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Lei Maria da Penha : o discurso jurídico de responsabilização dos crimes e a efetividade da norma legal

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Academic year: 2017

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Pró-Reitoria de Pós-Graduação e Pesquisa

Programa de Pós-Graduação

Stricto Sensu

em Psicologia

LEI MARIA DA PENHA: O DISCURSO JURÍDICO DE

RESPONSABILIZAÇÃO DOS CRIMES E A EFETIVIDADE DA

NORMA LEGAL

Brasília

2013

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LEI MARIA DA PENHA: O DISCURSO JURÍDICO DE RESPONSABILIZAÇÃO DOS CRIMES E A EFETIVIDADE DA NORMA LEGAL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Psicologia, da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Psicologia.

Orientador: Prof. Dr. Benedito Rodrigues dos Santos

Brasília

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Ficha elaborada pela Biblioteca da Pós-Graduação da UCB em 12/8/2013 B748l Botelho, Raquel de Castro

Lei Maria da Penha: o discurso jurídico de responsabilização dos crimes e a efetividade da norma legal. / Raquel de Castro Botelho – 2013.

109f. : il ; 30 cm

Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2013. Orientação: Prof. Dr. Benedito Rodrigues dos Santos.

1. Violência doméstica. 2. Crime contra a mulher. 3. Agressão (Direito). 4. Psicologia. I. Santos, Benedito Rodrigues dos, orient. II. Título.

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Super-homem, Gilberto Gil

Um dia vivi a ilusão de que ser homem bastaria Que o mundo masculino tudo me daria Do que eu quisesse ter

Que nada, minha porção mulher que até então se resguardara É a porção melhor que trago em mim agora É o que me faz viver

Quem dera pudesse todo homem compreender, ó mãe, quem dera Ser o verão no apogeu da primavera E só por ela ser

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À Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEDF), por me oportunizar licença para cursar o programa de mestrado, apoiando, deste modo, a realização desta pesquisa.

Ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) e ao Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (JVDFM), nas pessoas dos juízes e funcionários, por colaborarem com esta pesquisa, possibilitando acesso às sentenças.

À mulher que mais marcou minha vida, minha mãe, por me ensinar a prejudicialidade da dependência financeira para o relacionamento afetivo de uma mulher.

Aos meus filhos maravilhosos, Marlon Igor e Augusto César, pela compreensão com as limitações de tempo para a convivência familiar durante a realização deste curso de mestrado, particularmente nos momentos finais de elaboração desta dissertação. Também pelo apoio do meu filho Augusto César, que me ensinou a elaborar os gráficos que constam neste trabalho. Aprender com os filhos é ótimo!

Às minhas irmãs, Sandra e Márcia, por me ouvir nos momentos de angústia. Mesmo o silêncio delas me ajudou no processo de elaboração desta dissertação, possibilitando que eu tivesse meus próprios momentos de escuta.

Ao meu orientador, Prof. Dr. Benedito Rodrigues dos Santos, pela inestimável contribuição à produção deste trabalho. Sem sua orientação constante, exigente e sólida, dificilmente eu teria conseguido concluir este trabalho.

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Botelho, R. C. Lei Maria da Penha: o discurso jurídico de responsabilização dos crimes e a efetividade da norma legal. 2013. 109 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia)–Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2013.

Neste estudo, analisa-se o discurso jurídico de responsabilização por crimes de violência perpetrados contra a mulher e a efetividade da Lei nº 11.340 (Lei Maria da Penha). No intuito de buscar subsídios para os estudos de impacto da lei, nesta pesquisa tentou-se escapar das abordagens recorrentes centradas nos obstáculos de implementação da lei, focando nas sentenças com mérito condenatório. Com base nos pressupostos da pesquisa qualitativa e no procedimento de análise documental, foram analisadas 43 sentenças resultantes de julgamentos realizados no período entre janeiro de 2009 e dezembro de 2012 em um juizado de violência doméstica e familiar contra a mulher do Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Nesta análise, chamaram atenção os recursos argumentativos da defesa na busca de inocentar o réu e perpetuar sua impunidade. Dos dez recursos discursivos mapeados, ganharam recorrência as teses da “legítima defesa” e da “provocação da mulher”. Garantindo a efetividade da lei, entretanto, os juízes foram unânimes em reafirmar a insustentabilidade dessas duas teses, por mais que as mulheres tenham se engajado nas brigas. Contudo, embora a “versão da vítima” tenha ganhado relevância nos julgamentos, a “prova material” ainda tem o maior peso decisório. A despeito de um grupo de autores de violência ter sido condenado, a maioria dos agressores recebeu entre a pena mínima e um terço da pena máxima prevista em lei.

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Maria da Penha Law: the juridical discourse of responsibilization for crimes against women and the effectiveness of the law

In this study, the juridical discourse of responsibilization for crimes involving violence against women and the effectiveness of Law no. 11.340 (Maria da Penha Law) are analyzed. Aiming to seek for resources to study the impact of the law, in this research we attempted to escape the recurrent approaches centered on the obstacles to the implementation of the law, focusing on the sentences with condemnatory merit. Based on the assumptions of qualitative research and document analysis, we analyzed 43 sentences of trials carried out between January 2009 and December 2012 in a court of domestic and family violence against women in the Court of Justice of the Federal District in Brazil. In this analysis, the argumentative resources of the defense aiming to free the defendant from charges and perpetuate his impunity called our attention. Among the ten discourse resources mapped herein, the theses of “self-defense” and “women provocation” were recurrent. In order to guarantee the effectiveness of the law, however, the judges were unanimous in reassuring the unsustainability of both theses, even if the women participated in the fight. Although the “version of the victim” has become relevant in trials, the “material proof” still retains the greatest power to influence the judge’s decision. In spite of the condemnation of a group of defendants, most aggressors were sentenced from a minimum term of imprisonment to one third of the maximum term foreseen by law.

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AGENDE Ações em Gênero, Cidadania e Desenvolvimento

CEDAW Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination against Women

CEPIA Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação

CFEMEA Centro Feminista de Estudos e Assessoria

CLADEM Comitê Latino-americano e do Caribe para Defesa dos Direitos da Mulher

CNDM Conselho Nacional dos Direitos da Mulher

DEAM Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher

DEPO Divisão de Estatística e Planejamento Operacional

JVDFM Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher

OEA Organização dos Estados Americanos

ONU Organização das Nações Unidas

PCDF Polícia Civil do Distrito Federal

SEDF Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal

STF Supremo Tribunal Federal

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Quadro 1. Panorama da violência doméstica e familiar contra a mulher

antes e depois da Lei nº 11.340 (BRASIL, 2006). ... 27 Gráfico 1. Total dos processos protocolados e encerrados no período

de janeiro de 2009 a dezembro de 2012 no 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Taguatinga, DF (n = 1.502) e total daqueles referentes exclusivamente a casos previstos na Lei nº 11.340 (BRASIL,

2006) (n = 552). ... 35 Gráfico 2. Total de processos referentes exclusivamente a casos

previstos na Lei nº 11.340 (BRASIL, 2006) protocolados em

cada ano do período em análise (2009–2012) (n = 552). ... 36 Gráfico 3. Total de processos referentes a casos previstos na Lei nº

11.340 (BRASIL, 2006) que foram arquivados, extintos ou considerados semiprocedentes (n = 495) e total daqueles referentes a casos encerrados com mérito e procedentes (n =

57). ... 37 Gráfico 4. Porcentagem dos envolvidos no total de processos

encerrados com mérito e procedentes. ... 37 Diagrama 1. Interseção da efetividade, eficácia e eficiência de uma lei. ... 39 Quadro 2. Tipos de crimes perpetrados contras mulheres registrados

nas sentenças analisadas. ... 41 Quadro 3. Penas dadas a autores de crimes perpetrados contra

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1 INTRODUÇÃO ... 12

2 A LEI MARIA DA PENHA E A RESPONSABILIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER ... 15

2.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER ANTES DA LEI MARIA DA PENHA ... 15

2.2 BREVE HISTÓRICO DA LEGISLAÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA MULHER ... 19

2.3 A LEI MARIA DA PENHA ... 23

2.4 CENÁRIO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER ... 26

3 METODOLOGIA ... 33

3.1 LÓCUS ... 33

3.2 ANÁLISE DOCUMENTAL DOS PROCESSOS ... 34

3.3 TRABALHO DE CAMPO E SELEÇÃO DOS PROCESSOS ... 34

3.4 ANÁLISE DE CONTEÚDO DAS SENTENÇAS ... 38

4 CARACTERIZAÇÃO DOS CRIMES CONTRA A MULHER NOS PROCESSOS ANALISADOS ... 40

4.1 TIPOS DE VIOLÊNCIA OBSERVADOS NAS SENTENÇAS PROFERIDAS PELOS JUÍZES ... 43

4.1.1 Lesão corporal ... 44

4.1.2 Ameaça ... 48

4.1.3 Patrimonial ... 50

4.2 ESFERA EM QUE OCORRE O ATO DE VIOLÊNCIA ... 51

5 DISCURSOS E ESTRATÉGIAS DA DEFESA DOS RÉUS ... 55

5.1 LEGÍTIMA DEFESA ... 55

5.2 A PROVOCAÇÃO DA MULHER (E, EM ALGUNS CASOS, A BOA CONDUTA DO RÉU) ... 57

5.3 NEGAÇÃO E DISTORÇÃO DOS FATOS ... 58

5.4 FALSA MEMÓRIA DA VÍTIMA ... 58

5.5 FALTA DE INTENCIONALIDADE ... 59

5.6 MOTIVAÇÃO “HUMANA” ... 59

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5.9 ARGUIÇÃO (INDEVIDA) DE INCONSTITUCIONALIDADES RELATIVAS

À LEI MARIA DA PENHA ... 63

6 CONTRAPOSIÇÕES DOS JUÍZES ÀS TESES DA DEFESA DOS RÉUS .. 66

6.1 INJUSTIFICABILIDADE DA VIOLÊNCIA CONTRA A “COMPANHEIRA” .. 66

6.2 INSUSTENTABILIDADE DA TESE DE LEGÍTIMA DEFESA ... 67

6.3 INVASÃO DE PRIVACIDADE E CONSTRANGIMENTO ... 70

6.4 O CONSUMO DE DROGAS NÃO AFASTA A CREDIBILIDADE DA NARRATIVA DOS FATOS ... 72

6.5 EVIDÊNCIAS QUE COMPROVAM A INTENCIONALIDADE DO DOLO .... 72

6.6 INJUSTIFICABILIDADE DAS MOTIVAÇÕES “HUMANO-SENTIMENTAIS” PARA A PRÁTICA DA VIOLÊNCIA ... 72

6.7 A PALAVRA DA VÍTIMA CONTRA A FALTA DE PROVAS MATERIAIS OU TESTEMUNHAIS ... 73

6.8 QUEBRA DO NEXO DE CAUSALIDADE E IMPRESTABILIDDE DO LAUDO ... 75

6.9 DEBILIDADE DA TESE DE INCONSTITUCIONALIDADE E FALTA DE COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS ... 75

6.10 DESOBEDIÊNCIA DO RÉU ... 76

7 BREVE ANÁLISE DA DOSIMETRIA DAS PENAS APLICADAS ... 80

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 85

REFERÊNCIAS ... 88

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1 INTRODUÇÃO

Na presente dissertação, analisamos o discurso jurídico de responsabilização sobre os crimes de violência contra a mulher com base na Lei nº 11.340 (BRASIL, 2006), popularmente conhecida como “Lei Maria da Penha” (Anexo A), em processos judiciais protocolados no 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Taguatinga, DF, de janeiro de 2009 a dezembro de 2012 e encerrados.

Tomando um caminho diferenciado daqueles estudos que focam nas falhas da implementação da lei, esta pesquisa centrou-se na análise de sentenças com mérito em ações condenatórias dos autores de violência pelo que elas contêm sobre a efetividade das leis no Brasil, preocupação acadêmica mais ampla na qual este trabalho encontra-se inserido. Preocupação ampla, foco restrito: em que pese o nosso entendimento de que a Lei Maria da Penha prescreve, para além da mera punição dos réus, um conjunto de ações para prevenir a violência contra a mulher e a reincidência deste tipo de delito, o foco desta pesquisa recai sobre a responsabilização jurídica pelos crimes perpetrados. Portanto, a efetividade da lei está sendo aqui tratada muito mais sob o aspecto de sua eficiência jurídica do que de sua eficácia legal.

O fato de o sistema judiciário ser a instância máxima de distribuição da justiça no país e de, ao mesmo tempo, ser composto de profissionais circunscritos a seu tempo, sua cultura e seu contexto social, faz do órgão um lócus interessante para o estudo do grau de aceitação/assimilação tanto das concepções subjacentes à lei como das matérias por ela reguladas.

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Lei Maria da Penha. Desse montante, apenas 57 foram encerrados com mérito, procedentes e condenatórias. Desse total, considerando-se o interesse desta pesquisa no estudo da violência entre casais, descartamos 14 sentenças nas quais os atos de violência haviam ocorrido entre membros do grupo familiar com relações de parentesco. Entre as 43 sentenças restantes, que compuseram a base empírica desta pesquisa, 26 relacionaram-se a situações de violência ocorridas entre casais e 17 entre namorados que possuíam convivência marital.

Chamaram atenção, na análise dessa documentação, além da impactante descrição da violência vivenciada pelas mulheres, as estratégias discursivas da defesa dos réus, que em uma combinação de artimanhas jurídicas e cumplicidade masculina, buscaram inocentar os perpetradores de violência mesmo diante das inegáveis “provas materiais”. Nesse sentido, mapeamos nove estratégias discursivas utilizadas pelos advogados de defesa na busca de perpetuar a impunidade dos autores de violência contra a mulher, sendo as mais recorrentes as teses da “legítima defesa” e a da “reação à provocação” de iniciativa da mulher.

O discurso jurídico é dotado de poder tanto para produzir o efeito de autoridade como para exigir o cumprimento de algo; desse modo, precisa fazer com que haja uma crença, ainda que de forma imaginária, em uma instituição jurídica que fornece proteção aos indivíduos, embasada em normas preestabelecidas, cuja inobservância produzirá sanção (GOMES; LOUZADA, 2010). Segundo Barros (2000), a ordem jurídica é dotada de eficácia em sua função de ordenação social, porquanto estrutura-se como linguagem, e é na estrutura da linguagem que a transmissão da crença na estrutura jurídica se torna possível.

Demonstrando as possibilidades efetivas1 da Lei Maria da Penha, os juízes,

em sua maioria homens, foram enfáticos em refutar as teses das defesas dos réus. Os juízes chamaram atenção para a “bestialidade” da violência em alguns casos, mencionando “atitude covarde, prevalecendo-se de sua maior força”, atitude condenável “considerando que a vítima é a própria mulher e companheira”. A insustentabilidade da tese da legítima defesa e a injustificabilidade da violência foram alegadas “mesmo havendo briga entre as partes” e “ainda que as agressões

1 Entende-se por “possibilidades efetivas” o fato de a norma jurídica se impor perante quem quer que

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físicas tivessem começado por parte da vítima”, porquanto a reação havia sido “desproporcional” por parte do acusado, mesmo que as motivações tenham sido de ordem “humano-sentimental”. A alegação da não intencionalidade de dolo não se sustentou diante do histórico de práticas similares, do emprego de instrumentos de ferimento e de ações planejadas. E o descrédito do testemunho sob a alegação de que a vítima não se lembrava bem do que havia acontecido pelo consumo de drogas foi rechaçado pelo fato de que este ato não retira a credibilidade da narrativa dos fatos. Em algumas sentenças, com poucas provas materiais e testemunhais, a “versão da vítima” foi considerada “verdadeira”, em uma demonstração de que o depoimento da mulher agredida havia prevalecido sobre as estratégias da defesa do réu. Contudo, em que pese o fato de o depoimento da vítima ter ganhado relevância no julgamento dos juízes, a existência da “prova material do crime” apresentou maior peso decisório.

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2 A LEI MARIA DA PENHA E A RESPONSABILIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER

Embora pareça que em certos momentos da história da humanidade a violência doméstica contra a mulher tenha sido naturalizada, tão longe se vá de volta na história, sempre se encontram reações contrárias a este tipo de atitude. No entanto, no último século, o avanço do paradigma dos direitos humanos ecoando e fazendo avançar os princípios da Revolução Francesa fez com que a indignação contra essa violência se ampliasse, ganhasse maior visibilidade e oferecesse estratégias mais eficazes para coibi-la. A Lei n º 11.340 (BRASIL, 2006) é fruto desse movimento e sua “escritura” significou um descontentamento com as estratégias de enfrentamento à violência contra a mulher anteriormente estabelecidas, principalmente pela perpetuação da impunidade, mas, ao mesmo tempo, como um sinal de esperança de reversão dessa dolorosa página da história da humanidade. Sabe-se que as leis, por si sós, têm pouco poder de mudança da realidade, a menos que, como no caso da Lei Maria da Penha, esta esteja inserida em um projeto político civilizatório de prevenção de comportamentos abusivos e de mudança de uma cultura jurídica “macho-orientada”.

Nesta seção, mapeamos o contexto de violência contra a mulher no Brasil e no Distrito Federal, inserimos uma breve perspectiva histórica da luta em favor dos direitos das mulheres e em oposição a todas as formas de violência contras estas, significamos historicamente a Lei Maria da Penha e indicamos os tipos criminais mais alvejados por esta nova lei.

2.1 CONTEXTUALIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER ANTES DA LEI MARIA DA PENHA

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apanhar” ou “um tapinha não dói”. Trata-se de uma ideia enganosa, certamente gerada pela dificuldade que a vítima tinha de denunciar o agressor. Seja por medo, por vergonha, por não ter para onde ir, ou por receio de não conseguir se manter sozinha e sustentar os filhos, o fato é que a mulher resistiu, durante muito tempo, em buscar a punição de quem ama ou um dia amou (DIAS, 2012).

De acordo com Welter (2007 apud DIAS, 2012), desde que o mundo é mundo humano, a mulher sempre foi discriminada, desprezada, humilhada, coisificada, objetificada e monetarizada. Ninguém duvida que a violência sofrida pela mulher não seja exclusivamente de responsabilidade do agressor. A sociedade ainda cultiva valores que incentivam a violência, o que impõe a necessidade de se tomar consciência de que a culpa é de todos. O fundamento disso é cultural e decorrente da desigualdade no exercício do poder, o que leva a uma relação de dominante e dominado. A violência doméstica sempre foi alvo de absoluto descaso e essas posturas acabaram sendo referendadas pelo Estado. Por conta disso, o Brasil guarda cicatrizes históricas da desigualdade, inclusive no plano jurídico (KATO, 2008).

Mesmo com a equiparação entre o homem e a mulher, proclamada de modo tão enfático pela Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL, 1988), a ideologia patriarcal ainda subsiste. A desigualdade sociocultural é uma das razões da discriminação feminina e, principalmente, da dominação das mulheres pelos homens, que se veem como superiores e mais fortes (VIANA; ANDRADE, 2007).

A despeito de todos os avanços, o homem ainda se vê como proprietário do corpo e da vontade da mulher e dos filhos. A sociedade protege a agressividade masculina e constrói a imagem da superioridade do sexo que é respeitado por sua virilidade. Afetividade e sensibilidade não são expressões que combinam com a imagem masculina idealizada, pois, afinal, ele precisa ser um super-homem, uma vez que não lhe é permitido ser apenas humano. Essa errônea consciência de poder assegura ao varão o suposto direito de fazer uso de sua força física e superioridade corporal sobre todos os membros da família (BOURDIEU, 2010).

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as mulheres, com reflexos físicos e emocionais, é resultado da desintegração parcial desse poder patriarcal (GIDDENS, 1996).

Importante ressaltar que os termos “violência contra a mulher”, “violência doméstica”, “violência familiar” e “violência conjugal” muitas vezes são utilizados como sinônimos, mesmo não o sendo. Para Debert e Gregori (2008), a expressão “violência contra a mulher” foi uma noção criada pelo movimento feminista nas décadas de 1960 a 1970, seguida pela noção de “violência conjugal”, especificando a violência contra a mulher no contexto das relações de conjugalidade dentro da abordagem de gênero. Por seu turno, a expressão “violência doméstica” inclui as manifestações de violência entre membros no núcleo doméstico e de violência familiar, noção empregada no âmbito da justiça e consagrada pela Lei Maria da Penha como violência doméstica e familiar contra a mulher ou violência de gênero, conceito mais recente utilizado pelas feministas.

Já na concepção de Celmer (2010), o termo “violência contra a mulher” engloba a violência doméstica, a violência familiar e a violência conjugal. A violência doméstica é qualquer conduta que cause dano físico, psíquico ou sexual não apenas à mulher, mas às outras pessoas que coabitem na mesma casa, incluindo empregados e agregados. A “violência familiar” é mais específica, abrangendo as agressões físicas e psicológicas entre membros da mesma família. A “violência conjugal” deve ser entendida como todo tipo de agressão praticada contra cônjuge, companheira(o) ou namorada(o). Nessa perspectiva, a violência conjugal também acontece entre casais homossexuais, o que a desnatura como sendo cometida exclusivamente por homens contra mulheres.

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No Brasil, 23% das mulheres [...] estão sujeitas à violência doméstica; a cada 4 minutos, uma mulher é agredida em seu próprio lar por uma pessoa com quem mantém relação de afeto; 70% dos crimes contra a mulher acontecem dentro de casa e o agressor é o próprio marido ou companheiro; mais de 40% das violências resultam em lesões corporais graves decorrentes de socos, tapas, chutes, amarramentos, queimaduras, espancamentos e estrangulamentos.

Dias (2012) afirmou que a evolução dos conhecimentos na área da medicina, com a descoberta de métodos contraceptivos, e as lutas emancipatórias promovidas pelo movimento feminista redefiniram o modelo ideal de família. Ao se integrar no mercado de trabalho, a mulher saiu do lar e impôs ao homem a necessidade de assumir ou dividir responsabilidades domésticas e de cuidados com os filhos. Essa mudança acabou provocando o afastamento do parâmetro preestabelecido, trazendo muita insegurança, o que propiciou terreno fértil para conflitos.

Várias são as correntes que tentam explicar o fenômeno da violência contra a mulher. Para Chauí (1985), a violência contra a mulher resulta de uma ideologia de dominação masculina produzida e reproduzida tanto por homens como por mulheres. Nesse diapasão, a violência resultaria da condição feminina definida como inferior à condição masculina. Desse modo, as diferenças existentes entre homens e mulheres seriam transformadas em desigualdades hierárquicas com o objetivo de oprimir e explorar, de tal modo, que o ser dominado perderia sua autonomia, sua liberdade para pensar, querer, sentir e agir.

Na visão de Gregori (1993), a violência contra a mulher relativiza a perspectiva de dominação e vitimização. Analisando as contradições entre as práticas e os discursos na área de violência conjugal em que a corrente feminista concebe a mulher como vítima da dominação masculina, para a autora, a libertação da mulher está associada à sua conscientização de que é um ser autônomo e independente do homem. Para Gregori (1993), a violência conjugal, mais do que uma luta por poder, é um jogo relacional em que a mulher não é vítima da dominação masculina, uma vez que ela tem autonomia e participa ativamente na relação violenta. Quando a mulher denuncia a violência, se representa como vítima, o que reforça a reprodução de papéis de gênero e contribui para a produção de um não sujeito.

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propôs a investigação do contexto no qual esta ocorre. Assim, influenciou o uso da expressão “mulher em situação de violência” em vez de “mulher vítima de violência”, entendendo que o momento da denúncia sinaliza a ruptura com o ciclo da violência e o empoderamento desta mulher.

A violência contra a mulher, segundo a abordagem de Saffioti (2004), se dá no âmbito da violência de gênero, mediada pelo abuso de poder que ocorre no espaço privado, assegurado pela ideologia do patriarcado, a qual sustenta uma estrutura de poder em que a subalternidade da mulher aparece como condição natural. O sistema patriarcal socializa o homem para dominar a mulher e esta deve se submeter ao poder do macho, aos desejos masculinos, como se fosse parte natural do destino de ser mulher. Para a socióloga, as mulheres não são cúmplices da violência, mas vítimas dentro de uma relação desigual de poder com os homens. Assim, elas se submetem à violência não porque consintam com isto, mas são forçadas a ceder porque não têm poder suficiente para consentir.

A ideia da família como uma entidade inviolável, não sujeita à interferência nem da justiça, fez com que a violência se tornasse invisível, pois era protegida pelo segredo (DIAS, 2012). O agressor e a agredida firmavam um pacto de silêncio, que livrava o primeiro da punição, estabelecendo um círculo vicioso: a mulher não se sentia vítima, o que fazia desaparecer a figura do agressor. Entretanto, como o silêncio não impõe nenhuma barreira, a falta de um basta fazia a violência aumentar. Dessa maneira, o homem testava todos os seus limites de dominação, e como a ação não gerava reação, exacerbava sua agressividade. Para conseguir dominar a mulher e manter a sua submissão, as formas de violência só aumentavam. Como Dias (2012) sabiamente alertou, no entanto, a ferida sara, os ossos quebrados se recuperam, o sangue seca, mas a perda da autoestima, o sentimento de menos-valia e a depressão são feridas que demoram a ser cicatrizadas.

2.2 BREVE HISTÓRICO DA LEGISLAÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA MULHER

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de que “em briga de marido e mulher não se mete a colher”. Assim, brandindo o

slogan “Quem ama não mata”, o movimento tomou as ruas para protestar contra a absolvição, pela justiça, de homens que assassinavam suas esposas e ex-esposas alegando “legítima defesa da honra”. Essa época marcou o início das passeatas de protesto contra a complacência e a impunidade dos agressores, a inclusão de estudos sobre este tema nas universidades, bem como a reivindicação por leis e serviços específicos (CFEMEA, 2009).

A Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination against Women

(CEDAW, Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher), aprovada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1979 (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1979), representou o primeiro instrumento internacional de direitos humanos voltado especialmente para a proteção de mulheres, tendo por objetivo promover a igualdade entre os gêneros e a não discriminação contra a mulher. No Brasil, o Congresso Nacional ratificou a assinatura da CEDAW, com algumas reservas, em 1984, as quais foram suspensas pelo Decreto Legislativo nº 26 (BRASIL, 1994). Em 2002, a CEDAW foi aqui promulgada por meio do Decreto nº 4.377 (BRASIL, 2002b). Em seu Art. 1º, considera que

[...] a expressão “discriminação contra a mulher” significará toda a distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.

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A criação do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM) e das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs) em 1985 representou grande avanço em termos de importantes políticas públicas de sensibilização e combate à violência contra a mulher. A atuação do CNDM e dos movimentos de mulheres e feministas nas discussões da Assembleia Nacional Constituinte (1987-1988) foi fundamental para garantir, na Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL, 1988), a igualdade entre os sexos, no inciso I do Art. 5º, no qual ficou estabelecido que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”, bem como na inclusão do § 8º no Art. 226, no qual ficou previsto que “o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”.

A participação do Brasil na World Conference on Human Rights [Conferência Mundial de Direitos Humanos], que ocorreu em Viena em 1993, foi importante, pois nela foram reconhecidos os direitos de mulheres e meninas como direitos humanos e a violência contra a mulher como violação destes direitos (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1993).

A Inter-American Convention on the Prevention, Punishment, and Eradication of Violence Against Women [Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, Convenção de Belém do Pará] (OAS, 1994), promulgada no Brasil em 1996 (BRASIL, 1996), definiu a violência contra a mulher como “qualquer ação ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado”. Em adição a isso, estabeleceu que os países devem promover políticas públicas de prevenção, punição e erradicação dessa forma de violência, o que representava um anseio tanto dos movimentos feministas como do Estado brasileiro.

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perante a comunidade internacional e nacional uma série de obrigações, entre as quais o dever de criar mecanismos capazes de coibir a discriminação e a violência de que as mulheres são vítimas. Porém, em 2001, a Organização dos Estados Americanos (OEA) responsabilizou o Estado brasileiro por negligência e omissão em relação à violência doméstica praticada contra Maria da Penha Maia Fernandes por seu marido, já que 18 anos depois do crime, o agressor ainda não havia sido penalizado pela barbárie que cometeu (CFEMEA, 2009).

A CEDAW (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1979) possibilitou a existência da chamada discriminação positiva, isto é, a adoção de medidas especiais de caráter temporário destinadas a acelerar a igualdade de fato entre homens e mulheres. A Convenção de Belém do Pará (OAS, 1994), promulgada no Brasil em 1996 (BRASIL, 1996), é especialmente cara aos movimentos de mulheres e feminista, pois definiu a violência contra a mulher como uma violação dos direitos humanos e das liberdades fundamentais. Definiu a violência contra a mulher como qualquer ato ou conduta baseada no gênero que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico a pessoa do sexo feminino, tanto na esfera pública quanto na esfera privada. Portanto, as mulheres têm direito a uma vida livre de violência e o Estado deve garantir a elas este direito. (CFEMEA, 2009).

Em 1995, ocorreu em Beijing a Fourth World Conference on Women: Action for Equality, Development and Peace [4ª Conferência Mundial sobre a Mulher: Ação para Igualdade, Desenvolvimento e Paz], cujas Declaração e Plataforma de Ação foram assinadas por 184 países, inclusive o Brasil. A Declaração e a Plataforma de Ação aprovadas no encontro são um guia abrangente para orientar governos e sociedade no aperfeiçoamento do marco legal, na formulação de políticas e na implementação de programas para promover a igualdade de gênero e evitar a discriminação (UNITED NATIONS GENERAL ASSEMBLY, 1995). Com relação à violência doméstica, em adição a medidas punitivas ao agressor, na Plataforma de Ação estão previstas ações voltadas para prevenção e assistência social, psicológica e jurídica à vítima e à sua família, além de ações que possibilitem a reabilitação dos agressores (CFEMEA, 2009).

(25)

Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), com o apoio do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA), do CNDM, de agências da ONU e de outras entidades do movimento de mulheres, foi lançada a campanha “Sem as mulheres os direitos não são humanos”.

O lançamento da Plataforma Política Feminista, escrito com a colaboração de mais de 5 mil ativistas do movimento de mulheres em 26 conferências estaduais, foi aprovado em junho de 2002, na I Conferência Nacional de Mulheres Brasileiras, em Brasília. A Plataforma trouxe análises e desafios para a sociedade, o Estado e outros movimentos, além do próprio movimento feminista (CFEMEA, 2009).

2.3 A LEI MARIA DA PENHA

Com base nas políticas em prol da mulher, houve a formação de um consórcio entre entidades feministas, incluindo CFEMEA, CLADEM, Ações em Gênero, Cidadania e Desenvolvimento (AGENDE), Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação (CEPIA), Advocacy, Themis – Gênero, Justiça e Direitos Humanos e juristas para estudar e elaborar uma minuta de Projeto de Lei integral, estabelecendo a prevenção, a punição e a erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher. Em todas as instâncias, o projeto foi aprovado por unanimidade, culminando na aprovação da Lei nº 11.340 em 2006 (BRASIL, 2006), a qual ficou popularmente conhecida como Lei Maria da Penha.

A Lei Maria da Penha, que entrou em vigor no dia 22 de setembro de 2006, deu início a um novo capítulo na luta pelo fim da violência contra a mulher e vem atingindo enormes proporções na contemporaneidade. Tornou crime a violência doméstica e familiar contra a mulher e deixou de tratar a violência sofrida como algo de pequeno valor. Contudo, a violência doméstica contra a mulher ainda tem enormes proporções no país.

(26)

procedimentos policiais e judiciais humanizados para as vítimas. Nessa perspectiva, muito mais que punir, a Lei Maria da Penha traz aspectos conceituais e educativos que a qualificam como uma legislação avançada e inovadora, seguindo a linha do direito moderno, capaz de abranger tanto a complexidade das questões sociais como o grave problema da violência doméstica e familiar (CFEMEA, 2009).

Mais do que um simples diploma legal, a Lei Maria da Penha (BRASIL, 2006) é um verdadeiro estatuto, pois criou um microssistema visando coibir a violência doméstica. Tornou-se precioso estatuto, uma vez que não tem somente caráter repressivo, mas sobretudo preventivo e assistencial (CUNHA; PINTO, 2011). Sua natureza criminal fica nítida ao tratar com rigor as infrações cometidas contra a mulher no âmbito da família, na unidade doméstica, ou em qualquer relação íntima de afeto. Para atender aos seus propósitos, foram introduzidas alterações no Código Penal (BRASIL, 1940), no Código de Processo Penal (BRASIL, 1941b) e na Lei de Execução Penal (BRASIL, 1984). Porém, de acordo com Dias (2012), não houve a previsão da violência doméstica como delito-tipo e nem foram introduzidos novos tipos penais, limitando-se o legislador a inserir mais uma agravante, uma majorante e alterar a pena do delito de lesões corporais. Também foi admitida mais uma hipótese de prisão preventiva no Art. 313, inciso IV, do Código de Processo Penal (BRASIL, 1941b), além de ter sido permitida a imposição ao agressor, em caráter obrigatório, de comparecer a programa de recuperação e reeducação, conforme o Art. 152, parágrafo único, da Lei nº 7.210 (BRASIL, 1984).

(27)

A Lei Maria da Penha prevê medidas protetivas de urgência para a mulher, as quais devem ser solicitadas na delegacia de polícia ou ao próprio juiz, que tem o prazo de 48 horas para analisar a concessão da proteção requerida. Se necessário, ela deverá ser encaminhada para serviços de acolhimento, atendimento, acompanhamento e abrigamento. Essa lei também protege as mulheres ao estabelecer que a vítima não pode entregar a intimação ou notificação ao agressor, ao tornar obrigatória a assistência jurídica à vítima e ao prever a possibilidade de prisão do agressor em flagrante e preventiva.

Além da preocupação com a prevenção da violência e a proteção das vítimas, o Estado também tem a responsabilidade de ajudar na reconstrução da vida das mulheres. Para isso, na lei estão previstos: assistência de forma articulada entre as áreas de assistência social, com inclusão da mulher no cadastro de programas assistenciais dos governos federal, estadual e municipal; atendimento especializado à saúde, com o objetivo de preservar a integridade física e psicológica da vítima; manutenção do vínculo trabalhista, caso seja necessário o afastamento da mulher do local de trabalho.

Por conseguinte, a lei incentiva a criação dos seguintes serviços especializados, que integram a Rede de Atendimento à Mulher: DEAMs, centros especializados da mulher em situação de violência, defensorias especializadas na defesa da mulher, promotorias especializadas ou núcleos de gênero do Ministério Público, juizados especializados de violência contra a mulher, serviços de abrigamento e serviços de saúde especializados.

(28)

o juiz decretar o comparecimento obrigatório do autor da agressão condenado criminalmente.

A partir da Lei Maria da Penha, os crimes cometidos contra a mulher passaram a ser julgados em juizados/varas especializadas de violência doméstica e familiar contra a mulher, com competência cível e criminal, dotados de equipe multidisciplinar composta de psicólogos e assistentes sociais treinados para prover atendimento totalizante, especializado e humanizado. Essa lei determina que nos casos de crimes que exigem a representação da vítima, como ameaça, ela somente poderá renunciar à denúncia perante o juiz, em audiência marcada para este fim e por solicitação da mulher, desde que não haja materialidade do delito. Também determina como obrigatória a assistência jurídica às mulheres vítimas de crimes de violência doméstica e familiar. Desse modo, ela se tornou instrumento de mudança política, jurídica e cultural.

Como consequência da referida lei, passou a existir um sistema de políticas públicas direcionado às mulheres. Isso somente foi possível graças à união de esforços de diversos órgãos da administração pública federal e estadual, do poder judiciário e legislativo, dos Ministérios Públicos estaduais e das defensorias públicas. Essa articulação de todos eles comprova que a violência doméstica, como fenômeno multidimensional que é, requer soluções igualmente complexas. No escopo deste estudo, é extremamente importante perceber algumas modificações decorrentes da Lei Maria da Penha, como apresentado no Quadro 1.

2.4 CENÁRIO DA VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

(29)

Quadro 1. Panorama da violência doméstica e familiar contra a mulher antes e depois da Lei nº 11.340 (BRASIL, 2006).

Lei nº 11.340 (Lei Maria da Penha)

Antes Depois

1. Não existia lei específica sobre a

violência. 1. Tornou crime a violência doméstica e familiar contra a mulher.

2. Não havia definição das formas de

violência. 2. Estabeleceu as formas de violência contra a mulher: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.

3. Não se tratava das relações de

pessoas do mesmo sexo. 3. Determinou que a violência contra a mulher independe de orientação sexual.

4. Aplicava-se a lei dos Juizados Especiais Criminais (Lei nº 9.099, BRASIL, 1995) para os casos de violência doméstica. Esses juizados julgavam os crimes com pena de até dois anos (menor potencial ofensivo).

4. Retirou dos Juizados Especiais Criminais a competência para julgar os crimes de violência doméstica contra a mulher.

5. Permitia-se a aplicação de penas pecuniárias, como doação de cestas básicas e multa.

5. Estão sendo criados Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, com competência cível e criminal para abranger todas as questões.

6. Como os Juizados Especiais Criminais tratam somente do crime, para resolver as questões de família (separação, pensão, guarda de filhos), a mulher vítima de violência doméstica tinha de entrar com outro processo na Vara de Família.

6. Estão sendo criados Juizados Especiais de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, com competência cível e criminal para abranger todas as questões.

7. Não previa o comparecimento do agressor a programa de recuperação e reeducação.

7. Alterou a Lei de Execução Penal (BRASIL, 1984) para permitir que o juiz determine o comparecimento obrigatório

do agressor a programas de

recuperação e reeducação.

8. A violência contra a mulher com

deficiência não aumentava a pena. 8. Se a violência for cometida contra mulher com deficiência, a pena é aumentada em um terço.

(30)

Conclusão

Quadro 1. Panorama da violência doméstica e familiar contra a mulher antes e depois da Lei nº 11.340 (BRASIL, 2006).

Lei nº 11.340 (Lei Maria da Penha)

Antes Depois

9. A autoridade policial efetuava um

resumo dos fatos no Termo

Circunstanciado de Ocorrências.

9. Prevê abertura de inquérito policial nos casos de denúncia de crime contra a mulher.

10. Muitas vezes era a mulher que

entregava a intimação para o agressor. 10. Ficou proibida a entrega de intimação ao agressor por intermédio da vítima.

11. A mulher poderia desistir da

denúncia na delegacia. 11. A mulher somente poderá desistir da denúncia na frente do juiz e se não houver motivos para o Ministério Público continuar com a representação.

12. Não previa a prisão preventiva para

os crimes de violência doméstica. 12. Alterou o Código de Processo Penal (BRASIL, 1941b) possibilitando ao juiz a decretação da prisão preventiva quando houver riscos à integridade física ou psicológica da mulher.

13. Não utilizava a prisão em flagrante

do agressor. 13. Possibilita a prisão em flagrante do agressor. 14. A mulher vítima de violência

doméstica geralmente não era

informada quanto ao andamento dos atos processuais.

14. A vítima de violência doméstica é notificada acerca dos atos processuais, especialmente quanto à entrada e saída do agressor da prisão.

15. Em geral, a vítima de violência ia desacompanhada de advogado ou defensor público nas audiências.

15. Na audiência da Vara de Violência contra a Mulher, a vítima de violência

deverá estar acompanhada de

advogado ou defensor público em todos os atos processuais.

16. A violência doméstica contra a mulher não era considerada agravante de pena.

16. Alterou o Art. 61 do Código Penal (BRASIL, 1940) para considerar a violência doméstica como agravante da pena.

17. A pena para o crime de violência doméstica variava entre seis meses e um ano.

17. A pena para o crime de violência doméstica passou a ser de três meses a três anos.

(31)

De acordo com as ocorrências de violência doméstica e/ou familiar registradas em 2009 e em 2010 em todas as delegacias do Distrito Federal pela Polícia Civil, pôde-se identificar que, para ambos os sexos, houve discreta diminuição (3,25%) no número de registros, indo de 10.984 em 2009 para 10.627 em 2010, no período de janeiro a dezembro de cada um destes anos. A média mensal de registros em 2009 foi de 915 e, em 2010, de 886, com destaque para junho (41,8% a menos de eventos em 2010) e dezembro (55% a mais de eventos em 2010).

O tipo de crime que teve maior incidência no período 2009–2010 foi lesão corporal, que correspondeu a 48,10% dos eventos em 2009 e 36,36% em 2010. Também foi observado sensível aumento (71%) do crime de ameaça, que passou de 1.835 eventos em 2009 para 3.143 em 2010. A violência no âmbito familiar, no primeiro semestre de 2010, se concentrou nos fins de semana, à noite, particularmente nos domingos, entre 18h00 e 23h59m. Entre as regiões administrativas do Distrito Federal, Ceilândia, Taguatinga e Planaltina destacaram-se em números absolutos de registros, sendo lesão corporal, ameaça e injúria os crimes de maior ocorrência, nesta ordem.

O total de vítimas de violência doméstica e/ou familiar em 2009 foi de 10.815, sendo 9.668 mulheres. Em 2010, do total de 12.242 vítimas, 10.979 eram do sexo feminino; portanto, houve aumento de 13,6% no número de eventos com mulheres. Considerando-se apenas o ano de 2010, o maior quantitativo de mulheres vitimadas tinha entre 26 e 33 anos de idade, perfazendo 32% do total de 10.979 vítimas; destas ocorrências, os tipos de crimes de maior destaque foram lesão corporal e ameaça, nesta ordem.

No período entre 2009 e 2010, entre as meninas de 0 a 11 anos, ameaça e lesão corporal foram os crimes de maior incidência, nesta ordem. Com relação às mulheres idosas, ameaça e injúria, nesta ordem, foram as formas de agressão com maior destaque.

(32)

As idosas, no maior número de eventos, foram vítimas dos cônjuges, e as meninas tiveram pelo menos um dos pais como algoz, em especial, o pai.

Em relação aos registros de ocorrências policiais de violência doméstica e/ou familiar, para ambos os sexos, no período comparativo de janeiro a julho de 2010 e de 2011, houve discreto aumento no número de registros: de 5.294 registros, em 2010, para 6.069, em 2011. O total de vítimas de violência doméstica e/ou familiar do sexo feminino em 2010 foi de 5.585 e em 2011, de 6.288. A média mensal de registros em 2010 foi de 756 ocorrências, ao passo que em 2011, essa média ficou em 867. Nesse período, destacaram-se os meses de maio (em 2010, foram 727 registros; em 2011, 1.088) e junho (em 2010, foram 531 registros; em 2011, 1.032).

Em 2011, 33,4% dos registros de crimes relacionados à violência doméstica e/ou familiar corresponderam a lesão corporal. Contudo, ao se fazer a análise de crimes graves de destaque – homicídio doloso (tentado e consumado), lesão corporal dolosa, injúria real, estupro (tentado e consumado), sequestro e cárcere privado e tortura, a lesão corporal correspondeu a 93,9% destas ocorrências. A violência doméstica e/ou familiar se concentrou nos fins de semana, à noite, particularmente aos domingos, entre 18h00 e 23h59 (o dia da semana de maior incidência de registros foi domingo, com 1.444 ocorrências, equivalendo a 23,8% do total de 2011), e a faixa de horário mais crítica foi a do período noturno, compreendido entre 18h00 e 23h59, com 2.676 eventos (44,1% do total de registros). Entre as regiões administrativas do Distrito Federal, apresentaram destaque, em números absolutos de registros, Ceilândia, Taguatinga e Planaltina, sendo lesão corporal, ameaça e injúria os crimes de maior incidência nestas cidades, nesta ordem.

Considerando-se apenas o ano de 2011, o maior quantitativo de mulheres vitimadas tinha entre 30 e 39 anos de idade (31,06%) e os crimes de destaque para esta faixa etária foram lesão corporal, injúria e ameaça, nesta ordem. Especificamente com relação às mulheres idosas, notou-se a incidência recorrente de injúria e ameaça.

(33)

As vítimas acima de 60 anos, na maioria dos registros, também apontaram os cônjuges como agressores. Já as meninas de até 12 anos de idade indicaram pelo menos um dos pais como agressor, em especial, o pai. Ressalta-se que 72% dos eventos ocorreram concomitantemente no âmbito doméstico e entre familiares.

O maior índice de violência registrado no Distrito Federal no ano de 2012 foi de ameaça, totalizando 6.272 registros, seguida de injúria, com 4.870 ocorrências, enquanto lesão corporal ficou em terceiro lugar, com 3.288 casos registrados. Houve um total geral de 17.675 ocorrências envolvendo o núcleo familiar.

O serviço denominado Ligue 180, Central de Atendimento à Mulher, foi criado pela Secretaria de Políticas para as Mulheres em 2005. Ele dá voz às mulheres vítimas da violência doméstica, contribui para romper o silêncio, ajuda a salvar vidas e tem feito a diferença para milhões de pessoas. O Ligue 180, um serviço nacional gratuito, esclarece às vítimas sobre seus direitos e onde e como obter ajuda. Além de ser uma importante porta de entrada na rede de atendimento para as mulheres, também subsidia o desenho da política de enfretamento à violência e o monitoramento dos serviços que integram a rede em todo o país. Desde que a Lei Maria da Penha foi sancionada, em agosto de 2006, a Central de Atendimento à Mulher já realizou 2.714.877 atendimentos. A violência física esteve presente em 196.610 casos relatados e, entre estes, 93.903 (52%) apresentaram risco de vida e 83.442 (45%) risco de espancamento (SECRETARIA DE POLÍTICAS PARA AS MULHERES, 2012).

Segundo o balanço semestral de janeiro a junho de 2012 da Secretaria de Políticas para as Mulheres (2012), no período foram feitos 388.953 atendimentos pelo Ligue 180, o que representa uma média de 2.150 registros por dia em âmbito nacional. A média mensal foi de, aproximadamente, 65 mil atendimentos, com destaque para o mês de março, com 75.776. Em comparação com os seis primeiros meses de 2011, verificou-se aumento de mais de 13% no total de registros.

(34)
(35)

3 METODOLOGIA

Este estudo beneficiou-se dos pressupostos da pesquisa qualitativa, que pode ser entendida, em linhas gerais, como uma abordagem em que se procura compreender um determinado fenômeno em profundidade. Nesse tipo de pesquisa, não se trabalha com estatísticas e regras rígidas, mas realizando descrições, análises e interpretações de caráter subjetivo. Dessa forma, a pesquisa qualitativa caracteriza-se por ser mais participativa e menos controlável, levando-se em consideração que os elementos participantes podem orientar os caminhos que esta toma mediante suas interações com o pesquisador (ALCÂNTARA; VESCE, 2008).

Entre as características básicas da pesquisa qualitativa, Bogdan e Biklen (1994) destacaram as seguintes: o investigador é o instrumento principal; tende a ser mais descritiva; existe mais interesse pelo processo do que pelos resultados ou produtos; os investigadores qualitativos tendem a analisar seus dados de forma indutiva; o significado dos fenômenos estudados é de fundamental importância.

Na investigação qualitativa, trabalha-se com opiniões, representações, posicionamentos, crenças e atitudes, utilizando-se procedimentos de cunho racional e intuitivo para melhor compreender a complexidade dos fenômenos individuais e coletivos. Dessa maneira, se caracteriza como uma abordagem de alto grau de complexidade, pois aprofunda as interpretações com o intuito de decifrar seus significados (PAULILO, 1999).

O tamanho da amostra não precisa necessariamente ser elevado em pesquisas de abordagem qualitativa. Em geral, quando os dados tornam-se significativamente repetitivos, pode-se considerar a amostra suficiente, devendo esta decisão ser tomada com base na percepção do próprio pesquisador (LEOPARDI, 2001).

3.1 LÓCUS

(36)

informações prestadas pela Seção de Análise Criminal da DEPO/PCDF, desde 2008, Taguatinga é a segunda maior região administrativa com registro de ocorrências de violência doméstica e/ou familiar contra a mulher, perdendo em números somente para Ceilândia. Entre as regiões administrativas do Distrito Federal, apresentaram destaque, em números absolutos de registros, Ceilândia, Taguatinga e Planaltina, sendo lesão corporal, ameaça e injúria os crimes de maior ocorrência, nesta ordem.

3.2 ANÁLISE DOCUMENTAL DOS PROCESSOS

Os processos judiciais protocolados e encerrados no período de janeiro de 2009 a dezembro de 2012 no 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Taguatinga, DF formaram a base documental desta pesquisa. A partir disso, selecionamos os processos em que já havia sido proferida a sentença de mérito, ou seja, que apresentavam a decisão final do juiz, condenando ou absolvendo o réu.

Inicialmente, pretendíamos analisar 20% de todos os processos encerrados com mérito no universo de 1.502 processos daquele juizado. Contudo, como esse número se revelou baixo, decidimos analisar todos os que foram encontrados nessas condições no período abarcado pela pesquisa.

3.3 TRABALHO DE CAMPO E SELEÇÃO DOS PROCESSOS

Ao contatar o 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Taguatinga, explicamos aos funcionários que era objetivo da presente pesquisa analisar as sentenças encerradas com mérito sobre casos de violência contra a mulher, no período entre janeiro de 2009 a dezembro de 2012. Dois funcionários imprimiram uma lista contendo os números dos processos ali protocolados e encerrados no período de interesse.

(37)

são tratadas como segredo de justiça. Diante disso, criou-se um impasse inicial para que esta pesquisa acontecesse. Isso foi contornado quando o juiz responsável autorizou-nos o acesso aos dados por meio da senha de um funcionário.

A seguir, acessamos no sistema as sentenças referentes a cada um dos processos contidos na lista fornecida, verificando quais deles tratavam exclusivamente de casos de violência contra a mulher e se o juiz os havia julgado com mérito e procedentes. No período em análise, foram ali protocolados e encerrados 1.502 processos, dos quais, 552 referiam-se a casos previstos na Lei Maria da Penha (Gráfico 1).

Gráfico 1. Total dos processos protocolados e encerrados no período de janeiro de 2009 a dezembro de 2012 no 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Taguatinga, DF (n = 1.502) e total daqueles referentes exclusivamente a casos previstos na Lei nº 11.340 (BRASIL, 2006) (n = 552).

Fonte: Original elaborado pela autora para este trabalho.

(38)

No Gráfico 2, mostramos a distribuição desses 552 processos em cada ano abrangido por este estudo. Desse total, 57 processos (10%) obedeciam aos critérios estabelecidos nesta pesquisa, porquanto foram encerrados com mérito e procedentes, como apresentado no Gráfico 3.

Gráfico 2. Total de processos referentes exclusivamente a casos previstos na Lei nº 11.340 (BRASIL, 2006) protocolados em cada ano do período em análise (2009– 2012) (n = 552).

Fonte: Original elaborado pela autora para este trabalho.

(39)

Gráfico 3. Total de processos referentes a casos previstos na Lei nº 11.340 (BRASIL, 2006) que foram arquivados, extintos ou considerados semiprocedentes (n = 495) e total daqueles referentes a casos encerrados com mérito e procedentes (n = 57).

Fonte: Original elaborado pela autora para este trabalho.

Gráfico 4. Porcentagem dos envolvidos no total de processos encerrados com mérito e procedentes.

(40)

3.4 ANÁLISE DE CONTEÚDO DAS SENTENÇAS

Neste trabalho, lançamos mão do método da análise de conteúdo e buscamos analisar quais seriam as evidências que as sentenças proferidas pelos juízes teriam. Após a leitura de todas as sentenças, traçamos uma linha de trabalho, pois antes disto não podíamos prever o que conteriam.

Na análise do discurso dos juízes que proferiram as sentenças, três conjuntos temáticos chamaram nossa atenção: a caracterização da violência perpetrada contra a mulher, as estratégias argumentativas da defesa do réu visando inocentá-lo da acusação e a contra argumentação dos juízes ao proferir as sanções condenatórias. Com esta análise, como já enunciado na introdução, buscamos, em linhas gerais, verificar a efetividade da Lei Maria da Penha no que se refere ao seu potencial condenatório referente aos crimes de violência doméstica perpetrada contra a mulher.

No Diagrama 1, verifica-se que uma lei pode ser efetiva, eficiente e eficaz. Dados os limites acadêmicos deste estudo, entendemos que nossa pesquisa pode contribuir para uma discussão sobre o efeito da lei, mas não sobre sua eficácia, pois teríamos de avaliar as outras dimensões da lei, como os aspectos preventivos e de atendimento ao autor da violência.

(41)

Diagrama 1. Interseção da efetividade, eficácia e eficiência de uma lei.

Fonte: Original elaborado pela autora para este trabalho.

Eficiência Efetividade

(42)

4 CARACTERIZAÇÃO DOS CRIMES CONTRA A MULHER NOS PROCESSOS ANALISADOS

Nosso foco nas sentenças possibilitou uma caracterização dolorosa e exaustiva dos fatos narrados na perspectiva dos juízes que elaboraram e proferiram as sentenças. Esses relatos foram realizados tanto nas delegacias como nos depoimentos durante as audiências ou perante o tribunal de justiça e retomados pelos juízes nas sentenças.

No Quadro 2, em que mapeamos mais detidamente as características da violência nas formas descritas pelos juízes nas sentenças proferidas, verificamos concentração majoritária dos casos de violência física com lesão corporal (63%), poucos casos de violência psicológica (16,5%) e de violência física e psicológica (18,5%) e pouquíssimos de violência patrimonial (2%). Isso parece refletir a necessidade de que a violência perpetrada alcance o nível da “bestialidade”, como afirmado por alguns juízes, para compor o pequeno elenco de casos que chegam ao final do processo de investigação e julgamento.

Como já confirmado por dezenas de estudos, praticamente toda sorte de violência é praticada no espaço privado, longe da vigilância do olhar sancionador das leis e das autoridades, silenciado pelo afeto ao companheiro, o medo da denúncia e a ambiguidade das potenciais testemunhas. E é justamente a “queixa-crime” o único instrumento capaz de fazer emergir este tipo de crime da esfera de medos e segredos, de maneira a ganhar o espaço público e o julgamento social.

(43)

Quadro 2. Tipos de crimes perpetrados contras mulheres registrados nas sentenças analisadas.

Tipo de crime/violência Ocorrência

(nº) Número da sentença VIOLÊNCIA FÍSICA

a) Lesão corporal na unidade doméstica

Art. 129, § 9º do Código Penal (BRASIL, 1940) e Art. 5º, inciso I da Lei nº 11.340 (BRASIL, 2006)

3 2, 27, 31

b) Lesão corporal no âmbito da família

Art. 129, § 9º do Código Penal (BRASIL, 1940) e Art. 5º, inciso II da Lei nº 11.340 (BRASIL, 2006)

9 10, 13, 23, 1, 4, 7, 8, 36, 40 c) Lesão corporal em qualquer relacionamento afetivo

Art. 129, § 9º do Código Penal (BRASIL, 1940) e Art. 5º,

inciso III da Lei nº 11.340 (BRASIL, 2006) 11

14, 16, 22, 24, 26, 29, 30, 33, 39,

42, 43 d) Lesão corporal com pena agravada

Art. 129, § 1º, inciso I, § 9º e 10º do Código Penal (BRASIL, 1940) e Art. 5º, inciso III da Lei nº 11.340 (BRASIL, 2006)

2 11, 12

e) Prática de vias de fato e ameaça a membros da família

Art. 21 do Decreto-lei nº 3.688 (BRASIL, 1941a), Art. 147 do Código Penal (BRASIL, 1940) e Art. 5º, incisos I e II da Lei nº 11.340 (BRASIL, 2006)

2 21, 38

Subtotal 27

VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA

a) Ameaça em qualquer relacionamento afetivo

Art. 147 caput do Código Penal (BRASIL, 1940) e Art.

5º, inciso III da Lei nº 11.340 (BRASIL, 2006) 3 5, 32, 34

b) Molestação e desobediência de autoridades

Art. 330 do Código Penal (BRASIL, 1940) e Art. 5º, inciso III da Lei nº 11.340 (BRASIL, 2006)

1 18

c) Molestação ou perturbação da tranquilidade

Art. 65 do Decreto-lei nº 3.688 (BRASIL, 1941a) 1 3

d) Perturbação da tranquilidade e ameaça em qualquer relacionamento afetivo

Art. 65 do Decreto-lei nº 3.688 (BRASIL, 1941a), Art. 147 do Código Penal (BRASIL, 1940) e Art. 5º, inciso III da Lei nº 11.340 (BRASIL, 2006)

1 6

e) Constrangimento a pessoa em qualquer relacionamento afetivo

Art. 146 do Código Penal (BRASIL, 1940) e Art. 5º, inciso III da Lei nº 11.340 (BRASIL, 2006)

1 17

Subtotal 7

(44)

Conclusão

Quadro 2. Tipos de crimes perpetrados contras mulheres registrados nas sentenças analisadas.

Tipo de crime/violência Ocorrência

(nº)

Número da sentença VIOLÊNCIA FÍSICA E PSICOLÓGICA

a) Violência física e psicológica na unidade doméstica Art. 129, § 9º e Art. 69 e 147 do Código Penal (BRASIL, 1940) e Art. 5º, inciso I da Lei nº 11.340 (BRASIL, 2006)

1 28

b) Violência física e psicológica a pessoa em qualquer relacionamento afetivo

Art. 129, § 9º e Art. 147 do Código Penal (BRASIL, 1940) e Art. 5º, inciso III da Lei nº 11.340 (BRASIL, 2006)

6 15, 19, 20,

25, 35, 41

c) Violência física (vias de fato) e psicológica (ameaça) a pessoa em qualquer relacionamento afetivo

Art. 147, caput do Código Penal (BRASIL, 1940), Art. 21 do Decreto-lei nº 3.688 (BRASIL, 1941a) e Art. 5º, inciso III da Lei nº 11.340 (BRASIL, 2006)

1 37

Subtotal 8

VIOLÊNCIA PATRIMONIAL

Incendiar residência de pessoa em qualquer relacionamento afetivo

Art. 250, § 1º, inciso II, alínea “a” do Código Penal (BRASIL, 1940) e Art. 5º, inciso III da Lei nº 11.340 (BRASIL, 2006)

1 9

Subtotal 1

Total 43

Fonte: Original elaborado pela autora para este trabalho.

(45)

todo o seu poder de sedução. Deixando marcas no rosto, ele consegue privá-la de liberdade.

Embora haja inúmeros tipos de violência contra a mulher, nossa opção pelo foco na sentença trouxe uma limitação para a definição das características das vítimas e dos autores de violência.

4.1 TIPOS DE VIOLÊNCIA OBSERVADOS NAS SENTENÇAS PROFERIDAS PELOS JUÍZES

No final da década de 1970, Walker (1979) apontou três fases distintas constituintes do ciclo violência, as quais variam tanto em intensidade como no tempo, para o mesmo casal e entre diferentes casais, não aparecendo, necessariamente, em todos os relacionamentos. A primeira fase é de construção, em que ocorrem incidentes verbais e espancamentos em menor escala, como chutes e empurrões. Nesse momento, as vítimas geralmente tentam acalmar o agressor, aceitando a responsabilidade pelos problemas dele, com isto esperando adquirir algum controle sobre a situação e mudar seu comportamento. A segunda fase é caracterizada por incontrolável descarga de tensão, sendo a mulher espancada, independentemente de seu comportamento diante do homem, que utiliza armas e objetos para agredi-la. Já a terceira fase corresponde a uma temporária reconciliação, marcada por extremo amor e comportamento gentil do agressor, que tem consciência de ter exagerado em suas ações e, subsumindo-se no arrependimento, pede perdão, prometendo controlar sua raiva e não feri-la novamente.

(46)

dificuldades financeiras e do cansaço. Também o álcool é um motivo alegado pela grande maioria das vítimas para explicar o comportamento agressivo de seus parceiros. Gregori (1993) argumentou que o álcool estimula esse tipo de comportamento, mas age apenas como catalisador de vontade preexistente, havendo, portanto, intenção prévia em ferir a integridade física da mulher.

4.1.1 Lesão corporal

O crime de violência doméstica, como forma qualificada do delito de lesões corporais, foi acrescentado no § 9º do Art. 129 do Código Penal pela Lei nº 10.886 (BRASIL, 2004): “Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade [...]”. Esse texto não foi alterado pela Lei Maria da Penha, permanecendo esse como crime sujeito a pena de detenção, a ser cumprida em regime semiaberto ou aberto (DIAS, 2012).

As relações estabelecidas entre homens e mulheres são, quase sempre, de poder deles sobre elas, pois a ideologia dominante tem papel de difundir e reafirmar a supremacia masculina e a correlata inferioridade feminina (SILVA, 1992). Dessa forma, quando a mulher é o polo dominado da relação mas não aceita como natural o lugar e o papel a ela impostos pela sociedade, o homem recorre a artifícios mais ou menos sutis, como a violência simbólica (moral e/ou psicológica) para fazer valer suas vontades. A partir disso, a violência física se manifesta nos espaços lacunares, em que a ideologização da violência simbólica não se faz garantir.

Nas sentenças proferidas pelos juízes do 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Taguatinga, analisadas nesta pesquisa, observamos a presença de discurso abarcando o tipo de violência lesão corporal nos seguintes casos:

(47)

Nessa categoria, ficou difícil visualizar no discurso dos juízes o exato local do corpo em que foi praticada a violência contra a mulher, tendo em vista que, normalmente, em suas sentenças, declaram apenas a comprovação da materialidade da lesão corporal. Como a intenção na presente pesquisa é verificar o tipo de maior incidência de violência e o discurso proferido pelos juízes, por conta desta especificidade, resolvemos colher as informações no discurso da vítima declarado em juízo. Assim, embora o réu possa ter lesionado a vítima atingindo-a em várias partes do corpo, pudemos identificar nas sentenças analisadas que o maior número de agressões atingiu a cabeça delas e, mais especificamente, o rosto.

Sentença nº 1: [...] desferindo contra a mesma socos e chutes na cabeça, na face, nas pernas, nos braços, nas costas; em razão das agressões teve um dente quebrado. [...]

Sentença nº 4: [...] o acusado sem qualquer justificativa começou a agredir a

declarante com mordidas no pescoço e no ombro da declarante [...] dando

tapas no rosto da declarante. [...]

Sentença nº 5: [...] o acusado teria lhe dado um tapa na cabeça. [...]

Sentença nº 8: [...] passou a agredir a declarante com socos; que a declarante começou a gritar. [...]

Sentença nº 10: [...] que o acusado desferiu socos na declarante; que a declarante lutou com o acusado. [...]

Sentença nº 12: [...] Ato contínuo, o réu subiu na cama e começou a desferir-lhe socos e tapas no rosto e na cabeça. [...]

Sentença nº 13: [...] que o acusado ao chegar começou a xingar a declarante e desferiu tapas no rosto da declarante; que quando a declarante já estava dentro do carro para ir embora o acusado mordeu o ombro da declarante. [...]

Sentença nº 14: [...] Que o réu bateu a cabeça da declarante, no volante do

veículo e novamente puxou pelos cabelos, jogando-a no chão. [...]

Sentença nº 15: [...] que quando a declarante se abaixou para pegar a criança o acusado desferiu um soco na boca da declarante, que veio a quebrar alguns dentes da declarante. [...]

Imagem

Gráfico 1. Total dos processos protocolados e encerrados no período de janeiro de  2009 a dezembro de 2012 no 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a  Mulher de Taguatinga, DF (n = 1.502) e total daqueles referentes exclusivamente a  casos pr
Gráfico 2. Total de processos referentes exclusivamente a casos previstos na Lei nº  11.340  (BRASIL,  2006)  protocolados  em  cada  ano  do  período  em  análise  (2009–
Gráfico  4.  Porcentagem  dos  envolvidos  no  total  de  processos  encerrados  com  mérito e procedentes

Referências

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