito empreendedor e associativo, bem como a moralidade e a higiene na vida cotidiana, significados míticos que permitem a configuração de um imaginário comum.

O discurso germanista impulsionou a formação cultural da comunidade de Santa Cruz do Sul, mas, a partir de 1937, com a Campanha de Nacionalização17 posta em prática pelo Governo Vargas, o germanismo cedeu lugar para a construção de um discurso vitimizador, novamente usado pelos descendentes alemães para promover a própria supervalorização da sua cultura.

Com as mudanças no panorama regional ocasionados pela Campanha de Nacionalização, as ideologias são difundidas, os regionalismos e localismos comunitários destruídos, a língua alemã, bem como, as manifestações lingüísticas, artísticas e culturais, proibidas. As primeiras medidas visavam estimular o patriotismo nacional e, por isso, atingiram as escolas primárias de ensino em idioma alemão, através da inclusão de disciplinas de português, de conhecimentos gerais de história, geografia e educação cívica sobre o Brasil.

Além da escola, o Decreto n. 1.545, de 25 de agosto de 1939, estabeleceu as prédicas religiosas em língua nacional. A campanha proibia o uso de idiomas estrangeiros em público e em cerimônias religiosas, interferindo na vida cotidiana de cada comunidade, pois “a língua materna (alemã) era o elemento aglutinador de sua identidade”. (SEYFERTH, 1999 p. 221).

Entende-se que a repressão da língua impactou a comunidade daquela época, pois a

16 Heimat, palavra alemã que traduz o conceito de pátria ou terra-natal derivada de Heim (lar). A palavra Heimat incorpora a moradia, a Haus, a Heim, o estar em casa, der Hof, o mini território em que se concretizam a vida e as relações familiares e a Heimat, a terra natal, a querência que é realizada pelo mundo físico e cultural mais imediato e, ao mesmo tempo, palco das relações comunais. Significa, portanto, o espaço e o mundo comunal em que a pessoa nasce, cresce e se torna adulta e no qual se enraíza e com o qual se desenvolve relações existências permanentes e indeléveis. (RAMBO, 1994, p. 48).

17 Sobre a Campanha de Nacionalização, os autores Kipper (1979); Azambuja (2002); Seyferth (1999); Petry (1956) e Vogt (2001) também contribuem para um melhor entendimento.

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proibição soava como uma ameaça direta para a cultura, a língua materna, a Heimat. Desta forma, muitos historiadores locais relatam que as medidas nacionalizadoras ocasionaram a diminuição da vida social e cultural da comunidade, já que a maioria da população evitava a exposição por não falar nem entender o português, além de conseqüências como o fechamento de jornais editados em língua alemã, como o Kolonie18, e de instituições, associações comunitárias e culturais fizeram com que a imprensa em língua alemã, escolas teuto- brasileiras e algumas instituições culturais desaparecessem.

Para Vogt (2001, p. 82) “a Campanha de Nacionalização deixou seqüelas profundas”

porque gerou constrangimentos, medo e insegurança aos descendentes alemães. Gärtner (1999) também compartilha deste pensamento, e destaca uma série de valores ao salientar que a língua alemã é patrimônio de toda a coletividade rio-grandense19. Contudo, Correa (2002) considera que, nas condições urbanas, o “abrasileiramento” não se deu de forma tão violenta, pois o viver na cidade se constituía em fator preponderante para a integração dos descendentes de alemães nas áreas de colonização e imigração no Rio Grande do Sul. Sendo assim, “a vida urbana não exige a mesma solidariedade ou a mesma vida em coletividade daquela do meio rural”, ou seja, “muitos descendentes almejaram aprender a falar fluentemente a língua portuguesa e conscientemente abandonaram o idioma materno e tampouco quiseram ensiná-lo aos seus filhos” (CORREA, 2002, p. 87). O que se percebe na historiografia tradicional é que este período, mais uma vez, foi encarado de forma vitimizadora e por esta razão, há muitos defensores da preservação da língua, bem como dos costumes. Esta tentativa colabora diretamente para a delimitação de grupos e para a constante tentativa de manutenção da identidade étnica das sociedades.

Bourdieu (2001) destaca que a defesa da língua/dialeto representa a busca pela definição de uma identidade regional/étnica, através da manipulação simbólica. Nas palavras do autor,

As lutas a respeito da identidade étnica ou regional, quer dizer a respeito de prioridades (estigmas ou emblemas) ligadas à origem através do lugar de origem e

18 Kolonie – Principal jornal de Santa Cruz do Sul, editado em língua alemã. Editado por Stutzer & Hermsdorf, depois Kalsing & Kull e, finalmente, Lamberts & Riedl, de 1/1/1891 a 29/8/1948. Gazeta do Sul, 26/01/2007).

19 Gärtner (1999) ainda sugere algumas medidas para o resgate da língua alemã. É preciso que aqueles que estão conscientes de sua importância continuem falando-a, ou recomecem a falá-la, incentivando dessa forma a estima pelo idioma dos antepassados. Mas, sobretudo, é preciso que se possibilite a cada nova geração a apreensão da língua dialetal, em seio familiar, e posteriormente o acesso à língua alemã-padrão através do ensino formal, para que ela possa expandir a sua capacidade de comunicação-expressão nesse idioma. (GÄRTNER, 1999, p.74).

Artigo extraído do site (www.brasilalemanha.com.br).

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dos sinais duradouros que lhes são correlativos, como o sotaque, são um caso particular das lutas das classificações, lutas pelo monopólio de fazer ver e fazer crer, de dar a conhecer e de fazer reconhecer, de impor a definição legítima das divisões do mundo social e, por este meio, de fazer e desfazer os grupos. Com efeito, o que nelas está em jogo é o poder de impor uma visão do mundo social através dos princípios de divisão que, quando se impõem ao conjunto do grupo, realizam o sentido e o consenso sobre o sentido e, em particular, sobre a identidade e a unidade do grupo. (BOURDIEU, 2001, p. 113).

Passado o período de represálias contra as manifestações de outras culturas, gerados pela Campanha de Nacionalização, mas também pela Segunda Guerra Mundial, a partir da década de 60, mais precisamente de 70 do século XX, o discurso étnico retoma fôlego e aparece revigorado com iniciativas que buscavam construir e fortalecer a identidade do município de Santa Cruz do Sul, calcada diretamente na etnicidade. Neste momento, com a globalização sendo intensificada no mundo todo, as comunidades que foram reprimidas, vêem a necessidade de “resgatar” a cultura para a nova geração. O apelo às raízes é uma maneira de recuperar e, na verdade, inventar tradições que reconectem pessoas a lugares (reais ou imaginários) e a temporalidades.

Para Skolaude (2008, p. 46), “a década de 1970 marcou um divisor de águas para estas relações, pois em 1972, alguns sinais já demonstravam a necessidade de fortalecer a identidade germânica no município de Santa Cruz do Sul”. Um exemplo disso foi o discurso feito pelo secretário do turismo de Santa Cruz do Sul, Edson Baptista Chaves, na época, ao afirmar que, o turismo de Santa Cruz do Sul devia explorar as características étnicas, já que foi essencialmente colonizado por alemães. Devia apresentar aos visitantes atrativos da cultura alemã, como uma Casa do Chope, e oferecer pratos típicos como forma de diferenciar- se dos outros municípios do Estado20. Neste sentido, diversas iniciativas conservacionistas começam a ser impulsionadas no município.

1.4 Representações do germanismo em Santa Cruz do Sul

Podemos afirmar que a maior participação nas iniciativas em torno do fortalecimento da identidade alemã no município de Santa Cruz do Sul, foi sendo construída com o envolvimento da elite social que via, neste ideal, a possibilidade de diferenciar-se dos demais

20 Jornal Gazeta do Sul (27/05/1972, p.3).

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municípios e uma forma de garantir a sustentabilidade turística. Em uma reportagem do colunista Ivo Scherer ao principal jornal local dizia: É tudo muito simples, pois a intenção principal é manter os costumes e a unidade da cultura alemã21 e, partindo disso, as ações/iniciativas começaram a ser criadas e executadas no município.

Aquela memória que estava silenciada e tímida por sentimentos acumulados ao longo do tempo da repressão das manifestações culturais, agora encontra espaço e momento propício para florescer e representar, de diversas maneiras, aqueles sentimentos contidos.

Assim, do medo e da vergonha, o sentimento passou a ser de orgulho e coragem para expressar o que havia sido reprimido, expressar das mais variadas formas o resgate das tradições germânicas.

O Poder Público de Santa Cruz do Sul introduziu as primeiras iniciativas de expressão do germanismo. Um exemplo é as representações contidas no Brasão do Município22, mesmo sendo criado em 29 de dezembro de 1964, alguns anos antes deste movimento mais intenso de resgate da cultura alemã, já podemos perceber a valorização ao colono alemão. O Brasão tem a representação de um casal, que com o seu trabalho contribuíram para o progresso e desenvolvimento da cidade. No site do município de Santa Cruz do Sul, encontramos uma explicação do Brasão,

Escudo Português de ouro, esquartelado por uma cruz de prata, simbolizando o nome do município. No primeiro quartel, em campo de goles (vermelho), três pinheiros de sua cor tendo, ao fundo em prata, os cerros que formam o perfil geográfico de Santa Cruz do Sul; no segundo quartel, em campo de blau (azul), a figura estilizada de um casal colonos, em ouro; no terceiro, em campo de sinople (verde), um arado antigo, de ouro, simbolizando os trabalhadores pioneiros da agricultura local, obra imortal dos colonos que primeiro devassaram os campos e iniciaram a construção da cidade; no quarto, em campo de goles (vermelho), os símbolos do comércio e da indústria, em prata, emblema do progresso e desenvolvimento crescente do município, em marcha para o futuro. Ramos de fumo, florescentes, circulando o brasão, como “tenentes” sustentadores que são, agrícola e industrialmente, do desenvolvimento de Santa Cruz do Sul. Ramos e flores em suas cores naturais. Listel de goles (vermelho), carregado das palavras “SANTA CRUZ DO SUL” – em prata. Tudo encimado pela coroa mural de quatro torres, de prata.

21 Jornal Gazeta do Sul (15/07/1978, p. 16).

22 O Brasão do município é usado em todos os papeis oficiais e escolas municipais e em algumas fachadas de propriedades municipais e foi criado no governo de Orlando Oscar Baumhardt.

Referências

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