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Coordenação e planejamento institucional em karl mannheim como suporte à leitura da política ambiental brasileira.

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Academic year: 2017

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COORDENAÇÃO E PLANEJAMENTO INSTITUCIONAL EM KARL MANNHEIM COMO SUPORTE À LEITURA DA POLÍTICA AMBIENTAL BRASILEIRA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Planejamento e Gestão Ambiental da Universidade Católica de Brasília como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre.

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AGRADECIMENTOS

Se muito aprendi na elaboração desta dissertação, em grande parte isso se deve à colaboração e apoio de muitas pessoas, desde amigos, familiares a pesquisadores. Assim, não poderia deixar de nominar alguns deles, mesmo sabendo que faltarão outros.

Ao professor Alexandre Teixeira Coelho, por ter provocado a inspiração, o estímulo e o desenvolvimento do presente trabalho. Por contribuir com a instigação necessária à Ciência. Ao professor Luis Fernando Bessa, pela ajuda na pesquisa, que foi além da orientação, em um terreno que, para este autor, não é exatamente familiar por formação.

Aos entrevistados: pesquisadores, líderes de ONG's ambientalistas, servidores e gestores de órgãos públicos, pela atenção e tempo dedicados às entrevistas e pesquisas.

Aos meus colegas de trabalho, pelo entendimento e apoio a esta empreitada, quase uma tarefa da classe daqueles que, além de estudar, têm de lutar pela sobrevivência.

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RESUMO

O objetivo desta dissertação é compreender a atuação institucional do Estado e suas disfunções, em especial nas relações entre meio ambiente e desenvolvimento no Brasil. A questão central da qual partimos é: por que a estrutura institucional brasileira na área de meio ambiente não foi capaz, após duas décadas, de obter resultados que apontem para a amenização da crise ambiental? A referência teórica da pesquisa é a concepção de planejamento das instituições, elaborada pelo sociólogo Karl Mannheim, considerando também a contribuição de outros pensadores que trataram da questão da intervenção do Estado nas relações sociais, com destaque para F. V. Hayek. São estudados alguns exemplos empíricos da aplicação dos instrumentos da política ambiental, evolvendo o ZEE e o Licenciamento Ambiental. A pesquisa procura identificar elos entre disfunções institucionais, relações sociais conflitantes e mecanismos de intervenção do Estado, com o entendimento de que parte das disfunções institucionais conhecidas são oriundas de fenômenos sociopolíticos por vezes desconsiderados nas políticas de intervenção do Estado.

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ABSTRACT

This paper aims to understand the structure of the State’s performance in institutional coordination and its dysfunctions, especially in the relations between environment and development in Brazil. The central point from which we depart is: why, after two decades, was the Brazilian institutional structure in the environmental sector not capable of obtaining results that point to a mitigation of the environmental crisis? The theoretical reference of the research is the concept of institution planning as developed by sociologist Karl Mannheim, also considering contributions by other thinkers who dealt with the issue of State intervention in social relations, especially F. V. Hayek. Some empirical examples of the application of environmental policy instruments are studied, involving Ecologic-Economic Zoning and Environmental Licensing. The research seeks to identify connections between institutional dysfunctions, conflicting social relations and State mechanisms of intervention, with the understanding that part of the known institutional dysfunctions arise from socio-political phenomena that are at times not considered in the State’s policy of intervention.

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SUMÁRIO

SIGLAS E ABREVIATURAS... 8

LISTA DE QUADROS ... 11

LISTA DE FIGURAS ... 11

INTRODUÇÃO... 12

1 – PAPEL DO ESTADO, DAS INSTITUIÇÕES E DO PLANEJAMENTO A PARTIR DE MANNHEIM E HAYEK ... 24

1.1 - O papel das instituições em Mannheim para o equilíbrio das relações sociais... 28

1.1.1 – Planejamento como função institucional do Estado... 30

1.1.2 - Coordenação institucional e planejamento em Mannheim ... 39

1.1.2.1 - Axiomas sobre a política de planejamento preventivo... 40

1.1.3 - Atores e conflitos sociais - o indivíduo das massas, o cidadão de Mannheim e a intelligentsia... 53

1.2 – A relação antagônica entre planejamento e autoritarismo x liberdade e democracia em Hayek... 57

1.2.1 – O papel do Estado e das instituições em Hayek ... 59

1.2.3 – Planejamento enquanto manifestação do totalitarismo ... 61

1.2.4 - Descentralização x centralização ... 63

1.2.5 - Negação do conceito de "justiça social" ... 65

1.3 – Evolução do debate acerca da atuação institucional do Estado após 1945 ... 67

1. 4 - Conclusões preliminares sobre a atuação institucional do Estado e um elo com a leitura das disfunções institucionais na área ambiental ... 79

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2.1 – Breve histórico do debate da atuação do Estado frente à questão ambiental ... 84

2.2 – Interações sociais e ambientais e os processos de tomada de decisão... 94

2.3 – Atuação do Estado na área ambiental no Brasil ... 106

2.3.1 - Estrutura institucional - A Política Nacional do Meio Ambiente ... 108

2.5 – Conclusões preliminares do debate sobre a atuação institucional do Estado na área ambiental ... 117

3 – EXEMPLOS DA ATUAÇÃO DOS INSTRUMENTOS E MECANISMOS DA POLÍTICA AMBIENTAL BRASILEIRA... 122

3.1 – Disfunções institucionais na aplicação dos instrumentos Zoneamento Ecológico-Econômico e Licenciamento Ambiental ... 123

3.1.1 – Licenciamento Ambiental para a construção da Usina Hidrelétrica de Corumbá IV, na região Entorno do Distrito Federal/Goiás... 127

3.1.2 – Disfunções institucionais no ZEE do Estado de Rondônia ... 144

3.1.3 – Disfunções institucionais na gestão ambiental no Distrito Federal e a intervenção federal pela criação da APA do Planalto Central ... 162

3.4 - Conclusões sobre os exemplos estudados ... 184

4 - CONSIDERAÇÕES FINAIS... 188

5 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...210

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SIGLAS E ABREVIATURAS

AAE – Avaliação Ambiental Estratégica

AGENDA 21 – Documento elaborado por 176 países na Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente em 1992 – Rio 92

AIA – Avaliação de Impacto Ambiental

APA-PC – Área de Proteção Ambiental do Planalto Central

BNDES – Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social Ceb – Companhia Energética de Brasília

Caesb – Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal Cepal – Comissão Econômica da ONU para a América Latina e Caribe Codeplan – Coordenadoria de Planejamento do Planalto Central

Conama – Conselho Nacional do Meio Ambiente DF – Distrito Federal

EIA – Estudo de Impacto Ambiental FMI – Fundo Monetário Internacional

FUNDEF – Fundo Nacional da Educação Fundamental GDF – Governo do Distrito Federal

GEREX-DF – Gerência Executiva do Ibama no DF Ibama – Instituto Brasileiro de Meio Ambiente

IBDF – Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

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Inpe – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais Ipea – Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas Iseb – Instituto Superior de Estudos do Brasil MIN – Ministério da Integração Nacional MMA – Ministério do Meio Ambiente MP – Ministério Público

ONG – Organização Não-Governamental ONU – Organização das Nações Unidas

PDOT – Plano Diretor de Ordenamento Territorial PIB – Produto Interno Bruto

PL – Projeto de Lei

Planafloro – Plano Agropecuário Florestal de Rondônia PND – Plano Nacional de Desenvolvimento

PNMA – Programa Nacional do Meio Ambiente

PNUD (UNDP) – Programa das Nações Unidas para Desenvolvimento PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente

Prodema – Pomotorias de Justiça de Defesa do Meio Ambiente e Patrimônio Cultural - DF PZEE Brasil – Programa Zoneamento Ecológico e Econômico Brasil

Rima – Relatório de Impacto ao Meio Ambiente

SDS – Secretaria de Desenvolvimento Sustentável do MMA SEMA – Secretaria Especial de Meio Ambiente

Sedam – Secretaria de Desenvolvimento Ambiental de Rondônia

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Seplan-RO – Secretaria de Planejamento do Estado de Rondônia Sisnama – Sistema Nacional do Meio Ambiente

SNRH – Sistema Nacional de Recursos Hídricos

SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação Sudene – Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste SUS – Sistema Único de Saúde

Terracap – Companhia Imobiliária do Distrito Federal UC – Unidade de Conservação

UNCTAD – Organização das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento Unesco – Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura ZEE – Zoneamento Ecológico e Econômico

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Marco conceitual incorporado pela política ambiental brasileira 111

Quadro 2 – Instrumentos de políticas ambientais 113

Quadro 3 – Evolução do desmatamento em Rondônia (1978 a 2004) 153 Quadro 4 – Números do controle ambiental no DF de 1995 a 1999 166

LISTA DE FIGURAS

Figura 01 –Arranjo dos elementos-chave para o desenvolvimento sustentável 96 Figura 02 – Objetivos e alternativas de intervenção governamental nas políticas de

desenvolvimento sustentável 107

Figura 03 – Representação esquemática da estrutura institucional ambiental no Brasil 109

Figura 04 – Mapa da Bacia do Rio Corumbá. 128

Figura 05 – ZEE de Rondônia – 2ª aproximação, escala 1:250.000 147 Figura 06 – Novas unidades de conservação criadas em Rondônia 2001 154 Figura 07 – Região Integrada de Desenvolvimento do DF e Entorno - escala 1:250.000 164

Figura 08 – APA do Planalto Central – mapa 167

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INTRODUÇÃO

O despertar da humanidade para a questão ambiental mudou paradigmas na concepção e forma de pesquisas científicas em diversas áreas do conhecimento. Tanto as ciências físicas quanto as sociais, ao tratarem da ecologia, dos problemas ambientais e suas ligações com o desenvolvimento e meio ambiente, passaram a valorizar o todo, a integração, não somente a especialização fragmentada. A procura de mecanismos e instrumentos de enfrentamento à crise ambiental tornou-se um quase-consenso a mover os atores sociais, desde a Academia e governos até os movimentos populares. Perguntas como "o que fazer?" e "como fazer?" na questão meio ambiente e desenvolvimento já persistem por décadas no debate.

Nas décadas de sessenta e setenta do século passado surgiram e ressurgiram estilos e fundamentos diferenciados de diagnósticos da pré-crise, como os estudos do Clube de Roma, da Cepal, da ONU e de inúmeros pesquisadores e autores independentes. Seguidos estudos apontaram, ainda naquelas décadas, o que ousamos chamar caminhos para o enfrentamento da crise. Traziam diferentes enfoques, tratando desde a pura pesquisa pontual e especializada, desde a Biologia ou a Física, como também a Economia, e o Direito, até as mais recentes pesquisas na área de institucionalização, meio ambiente e democracia ou na "Sociologia dos Conflitos Ambientais" (ALONSO e COSTA, 2000).

É certo que em todas as áreas houve avanços práticos, juntamente com o surgimento de novas perguntas, paradigmas e idealizações de instrumentos e instituições anticrise. Porém, percebe-se que os problemas persistem, se modificam ou se multiplicam conforme os indicadores ambientais e sociais (ONU, 2002; SACHS, 2004; IBGE, 2005)1. Tudo isso

1 Nos referimos aqui, em especial, a números do Brasil, embora a ONU tenha demonstrado, em Joanesburgo,

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ocorre, intrigantemente, exatamente após terem sido colocados em marcha uma série de técnicas, políticas e instrumentos que seguem os caminhos idealizados pelo debate e institucionalizados desde os anos sessenta.

Para a ONU há uma decepção, como aparece na "Declaração de Joanesburgo sobre o Desenvolvimento Sustentável", em um balanço dos acontecimentos entre a Rio 92 e Joanesburgo 2002, como destacam os tópicos 13 e 14:

13. O Meio Ambiente global continua sofrendo. A perda da biodiversidade continua, as reservas pesqueiras continuam sendo reduzidas, a desertificação clama por mais e mais terra fértil, os efeitos adversos da mudança climática são cada vez mais evidentes, os desastres ecológicos são mais freqüentes e mais devastadores; os países em desenvolvimento mais vulneráveis e a poluição do ar, da água e a contaminação marinha continuam privando milhões [de pessoas] de uma vida decente.

14. A globalização agregou uma nova dimensão a esses desafios. A integração rápida dos mercados, a mobilidade de capitais e aumentos significativos nos fluxos de investimentos ao redor do mundo têm aberto novos desafios e oportunidades para a busca do desenvolvimento sustentável. Mas, os benefícios e custos da globalização estão irregularmente distribuídos, com países em desenvolvimento enfrentando dificuldades extras para fazer frente a este desafio. (ONU, 2002, p. 2, tradução livre).

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Recentemente, Ignacy Sachs observou que "A década que separa a Cúpula da Terra da Conferência de Joanesburgo foi decepcionante. Houve quem falasse de 'Rio menos 10' e

não 'Rio mais 10' (...)". (SACHS, 2004, p. 5).

Em concordância com esse entendimento a nossa revisão bibliográfica também se depara com uma realidade de insustentabilidade – considerada aqui apenas no sentido oposto ao adotado pela ONU para o termo "sustentabilidade" – no caso brasileiro. Tal insustentabilidade manifesta-se no conjunto das relações sociais, não apenas no campo do desenvolvimento e meio ambiente (CAMARGO et. al., 2004; NEDER, 2002; MAY LUSTOSA E VINHA, 2004; MMA/SDS, 2001; ROMEIRO, 1999). Esses e outros autores analisam iniciativas tanto no campo da legislação, quanto em procedimentos de aprovação de empreendimentos industriais, parcelamentos e ocupação do solo, bem como taxações e previsão de imputação de crime pelos danos à natureza. Mostram que uma série de mecanismos e instrumentos utilizados não têm produzido efeitos capazes de, sequer, conter o ritmo do desequilíbrio entre meio ambiente x atividades econômicas.

No Brasil adotam-se, como formas para a contenção da crise ambiental, em princípio, os seguintes pilares: joga-se um grande peso nos atores sociais; no uso adequado da tecnologia; em alguma forma de planejamento; na descentralização da gestão ambiental; e na eficácia em si dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente. Tudo isso se ampara, na aplicação dos princípios da transversalidade e da responsabilidade cidadã, ambas aplicadas tanto nos processos educacionais quanto nas tomadas de decisão dos diversos agentes. Parece que a questão dos conflitos não é considerada pelas políticas de meio ambiente.

Com isso, perdura e se torna mais complexa a crise, quase sempre avançando em sentido contrário a pelo menos um dos campos da sustentabilidade idealizada: ou social, ou ambiental, ou econômica, conforme os dados e estudos sociais e ambientais.

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Com essas considerações, o enfoque desta dissertação não ignora a importância das técnicas e dos instrumentos atuais de intervenção do Estado na área de desenvolvimento e meio ambiente – que aparecem resumidamente no Capítulo II, mas trata, especialmente, da concepção das instituições de Estado para a intervenção2 na problemática ambiental. Ou, melhor dizendo, do debate em torno da organização institucional, entendida aqui como uma forma de intervenção do Estado nas relações sociais.

Parte-se do aspecto mais geral do tema para alcançar, em um segundo momento, as especificidades da coordenação das instituições de Estado na área ambiental brasileira.

Entendemos que a questão institucional está presente no debate com muita relevância. Embora predomine mais seu aspecto formal, de conformação de leis e aparelhos burocráticos, tem-se tratado também de temas mais gerais, para além dos danos diretos à natureza. Nesse sentido, estudos menos freqüentes envolvem aspectos culturais, sociais e dos conflitos (BRUNDTLAND, 1987; Agenda 21 Global e Brasileira; VIEIRA e WEBER, 1997; ROMEIRO, 1999; ALONSO e COSTA, 2000).

Diante deste contexto é que se opta por um marco teórico em torno de diferentes pontos de vista trazidos ao debate desde meados do Século XX, por autores que trataram da atuação do Estado antes mesmo do surgimento da questão ambiental. Infere-se que este debate continua existindo, embora menos intenso, mas com o mesmo referencial de idéias já antes levantadas por autores renomados. O destaque é feito para três enfoques teóricos, os quais, inferimos, influenciam interpretações e comportamentos de pessoas, grupos e políticas nas relações socioeconômicas, dentre elas a questão desenvolvimento e meio ambiente.

2 O termo "intervenção", no sentido aqui utilizado se relaciona a "Ato de intervir; interferência; operação" (dic.

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Primeiramente, a contribuição de uma das escolas, na qual se inclui Karl Mannheim, é defensora de uma presença mais forte do Estado nas relações sociais naqueles espaços onde ele é insubstituível. Para esse autor, que escrevia entre 1934 e 1946 sobre o tema, devem-se efetivar algumas condições necessárias para que as instituições e organizações possam atuar no controle das crises. Entende que, na ausência dessas condições, haverá disfunções e descoordenação institucional, conforme entendem também outros autores destacados.

A segunda linha a destacar é aqui chamada de independente, e traz contribuições com diversos autores e correntes mais recentes, muitos deles tratando diretamente da questão ambiental. Exemplos são correntes do institucionalismo e da Economia Ecológica. Na visão de alguns dos atuais pensadores desses campos caberia também às instituições atuar na conformação, na determinação de caminhos e rumos a serem tomados pelos atores e também no controle de crises, inclusive por meio da regulação do mercado (SACHS, 1993, 2000 e 2004; CAVALCANTI et. al., 2001; VIEIRA e WEBER, 1997).

Completando as linhas de interpretação aqui estudadas tratamos da corrente liberal, que é predominante e pauta-se, principalmente, pela linha economicista neoclássica. Esta corrente acredita no equilíbrio social a partir da regulação pela competitividade nas relações entre os diversos atores, disso resultando o formato das instituições que forem necessárias para uma limitada regulação estatal. Para essa linha o Estado é um ente quase-pernicioso, que deve ser reduzido ao máximo de modo a deixar que as livres relações controlem-se a partir da lógica do desenvolvimento econômico (HAYEK, 1977).

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Desse modo são apresentados, no Capítulo III, exemplos da atuação institucional para o caso da política ambiental brasileira. O enfoque nos exemplos estudados foi centrado na questão institucional, por não terem a pretensão de ser estudos de caso estricto sensu. O objetivo de trazer exemplos da aplicação da política de meio ambiente limita-se a fomentar o debate por meio de evidências empíricas, dentro do raciocínio central da dissertação, que é a interpretação das disfunções institucionais.

Assim, foram pesquisados os eventos: licenciamento ambiental da Usina Hidrelétrica Corumbá IV; Zoneamento Ecológico-Econômico do Estado de Rondônia; e disfunções institucionais na área de gestão ambiental no Distrito Federal, que levaram à criação da APA do Planalto Central. Ambos os casos foram escolhidos porque englobam os principais instrumentos da política de meio ambiente no Brasil – ZEE e licenciamento - e também porque sofreram algum tipo de intervenção precária do poder público federal3.

Nesse sentido, o presente trabalho centra-se no aspecto institucional da gestão. Não prioriza as questões administrativas, tecnológicas e ecológico-educacionais. Com a ajuda do marco teórico, direciona-se o foco das indagações e da pesquisa para aspectos sociopolíticos presentes na problemática ambiental.

A questão central da qual partimos é: em que aspectos as concepções de Estado e de suas funções, a partir de idéias de pensadores clássicos, podem contribuir para a compreensão das disfunções institucionais na área de meio ambiente no Brasil?

Esta pergunta surgiu de uma outra, que fora formulada da seguinte maneira: por que o Brasil ainda enfrenta sérios problemas de coordenação das suas instituições na área de meio ambiente, após vinte anos de evolução de sua política para essa área?

O objetivo central da pesquisa é detectar e interpretar disfunções institucionais com vistas a melhor entender como a estrutura institucional brasileira na área de meio ambiente é

3 Consideramos as intervenções precárias por não estarem previstas nas formas regulamentadas de políticas

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afetada por conflitos - de interesses ou outros. Em seguida, entender diferentes enfoques teóricos concebidos para controlar tais disfunções.

A opção por um marco teórico que mescla aspectos de Economia Política, Sociologia e Ciências Políticas deve-se ao entendimento de que a problemática ambiental é originada de fatos sociais, como já tem sido considerada pelos sociólogos. Tem, ainda, a finalidade de retomar uma linha de pesquisa que parece ausente no debate atual: a consideração dos fundamentos e da lógica do desenvolvimento das sociedades liberais, antes de enxergar ou propor diretrizes para a intervenção do Estado. Isso em função da importância dos conflitos na arena que envolve os atores sociais influentes em tomadas de decisão nas instituições ou mesmo nas relações interinstitucionais.

A primeira parte do trabalho trata de situar o debate acerca das concepções da atuação do Estado contemporâneo nas relações sociais, na forma tratada pelas três correntes anteriormente citadas e pelo debate contemporâneo, enfocando as disfunções institucionais.

Ainda nessa parte – já no Capítulo II – são tratados mais dois tópicos: uma ligação entre as concepções de intervenção do Estado nas relações sociais, em geral, com o debate atual sobre a intervenção na área ambiental; e uma contextualização da institucionalização do Estado brasileiro para atuação na área ambiental.

Na segunda parte – Capítulos III e IV – são tratados os seguintes tópicos: disfunções institucionais a partir dos exemplos de atuação do Estado na área ambiental; conclusões e considerações finais.

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A hipótese central da qual partimos é que as disfunções e falhas na atuação institucional na área de meio ambiente, no Brasil, ocorrem porque a política de

intervenção do Estado pouco avança na necessária coordenação das suas

instituições-chave.

Dizendo de outro modo, entendemos que a estrutura para a atuação do Estado, em não sendo pensada para considerar conflitos nas relações sociais, em especial nas econômicas, abstém-se de planificar/coordenar minimamente a sua intervenção nessa área.

Para encontrar respostas às perguntas elaboradas e às hipóteses levantadas, procuramos seguir os seguintes objetivos específicos:

1 – compreender o debate acerca dos fundamentos da atuação político-institucional do Estado direcionada ao equilíbrio das relações sociais a partir de autores clássicos e contemporâneos;

2 – compreender o debate em torno da estrutura do Estado para intervenção na área ambiental, bem como seus mecanismos para a articulação institucional;

3 – estudar exemplos recentes que possibilitem constatar e entender a problemática das disfunções institucionais na área de meio ambiente no Brasil;

4 – interpretar causas das possíveis disfunções institucionais detectadas e apresentar concepções alternativas à luz do marco teórico.

Aspectos metodológicos

A pesquisa desenvolveu-se, predominantemente, com base em revisão bibliográfica para o caso dos Capítulos I e II, complementando-se com a literatura especializada, análise documental e entrevistas para o caso do Capítulo III.

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tema desenvolvimento e meio ambiente e da problemática da gestão. Procuramos seguir essa lógica também na confecção do texto.

Primeiramente, no Capítulo I, a pesquisa visa identificar idealizações da atuação político-institucional do Estado contemporâneo. Para esta parte fez-se a leitura de obras de clássicos e autores recentes, com vistas a responder ao objetivo 1. Em seguida, no Capítulo II, as perguntas centrais, que tiveram em vista o objetivo 2, foram: com que instituições, arranjos e concepções o Estado atua diante da problemática ambiental?

Para a elaboração do Capítulo III, guiados pelo objetivo 3, procuramos verificar em que contexto e sob quais condições institucionais se aplicam políticas de gestão ambiental no Brasil. Que disfunções se verificam e como interpretá-las?

Foram pesquisados documentos oficiais, no caso do Licenciamento de Corumbá IV – Ação Judicial, Termo de Ajuste de Conduta para o caso de Corumbá IV, documentos do processo de Licenciamento Ambiental. Do mesmo modo, para o caso do ZEE de Rondônia – documentos do MMA, do governo de Rondônia, congressos e outros eventos avaliativos. Para o caso do Distrito Federal, as leituras seguiram a mesma linha sendo que as informações via pessoas ligadas às instituições e ONG's, por meio de entrevistas, tiveram maior peso relativamente aos outros exemplos.

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pesquisador pode ficar mais atento para questões como generalizações e contextualização, bem como para o cruzamento de dados e informações de fontes diferentes – a exemplo de governos e de instituições não-governamentais, pesquisadores e autores com diferentes enfoques e números não-convergentes.

Na análise de documentos procurou-se valorizar aspectos como: fontes primárias, contemporaneidade de eventos, idéias e avaliação do conteúdo. Nos exemplos do Capítulo III, com vistas à comparação entre teoria e estudo empírico e para inferências na parte final do trabalho, tentou-se seguir o referencial metodológico apresentado, dentre outras, na obra "Como se faz uma Tese" (ECO, 1977), para a seleção de materiais e organização das leituras.

Para a coleta e tratamento de informações e opiniões, nas entrevistas, utilizou-se a técnica e metodologia sugerida por Peter H. Mann "Pessoas como fonte de informações", da obra "Métodos de Investigação Sociológica" (MANN, 1983). No caso, não houve tratamento estatístico das respostas às perguntas formuladas, porque tinham o sentido primeiro de colher informações mais qualitativas do que de amostra quantitativa, conforme cada um dos casos.

Outro objetivo das entrevistas foi o de entender a leitura que os diferentes atores apresentam acerca da problemática institucional, bem como possibilitar a compreensão de contextos e arenas que nem sempre restam claros nos documentos oficiais. São exemplos: os gestores do Ibama e da Semarh-DF, para o caso da APA do Planalto Central; representantes de ONG´s e participantes dos seminários de avaliação do ZEE de Rondônia (MMA, 2001 e 2003); empresários, o Ibama e o Ministério Público para o caso de Corumbá IV. A lista dos entrevistados e/ou utilizados como fontes de informações, a partir de palestras e debates, encontra-se no anexo 1 deste trabalho.

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bem como uma visita à Barragem do Lago Corumbá IV, em dezembro de 2004, antes do início do seu enchimento.

Além da leitura da bibliografia e documentos oficiais, houve a participação e acompanhamento de uma série de eventos que travaram o debate sobre temas correlatos no Brasil, nos dois últimos anos. Nesses espaços, a intenção foi a de situar o debate e as correntes de interpretação acerca das perguntas destacadas acima, bem como para compreender, minimamente, como se idealizam soluções para os mais diversos problemas ambientais a partir do entendimento de vários atores sociais. Foi esse o momento onde se procurou entender o ambiente social para o qual se idealizam as soluções e quais expectativas têm os atores em torno delas.

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"Como poderão a liberdade e a democracia, a longo

prazo, ser compatíveis com o desenvolvimento do

capitalismo?". (Max Weber, in MANNHEIM,

1950/1972, p. 12).

"Poderemos transformar nossas atitudes face à

valoração, de modo a que se torne viável o acordo

democrático sobre certas questões básicas, deixando as

mais complexas a cargo da escolha individual?".

(MANNHEIM, 1941/1973 p. 21).

"A doutrina liberal é a favor do emprego mais efetivo das

forças da concorrência como um meio de coordenar os

esforços humanos, e não de deixar as coisas como estão.".

(HAYEK, 1977, p.58).

"(...) o liberalismo econômico é contrário à substituição da

concorrência por métodos menos eficazes de coordenação

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1 – PAPEL DO ESTADO, DAS INSTITUIÇÕES4 E DO PLANEJAMENTO A PARTIR

DE MANNHEIM E HAYEK

A conformação atual das instituições de Estado para intervir nas relações sociais originou-se na primeira metade do Século XX e consolidou-se no período posterior à Segunda Guerra Mundial. Entendemos ser importante destacar aqui as raízes dessa idealização, com o auxílio de autores clássicos e contemporâneos para, em seguida, alcançar o debate em torno da intervenção estatal na problemática ambiental.

Entre a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais, o surgimento do debate em torno de como, para quê e com quais justificativas o Estado deveria intervir nas relações sociais, na economia, tomou corpo no seio da sociedade acadêmica ocidental. O advento de intensos desequilíbrios nos campos econômico, social e cultural refletia-se nas guerras e revoluções, nas crises da economia mundial, e relacionava-se com a ascensão dos governos totalitários fascistas, nazistas e socialistas ao poder (MANNHEIM, 1950; HAYEK, 1977).

Na sociedade européia, em particular, enquanto nos países afetados pelo nazi-fascismo ou pelo socialismo ressentia-se a perda da liberdade, em outros, como a Inglaterra, tentava-se entender o que ocorrera e que caminhos poderiam ser concebidos para evitar a repetição dos fenômenos que retiraram a liberdade e a democracia, acabando nas crises e no totalitarismo.

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Dentre as interpretações das crises daquela época e de como se poderia alcançar algum tipo de equilíbrio destacaram-se duas correntes, as quais prevalecem até os dias atuais. Essas correntes pautavam-se em um antagonismo: fortalecer ou enfraquecer o Estado?

A primeira corrente concebia ao Estado e às suas instituições papel decisivo para o equilíbrio das relações sociais. Dava suporte ao Estado de bem-estar social. Dentre os representantes desta corrente destacaram-se, dentre outros, Keynes e Mannheim5.

A segunda corrente de interpretação que aqui se destaca considerava, ao contrário, que o papel do Estado não poderia ser tão forte e que não deveria intervir nas relações de mercado para o alcance de equilíbrio econômico. O Estado deveria atuar apenas na regulação essencial. Destacaram-se, nesta corrente, L. V. Mises, Karl Popper, Friedrich Hayek6.

Nesse contexto, o enfoque histórico visa alcançar, principalmente, as preocupações com a teorização da atuação institucional do Estado frente às relações sociais antagônicas ou contraditórias que já estavam presentes em outros momentos e que, infere-se, permanecem atualmente. O enfoque é ilustrativo e comparativo, não tendo a pretensão de esgotar o assunto e sim de fomentar o debate.

5 Karl Mannheim (1893-1947). Nasceu em Budapeste, onde iniciou os estudos, seguindo-os em Berlim.

Lecionou nas universidades de Heidelberg e Frankfurt, Alemanha. Transferiu-se para a Inglaterra, após a tomada do poder pelos nazistas, na Alemanha, em 1933. Lecionou na London School of Economics. Sofreu influência predominante de pensadores como Marx, Lucácks e Weber. Para ele, a mudança sociopolítica deve ter como fator principal a tomada de consciência das massas lideradas pelos intelectuais, a intelligentsia (MANNHEIM, 1973, p. 19). Ocupou-se de pensar como a intervenção do Estado poderia favorecer a democracia, o que procurou mostrar em várias obras. Foi fundador da Sociologia do Conhecimento. Em seus últimos anos voltou o olhar para os acontecimentos que levaram ao extremo das ditaduras e guerras e, ao mesmo tempo, tentou compor uma síntese entre a concepção democrática e o planejamento, para evitar tais adventos.

6 Friedrich August Von Hayek (1899-1993) nasceu em Viena, numa família de cientistas e professores

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Mannheim defendia um forte papel do Estado na conformação da política de bem-estar social que trazia, pelo lado econômico, o modelo de desenvolvimento keynesiano7 como

fundamento para se alavancar as economias arrasadas pelas guerras. Em complementação, Mannheim defendia a planificação e a coordenação institucional do Estado como fundamental para se evitar e para sair de crises sociais e econômicas. Entendia o autor que liberdade e democracia, valores inarredáveis para a sociedade liberal, não são incompatíveis com planejamento e fortalecimento das instituições, mas sim seus garantidores, diante das naturalmente desequilibradas relações de mercado.

Com forte influência do institucionalismo de Veblen8, e dos fundamentos weberianos para as organizações, Mannheim afirmava que, sem algum tipo de controle social por meio das instituições torna-se inevitável a alternância dos estados de laissez-faire com o totalitarismo – seja este fascista ou socialista (MANNHEIM, 1950).

Em Mannheim, portanto, o poder das instituições não se contrapõe à liberdade do indivíduo nem ao controle social. O autor rejeita a tese que coloca o indivíduo em busca da liberdade e da democracia contra o poder constituído. Pelo contrário, Mannheim vê nas instituições a possibilidade de mitigar interesses e prover condições de liberdade da maioria por meio das "técnicas sociais"9 diversas.

7 O economista inglês J. Maynard Keynes teve grande influência teórica e prática nas políticas econômicas do

mundo ocidental, principalmente nos Estados Unidos, no entre-guerras, e em todo o Ocidente, após a Primeira Guerra. Marcou mais na teoria keynesiana o forte papel do Estado na economia, tanto na produção e regulação, como na geração de empregos e em políticas sociais com funções de subsistência e garantia de direitos.

8 Thorstein Veblen (1857-1929) escrevia sobre o papel das instituições, ao final do século XIX e início do século

XX, mais no campo da economia política e em contraposição aos preceitos da economia neoclássica que estava se fundando. Semelhante ao que pensava Durkheim, Veblen concebia as instituições relacionadas aos hábitos, regras e à sua evolução, contrariamente ao que o determinismo dos neoclássicos defendia - estes centravam-se na idéia de racionalidade das relações econômicas. Para Veblen (in CONCEIÇÃO, 2000) os componentes definidores das instituições estão vinculados a processos históricos e a relações humanas nos diversos setores, influindo nas questões econômicas enquanto processos não puramente racionais, mas marcados por interesses.

(27)

Por sua vez, Hayek, defensor maior do pensamento liberal, contemporâneo de Mannheim, vê toda forma de mecanismo que lembre o modelo soviético como um mal desnecessário às sociedades. Assim, rejeita a planificação, a presença do Estado na regulação ou a intervenção dele no mercado para além daquilo que extrapola a manutenção da ordem natural das atividades econômicas (HAYEK, 1977 e 1985).

Entende Hayek que a liberdade e a democracia não se realizam quando instituições são criadas, inventadas, por governos ou pelo Estado, para interferir na ordem natural representada pela democracia. Para Hayek, a democracia se assenta também em valores e tradições que surgem e se enraízam naturalmente nas relações sociais e econômicas, as quais se equilibram pelas informações no mercado. Frontalmente oposta a Mannheim é a visão de Hayek para as causas do totalitarismo nas sociedades liberais. Para o autor, as influências dos governos socialistas é que levaram ao desenvolvimento do totalitarismo na Europa, devido ao seu intervencionismo e centralização.

Tanto Mannheim quanto Hayek ainda hoje são referenciais ao debate. São contrapostos quando o tema em foco é a intervenção do Estado ou o debate entre público e privado, tamanho do Estado, bem-estar social e planejamento (KLOSTERMAN, 1985).

As concepções parecidas com as de Mannheim prevaleceram, por algumas décadas, na maioria dos países ricos – o que se nota pela efetivação do Welfare State em vários deles (KLOSTERMAN, 1985; LOPES, 1990) em resposta ao estado de crises e desequilíbrios do mundo ocidental no pós-guerra (HOBSBAWM, 2003). Já nos países pobres, tendo a América Latina como regra, a posição hayekiana esteve mais presente, dado que aqui o Estado do bem-estar Social não se efetivou, do modo ocorrido nos países ricos(LOPES, 1990)10.

10 Embora seja marcante a adoção da teoria keynesiana do desenvolvimentismo nos países latinos, a distinção

(28)

Nos tópicos seguintes são detalhadas as concepções dos dois autores. Na pesquisa realizada notamos que havia um embate entre eles em torno da forma de se conceber a atuação do Estado. Ambos foram professores da London School of Economics, no pós-guerra. Ambos direcionaram suas obras especialmente à intelligentsia. A obra de Mannheim Man and Society in an Age of Reconstruction, de 1935 (Homem e Sociedade, de 1962, em português), é a base das críticas e por várias vezes citada por Hayek, em sua obra mais política - O "Caminho da Servidão", de 1940. Por sua vez Mannheim, em várias obras, combatia ferrenhamente os princípios defendidos pela linha de Hayek.

Assim como David Klosterman (KLOSTERMAN, 1985), MEJA e KETTLER (1984), também Carlos Lopez entende que o "Grande Debate", em torno do planejamento da intervenção estatal nas relações sociais inclui apenas Mannheim, Hayek e apenas dois outros:

"Os trabalhos de Mannheim, Wooton, Popper e Hayek

perfazem o que é hoje conhecido como 'O Grande Debate', e

sumariam de maneira bem completa os fundamentos

teórico-filosóficos do planejamento."(LOPES, 1990 p. 39).

1.1 - O papel das instituições em Mannheim para o equilíbrio das relações sociais

As perguntas11 de Mannheim permitem melhor entendimento da sua preocupação, ao mesmo tempo em que expõem a sua atualidade. Para dar respostas a elas o autor utiliza-se de

que o contexto social e econômico, em termos de desenvolvimento humano e da distribuição de riquezas, não permite concluir que o Estado do bem-estar tenha se efetivado em países como o Brasil, dado que as premissas da busca pelo equilíbrio das relações sociais e da apropriação da produção não se efetivaram aqui, como mostram os indicadores sociais. O desenvolvimento institucional, do mesmo modo, voltou-se para o desenvolvimentismo dependente das mesmas instituições incumbidas de fomentar a reconstrução nos países centrais: as instituições de Bretton Woods, com destaque para o BIRD. Nessas condições, como bem assinalam Galbraith (1977) e Hobsbawm (2003), em não havendo fomento aos Estados pobres, restou-lhes a função de produzir e abastecer os países centrais. A concentração, portanto, foi marca maior do que a distribuição e a provisão, nessas condições.

11 Mannheim sugere a retomada de perguntas na clássica formulação de autores como Max Weber (e depois da

ONU, entre outros): "Em nível de Estado, o que planejar? Para quem?".

(29)

um longo raciocínio no livro "Liberdade, Poder e Planejamento Democrático" – aliás, os temas liberdade, planejamento e democracia eram recorrentes em obras anteriores. Na obra aparecem os fundamentos que, para o autor, caracterizam a sociedade liberal, incluindo aspectos do comportamento social dos indivíduos e a lógica ou razão que move as massas em movimentos sociais. Considera também o papel das estruturas sociais e suas instituições – formais e tradicionais, organizações e costumes. Estas, entende, teriam a capacidade de direcionar, com certos limites, comportamentos de grupos e organizações.

É esclarecedor destacar o objeto focado por Mannheim, na sua segunda fase de elaboração teórica, que foi marcada pela análise e tentativa de aplicação de técnicas sociais para o alcance de equilíbrios sociais:

"Este é um livro sobre os princípios de uma sociedade

planejada, porém democrática – uma sociedade organizada

estritamente em algumas de suas esferas básicas que, no

entanto, ofereça mais liberdade ali onde a liberdade seja

essencial. Pretendemos planejar para a liberdade; por isso nos

esforçaremos para definir o seu conteúdo e para achar o

caminho que a ela conduz." (MANNHEIM, 1950/1972, p. 17).

A idealização de Mannheim para o alcance da democracia e atuação anticrise pressupunha três concepções conjugadas:

A primeira, considerada uma incumbência do Estado, era o fortalecimento e a coordenação das instituições, com vistas a dar aos diversos atores uma condição de equilíbrio entre eles, tendo o planejamento preventivo como mecanismo central e a intelligentsia como ator principal;

A segunda era a educação social para a ação. Este seria o instrumento para equilibrar o poder dos indivíduos frente às tendências populistas de

(30)

governantes, falsos líderes, propaganda ideológica e arregimentação. A educação deveria recuperar parte dos valores e tradições desarraigadas com o advento da sociedade de massas. A educação assume papel preponderante e aspecto militante, não meramente de formação do indivíduo para a produção tecnológica e ganho de conhecimento para o mercado, mas para agir em função dos valores e objetivos comuns à manutenção da democracia;

A terceira era a aceitação teórica de que a mitigação era uma necessidade sempre, pois as crises cíclicas apontavam para a impossibilidade de equilíbrios não mais que passageiros. Por esse preceito, de forte influência marxiana, Mannheim explicava que a dinâmica do sistema capitalista, o jogo de interesses e os conflitos sociais inerentes não possibilitam que regras sejam impostas e se façam cumprir sem que os atores sociais tenham um mínimo de equilíbrio e atuem em condições de contrapor-se ao laissez-faire.

1.1.1 – Planejamento como função institucional do Estado

O fundamento no qual se ampara o planejamento12, uma vez detectada a necessidade de alguma forma de planejamento institucional, é que é necessário entender as bases de funcionamento e sustentação da sociedade para a qual se deseja planejar algo. É nesse sentido que apontam as idéias de Mannheim. O autor acreditava ser necessária essa "alguma forma de planejamento", dado que ela se contrapõe ao estado de liberalismo extremado que presenciou.

respostas às perguntas referidas.

12 Acreditamos ser oportuno diferenciar o planejamento que guarda o mesmo sentido de planificação (planning),

(31)

Para Mannheim, na sua leitura sócio-histórica13, há, na estrutura lógica e na base de sustentação das sociedades liberais, os valores, a tradição, a educação e as relações entre as classes e entre as corporações. As instituições, sejam elas organizações ou costumes, tradições, como institutos (DURKHEIM, 1980), seriam um contraponto que impede o avanço das idéias e das práticas de competição e domínio extremados dos valores e vontades privadas sobre as coletivas. Evitar esse extremo, que poderia levar até à guerra, é a principal função que Mannheim concebe para a coordenação e o planejamento estatal das instituições.

Em função da terrível situação do entre e pós-guerra, quando todos ansiavam por liberdade, Mannheim previa a dificuldade de se compreender os meios de controle social que proporia. Por isso enunciou o dilema diante do qual se encontrava o sociólogo daquela época, como que para defender suas teses de planificação, como o fez em outras obras:

"O dilema da nossa época pode ser enunciado da seguinte

maneira: nossos temores nos levam aos extremismos; a falta de

controle conduz ao caos; um controle estreito confina-nos a

uma existência enjaulada. Em suma, a verdadeira solução

depende da nossa visão e da nossa sabedoria." (MANNHEIM,

1950/1972 p. 94).

A preocupação constante era com as alternativas totalitárias, vistas como freios ineficazes às liberdades preferidas do sistema liberal, num contexto de cultura e organizações centradas nas massas. Em vários momentos anteriores a "Liberdade, Poder e Planejamento Democrático" aparecem os mesmos temas, em fase que Mannheim chama de "trabalhos anteriores", como é o caso dos livros "Man and Society in an Age of Reconstruction", de

13 A perspectiva histórica foi mais amplamente utilizada pelo autor na primeira fase de sua obra, antes da II

(32)

1936, "Sociologia da Cultura, Introdução à Sociologia da Educação", escritos na década de 1930 (publicações foram posteriores), e "Diagnóstico do Nosso Tempo", escrito em 1941.

Os sintomas da crise, no diagnóstico de Mannheim, são aqui reunidos em três grupos: a) o fortalecimento do poder das minorias; b) mudanças nas técnicas sociais de controle do liberalismo; c) desintegração dos valores cooperativos sociais e individuais. Parece-nos interessante destacar esse diagnóstico, de forma resumida, pois ele está nas bases e princípios que sustentam a teoria de Mannheim:

a) A concentração do poder nas minorias aparece fundamentado nos seguintes argumentos da análise de Mannheim: 1) as técnicas sociais – nas esferas da política, da educação, da guerra, das comunicações, da propaganda, da economia, da burocracia - favorecem o governo das minorias. Isso ocorre na medida em que concentram o poder em poucas mãos e estabelecem padrões em função de objetivos específicos originados na divisão do trabalho, no crescimento populacional e no direcionamento da tecnologia para a produção de bens definidos pelo sistema do laissez-faire. Tornam-se, então, uma forma de controle das minorias sobre as maiorias. Essa é a principal questão, na análise de Mannheim, a justificar a necessidade do planejamento institucional para o equilíbrio das ações sociais, e econômicas em especial, no liberalismo; 2) as "novas técnicas sociais" favorecem a concentração do poder e da riqueza nas grandes corporações (empresas) e nações imperialistas. Isso ocorre em época de fechamento de mercados e controles de migração, como defesa à contração econômica. As técnicas geram rigidez e estratificação das classes, pois já não há flexibilidade de movimentação entre elas. Nas palavras do autor, "Tais são, pelo menos, as perspectivas, enquanto o poder for a principal força impulsora, e a expansão

(33)

do autor é que "Na etapa final só resta a paixão megalomaníaca, o terror e o extremismo (...)" (MANNHEIM, 1972, p. 27); 3) os desequilíbrios aumentam na nova economia, desde a passagem das economias comunitárias, em uma fase histórica de transição entre a prevalência de produção artesanal, localmente auto-suficiente e justificadora do sentido absoluto dado à propriedade privada, aos monopólios em uma economia planificada, com grandes zonas técnicas desenvolvidas e com intercâmbio e integração internacional. Então, para Mannheim, esse sentido absoluto da propriedade mudou completamente, dado a produção em escala e o desaparecimento real da livre concorrência que justificava tal sentido. Ao contrário, a concentração de riquezas em poder de uma burocracia comercial, aliada ao desemprego das massas, em conseqüência da livre competição e do mercado livre, apontam para o caos, considerando-se os demais sintomas da crise. Por isso entende que não há mais sentido em defender o conceito absoluto da propriedade sem controle, vez que serve a manobras de monopólios.

(34)
(35)
(36)

laissez-faire e "contra a catástrofe". Em uma mensagem que faz lembrar o consenso atual em torno da questão ambiental, quando nem mesmo a religião parece obtê-lo, dizia:

"O critério, para qualquer futuro como força criadora, será

sua capacidade para integrar os homens sem antagonizá-los."

(MANNHEIM, 1950/1972, p. 37).

Partindo então dos argumentos expostos a respeito das crises, Mannheim passa a tratar, de modo inicial, como dizia, deixando apelo para continuidade de estudos, do sentido que deve ser dado ao planejamento por meio da coordenação institucional. Lista oito pontos referenciais, como tarefa da "Terceira Posição"14:

"(...) planejamento para a liberdade, sujeito ao controle

democrático; planejamento, mas não planejamento

restricionista, que favoreça os monopólios de grupos, sejam de

homens de empresas ou de associações operárias, mas

'planejamento para a plenitude', isto é, pleno emprego e total

exploração dos recursos; planejamento para a justiça social,

mais que igualdade absoluta, com diferenciação de

recompensa e status, sobre a base da genuína igualdade, mais

que do privilégio; planejamento não para uma sociedade sem

classes, mas para uma sociedade que suprima os extremos de

riqueza e pobreza; planejamento para padrões culturais sem

'nivelamento por baixo' – uma transição planejada,

favorecendo o progresso, sem suprimir o que há de valioso na

tradição; planejamento que neutralize os perigos de uma

14 Pelo que pesquisamos, a "Terceira Posição" era uma tentativa de Acadêmicos em conceber um sistema de

(37)

sociedade de massas, coordenando os instrumentos de controle

social, mas só interferindo nos casos de deterioração

institucional ou moral definidos por critérios coletivos;

planejamento para o equilíbrio entre a centralização e a

dispersão do poder; planejamento para a transformação

gradual da sociedade, a fim de estimular o desenvolvimento da

personalidade: em resumo, planejamento, mas não

arregimentação." (MANNHEIM, 1950/1972 p. 49).

Colocadas essas diretrizes-vontades para o planejamento, na visão da "Terceira Posição", Mannheim trata de esclarecer os ideais que as justificam: a liberdade, a democracia, o conceito de cidadão, o respeito contido à propriedade. Defendia ainda que a rejeição ao termo planificação ocorria, e continuaria ocorrendo, devido à associação que as pessoas fazem com os regimes totalitários, associados à perda da liberdade e à arregimentação.

Mannheim dava importante papel à Inglaterra, como nação onde os valores tradicionais ainda persistiam junto com ideais e práticas democráticas centradas nas instituições, ao contrário do que ocorria nos países da Europa Central. Nesse cenário, a mensagem de Mannheim é endereçada à "Intelligentsia", em especial, e aos liberais democratas, em geral. Esses atores teriam a missão de influenciar e efetivar medidas planejadas, por serem naturalmente os atores que se ocupam em pensar as instituições. No entanto, há autores que apontam a decepção de Mannheim relativamente a essas duas apostas.

(38)

"(...), examinaremos alguns problemas estratégicos da nossa

presente situação econômica, social, política e cultural, com o

intuito de descobrir:

1) as falhas no sistema atual de funcionamento;

2) os meios apropriados para planejar um funcionamento

mais perfeito e;

3) medidas de precaução que assegurem a natureza

democrática de qualquer intervenção planificada."

(MANNHEIM, 1950/1972 p. 57, grifo nosso).

Propostas de Mannheim para a "coordenação das instituições, da educação, dos

valores e da psicologia".

Após o longo diagnóstico da gênese do sistema liberal, Mannheim passa a apontar, de modo geral, a forma do que seria a coordenação das instituições, da educação, dos valores e da psicologia, a partir do esboço de técnicas sociais e fundamentos sociológicos. O autor expressa que a tarefa de reconstrução e aplicação de receitas não é o objeto da sua obra e que as especificidades de cada nação ou região estão a cargo de seus atores sociais. Do mesmo modo, deixa para os especialistas em cada área o desenvolvimento de soluções específicas.

Para Mannheim, as reformas do sistema capitalista, à semelhança do que pensaram e propuseram Adam Smith, e mais notadamente John Stuart Mill15, as posições-chave das reformas teriam à frente a classe dirigente. Esta atrairia a intelligentsia livre-flutuante, bem

15 MILL (1989), em acordo com Adam Smith (in NAPOLEONI, 1985) concebe mecanismos de participação,

(39)

como a parte da classe média que ascendia ao posto de colaboradora da dirigente e agregaria parte também das classes da base social que ascendia à média. A novidade em Mannheim era a aposta na emancipação dos indivíduos, a partir da formação, da educação para a ação e da coordenação institucional. Isso seria, apenas, um contrapeso ao laissez-faire.

Segundo Mannheim, o problema central para a estabilidade do sistema liberal situa-se nos conflitos originados pelos diversos centros de poder arbitrários, ou seja, grupos com interesses econômicos. Então, dizia, a perspectiva do controle social dos mesmos começa pelo fortalecimento de um órgão central mundial. Este órgão, a ONU, teria a função primordial de tentar o consenso entre as nações, para evitar desequilíbrios e guerras - mesmo considerando que era menor a possibilidade de guerras mundiais durante a bipolarização de poder entre Estados Unidos e União Soviética. Mannheim considerava que a UNESCO teria também papel central, referente aos aspectos do nivelamento educacional (MANNHEIM, 1972). Ao analisar "A natureza e o poder do sentimento comunitário" (MANNHEIM, 1972 p. 81-86) Mannheim via nas instituições e práticas educacionais grande potencial para o desenvolvimento da consciência coletiva, rumo a um sentimento comunitário, agregador. No entanto, com o cuidado para que o sentimento extremo de comunidade fechada não atingisse o grau de inerente nacionalismo extremado, pois tal comunidade tenderia a ser expansionista.

1.1.2 - Coordenação institucional16 e planejamento em Mannheim

Com o entendimento do papel preponderante da história na interpretação do desenvolvimento da sociedade, desde a organização tribal até o Estado planificado, Mannheim considera menos o tamanho e mais o objeto e a forma de atuação institucional do

16 Ao tratar da coordenação das instituições Mannheim não se ocupa em definir de forma exata, cabal, o termo.

(40)

Estado moderno. Este é aquele que proporciona o controle e os serviços públicos (saúde, educação, previdência, sem limites definidos) e é a base para o planejamento democrático na sociedade liberal.

Para Mannheim, o Estado deve estar onde for necessário estar, em todos os setores da vida social, para garantir o equilíbrio entre desiguais, em função da natureza desajustadora da competição e à função concentradora do mercado. Acredita que o Estado precisa ser forte e centralizado naquilo que é essencial, preservando a liberdade que também o mercado oferece apenas de modo ilusório, e que o totalitarismo destroça. À iniciativa privada cabe a função de prover e escolher as formas de organizar aquilo que se justifica e interessa ao indivíduo, de modo que este fique em condições mais iguais diante de seus papéis social e econômico.

Seguindo a noção de Durkheim, Mannheim trata como instituição uma organização governamental, o mercado, um sindicato, a igreja, um imposto ou taxa, tradições e valores arraigados, as leis, etc. Em Mannheim as instituições mudam e moldam comportamentos – como no institucionalismo de Veblen - e precisam ser planejadas como ponto de equilíbrio numa sociedade que transmuta seus valores e tradições.

1.1.2.1 - Axiomas sobre a política de planejamento preventivo

Mannheim propunha o caminho do planejamento democrático e a participação social com o Estado incumbido de prover a maioria, ao contrário do que ocorria antes da II Guerra. A preocupação com o domínio das minorias sobre as maiorias era constante no autor. Na base das suas proposições acerca do planejamento e da coordenação institucional estão os "Axiomas sobre a política de planejamento preventivo":

(41)

"1. Somente um governo forte e centralizado pode levar a efeito

o planejamento. (...)";

"2. A centralização é necessária, porque a coordenação das

diversas medidas é essencial para o planejamento. (...)";

"3. A centralização numa sociedade planificada é essencial

apenas em certos assuntos de importância básica. (...)";

"4. Numa sociedade planificada, o governo e a comunidade já

não são entidades separáveis. (...)";

"5 – A interferência legítima do Estado na vida econômica,

mediante sua organização e seu poder regulador, deve servir

para manter uma produção máxima e controlar os monopólios

arbitrários. (...)". (MANNHEIM, 1950/1972, p. 153-157).

Cabe destacarmos que, em relação ao momento atual, embora haja certa defasagem nos axiomas, dado que se referiam a um momento histórico específico, da reconstrução, acreditamos que a essência da sociedade à qual se aplicavam, conforme colocado em tópicos anteriores, continua. Mais adiante aparecem detalhes que se referem a questões atuais ligadas aos axiomas.

(42)

Nos tópicos seguintes deste capítulo aparece condensado o entendimento do autor sobre os assuntos tratados nos axiomas. O enfoque, aqui, é o entendimento do sentido de planejamento e da coordenação institucional, embora Mannheim tenha aprofundado os estudos, principalmente em termos de psicologia social, educação e sociologia política, com o que procurou fundamentar em detalhes as idéias contidas nos axiomas.

Além dos temas tratados nos axiomas, importantes instituições deveriam também ter uma regulação efetiva, no entendimento de Mannheim – tanto pela aplicação de leis e regulamentos como pelo planejamento preventivo das suas finalidades sociais. Dentre elas estariam: as forças armadas, o funcionalismo público, o próprio governo, a grande mídia. Ambas seriam parte da estrutura social e suas funções não poderiam atuar em proveito de minorias, pois enfraqueceriam a democracia, em um primeiro momento, e possibilitaria a ascensão do populismo inconseqüente em momentos de crise.

a - Centralização, governo forte e planejamento em Mannheim

"1. Somente um governo forte e centralizado pode levar a efeito

o planejamento. (MANNHEIM, 1972, p. 153).

É esclarecedor trazer mais alguns trechos inseridos no texto seguinte à exposição do axioma 1, antes de prosseguir a interpretação:

"O planejamento, quer seja totalitário ou preventivo, não pode chegar a ser instrumento eficiente nas mãos de uma autoridade

central fraca (....). A liberdade deve ser garantida por um

controle democrático, mediante as normas parlamentares

estabelecidas e, para esse fim, deverão ser organizados

métodos supletivos. Sublinhamos este ponto porque muitos

(43)

negar autoridade ao governo central. A ameaça à liberdade

não procede de um governo que 'é nosso', que foi eleito por nós

e que podemos derrubar, mas das oligarquias sem

responsabilidade pública. A responsabilidade pública da

administração e a rotação nos cargos são dispositivos

fundamentais do governo democrático que devem ser

zelosamente preservados". (MANNHEIM, 1950/1972, p. 153).

Este primeiro axioma, ao tratar do governo, mostra a importância dada pelo autor à questão fundamental dos conflitos: um governo forte que tenha o poder concentrado e, ao mesmo tempo, seja responsabilizado por desmandos, por meio de controle exercido pelos poderes Legislativo e Judiciário. Sem dúvida, retrata exatamente o que formulou Montesquieu17 e repete a mesma preocupação dos liberais da época do iluminismo e do nascimento do atual sistema tripartite de poder, em resposta às ameaças do Tirano e da desordem do liberalismo primitivo.

Mas Mannheim tinha mais informações que os clássicos que se ocuparam do Estado – como Hobbes, Locke, Montesquieu, Adam Smith, Stuart Mill, Weber. Do mesmo modo que Hayek e seus contemporâneos, contava com uma série de análises históricas das relações sociais ao longo dos séculos e modos de produção. Por isso, ao tratar do planejamento das instituições, além de procurar recuperar entendimentos anteriores destes pensadores, Mannheim estava mais consciente da essência do modo de produção capitalista, de suas falhas, de suas contradições. Então, explicitou que os mecanismos ou técnicas sociais, ou tecnologias, não poderiam resolver, mas apenas amenizar a crise, no aguardo da próxima,

(44)

certeira e inexorável, mas sem o caos ao qual presenciou e estudou. Entendia que, em dadas situações, essas tecnologias poderiam agravar as crises.

É do entendimento exposto que este trabalho extrai um grande proveito e uma primeira resposta: nele está clara uma das respostas possíveis à pergunta formulada pelo autor, quando estudou e almejava uma sociedade planificada e democrática: "planejar para quê?". Para evitar o caos, e melhor conviver com as crises.

Mannheim formulou duas questões fundamentais acerca do planejamento na sociedade, quando analisava o poder das minorias sobre as maiorias na esfera das decisões dos conflitos sociais: uma dizia respeito ao próprio conceito de democracia e das liberdades na sociedade real, de massas, desigual: "o que deve ser planejado?" (MANNHEIM, 1962, p. vii); a outra pergunta, à qual depois dedicou todo um livro - "Liberdade, Poder e Planejamento Democrático"-, foi-lhe apresentada em um evento, da seguinte forma: "quem planifica os que vão fazer a planificação?" (MANNHEIM, 1962 p. 85). Em resposta inicial, Mannheim apresentou o entendimento de que o planejamento existe sempre:

"Vivemos em um mundo de problemas insolvidos, de forma que

será, talvez, menos útil dar uma resposta otimista do que

concluir com uma questão aberta. Que cada um decida por si

se prefere a pergunta em sua forma religiosa e quietista, 'Quem

planifica o planificador?' ou em sua forma realista e política

'qual dos grupos existentes nos planificará?'." (MANNHEIM, 1962 p. 85).

(45)

deliberação suprema por meio de tribunos, tipo conselhos (chamou de Ordem, mas semelhantes, inferimos, ao nosso CONAMA, pois contaria com representantes da sociedade).

Além desses instrumentos e técnicas sociais, Mannheim defendia o fortalecimento do sistema de governo representativo, o fortalecimento do debate democrático, o sistema político eleitoral pelo sufrágio. Isso se daria a partir da "(...) educação política da massa dos cidadãos" (MANNHEIM, 1950/1972, p. 203). Ou seja, somente uma sociedade de cidadãos-atores, no sentido de Mannheim, controlaria os planejadores e os centralizadores.

Em Mannheim o Estado e o governo fortes devem sujeitar-se às técnicas sociais – como os controles democráticos via representação política e conselhos – que, por sua vez, tendem a fortalecer as instituições, e não as tecnologias do planejamento ou a autonomia dos planejadores. É bem ao contrário do nosso modelo atual, que desloca o poder dos controles, das escolhas e decisões sociais, para agências, para a burocracia, inclusive na área ambiental.

b – Centralização como instrumento de coordenação

"2. A centralização é necessária, porque a coordenação das

diversas medidas é essencial para o planejamento."

(MANNHEIM, 1950/1972, p. 153).

Aqui Mannheim defende a centralização, não como princípio de governo totalitário, como deixa claro ao longo de toda a sua obra. Entende, sim, que a centralização é condição necessária para o suporte à coordenação e ao planejamento em nível de sociedade, das instituições, a longo prazo, preventivo. Trata a questão como técnica para evitar que as vontades de grupos se sobressaiam em decisões isoladas, sem acordo como os demais.

(46)

da concorrência entre desiguais, do laissez-faire. E defendia a centralização como alternativa, desde que diferente do socialismo e do fascismo, para minimizar contradições nas relações econômicas e as suas conseqüências nas demais áreas da sociedade moderna. Segundo Mannheim, a adoção da centralização e da coordenação das instituições teria o sentido de possibilitar que mudanças sociais idealizadas se efetivassem (MANNHEIM, 1950/0972).

Com a centralização Mannheim reconhece que aparecerão conflitos de interesses também e possibilidades de tomada de decisão divergentes por peritos que pertençam a escolas de pensamento diferentes ou que se submetam a pressões dos atores. No entanto, considera essa possibilidade menor e preferível aos riscos da descentralização de questões essenciais. Defende a existência de um "(...) organismo coordenador do planejamento, no qual possam ser expostos os argumentos favoráveis ou contrários dos peritos (...)" MANNHEIM (1972, p. 154). Seria o modo de prestar contas das decisões tomadas.

Mannheim, ao defender a necessidade da centralização como mecanismo da sociedade, esclarece que:

"(...) a democracia precisa dispor de algum mecanismo que lhe

permita separar as idéias adequadas das que não o são,

clarificar e definir os objetivos verdadeiramente coletivos e

reconhecer quando os defensores de certos interesses estão

advogando uma causa meramente partidária e eliminar os

desvios. Esta autoridade suprema de estruturação política deverá

visar a dar consistência a propostas, mais do que apaziguar os

grupos de pressão, e deverá ter poderes para revisar a política

que a experiência demonstre estar baseada em premissas ou

(47)

c – Limites necessários à centralização – o valor da autonomia local

A íntegra do texto que apresenta o axioma 3 parece ser ilustrativo, além de um quase-resumo da noção de planejamento centralizado, na ótica do autor:

"3. A centralização numa sociedade planificada é essencial

apenas em certos assuntos de importância política básica. Da

mesma forma como o organismo coordenador da política deverá

insistir na centralização quando esta for justificada, também

deverá opor-se firmemente à tendência inerente a todas as

instituições centralizadas, tendentes a usurpar todas as funções.

A diferença entre devolução do poder e governo próprio deverá

ser claramente entendida. As autoridades superiores praticam a

devolução do poder quando delegam funções às autoridades

inferiores, sem abrir mão da responsabilidade final. A extensão

da autonomia local significa que maior responsabilidade ou

maior número de decisões políticas ficarão confiados às

autoridades locais. A escolha de métodos oportunos para cada

caso dependerá do caráter da função. A democracia, porém,

procurará fomentar a independência e a iniciativa popular,

sempre que forem compatíveis com a planificação. Isto não só

ajudará a estimular o interesse cívico nos negócios públicos e

nos problemas da comunidade, como também incentivará a

identificação do cidadão com o governo e os respectivos planos.

Além disso, o público sentir-se-á encorajado por essa

identificação e exporá à atenção das autoridades centrais seus

problemas cotidianos, relacionados com o funcionamento do

plano, obtendo assim resultados benéficos." (MANNHEIM,

Imagem

Figura 1 – Arranjo dos elementos-chave para o desenvolvimento sustentável.
Figura 2 - Objetivos e Alternativas de Intervenção Governamental nas Políticas de Desenvolvimento  Sustentável   AGENDA 21  BRASILEIRA  Economia da  poupança na  sociedade do  conhecimento  Inclusão social  para uma  sociedade  solidária  Estratégia para a
Figura 4 – Bacia do Rio Corumbá, indicando a UHE Corumbá IV.
Figura 5. ZEE de Rondônia – 2ª aproximação, escala  1:250.000.
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Referências

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