Universidade
Católica de Brasília
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO
STRICTO SENSU EM DIREITO
Mestrado
A APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO: O
CASO DO ACORDO BRASIL-PORTUGAL DE PREVIDÊNCIA
SOCIAL
Autora: Neide Liamar Rabelo de Souza
Orientador: Professor Doutor Manoel Moacir Costa Macêdo
A APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO: O CASO DO ACORDO
BRASIL-PORTUGAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação Stricto Sensu em Mestrado em Direito
da Universidade Católica de Brasília, como
requisito para obtenção do Título de Mestre em
Direito Econômico Internacional.
Orientador: Professor Doutor Manoel Moacir Costa Macêdo
Brasília
Ficha elaborada pela Biblioteca Pós-Graduação da UCB
23/08/2010
S729a Souza, Neide Liamar Rabelo de
A aposentadoria por tempo de contribuição: o caso do acordo Brasil-Portugal de previdência social. / Neide Liamar Rabelo de Souza. – 2010.
260f.; il.: 30 cm
Dissertação (mestrado) – Universidade Católica de Brasília, 2010. Orientação: Manoel Moacir Costa Macêdo
1. Previdência social Legislação. 2. Seguridade social. 3. Direito internacional público. I. Macêdo, Manoel Moacir Costa, orient. II. Título.
Dissertação de autoria de Neide Liamar Rabelo de Souza, intitulada A aposentadoria
por tempo de contribuição: o caso do Acordo Brasil-Portugal sobre Previdência Social,
requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Direito Internacional Econômico,
defendida e aprovada, em 4.10.2010, pela banca examinadora constituída por:
___________________________________________________ Professor Doutor Manoel Moacir Costa Macêdo − Orientador
_________________________________________________ Professor Doutor Leonardo André Paixão − Examinador externo
___________________________________________________________ Professor Doutor João Rezende Almeida Oliveira − Examinador interno
Dedico esta dissertação a Mariota, Samara,
Fernando e André, por acreditarem que serei
capaz de realizar todos os meus sonhos
“possíveis” e me darem o apoio afetivo
necessário para me fazer crescer.
Os meus agradecimentos são dirigidos a
admiráveis pessoas que colaboraram para a
elaboração desse estudo. Como não será possível
nominar todas, manifestarei minha gratidão por
intermédio do meu orientador, Professor Doutor
Manoel Moacir Costa Macêdo, da Professora
Wanda Maciel, do Professor André Marques e do
meu irmão Fernando. São pessoas que têm e
praticam virtudes humanas, como a da bondade.
“Quem segue a justiça e a bondade achará a vida,
a justiça e a glória.”
“Depois de algum tempo, você aprende a
construir todas as suas estradas no hoje, porque o
terreno do amanhã é incerto demais.”
Esta pesquisa tem o propósito de responder à seguinte questão: a aposentadoria por tempo de contribuição é um benefício para alguns privilegiados? A metodologia científica utilizada é o estudo de caso do comportamento dessa aposentadoria no âmbito do Acordo de Previdência Social entre o Governo Brasileiro e o Português. O objetivo é averiguar a proporcionalidade existente entre as concessões aos segurados que recolheram sua contribuição, exclusivamente, para o regime brasileiro e os que cotizaram para os dois sistemas com totalização amparada pelo Acordo firmado. O desenvolvimento do estudo levará em consideração a evolução histórica e a formação da previdência social, os tratados internacionais em que o Brasil é signatário ou parte contratante, com especial ênfase para os acordos sobre previdência social.
Outrossim, uma síntese da legislação portuguesa que concerne à segurança social, com o
propósito de conhecer os fundamentos para as contribuições e benefícios concedidos na esfera previdenciária aos nacionais e àqueles alcançados por acordo internacional sobre o tema. Contextualiza-se o desenvolvimento da previdência social com as políticas: econômicas, sociais, do estado de bem-estar social, do estado mínimo e do fenômeno mais recente da globalização; tendo como marco teórico previdenciário os seguintes autores estrangeiros: Beveridge, Durand, Doupeyroux, Venturi e Borrajo Dacruz, e sociológico, teoria da reciprocidade, desenvolvida por Marcel Mauss; entre os nacionais: Wladimir Martinez, Fábio Ibrahim, Wagner Balera, Arnaldo Godoy, Cachapuz de Medeiros, Fábio Giambiagi, Horvath Júnior entre outros; o referencial teórico é intrínseco ao Direito e a Economia. A previdência social brasileira será abordada com sua evolução normativa, com especial ênfase após a Constituição de 1988, com detalhamento da aposentadoria por tempo de contribuição prevista na legislação brasileira e que alcança aqueles amparados pelo Acordo Brasil-Portugal de Previdência Social. Com a investigação, foi possível constatar que a citada aposentadoria é requerida por um pequeno número de segurados brasileiros, com idêntica tendência para as concessões realizadas por força do Acordo. Por outro lado, ficou evidente que tecnicamente, para o custeio, é a melhor espécie de segurado: que contribui por mais tempo, tem regularidade nos recolhimentos, com base-de-cálculo mais elevada em comparação com aqueles que aposentam por idade ou invalidez. Do ponto de vista do custo/benefício, sua permanência é imprescindível para a estabilidade e continuidade da previdência social e pública.
This research aims to answer the following question: retirement for years of contribution is a benefit for the privileged few? The scientific methodology used is the case study of the behavior of retirement under the Social Security Agreement between the Government and Brazilian Portuguese. The objective is to assess the proportionality of the concessions to policyholders who have gathered their contributions exclusively for the Brazilian and have contributed to the two systems with aggregation supported by the Agreement signed. The development of the study will take into account the historical evolution and the formation of social security, the international treaties to which Brazil is a signatory or Contracting Party, with special emphasis on the agreements on social security. In addition, an overview of the Portuguese legislation concerning social security, in order to ascertain the reasons for the contributions and benefits in the sphere of national welfare and those made by international agreement on the issue. Contextualize the development of social policies with: economic, social, state welfare, the state minimum and the more recent phenomenon of globalization, having as theoretical pension the following foreign authors: Beveridge, Durand, Doupeyroux , Venturi and Borrajo Dacruz, and sociological theory of reciprocity, developed by Marcel Mauss; between the nationales: Wladimir Martinez, Fabio Ibrahim, Wagner Balera, Arnaldo Godoy, Cachapuz de Medeiros, Fabio Giambiagi, Horvath Jr. among others, the theories discussed here are intrinsic to the law and economics. The Brazilian social security system will be discussed with your regulatory changes, with special emphasis since the 1988 Constitution, with information about retirement for years of contribution provided for by Brazilian legislation and reaching those supported by the Brazil-Portugal Agreement on Social Security. With research, it was established that the said retirement is required by a small number of holders Brazil, with a similar trend for the awards made under the Agreement. Moreover, it was evident that technically, for funding, is the best kind of insured contributing longer has regular gatherings in the basis-of-calculation higher compared with those who retire by age or disability. From the standpoint of cost-benefit analysis, its continued presence is essential for the stability and continuity of social and public.
Fl.
Tabela 1: As diferenças entre os sistemas bismarkiano e beveridgeano 87
Tabela 2: O comparativo dos principais requisitos do sistema de previdência social em vigor
no Brasil e em Portugal 136
Tabela 3: A evolução dos benefícios emitidos, por quantidade, valor total e médio por
provento – 2000-2008 172
Tabela 4: O número total de pensionistas e o correspondente valor de pensões portuguesas
processadas, por ano, a residentes no Brasil – 2000-2008 189
Tabela 5: A quantidade de benefícios concedidos no âmbito dos acordos internacionais de previdência social, por grupos de espécies, segundo países acordantes com o
Brasil – 2000-2008 191
Tabela 6: O valor de benefícios concedidos no âmbito dos acordos internacionais da previdência social – total, aposentadoria por tempo de contribuição total e
numerários enviados para Portugal – 2000-2008 192
Tabela 4: O valor de créditos emitidos para remessa ao exterior de benefícios de acordos internacionais – total, aposentadoria por tempo de contribuição total e numerários
enviados para Portugal – 2000-2008 193
Tabela 8: As principais normas sobre segurança social portuguesa na década de 1970 224
Tabela 9: A evolução normativa da segurança social portuguesa nos anos de 1980 225
Tabela 10: A reforma legal da segurança social portuguesa na década de 1990 227
Tabela 11: A legislação da segurança social portuguesa para os anos 2000 232
Tabela 12: Os acordos bilaterais em vigor para o Brasil no âmbito da previdência social 235
Tabela 13: Os acordos multilaterais em vigor para o Brasil no domínio da previdência social
238
Tabela 14: A quantidade de benefícios concedidos pelo MPS, por grupo de espécies, no
período de 2000 a 2008 240
Tabela 15: A população estrangeira com estatuto legal de residência em Portugal – 2002-2007
Tabela 17: Os estrangeiros em Portugal com a finalidade de trabalho, estada temporária e
estudos, no ano de 2007 241
Tabela 18: As autorizações concedidas, no Brasil, a estrangeiros por país de origem –
2004-2008 242
Tabela 19: As autorizações de trabalho concedidas a estrangeiros, no Brasil – 2004-2008
242
Tabela 20: A quantidade de segurados da previdência social brasileira transferidos e períodos médios de permanência – total e com destino para Portugal – 2000-2007 243
Tabela 21: A quantidade de segurados da previdência social amparados por acordos internacionais, o período médio de permanência no Brasil e àqueles provenientes
de Portugal – 2000-2008 243
Tabela 22: A quantidade de benefícios concedidos no âmbito dos acordos internacionais de previdência social, por grupos de espécies, segundo os países acordantes com o
ACIMA – Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas
ADI – Ação Direta de Inconstitucionalidade
AEPS – Anuário Estatístico de Previdência Social
AEUDF – Associação de Ensino Unificado do Distrito Federal
AISS – Associação Internacional de Segurança Social
ATC – Aposentadoria por Tempo de Contribuição
BIRD – Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento ou Banco Mundial
CCB – Carta de Concessão do Benefício
CDT – Certificado de Deslocamento Temporário
CEE – Comunidade Econômica Europeia
Celade – Centro Latino-Americano e Caribenho de Demografia
CEME – Central de Medicamentos
CEPAL – Comissão Econômica para a América Latina
CF/1988 – Constituição Federal da República Federativa do Brasil, de 5.10.1988
CGIg – Coordenação Geral de Imigração do Ministério do Trabalho e Emprego
CHT – Convenção de Havana sobre Tratados
CIESS – Centro Interamericano de Estudos de Seguridade Social
CIT – Certificação das Incapacidades Temporárias por Estado de Doença
CLPS – Consolidação das Leis da Previdência Social
CLT – Consolidação das Leis do Trabalho
CNAS – Conselho Nacional de Assistência Social
CNig – Conselho Nacional de Imigração do Ministério do Trabalho e Emprego
CNIS – Cadastro Nacional de Informações Sociais
COFINS – Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social
CR/1976 – Constituição da República Portuguesa, de 2.4.1976
CPB – Código Penal Brasileiro
CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
CPS – Conselho de Previdência Social
CRSS – Centros Regionais de Segurança Social
CSLL – Contribuição Social sobre o Lucro Líquido
CTN – Código Tributário Nacional
CVDT - Convenção sobre Direito dos Tratados
DAI – Divisão de Atos Internacionais do Ministério das Relações Exteriores
Dataprev – Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social
DCN – Diário do Congresso Nacional
DI – Direito Internacional
DOU – Diário Oficial da União
DPSS – Departamento de Planejamento da Segurança Social
EC – Emenda Constitucional
EEE – Espaço Econômico Europeu
EFTA – Associação Européia de Livre Comércio
EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
EPU – Editora Pedagógica e Universitária
EUA - Estados Unidos da América
Eurostat – Gabinete de Estatísticas da União Europeia
FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
FMI – Fundo Monetário Internacional
FOGASA – Fundo de Garantia Salarial
FPM – Fundo de Participação dos Municípios
G7 – Trata-se de uma espécie do Clube ou Fórum das maiores economias capitalistas do mundo, integrado pelos Estados Unidos, Canadá, Japão, Reino Unido, França, Alemanha e Itália
HIV – Human Immunodeficiency Vírus (Vírus da Imunodeficiência Humana)
IAP – Institutos de Aposentadorias e Pensões
IAPM – Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos
IAPAS – Instituto de Administração da Previdência e Assistência Social
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDH – Índice de Desenvolvimento Humano
IDS – Instituto para o Desenvolvimento Social
IGFSS – Instituto de Gestão Financeira de Segurança Social
INAMPS – Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social
INE – Instituto Nacional de Estatística de Portugal
INPS – Instituto Nacional de Previdência Social
INSS – Instituto Nacional do Seguro Social
IP – Instituto de Pensões
IPASE – Instituto de Pensão e Assistência dos Servidores do Estado
IPC – Índice de Preço ao Consumidor
IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
IPSS – Instituições Particulares de Solidariedade Social
ISS – Instituto da Segurança Social
IVA – Imposto sobre o Valor Agregado
LBA – Legião Brasileira de Assistência
LC – Lei Complementar
LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social
LOPS – Lei Orgânica da Previdência Social
MDS – Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
MOG – Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão
MPAS – Ministério da Previdência e Assistência Social
MPS – Ministério da Previdência Social
MRE – Ministério das Relações Exteriores
MTE – Ministério do Trabalho e Emprego
MTSS – Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social
NISS – Número de Identificação da Segurança Social
OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico
OISS – Organização Ibero-americana de Seguridade Social
OIT – Organização Internacional do Trabalho
OMC – Organização Mundial do Comércio
ONG – Organizações Não Governamentais
ONU – Organização das Nações Unidas
OPEP – Organização dos Países Exportadores de Petróleo
PBPS – Plano de Benefícios da Previdência Social
PCPS – Plano de Custeio da Previdência Social
PEA – População Economicamente Ativa
PNAD – Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio
PNB – Produto Nacional Bruto
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
PPS – Posto da Previdência Social
Prorural – Programa de Assistência ao Trabalhador Rural
PRP – Partido Republicano Paulista
PSDB – Partido da Social Democracia Brasileira
PUC-SP – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
RDT – Revista de Direito do Trabalho
RJIFNA – Regime Jurídico das Infrações Fiscais Não Aduaneiras
RMG – Rendimento Mínimo Garantido
RMV – Renda Mensal Vitalícia
RPA – Relação de Pagamentos Autorizados
RPS – Regulamento da Previdência Social
SEF – Serviço de Estrangeiros e Fronteiras de Portugal
SENARC – Secretaria Nacional de Renda de Cidadania do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
SGT – Subgrupo de Trabalho
SIDA – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
Simples – Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte
SINPAS – Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social
SRFB – Secretaria da Receita Federal do Brasil
STN – Sistema Tributário Nacional
SUS – Sistema Único de Saúde
SVI – Sistema de Verificação de Incapacidades
SVIP – Sistema de Verificação de Incapacidades Permanentes
SVIT – Sistema de Verificação de Incapacidades Temporárias
TEDH – Tribunal Europeu dos Direitos Humanos
UE – União Europeia
UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais
UFPB – Universidade Federal da Paraíba
1 INTRODUÇÃO ... 19
2 AS REFLEXÕES CONTEXTUAIS ... 27
2.1. A metodologia ... 27
2.2 O referencial teórico... 29
2.2.1 A teoria da reciprocidade ...29
2.2.2 A teoria de Paul Durand ...33
2.2.3 A teoria de Jean-Jacques Dupeyroux ...39
2.2.4 A teoria de Efrén Borrajo Dacruz...42
2.2.5 A teoria de Augusto Venturi...49
2.2.6 O estado do bem-estar social ...53
2.3 A globalização econômica ... 60
3 A PREVIDÊNCIA SOCIAL... 71
3.1 A seguridade social ... 71
3.2 Os antecedentes históricos da previdência social ... 72
3.2.1 O Plano de Seguro Social de Bismarck ...79
3.2.2 O Plano Beveridge ...81
3.3 As normas brasileiras sobre a previdência social ... 87
3.3.1 A Constituição de 1824... 88
3.3.2 A Constituição de 1891... 88
3.3.3 A Constituição de 1934... 90
3.3.4 A Constituição de 1937... 90
3.3.5 A Constituição de 1946... 91
3.3.6 A Constituição de 1967... 92
3.3.7 A Constituição de 1988... 93
3.4 As fases evolutivas da previdência social... 94
3.4.1 A fase de formação ...94
3.4.2 A fase de consolidação ...94
3.4.3 A fase de expansão ...95
3.4.4 A fase de redefinição ...96
3.5 A previdência social no Brasil ... 98
3.5.1 Os fundamentos da previdência social ...100
3.5.2 O Regime Geral de Previdência Social...101
3.5.3 O custeio da previdência social ...103
3.5.4 A natureza jurídica da contribuição previdenciária ...106
3.5.5 As prestações previdenciárias ...108
República em Portugal... 118
4.1.1 A evolução da previdência social com a Revolução de 1974 ...121
4.1.2 As diretrizes da segurança social nos anos de 1980...123
4.1.3 As normas legais sobre segurança social nos anos de 1990 ...124
4.1.4 A legislação da segurança social nos anos 2000...125
4.2 A segurança social na Constituição Portuguesa ... 127
4.3 A Lei Básica da Segurança Social ... 130
4.4. A legislação e o tratamento dispensado aos estrangeiros em Portugal... 134
5 OS ACORDOS INTERNACIONAIS SOBRE A PREVIDÊNCIA SOCIAL ... 139
5.1 Os aspectos históricos do direito internacional... 139
5.2 Os tratados internacionais ... 141
5.2.1 A operacionalização dos tratados internacionais...144
5.2.2 Os tratados na ordem jurídica brasileira ...146
5.3 Os acordos sobre a previdência social em que o Brasil é parte contratante ... 149
5.3.1 Os movimentos migratórios de trabalhadores ...151
5.3.2 A proteção previdenciária ao trabalhador migrante ...153
5.3.3 A reciprocidade de tratamento entre o Brasil e os países acordantes...155
5.3.4 Os acordos previdenciários em vigor para o Brasil...157
6. A APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO: O CASO DO ACORDO BRASIL-PORTUGAL SOBRE A PREVIDÊNCIA SOCIAL ... 160
6.1 A aposentadoria por tempo de contribuição... 160
6.1.1 O fator previdenciário ...161
6.1.2 A aposentadoria por tempo de contribuição diferenciada ...163
6.1.3 A corrente contrária à permanência do benefício aposentadoria por tempo de contribuição ...164
6.1.4 A permanência do benefício aposentadoria por tempo de contribuição ...168
6.1.5 As estatísticas sobre os benefícios previdenciários brasileiros de 2000-2008 ...170
6.2 O caso do Acordo Brasil-Portugal sobre a previdência social... 174
6.2.1 A operacionalização do Acordo Brasil-Portugal sobre a previdência social ...175
6.2.2 A migração de trabalhadores entre Brasil e Portugal...180
6.2.2.1 Os estrangeiros em Portugal... 181
6.2.2.1.1 A imigração de brasileiros para Portugal ... 182
6.2.2.2 As autorizações de trabalho para os estrangeiros no Brasil ... 185
6.2.3 Os recursos enviados de Portugal para o Brasil no âmbito do Acordo de Previdência Social...188
6.2.4 Os benefícios previdenciários concedidos aos residentes em Portugal pelo Brasil no âmbito do Acordo de Previdência Social ...190
7 CONCLUSÃO... 196
APÊNDICE B – A EVOLUÇÃO NORMATIVA DA SEGURANÇA SOCIAL
PORTUGUESA NO PERÍODO DE 1970 A 2008 ... 224
APÊNDICE C − OS TERMOS USUALMENTE EMPREGADOS PARA DISTINGUIR
OS CONTEÚDOS DOS TRATADOS INTERNACIONAIS ... 233
APÊNDICE D − OS ACORDOS INTERNACIONAIS SOBRE A PREVIDÊNCIA
SOCIAL EM VIGOR PARA OS BRASILEIROS ... 235
APÊNDICE E – BENEFÍCIOS CONCEDIDOS PELA PREVIDÊNCIA SOCIAL
BRASILEIRA NO PERÍODO DE 2000 A 2008. ... 240
APÊNDICE F – A IMIGRAÇÃO DE PESSOAS PARA PORTUGAL ... 241
APÊNDICE G – AS AUTORIZAÇÕES DE TRABALHO PARA ESTRANGEIROS NO BRASIL ... 242
APÊNDICE H – AS MIGRAÇÕES DE TRABALHADORES COM PEDIDO DE
TRANSFERÊNCIA AUTORIZADA PELO INSS... 243
APÊNDICE I - OS BENEFÍCIOS CONCEDIDOS NO ÂMBITO DOS ACORDOS INTERNACIONAIS DE PREVIDÊNCIA SOCIAL, PELO BRASIL... 244
ANEXO A − O ACORDO DE SEGURIDADE SOCIAL OU SEGURANÇA SOCIAL
1 INTRODUÇÃO
O trabalho aqui desenvolvido tem a finalidade de mostrar, por meio da evolução
histórica, a formação da previdência social, no mundo e, sobretudo no Brasil, no período de
1945 a 2008, tendo em vista, principalmente, o salto tecnológico ocorrido a partir da década
de 1980, que facilitou a comunicação, o transporte e a consolidação da globalização
econômica.
O objetivo da pesquisa é examinar a veracidade ou não da pergunta: a Aposentadoria
por Tempo de Contribuição (ATC) é um benefício para alguns privilegiados? Em um segundo
momento, é fazer a confirmação, pelo estudo de caso, se o mesmo benefício no âmbito do
Acordo Brasil-Portugal de Previdência Social é representativo em relação às demais espécies
de prestações.
A previdência social é um tema instigante e atual, alcança toda a sociedade, porque cada
pessoa ou é aposentado ou pretende ser um dia. As pessoas sentem-se habilitadas a opinarem
sobre as regras de concessão e custeio com intimidade, sendo um assunto recorrente em
reuniões festivas e informais, e sempre com projetos novos para depois da aposentadoria.
O segurado, quando preenche todos os requisitos legais, pode requerer a aposentadoria,
voluntariamente; uma situação que, durante muito tempo, foi um privilégio da classe rica: a
renda sem obrigação de trabalho. Abandona a luta de classes nessa fase da vida: trabalhadores
e capitalistas se convertem, tanto uns como os outros, naqueles que vivem de rendimentos.
No Brasil, assinala-se um marco histórico em 1923, com a Lei Eloy Chaves, vindo a
consolidar-se como um regime geral atingindo todos os empregados, formalmente, a partir da
década de 1960. Com a Constituição de 1988, passou a ser um Direito Social abrangendo os
inscritos como segurados do sistema, sejam obrigatórios ou facultativos, que cumpram com a
obrigação de pagarem as suas contribuições, nos termos da lei vigente. Todos estarão
resguardados em momentos de incapacidade para o trabalho como: doença, invalidez e morte,
conforme a prescrição legal. Inaugurada pelo Decreto Legislativo n. 4.6821, de 24.1.1923 até
as leis orgânicas em vigência, as de n. 8.1122 e 8.1133, ambas de 24.7.1991.
1BRASIL. Decreto do Poder Legislativo n. 4.682, de 24 de janeiro de 1923. Crea, em cada uma das empresas de
estradas de ferro existentes no país, uma caixa de aposentadoria e pensões para os respectivos empregados. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/Historicos/DPL/_DPL-ano.htm>. Acesso em: 28 set. 2008.
2BRASIL. Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991. Dispõe sobre a organização da Seguridade Social, institui o Plano de
A seguridade social pode ser vista como um mecanismo de redistribuição de riqueza e,
consequentemente, de atenuação das desigualdades sociais. A pobreza fundamenta-se em um
produto de uma política capitalista, dando origem à exclusão e às assimetrias sociais. As
iniciativas assistenciais espontâneas da sociedade civil, bem como as determinadas pelo
próprio Estado, não são suficientes ao enfrentamento do aumento das pessoas que não
conseguem suprir a própria subsistência básica e se tornou um problema estrutural em países
como o Brasil.
Com o crescimento dos custos sociais, foi necessária a estruturação da previdência
social, com a participação coletiva compulsória para o seu financiamento. Em bases técnicas e
científicas, foi construído um sistema legal, com clareza nas obrigações e direitos, com
conscientização da importância de se criar um patrimônio contra os riscos sociais.
Efetivamente, tem dado respostas positivas às expectativas da sociedade e garantido ao
segurado bem-estar social, tanto financeiro como psicológico.
A escolha, para essa dissertação, pela temática da previdência social atende aos
requisitos de abordagem determinados pelo curso de Mestrado em Direito da Universidade
Católica de Brasília, especificamente em Direito Internacional Econômico, como um dos
componentes principais do ambiente econômico internacional, analisando as tendências da
tributação nacional e internacional. Considerada a contribuição social como tributária e
valioso instrumento de integração econômica e política. Por fim, empregar o instrumental
econômico para auxiliar a compreensão e resolução de problemas jurídicos.
Na busca de segurança que lhe possa ser garantida pela organização política, o homem
cria o Direito para que as relações travadas com os outros sejam estáveis e as surpresas da
vida sejam tão-somente aquelas próprias da aventura humana. O sistema de normas de
conduta imposto é o instrumento de que se vale a pessoa para projetar do que lhe pode advir,
pois o desconhecido o incomoda e agrava. A ordem jurídica tem o objetivo de permitir a
estabilidade das relações políticas, sociais e econômicas, pelo que, eventualmente, ocorrem
transformações para cumprir tal finalidade; com continuidade, dá-se permanência.
A economia, como sistema, tem por finalidade satisfazer os interesses e necessidades
materiais de uma sociedade, fazendo a interação entre a produção, a circulação e o consumo
de bens e serviços e a distribuição de rendas. Tudo isso se alia ao conceito de direito como
aquilo que é justo e conforme a lei. Também as relações com as normas jurídicas
3
internacionais, considerando a expressão da riqueza da sociedade, exercendo o papel relevante
no funcionamento da economia e no exercício dos poderes públicos e privados, sejam em
escalas nacionais ou internacionais.
Com a visibilidade no final da década de 1990, da emergente sociedade global, onde
não mais se estabelecem diferenças entre a jurisdição interna e a externa, dentro do âmbito
complexo das relações transnacionais, o processo irreversível de globalização econômica em
que o Brasil está inserido é independente de orientação ideológica, fenômeno que impacta nas
disposições sobre a previdência social. Isso exige uma abordagem sucinta do assunto em
torno de discussões conceituais, natureza e especificidade fenomenológica4.
As relações humanas e comerciais passaram a ter repercussão planetária. Para
acompanhar as necessidades pessoais e coletivas nessa nova dimensão é preciso restringir o
universo a ser observado, o que levou a eleição da área do conhecimento previdência social,
que requer reciprocidade em todos os sentidos seja de uma geração para a outra, ou mesmo de
uma classe de trabalhadores com as demais; passam todos a serem segurados sob as mesmas
normas.
Por mais que a prestação de serviços públicos no Brasil ainda seja precária em áreas
como saúde, educação e segurança, notou-se, a partir da consolidação da globalização em
meados de 1995, uma tendência para a eficiência econômica, por distribuir renda das pessoas
com maior poder aquisitivo para aquelas desprovidas de recursos financeiros.
Proporcionalmente, estudos do IPEA, IBGE e Ministério do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome demonstram mais dinheiro e serviços direcionados para os brasileiros que
têm menor capacidade de renda para o consumo. A observação também é aplicada entre
regiões com maior arrecadação tributária em direção às menos favorecidas5.
A partir da Constituição de 1988, ficou consagrada a pretensão de universalização
previdenciária, nos termos do parágrafo único, inciso I, do art. 1946, para todos os
trabalhadores brasileiros e aqueles amparados por acordos internacionais, que não sejam
integrantes de regimes próprios de previdência – como os servidores públicos civis e
militares. Mesmo com as alterações realizadas, especialmente por meio da Emenda
4
HORVATH JÚNIOR, Miguel. Previdência Social: em face da globalização. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 51.
5
CARDOSO JÚNIOR, José Celso (Coord.). Brasil em desenvolvimento: Estado, planejamento e políticas públicas. Brasília: IPEA, 2009. v. 4. p. 98. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/livros/2009/ Livro_BrasilDesenvEN_Vol04.pdf>. Acesso em: 1º abr. 2010.
6 BRASIL. Constituição (1988).
Constitucional n. 20/19987, a continuidade do seguro social é defendida pela sociedade e
Estado como um bem precioso para a humanidade.
O importante é que todos podem aderir ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS):
uns compulsoriamente; outros por decisão pessoal, com alíquotas de contribuição baseadas
desde o salário mínimo até o teto de valores definidos para a previdência social. Em longo
prazo, por meio de análise dos anuários estatísticos previdenciários, chega-se ao perfil do
segurado que é de um trabalhador com baixo poder aquisitivo, com média de remunerações
em torno de dois salários mínimos. Constatou-se que é o mais eficiente projeto governamental
em distribuição de renda e como inestimável agente de atenuação das desigualdades sociais e
regionais, com uma feliz aliança entre Direito e Economia, conseguindo, assim, o atingimento
da finalidade pública, que é servir o cidadão em suas demandas. O seguro social compulsório
prevê, até o nível de subsistência, as necessidades primárias e os riscos gerais.
Com o atual processo de globalização econômica, em que o Brasil está inserido, com
intensa mobilidade de trabalhadores, torna imprescindível uma análise da legislação que
protege esse profissional que deseja diversificar suas experiências com outros povos. Sobre
esse apoio, o país conta com tratados internacionais com diversas nações sobre a previdência
social há mais de quarenta anos. Uma estrutura administrativa onerosa para os cofres
públicos, no entanto o alcance social é sem precedentes.
O que levou à decisão de realizar o estudo sobre os acordos internacionais
previdenciários, tendo em vista a pouca relevância dada ao tema nas publicações doutrinárias
e na legislação comentada sobre o Direito Previdenciário. Os referidos acordos estão inseridos
nos procedimentos ordinários para serem incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro,
devem ser negociados pelo Poder Executivo, com o referendo do Legislativo. Este, sendo
aprovado e promulgado, vem à fase da ratificação. Só então terá vigência interna como lei e
validade internacional.
A etapa seguinte será abordar a operacionalização dos tratados internacionais, quais os
procedimentos que o segurado terá que satisfazer para se beneficiar da totalização do tempo
de contribuição. Por tratar-se de ato complexo, houve a necessidade de optar por um dos
Acordos vigentes – a escolha recaiu naquele celebrado entre o Brasil e Portugal por sua
representatividade quantitativa – para conhecer melhor sua natureza, suas funções, relações e
causas para uma avaliação crítica da importância dessa norma para o segurado vinculado ao
7
Regime Geral de Previdência Social. Ainda, de difícil compreensão dos reais benefícios, foi
necessária a restrição da finalidade do estudo, com opção de observar o comportamento da
Aposentadoria por Tempo de Contribuição (ATC) no âmbito do Acordo, para tornar a
realidade intrincada em um procedimento simples.
Ao desenvolver o estudo da ATC ficou evidente e imprescindível uma análise dos
argumentos das duas correntes de estudiosos previdenciários contra e favoráveis à existência
do benefício ATC. A dedução da corrente contrária ao benefício entende amparar segurado
que, a princípio, não precisa por tratar-se de trabalhador que consegue comprovar tempo de
contribuição por ter características peculiares, como maior instrução, empregos estáveis, com
baixa mobilidade no mercado de trabalho e mão de obra especializada. Por outro, o grupo que
defende a permanência da ATC cita como ponto forte: a renovação da força laboral nos postos
de trabalho de uma geração para a seguinte, possibilitando renda para os dois grupos etários.
Em um segundo momento, para verificar o fenômeno da ATC, partiu-se para o estudo
do caso: o Acordo sobre a Previdência Social entre Brasil e Portugal, com ênfase na
representatividade da Aposentadoria por Tempo de Contribuição no âmbito desse acordo,
uma vez que o trabalhador migrante entre os dois países atende aos quesitos de um
profissional qualificado e com condições de competir no mercado internacional laboral.
Ao transcorrer as fases propostas, será possível responder à pergunta: a Aposentadoria
por Tempo de Contribuição, nos termos legais vigentes, é um privilégio para uma camada
superior de trabalhadores? Para alcançar o objetivo da indagação, serão examinadas as
publicações do Ministério da Previdência Social brasileiro, como exemplo os anuários
estatísticos e informativos, como também àquelas oriundas do Ministério do Trabalho e
Segurança Social português, além de contar com outras valiosas fontes de dados que venham
a enriquecer a conclusão do estudo proposto. As bases consultadas serão os repertórios
disponíveis por entidades oficiais dos dois países.
Para a sistematização do estudo proposto, o método mais adequado é o estudo de caso
combinado com a pesquisa analítica, com o propósito de recompor o todo, reunir o disperso,
suplantar o particular e, assim, experimentar o exercício de tornar o complexo inteligível e
coerente. A partida recairá no contexto social-político internacional que, em se tratando de
previdência social, sua evolução está diretamente ligada à política econômica, desde a sua
origem em 1883, com o Plano de Seguro Social de Bismarck, para agradar a classe
trabalhadora que legitimaria os procedimentos adotados para unificar a Alemanha. Mas, nada
é igualável ao impacto das ações governamentais públicas implementadas a partir da Segunda
guerras em menos de cinquenta anos. Com o Plano Beveridge, foi alcançado o objetivo de
motivar as pessoas para se engajarem no propósito do crescimento econômico aliado ao
bem-estar social.
Com o fim dos conflitos armados, houve um período rico em produção científica,
especialmente nos países europeus e na América do Norte. No que diz respeito à previdência
social, o conjunto de conhecimentos e conceituações tanto para a atividade prática como para
a intelectual não está ultrapassada, com contribuições teóricas que influenciaram diretamente
a Europa e América Latina. Restando impossível deixar de mencionar as ideias do inglês
Beveridge, do italiano Venturi, dos franceses Durand e Dupeyroux e do espanhol Borrajo
Dacruz, com a decisiva participação na formação doutrinária e legal do seguro social
brasileiro.
O estudo está fundamentado na teoria da reciprocidade idealizada pelo francês Marcel
Mauss, que consiste na mútua colaboração entre as pessoas de uma família ou sociedade,
atingindo os direitos e obrigações entre gerações diferentes, até entre nacionais de outros
países. Com a finalidade de amparar a si e o semelhante contra a falta de recursos materiais
mínimos para a sobrevivência, especialmente em momentos de incapacidade para o trabalho,
seja por doença, invalidez ou velhice8.
Na esfera econômica, após 1945, foi particularmente marcada pela teoria do estado do
bem-estar social, com as ideias formuladas por Keynes, com a aplicação governamental,
especialmente nos países europeus. Após trinta anos de êxito de tal política, ocorreu o que
ficou mundialmente conhecido como o choque do petróleo, na década de 1970, com a
disseminação da estagnação das economias dos países ditos industrializados, impondo
redirecionamentos das políticas públicas planetárias. Com a implementação da teoria
neoliberal como núcleo temático há o Estado mínimo, conseguindo implantar uma drástica
redução da participação dos Estados no financiamento dos direitos sociais.
Contemporaneamente, a globalização dos mercados de capitais e dos meios de produção, com
desregulamentação para o livre trânsito dos interesses das empresas transnacionais marca os
oito primeiros anos do século XXI. Temas que serão desenvolvidos no capítulo 2.
No Brasil, o tão esperado bem-estar social não chegou a ser realizado. A previdência social,
que estava em formação a partir de 1950, concomitante com o processo de industrialização do
país e a migração das pessoas do meio rural para as cidades, não teve uma estrutura sólida de
arrecadação para pagar os benefícios. Com a promulgação da Constituição que 1988, o sistema
8 MAUSSa, Marcel.
público passa a contar com o custeio de contribuições dos segurados, dos empregadores e da
sociedade como um todo, tendo destaque a administração do regime geral por entidade estatal,
com a responsabilidade de cobrir eventuais insuficiências de recursos, destinados a atender o
pagamento de benefícios especificados em lei. O orçamento geral da União tem o dever de honrar
os direitos provenientes do RGPS, conforme o disposto no art. 201 da Carta Magna9.
No entanto, a influência das políticas econômicas adotadas pelas autoridades brasileiras
– tanto aquelas do regime militar quanto as civis que os sucederam –, após o endividamento
externo com empréstimos concedidos pelas agências multilaterais financeiras. A partir de
1980, passaram a interferir nas decisões governamentais, por meio de cartilhas elaboradas
para os países em desenvolvimento, sendo o ponto forte a redução dos gastos públicos, o que
afetou drasticamente os benefícios previdenciários. Mais recentemente, em 1998, as
recomendações orquestradas pelo FMI e Banco Mundial redirecionaram o seguro social, por
meio da Emenda Constitucional n. 20/1998.
Após essa contextualização em que ocorreu a evolução da previdência social, fatores
deverão ser considerados ao longo de todo o estudo. O capítulo 3 tem o propósito de mostrar a
sua formação histórica. No Brasil, a CF/1988 denomina a seguridade social como o gênero; e
a previdência social, como a espécie. Por tratar-se de um fenômeno estritamente legal, serão
apresentadas as principais normas vigentes a cada momento circunscrito da administração
pública brasileira. Lembremos que o seguro social compulsório prevê, até o nível de
subsistência, as necessidades primárias e os riscos gerais, deixando para a previdência
complementar o acréscimo que o segurado desejar contratar pelo sistema de capitalização.
Como afirmado anteriormente, a combinação metodológica é embasada no estudo do caso
do Acordo de Previdência Social entre Brasil e Portugal (Anexo). Tornou-se imprescindível uma
análise da estrutura da segurança social portuguesa, com a citação das principais legislações
daquele país sobre o tema, dando ênfase no delineado pela Constituição da República Portuguesa
de 197610 e a Lei Básica da Segurança Social11, já com sedimentados reflexos das normas comunitárias da União Europeia direcionadas aos Estados-membros.
Para o entendimento do que vem a ser um Acordo sobre a Previdência Social, foi
destinado um capítulo, o 5, com informações sobre as negociações e internalizações de um
tratado internacional bem como os passos necessários para a sua formalização como o
9
CF/1988, art. 201.
10 PORTUGAL. Constituição (1976). Constituição da República Portuguesa. Lisboa, 2.4.1976. Disponível em:
<http://www.portugal.gov.pt/Portal/PT/Portugal/Sistema_Politico/Constituicao/06Revisao/>. Acesso em: 2 nov. 2008.
11
disposto na CF/1988, que especifica o trâmite partilhado entre os Poderes Executivo e
Legislativo. O acordo, ao final, fará parte do ordenamento jurídico brasileiro com o status de
uma lei ordinária. Ressalte-se a sua importância com a globalização da economia, já
consolidada a livre circulação de bens, serviços e pessoas.
Depois de uma analítica pesquisa bibliográfica sobre o sistema da previdência social,
estrutura básica da segurança social em Portugal e dos tratados internacionais em geral, com
ênfase nos acordos sobre a previdência social vigentes para o Brasil, foi possível examinar a
Aposentadoria por Tempo de Contribuição. Na legislação brasileira e, por meio de dados
estatísticos publicados por órgãos oficiais, chegar-se-á a sua representatividade como espécie
de benefício previsto para brasileiros e aqueles alcançados por acordo internacional.
Finalmente, a investigação científica do Acordo Brasil-Portugal sobre Previdência Social
requer o exame sobre a migração de trabalhadores no Espaço Econômico Europeu (EEE), com
destaque para a República Portuguesa. Como, também serão abordados os imigrantes no mercado
laboral brasileiro, os atrativos para estrangeiros e, particularmente, para os lusitanos exercerem
seus ofícios no Brasil. Ao término, ter-se-á reais condições de opinar sobre a representatividade
ou não da Aposentadoria por Tempo de Contribuição, benefício exclusivo da legislação brasileira
que poderá alcançar o contribuinte português segurado, por força do Acordo. Os direitos e
obrigações são idênticos para os nacionais dos dois países.
Esta dissertação apresentou no Apêndice − material suplementar elaborado pela própria
autora − com um resumo das principais normas previdenciárias portugueses no período de 1970
até 2008, o que proporcionará a compreensão da formação da segurança social daquele país, como
tabelas demonstrativas do movimento migratório de trabalhadores tanto em Portugal como no
Brasil. Apresenta, ainda, uma síntese das concessões no âmbito dos acordos internacionais de
previdência social, que tiveram origem brasileira, no período compreendido entre 2000 e 2008.
O Anexo − documento que serve de fundamentação − traz uma cópia integral do
Acordo mencionado com o respectivo Ajuste Administrativo, apresentando todos os direitos e
obrigações que devem ser observados pelos segurados por ocasião da solicitação de
benefícios amparados pelo pacto como também as regras de operacionalização para viabilizar
a consecução dos objetivos estabelecidos para as duas partes contratantes.
A característica mais marcante do instrumental legal acerca da previdência social, nos
dois países, é contar com inúmeros diplomas legislativos, normas transitórias, constantes
modificações e a pouca didática. No entanto, o proposto é tornar o difícil de entender
inteligível e sistematizado para a compreensão de qualquer pessoa interessada em se tornar
2 AS REFLEXÕES CONTEXTUAIS
Para um estudo sobre a previdência social, faz-se indispensável à contextualização dos
acontecimentos históricos, políticos e econômicos do período que se vai analisar. Torna-se
imprescindível indicar, preliminarmente, a metodologia aplicada para a abordagem do tema
proposto.
Inicia-se com um comentário sobre os mais representativos visionários da previdência
no século XX, e a teoria da reciprocidade, que é o princípio da existência do seguro social,
consistindo no avanço do amparo familiar para compartilhar com a sociedade uma segurança
para os momentos de infortúnio, como doença, invalidez, velhice e morte. Também faz parte
um pacto intergeracional para um período incerto, mas com perspectivas de que seja longo.
A ocorrência de fatos políticos e econômicos influenciou a evolução da proteção social
em todo o mundo, como a teoria keynesiana do bem-estar social que fundamentou as decisões
políticas no pós Segunda Guerra. Com igual intensidade, também o fizeram as políticas do
estado mínimo provenientes de entidades intergovernamentais, especialmente as financeiras
FMI e Banco Mundial, que interferem no desenvolvimento social de países em
desenvolvimento, que são dependentes de empréstimos externos captados no mercado
financeiro internacional, tendo como avalista o FMI.
Também é obrigatória a referência sobre a globalização da economia que vem
delineando de forma significativa a integração entre os povos e o crescente fenômeno
migratório de pessoas e capitais. Fato que acontece simultaneamente com a teoria do estado
mínimo e torna-se mais nítido a partir da segunda metade da década de 1990 e interfere
diretamente na tomada de decisão tanto dos Estados quanto da iniciativa privada.
2.1. A metodologia
Um dos problemas mais complexos das ciências sociais é a questão da escolha do
processo organizado, lógico e sistemático da investigação, tendo ao final como: ver,
compreender e explicar a pesquisa. Essa averiguação empregará três métodos: analítico,
comparativo e histórico.
O analítico é um procedimento de decomposição complexa do todo da seguridade social
em seus diversos elementos constituintes e tem o objetivo de verificar a veracidade ou não da
privilegiados? Em um segundo momento fazer a confirmação, pelo estudo de caso, se o
mesmo benefício no âmbito do Acordo Brasil-Portugal de Previdência Social é representativo
em relação às demais espécies de prestações. Ao término do estudo ter condições de analisar o
benefício em comparação com os demais previstos na legislação brasileira e confrontar com
os resultados obtidos nas concessões amparadas pelo citado Acordo. Por derradeiro, confirmar
ou negar a hipótese de que se trata de uma aposentadoria com vantagem para o segurado em
detrimento de outros contribuintes para o sistema seguritário.
Ao tratar do núcleo temático, que é o caso da ATC no âmbito do Acordo Brasil-Portugal,
foram investigados os dados estatísticos oficiais dos dois países, como os anuários estatísticos e
sobre o processo migratório de nacionais dos respectivos países. As publicações são analíticas e
os dados específicos foram extraídos e trabalhados para possibilitarem a compreensão e a
importância de negociar tratado internacional específico sobre previdência social com o respaldo
no interesse demonstrado pelos segurados que solicitaram o benefício a partir do ano 2000.
Como complemento, utilizou-se o método comparativo para buscar os fatos, para
mostrar as semelhanças e as diferenças que apresentam duas séries de naturezas comparáveis.
O objeto da investigação é examinar a legislação básica dos dois países para conhecer o que é
comum e as peculiaridades de cada sistema previdenciário. Também, no âmbito do Acordo,
estão presentes as regras para a integração entre os dois regimes previdenciários, com o
propósito de resguardar direitos dos segurados12.
O método histórico foi usado como um conjunto de técnicas para descrever os fatos
ocorridos de uma forma cronológica e real. A previdência social foi sendo construída ligada
aos acontecimentos marcantes em cada época, por isso são fundamentais as investigações e as
contextualizações do quadro global político, econômico e jurídico para verificar as ligações
das causas e das consequências, para explicar porque, em determinados períodos, ocorreram o
alargamento da cobertura aos segurados e, em outros momentos, há restrições para coibir a
concessão de benefícios13.
A presente pesquisa está centrada na revisão bibliográfica dos principais autores que
estão empenhados nas questões contemporâneas sobre o estado do bem-estar social, Estado
mínimo e política internacional. Outras fontes indispensáveis são as estatísticas
disponibilizadas pelos órgãos governamentais entre 2000 e 2008, portanto diretamente
influenciados pelos efeitos da globalização econômica, período em que a sociedade
internacional está passando por transformação de paradigmas como nacionalidade, soberania,
12MACÊDO, Manoel Moacir Costa. Metodologia científica aplicada. Brasília: Scala
Gráfica e Editora, 2005. p. 94-95.
13
regionalização e redefinição de valores pessoais e coletivos. Para essa abordagem é
obrigatória a circulação em vários campos do conhecimento, com mais ênfase nas áreas do
direito interno e internacional, da economia, da sociologia, da estatística e da história.
Mesmo o enfoque sendo interdisciplinar, o presente trabalho está fundado em um marco
teórico específico para a previdência – com referência das principais autoridades sobre o tema
– e a teoria da reciprocidade que abrange o universo real da convivência humana e social.
Independentemente do método utilizado, o importante foi compreender a previdência social,
seja para custear o pagamento de benefícios de uma geração para a outra ou para quem está
aparado por tratado internacional à igualdade de direitos entre nacionais de países acordantes.
Foram autores referenciais para este estudo: em direito previdenciário, Wladimir
Martinez; no processo da globalização econômica, Professor Arnaldo Godoy; em direito
internacional, Professor Cachapuz de Medeiros; em sociologia, a teoria da reciprocidade de
Marcel Mauss; os autores estrangeiros que influenciaram a formação teórica da previdência
social; e em economia, a teoria keynesiana.
2.2 O referencial teórico
A presente investigação científica está fundada em diversos marcos teóricos, como a
teoria da reciprocidade, desenvolvida por Marcel Mauss. No que se refere à previdência
social, torna-se indispensável citar autores estrangeiros prestigiadíssimos pelos estudiosos
nacionais. Suas ideias contribuíram para a formação e o desenvolvimento da seguridade social
brasileira. Seus métodos organizados proporcionaram cientificidade na formação normativa
nacional sobre o tema, que contou com bases sólidas a partir de 1960.
Vai-se tentar fazer uma rápida citação das principais contribuições dos franceses Paul
Durand e Jean-Jacques Dupeyroux, do espanhol Efrén Borrajo Dacruz, do italiano Augusto
Venturi e, no capítulo 3, serão apresentadas as principais colaborações científicas do inglês
Willian Beveridge, com o plano que levou seu nome.
2.2.1 A teoria da reciprocidade
A primeira teoria da reciprocidade surgiu entre 1900 e 1920, num período
pré-keynesiano, quando predominavam as teorias liberais do mercado14, anteriormente, portanto,
14 As teorias liberais pensam a política como um campo de competições entre atores que buscam maximizar
às tentativas de combater a destruição da coletividade provocada pelo mercado sem limites
institucionais e morais. Os sociólogos perceberam que era urgente trazer para o debate com a
sociedade que existe a face do bem doado, intenso, com força vital, com vigor que obrigaria à
retribuição, faria o encanto de reunir as pessoas, de criar laços sociais entre elas. O bem seria,
pois, o mediador nessas relações interpessoais e intergrupais15.
Marcel Mauss nasceu na cidade de Épinal em 10.5.1872 e morreu em Paris no dia
10.2.1950, sociólogo e antropólogo francês, formado em filosofia e especialista em história das
religiões e do pensamento hindu, participou da gênese do que seria conhecida mais tarde como a
Escola Sociológica Francesa, da qual seu tio Émile Durkheim16 foi criador. As ideias do grupo eram veiculadas pelo Anée Sociologique, periódico no qual Mauss publicou grande parte de seus textos, sendo seu editor, após a morte de Durkheim, em 191717. Foi professor de história das
religiões dos povos não civilizados18. Tinha bons conhecimentos nas áreas de filosofia, psicologia,
direito, economia política, literatura mundial e ciências exatas. Também sabia, além do francês,
inglês, alemão, russo, sânscrito, céltico e várias línguas faladas na Oceania19.
Segundo Mauss, atrás de todo fato social, existe: história, tradição, linguagem e hábitos.
Em Direito, dizem os juristas: nada há além das personae20 e das actiones. Tal princípio governa ainda as divisões de nossos códigos, mas resulta de uma evolução especial do Direito
romano. A revolta da plebe, o pleno direito da cidadania que, depois dos filhos, das famílias,
15
ZALUAR, Alba. Exclusão e políticas públicas: dilemas teóricos e alternativas políticas. Disponível em: <http://www.anpocs.org.br/portal/publicacoes/rbcs_00_35/rbcs35_02.htm>. Acesso em: 28 dez. 2007.
16 Emile Durkheim, nasceu em 1858, em Épinal, tio de M. Mauss foi seu espelho e influenciou na gestação de
toda sua carreira. O guia e orientador em sua formação de filósofo, iniciada na Universidade de Bordeaux, onde o tio era professor de Pedagogia e Ciência Social, entre 1887 e 1902.
17
Foi a Primeira Grande Guerra que marcaria profundamente carreira de M. Mauss, tanto emocional quanto intelectualmente. Embora não exercesse a função na linha de frente, atuou como oficial-intérprete, pela fluência com que falava inúmeros idiomas. Nesse sentido, é bastante eloquente a admiração que em seu In Memoriam −
escrito em 1925 para o primeiro número da nova série do Année Sociologique− Mauss presta homenagem a Durkheim e a todos os colegas e amigos que desapareceram naquele período, como: Henri Beuchat, Máxime David, Antoine Bianconi, Robert Hertz, Paul Huvelin, André Durkheim, o promissor filho de Durkheim, vendo neles o que poderia ter ganhado a Escola Sociológica Francesa se houvessem sobrevivido àquele triste período. No pós Primeira Guerra M. Mauss recomeça uma vida profissional extraordinariamente intensa, repartindo-se entre aulas, conferências e atividades de administração, somadas a uma contínua produção de estudos, comentários críticos e comunicações. Tornar-se secretário geral do Institut de Sociologie em 1925, e no mesmo ano, funda o Institut d'Ethonologie da Universidade de Paris.
18
M. Mauss depois de realizar vários estágios em universidades estrangeiras, como Leiden, Breda e Oxford, torna-se, em 1900, assistente de Foucher, diretor de estudos de História de Religiões da Índia, na Escole Pratique dês Hautes Etudes, para, dois anos depois, suceder Leon Marillier na cátedra de História das Religiões de Povos Não Civilizados, na mesma instituição. Em sua aula inaugural, já se antecipava a qualquer equívoco referente à ambiguidade do título de sua cátedra − não existem povos não civilizados. Apenas povos de civilizações diferentes. (OLIVEIRA; FERNANDES, 1979, p. 9-10).
19
OLIVEIRA, Roberto Cardoso de (org.); FERNANDES, Florestan (coord.). Marcel Mauss: antropologia. Trad. Regina Lúcia Moraes Morel; Denise Maldi Meirelles; Ivonne Toscano. São Paulo: Ática, 1979. (Grandes cientistas sociais; 11). p. 9.
20
A palavra persona, personagem artificial, máscara e papel de comédia e de tragédia, da trapaça e da hipocrisia − estranha ao "eu" − prosseguiu sua marcha. Mas o caráter pessoal do direito estava estabelecido e persona
dos senadores, alcançaram todos os membros plebeus das gentes, foram decisivos.
Tornaram-se cidadãos romanos todos os homens livres de Roma, todos conTornaram-seguiram a persona civil21.
Tudo o que constitui a vida das sociedades vem do desenvolvimento daquelas que
precederam as nossas, os fenômenos sociais totais, exprimem-se por meio de espécies de
instituições: religiosas, jurídicas e morais − essas políticas e familiais ao mesmo tempo;
econômicas − supondo formas particulares de produção e de consumo, ou antes, de prestação
e de distribuição. Mauss descreve a síntese de sua teoria da reciprocidade nos seguintes
termos:
Nas economias e nos direitos que precederam os nossos, não se constata nunca, por assim dizer, simples trocas de bens, de riquezas ou de produtos no decurso de um mercado entre indivíduos. Em primeiro lugar, não são indivíduos, e sim coletividades que se obrigam mutuamente, trocam e contratam; as pessoas presentes ao contrato são pessoas morais − clãs, tribos, famílias − que se enfrentam e se opõem, seja em grupos, face a face, seja por intermédio dos seus chefes, ou seja, ainda das duas formas ao mesmo tempo. Ademais, o que trocam não são exclusivamente bens e riquezas, móveis e imóveis, coisas economicamente úteis. Trata-se, antes de tudo, de gentilezas, banquetes, ritos, serviços militares, mulheres, crianças, danças, festas, feiras em que o mercado é apenas um dos momentos e onde a circulação de riquezas constitui apenas um termo de um contrato muito mais geral e muito mais permanente. Enfim, essas prestações e contraprestações são feitas de uma forma sobretudo voluntária, por presentes, regalos, embora sejam, no fundo, rigorosamente obrigatórias, sob pena de guerra privada ou pública. Propusemo-nos chamar a tudo isso de sistema de prestações totais22.
Especificamente sobre a previdência social, Mauss diz que a legislação inspirou-se no
seguinte princípio: o trabalhador deu sua vida e seu empenho profissional à coletividade por um
lado e a seus patrões, por outro, e, embora ele deva colaborar para a obra da previdência, aqueles
que foram beneficiários de seus serviços não ficam quites face ele com o pagamento do salário, e
o próprio Estado, representante da comunidade, deve-lhe, com seu empregador e com o concurso
do mesmo, certa segurança na vida, contra o desemprego, a doença e a velhice23.
A síntese protetiva está na dedicação ao mutualismo, da cooperação comunitária, do
grupo profissional coeso. Enfim, de todas as pessoas que o direito inglês chama de Friendly
Societies valem mais do que a simples segurança pessoal por meio de poupança capitalista −
fundada apenas em um crédito instável −, superior à vida mesquinha dada pelo salário diário
pago pelo patronato.
O autor hierarquiza o valor do trabalho e do produto acabado na relação de troca,
desejoso de que o resultado seja a combinação de boa vontade e dedicação para realizar o
ofício que terá como recompensa um bem valoroso, a contribuição para a construção da
21
MAUSS, Marcel. Sociologia e antropologia. Trad. Lamberto Puccinelli. São Paulo: EPU (Editora Pedagógica e Universitária Ltda.), v. 1, 1974. p. 184, 227 e 229.
22 MAUSSa, op. cit., p. 44-45. 23
sociedade. É preciso unir a moral, a filosofia, a opinião e a arte econômica, edificando-as em
nível social. Constata-se que não é possível o homem trabalhar bem sem o pagamento por
toda a vida, pelo ofício executado lealmente ao mesmo tempo para outrem e para ele mesmo.
O laborador na relação de troca transfere mais resultado do que trabalho, ele dá algo de si, seu
tempo, sua vida. Tem a expectativa de ser recompensado por essa dádiva. Frustrar-lhe essa
recompensa é um estímulo à preguiça e ao rendimento mínimo24.
As sociedades progrediram na medida em que elas mesmas, seus subgrupos e, enfim,
seus indivíduos aprenderam a estabilizar suas relações: a dar, receber e retribuir − formariam
uma unidade possibilitada pelo caráter total do dom25. Trata-se de um interesse misto com
generosidade, típica do regime previdenciário. O mundo dito civilizado, as nações, as classes
e as pessoas devem aprender a opor sem massacrar e a dar sem sacrificarem uns aos outros.
Um curioso aspecto da argumentação seguida na análise sobre a dádiva, afirma que “a
troca é o denominador comum de um grande número de atividades sociais aparentemente
heterogêneas entre si”26. A observação empírica não lhe fornece a troca, mas três obrigações:
dar, receber e retribuir. Os bens não são somente objetos físicos, mas também dignidades,
cargos, privilégios, cujo papel sociológico é o mesmo que o dos bens materiais.
Segundo o Marcel Mauss, um sistema jurídico tem por finalidade a regulamentação das
relações materiais possíveis entre os membros de uma sociedade. Trate-se de exprimir os direitos
e os deveres respectivos das pessoas em relação umas com as outras − regime de pessoas −, ou em
conexão com as coisas de que o grupo e os indivíduos se apropriaram − regime de bens −, as
diversas instituições jurídicas e morais só manifestam a consciência coletiva, as condições
necessárias da vida em comum. Diante de um minucioso estudo, o sistema pode ser resumido com
a observação da vida jurídica dos povos esquimós onde há um direito de inverno e outro de verão
ao mesmo tempo em que há reação do primeiro sobre o segundo27.
Outra área do conhecimento que não é possível de ser desassociada da reciprocidade é a
das relações internacionais, por meio de instrumentos como tratados, acordos e convenções,
que permitem uma interação com o exterior facilitando o trânsito de pessoas, bens e serviços,
e têm a finalidade de preservar a soberania individual e viabilizar a cooperação entre os
24
Ibid., p. 177-178.
25O dom não é puro desinteresse nem absoluta generosidade, mas seu caráter interessado é muito mais simbólico do
que material. É ao mesmo tempo interesse e desinteresse, generosidade e cálculo estratégico ou instrumental, expressos no plano simbólico e não material, que se conservam em tensão permanente, especialmente nas relações entre desiguais. Os circuitos específicos das sociedades modernas e contemporâneas, nas suas consequências econômicas e políticas, assim como nos seus aspectos positivos e negativos, têm sido cada vez mais objeto de análise de inúmeros autores, em diferentes campos sociais: no cuidado médico, na previdência social, na doação de sangue e de órgãos, na política fiscal do Estado, nos diversos movimentos sociais, mas também nos circuitos de vingança privada e no próprio sistema penal moderno, que não perdeu inteiramente o seu caráter vingativo.
26
MAUSS, op. cit. p. 24-25.
27
povos, sendo o fundamento do direito internacional a reciprocidade sob pena de causar
prejuízo à igualdade entre as nações politicamente organizadas28.
A mútua colaboração é o garantidor de que o mesmo tratamento dado por um Estado a
uma determinada questão também será concretizado por outro país afetado pela decisão do
primeiro. Efetivam a dimensão do fenômeno da integração política internacional. No que diz
respeito aos acordos internacionais no âmbito da seguridade social, o relevante é a prioridade
que deve ser dada ao fator trabalho edificador da riqueza e executado por pessoas,
independente de nacionalidade, para a construção do seguro social, encontrado desde os
preâmbulos daqueles tratados29.
A reciprocidade também acompanhou o avanço da ciência e da tecnologia deixando de
restringir ao seio familiar para alcançar o mundo. Está baseada na generosidade com
estranhos e advém de uma parceria impessoal, no sentido de que o receptor talvez nunca
venha a ser conhecido, no entanto proporciona segurança nos infortúnios da vida. Basta
observar os acordos multilateral ou bilateral sobre a previdência social para constatar os
direitos ali resguardados aos trabalhadores dos países signatários.
A seguir será apresentada a formação teórica da previdência social que conhecemos a
partir da segunda metade do século XX, com estudiosos fenomenais que aperfeiçoaram as
bases da reciprocidade entre gerações.
2.2.2 A teoria de Paul Durand
Paul Durand nasceu na Argélia, em 22.3.1908 e desapareceu na noite de 29 de fevereiro
para 1º de março de 1960, somando-se às demais vítimas fatais do terremoto de Agadir30,
junto com sua esposa, Edwige Jantet, com quem teve seis filhos. Foi tipicamente francês,
quanto à sua formação e ao seu estilo31.
28
SZKLAROWSCKY, Leon Frejda. O princípio da reciprocidade no direito internacional. Consulex: revista jurídica, Brasília, v. 8, n. 168, p. 20-21, jan., 2004.
29
RAULINO, Láurence. Acordos internacionais do Brasil no âmbito da seguridade social: tópicos. Teresina: Comepi, 2000. p. 21.
30 Em 29 de fevereiro de 1960, às 23h 40'15 ", um terremoto com duração de 15 segundos e uma magnitude de 6,7 na
escala Richter atingiu Agadir, no sul de Marrocos. Os bairros de Founti, Talbordj, Yachech e o Kasbah são destruídos entre 90-95%, a nova cidade em 50%. Estima-se que de 12.000 a 15.000 pessoas morreram na catástrofe, aproximadamente um terço da população, e cerca de 25.000 feridos. Trata-se do terremoto mais destrutivo e mortal na história do Marrocos, de magnitude considerada moderada, o mais devastador do século XX.
31