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Arq. NeuroPsiquiatr. vol.3 número1

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A r q u i v o s d e N e u r o - P s i q u i a t r i a

Volume III Março - 1945 Número 1

FISIOPATOLOGIA TOPOGRÁFICA DAS CONEXÕES CEREBELARES

A. DE ALMEIDA PRADO *

Distinguem-se, na semiologia topográfica d o cerebelo, um g r u p o de sintomas e sinais atinentes a localizações no próprio órgão, vérmis e hemisférios, e outro a localizações nas suas vias de c o n e x ã o , isto é, os pedúnculos cerebelares. N a presente e x p o s i ç ã o cuidarei apenas d o se-g u n d o se-grupo. O primeiro v e m muito bem descrito nos tratados de neu-rologia e nada poderia acrescentar ao que está clàssicamente estabelecido.

D o cerebelo, através dos seus diversos pedúnculos, partem fibras que o p õ e m em comunicação c o m núcleos mesencefálicos e espinhais, e acorrem outras que o ligam a certas regiões bulbares e à medula, prin-cipalmente. Existem, pois, um conjunto de fibras eferentes. cerebelí¬ fugas e o u t r o de fibras aferentes,

cerebelípetas.-Vias cerebelífugas

S ã o representadas sobretudo pelas fibras que f o r m a m os pedún-culos cerebelares superiores e por uma parte das fibras dos pedúnpedún-culos cerebelares inferiores.

a ) Pedúnculos cerebelares superiores — Êsses pedúnculos estabelecem relações, quer diretamente, por meio de suas próprias fibras, c o -nexões imediatas, quer por interposição de outros sistemas de fibras a êles articulados, conexões mediatas, c o m diferentes pontos d o tronco en-céfalo-medular. A s conexões mediatas constituem vias curtas, que li-gam fisiològicamente o cerebelo a regiões que lhe são mais ou menos vizinhas; as c o n e x õ e s imediatas constituem vias longas, que transmitem à distância os estímulos e excitações emanados dos seus núcleos cen-trais e hemisférios.

A via centrífuga principal é representada, na primeira parte d o seu percurso, pelas fibras que, partidas da oliva cerebelar. vão, após entre¬ cruzamento na comissura de W e r n e k i n k , ao núcleo vermelho d o lado o p o s t o ; deste núcleo parte um sistema de fibras que, prolongando-se

p e l o e i x o cerebrospinhal, constitui, depois de um segundo entrecruzamento, na decussação de Forel, o chamado feixe pré-piramidai do cordão

lateral da medula.

Recebido para publicação em 25 novembro 1944.

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N e m tôdas as fibras do pedúnculo cerebelar superior que v ã o ao núcleo vermelho tomam, porém, êsse p e r c u r s o : algumas, seguindo tra-j e t o ascendente, alcançam a cama óptica (via cerebelo-rubro-talâmica), e outras, o núcleo d o I I I par ( v i a olivo-rubro-ocular). E , entre as q u e desgarram d o pedúnculo antes de atingir êle o núcleo vermelho, m e n -cionam-se as que vão constituir a via cerebelo-protuberancial, que liga os hemisférios cerebelares aos nuclei reticularis tegmenti pontis, na p r o -tuberância; além destas, há o feixe cerebelo-vestibular de van Gehuchten, tambem chamado feixe " e n c r o c h e t " de Russel, fasciculus uncinatus, feixe cerebelo-vestibular de L e w a n d o w s k y , cujas fibras, provindas d o núcleo d o tecto cerebelar d o lado oposto, vão morrer nas massas c i n -zentas vestibulares, núcleos de Deiters e de Bechterew, onde entram em c o n e x ã o c o m as células de origem do feixe vestibuloespinhal e c o m certas fibras dos feixes longitudinais posteriores.

A s relações c o m o feixe vestibuloespinhal e c o m os feixes longitudinais posteriores, c o m o primeiro principalmente, que é um feixe e x -clusivamente descendente e motor e que se estende pelo cordão anterior da medula até a altura da região sacra, dão a essas fibras a função de uma via longa de grande importância.

b) Pedúnculos cerebelares inferiores — As fibras descendentes dos pedúnculos cerebelares inferiores formam-lhe, pròpriamente, o seg-mento interno, ou c o r p o juxta-restiforme. A í são encontradas fibras q u e vão às terminações das raízes vestibulares do V I I I par craniano, n o bulbo (núcleos d e Deiters, de Bechterew e triangular) e para os núcleos bulbares d o s últimos nervos cranianos motores ( h i p o g l o s s o ) o u mistos (espinhal, vago, glossofaríngeo).

N o s c o r p o s restiformes, admitem alguns autores, estribados n o sen-tido da degeneração walleriana, que exista uma via centrífuga — fibras cerebelo-nucleares — d o hemisfério cerebelar aos núcleos d o c o r d ã o posterior e de v o n M o n a k o w ; mas são fibras de atividade funcional d u -vidosa, ainda não esclarecida completamente.

Vias cerebelípetas

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Aos núcleos pônticos chegam igualmente fibras de proveniência

ce-rebral, as fibras córtico-protuberanciais, que formam a porção superior da via motora secundária, fibras diretas, que estabelecem conexão entre o c ó r t e x cerebral e a substância cinzenta da protuberância. Cada núcleo

pôntico estando, destarte, de um lado em relação cruzada c o m o c ó r t e x cerebelar, e d e outro e m relação direta c o m o c ó r t e x cerebral, torna-se u m interposto forçado n o curso da via motora secundária o u via motora

cerebelar de van Gehuchten.

b ) Pedúnculos cerebelares inferiores — S ã o representados, essen-cialmente, pelos c o r p o s restiformes e juxta-restiformes. Êstes últimos contêm fibras exclusivamente cerebelífugas, de a c o r d o c o m o resumo des-critivo anteriormente feito. O s corpos restiformes abrigam fibras de dupla proveniência — medular e b u l b a r : contingente medular e contin-gente bulbar.

O contingente medular é constituído pelo feixe cerebelar direto o u feixe de Flechsig. O feixe d e G o w e r s , embora não siga o percurso d o s pedúnculos cerebelares em questão, ascende também ao cerebelo p o r parte de suas fibras, que contornam o ponto d e saída d o s pedúnculos superiores do cerebelo e vão ao vérmis anterior. Dêsses feixes, u m é direto no nascedouro ( f e i x e de F l e c h s i g ) ; outro ( f e i x e de G o w e r s ) é discutível quanto à ipsi o u à contralateralidade de suas fibras de ori-gem. M a s , todos terminam n o vérmis cerebelar.

O contingente bulbar c o m p r e e n d e três ordens de fibras: olivo, nú-cleo e retículo-cerebelares. A s fibras olivo-cerebelares são cruzadas e ligam cada oliva bulbar ao hemisfério cerebelar o p o s t o ; as núcleo-cere¬ belares são diretas e, pela sua maioria, articulam o s núcleos d e Goll, Burdach e von M o n a k o w ao lobo mediano d o cerebelo, levando-lhes as impressões sensitivas profundas e inconscientes recolhidas pelos c o r d õ e s posteriores da medula; as retículo-cerebelares p r o v ê m da formação reti-cular do bulbo, de um e d e o u t r o lado.

Desta digressão anatômica resulta que o cerebelo, para atender as suas múltiplas funções fisiológicas, dispõe, à custa de seus pedúnculos, de numerosas vias cerebelípetas, aferentes, e de duas vias principais cere-belífugas, eferentes. A s primeiras são principalmente representadas pe-los pedúncupe-los cerebelares médios, compostos exclusivamente d e fibras cerebelípetas, e pelos c o r p o s restiformes; as segundas, pelos c o r p o s juxta-restiformes e pelos pedúnculos cerebelares superiores.

O s pedúnculos cerebelares médios, mercê da correlação cérebro-cerebelar intercortical, integrada na via motora secundária o u via motora cerebelar, trazem à corticalidade cerebelar estímulos provindos da zona sensitivomotora e da zona correspondente à 2 .a

e 3 .a

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A s vias centrípetas pedunculares inferiores ( c o r p o s r e s t i f o r m e s ) , ao contrário, constituem vias baixas, que ligam principalmente os c o r d õ e s posteriores da medula ao vérmis cerebelar.

Se o s c o r p o s restiformes objetivam vias longas centrípetas da m a i o r monta, o s juxta-restiformes têm igual importância c o m o via centrífuga. O c e r e b e l o se e n c o n t r a , a s s i m , p e l o s seus p e d ú n c u l o s i n f e r i o -res, i n t e r c a l a d o n o c e n t r o de u m a r c o r e f l e x o ,

cerebelo-bulbo-espi-nhal, em conseqüência de que as excitações sensitivas promanadas dos

músculos, das articulações, da pele, dos canais semicirculares, lhe são transmitidas e aí utilizadas no sentido da coordenação, especialmente n o que toca à estabilização d o equilíbrio, enquanto as vias centrífugas que daí partem encarregam-se d e fazer os numerosos músculos do organismo agirem e m determinada ordem, de m o d o a dosear o grau de contração muscular e a interferir na p o s i ç ã o dos membros, d o tronco, da cabeça, dos olhos, etc. ( L e u b e ) .

A outra via centrífuga, a que percorre as fibras dos pedúnculos cere-belares superiores, duplamente entrecruzada (decussações de W e r n e k i n k e de F o r e l ) , p õ e cada hemisfério cerebelar em c o n e x ã o c o m a metade ipsilateral da medula, pois duplo entrecruzamento eqüivale a nenhum. O s esquemas de V a n Gehuchten aqui reproduzidos figuram as c o n e x õ e s do cerebelo, tanto as das vias aferentes, c o m o as das vias eferentes

(figuras 1 e 2 ) .

M a s para que possamos interpretar bem a fisiopatologia d o cerebelo, necessário é articulá-lo também ao cérebro. Fisiològicamente conside-rado, não é êle um ó r g ã o motor nem sensitivo, na acepção rigorosa dêsses têrmos. A sua função, no que diz respeito às suas relações c o m o e i x o cerebroespinhal, é modificadora, de adaptação, n o sentido de, c o m o órgão regulador d o equilíbrio, d o tono e da coordenação, dar aos movimentos orientação, seqüência e estabilidade, de o n d e resultem a harmonia dos atos musculares e a manutenção d o equilíbrio. C o m o poderia êle exercer essa interrelação, que deve ser recíproca, numa e noutra direção, se não existissem liames anatômicos que lhe conferissem possibilidades mate-riais para a e x e c u ç ã o dos atos essenciais a essas f u n ç õ e s ?

Já vimos que os pedúnculos cerebelares médios se encorporam à via motora secundária e que p o d e m transmitir impressões partidas d o c ó r t e x cerebral. M a s c o m o explicar a transmissão a o cérebro de estímulos par-tidos do cerebelo?

Leube fala e m um arco r e f l e x o cerebelo-cerebral, por meio d o qual as excitações sensitivas que afluem a o cerebelo seriam transmitidas aos hemisférios cerebrais e se transmutariam em representações conscientes da p o s i ç ã o d o c o r p o n o espaço, representações que, à custa da via cen-trífuga contida nas fibras têmporo e fronto-protuberanciais, exerceriam ação de contraste sôbre o centro d o equilíbrio, no cerebelo. A p o r ç ã o

centrífuga do arco está bem determinada; mas a que se faz no sentido do cerebelo para o cérebro, por que feixes de fibras se objetivará ela? Bruce e Burns também aludem a êsse arco reflexo cerebelo-cerebral,

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FIG 1 — Conexões do cerebelo. (Esquema repro-duzido de Van-Gehuchten. " Les Maladies Ner-veuses". Louvain, A. Uystpruyst, 1920). Vias

aferentes ou cerebelípetas: FF — feixe de

Fle-chsig; «OC — fibras olivo-cerebelares; RC — fibras retículo-cerebelares; FG — feixe de

Go-wers.

FIG. 2 — Conexões do eerebelo. (Figur

* R E

PR

° -duzida de Van-Gahuchten, loc. cit.)- as e

^e

~

rentes ou cerebelíjngas: dos pedúnculo^

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R e s u m i n d o : o cerebelo recebe impressões, excitações, estímulos, da

medula e do bulbo, por intermédio dos corpos restiformes, e da corti calidade cerebral pela via córtico-ponto-cerebelar, e os envia, por sua vez, à medula, ao cérebro, aos núcleos do III par e ao tálamo, por in-termédio do pedúnculo cerebelar superior; aos núcleos do nervo vesti-bular pelos feixes vestivesti-bulares; à medula pelo feixe cerebelo-bulbar, em articulação com o feixe vestibuloespinhal e com certas fibras dos feixes longitudinais posteriores.

D o ponto de vista topogràfico, pode-se discernir, pois, sinais e sin-tomas peculiares ao cerebelo e sinais e sinsin-tomas peculiares às suas vias de c o n e x ã o — os pedúnculos. Consoante realcei, de início, os primeiros escapam aos fins aqui visados. Acrescentarei apenas que ao cerebelo parecem caber precìpuamente as funções do equilíbrio e aos pedúnculos as da coordenação.

Contudo, o equilíbrio p o d e ser afetado nas lesões que interessam as fibras dos c o r d õ e s posteriores da medula, interrompendo o reflexo ce

rebelo-bulbo-espinhal, c u j o centro se acha n o vérmis cerebelar, ponto

ter-minal de tôdas as fibras cerebelípetas medulares. A sintomatologia será então bilateral, atáxica, tal qual a encontrada nas lesões localizadas n o vérmis.

Nas outras eventualidades, porém, a sintomatologia interessará so-bretudo a coordenação, c o m sintomas de empréstimo devidos à compar-ticipação de outras regiões n o processo — hemitremor, hemicoréia, he miatetose, paralisias oculares, etc. — e se conformará, sempre, s o b o feitio unilateral. Mann, Fels e Pinelis falam em hemiplegia cerebelar, conceito que não traduz fatos e m a c ô r d o c o m o que êsse vocábulo e x -pressa vulgarmente. A hemiplegia cerebelar só poderá ser aceita no sentido d e perturbações da motricidade extrapiramidal unilaterizadas. T e -mos, assim, que são hemissíndro-mos, e que, quanto aos pedúnculos cere-belares superiores, em conseqüência de suas relações anatômicas c o m o núcleo vermelho, c o m o tálamo e c o m as fibras do I I I par, distribuem-se e m cerebelo-rubro-oculares e cerebelo-piramidais.

Pedúnculos cerebelares superiores

a ) Hemissíndromos cerebelo-rubro-oculares — S ã o síndromos

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N o primeiro caso, a paralisia ocular é direta, d o mesmo lado da lesão d o pedúnculo cerebral atingido, e a sintomatologia cerebelar, d o lado oposto. E ' uma variante do síndromo de W e b e r clássico, u m sín¬ d r o m o de W e b e r alto, cuja lesão, localizada n o pé d o pedúnculo cerebral, ascendeu à calota peduncular.

N o segundo, objetiva-se u m síndromo protuberancial c o m paralisia d o movimento de lateralidade dos globos oculares para o mesmo lado da lesão e hemissíndromo cerebelar (assinergia, instabilidade estática, in¬ coordenação na marcha) d o lado oposto. E ' o quadro conhecido em neurologia por síndromo de Raymond-Cestan, variante alta, por lesão da calota protuberancial, d o síndromo de Millard-Gübler clássico, o qual especifica acometimento protuberancial inferior.

A comparticipação das fibras talâmicas carateriza o último tipo c o n siderado, o cerebelotalâmico. A q u i , o quadro geral é muito rico e c o m -p l e x o , não contribuindo a sintomatologia cerebelar senão escassamente para o s sinais de localização. T o d a v i a , a hemiataxia, a hemicoréia e a hemiatetose frisam a origem cerebelar de alguns de seus consectários clínicos.

D a sua sintomatologia multifária complexa, é lícito desentranharem¬ se, n o entanto, três s í n d r o m o s : 1.° o talâmico puro (perturbações m o -toras discretas, movimentos involuntários, distúrbios sensitivos subjeti-v o s acentuados, dôres lancinantes, contínuas, irremissísubjeti-veis) ; 2.° o

hipo-talâmico (índices motores de hemiplegia ligeira, sem sinal de Babinski,

movimentos involuntários de tipo córeo-atetótico, atitude caraterística da m ã o , perturbações sensitivas profundas, principalmente da estereogno¬ sia, distúrbios cerebelares interessando sobretudo o t o n o e a sinergia e, enfim, hemianopsia lateral homônima, que p o d e ser i n c o m p l e t a ) ; 3.° o

tálamo-hipotalâmico, que participa u m pouco dos outros dois. A lesão,

neste último caso, avança da cama óptica até a região subóptica, hipo¬ talâmica, alcançando ainda o pedúnculo cerebelar superior e as radiações ópticas e concretizando o tipo cerebelo-talâmico.

b ) Hemissíndromos cerebelo-piramidais

Preliminarmente, impõe-se a distinção entre as duas categorias de sinais e sintomas motores ocorrentes nos síndromos em f o c o : hemitremor, hemicoréia, hemiatetose, etc. — índices do ataque ao sistema extrapirami¬ dal, d o qual faz parte o núcleo vermelho, e aumento da refletividade ten¬ dinosa, sinal d e Babinski, clono, e t c , nunciativos de acometimento d o sistema piramidal. S ó a última será tratada neste tópico.

Já vimos, na parte anatômica, que algumas fibras d o pedúnculo ce-rebelar superior — as cerebelo-protuberanciais — vão até a protuberân-cia, o n d e contraem relações c o m os feixes piramidais. M a s não é,

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Pierre Marie e F o i x aventaram, em 1913, uma hipótese anatômica para explicar a ipsi- e a contralateralidade da sintomatologia cerebelo-piramidal, baseados nos entrecruzamentos, e m alturas diferentes, das vias piramidal e cerebelar, atribuindo à via piramidal trajeto descendente e o seu entrecruzamento bulbar clássico, e à via cerebelar trajeto ascen-dente, que ligaria o cerebelo ao tálamo, passando pelo núcleo vermelho, após o entrecruzamento d e W e r n e k i n k , deduzindo daí que a lesão que apanhasse ambas as vias antes deste entrecruzamento produziria síndro¬ m o s cerebelo-piramidais ipsilaterais, e a que as atingisse abaixo dêle oca-sionaria síndromes cerebelo-piramidais contralaterais. A razão seria ó b v i a : na primeira hipótese, a via cerebelar e o feixe piramidal seriam alcançados antes dos respectivos entrecruzamentos: logo, ipsilateralidade; na segunda, estando j á cruzada a primeira, e c o m o o segundo iria sofrer a decussação bulbar, resultaria a contralateralidade.

M a s a verdade é que o s casos, na clínica, nunca especificaram a se-gunda hipótese, tanto assim que, para dar exemplo prático da mencio-nada dissociação, êles tiveram que agarrar-se ao síndromo de Babinski-Nageotte, que corre por conta de lesão d o pedúnculo cerebelar inferior, hipótese não cabível na esquematização prefigurada.

Demais, havia um contra-senso lógico e fisiológico em vincular à lesão de uma via ascendente, muito especializada e de caráter sensitivo-sensorial, c o m o o é a cerebelo-rubro-talâmica, sintomas e sinais que se exteriorizam na prática c o m tipo unilateralizado e de feitio antes m o t o r do que sensitivo.

A razão deveria se alicerçar em bases anátomo-fisiológicas mais se-guras. P r o c u r a n d o entrelaçar o núcleo vermelho, não ao tálamo, mas à medula, através d o feixe rubrospinal, que daí emana, pareceu-me que o segundo entrecruzamento, o de Forel, que então se realizaria n o per-curso d o feixe em questão, explicasse t u d o : a lesão que fosse capaz de atingir, ao m e s m o tempo, a via d o pedúnculo cerebelar superior e o feixe piramidal, alcançaria, sempre, a via cerebelar já depois d o entrecruza-mento d e W e r n e k i n k . L o g o , c o m o ambas iriam se entrecruzar abaixo

( a via cerebelar na decussação de Forel e o feixe piramidal n o b u l b o ) a ipsilateralidade seria compulsória. O esquema representado na figura 3 objetiva bem êsse fato.

Para que houvesse a dissociação, sintomas cerebelares de u m lado e piramidais de outro, seria necessário que a via cerebelar fôsse apanhada antes d o seu primeiro entrecruzamento na comissura de W e r n e k i n k . Ora, essa possibilidade nunca se verifica na prática, o u porque o cerebelo e pedúnculo cerebral ocupem planos diversos, o que impede que possam ser atingidos a o mesmo tempo, o u , para que isso se realizasse, fôssem

necessárias lesões destrutivas muito extensas, o que lhes tiraria todos os caraterísticos focais. Depois, os pedúnculos superiores se entrecru-zam em sítio muito alto, na parte superior da protuberância, na região

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FIG. 3 — (De um esquema de Bing, modificado). Lesão à direita, interessando as fibras do III par diretamente e o pedúnculo cerebelar esquerdo, após o entrecruza-mento de Wernekink: ipsilateralidade cerebêlo-piramidal, pois ambas as vias se entrecruzarão abaixo da lesão, a primeira, no entrecruzamento de Forel, e a

se-gunda na decussação bulbar.

H á ainda o argumento irrespondível da casuística clínica. A pato-logia da protuberância regista alguns casos em que o feixe piramidal fôra levemente interessado, talvez p o r compressão, c o m rica sintomatologia cerebelar, mas sempre de feitio ipsilateral: o mesmo se dirá da patologia

do pedúnculo cerebral (síndromos de Weber puro ou superior, síndromo de Benedikt, síndromo de Raymond-Cestan), em que a ipsilateralidade cerebelo-piramidal é indefectível. E como são essas as únicas regiões

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Pedúnculos cerebelar es médios

Essas vias pedunculares oferecem poucos elementos aproveitáveis ao diagnóstico regional, porque são exclusivamente centrípetas e os sinais clínicos de localização são mais explícitos nas lesões que ferem as vias centrífugas. O s síndromos anátomo-clínicos mais conhecidos em que a fenomenologia cerebelar corre p o r conta dos pedúnculos médios são a hemiplegia cerebelar média de f o r m a pura de Marie e F o i x , a forma pontocerebelar da paralisia pseudobulbar e os tumores do ângulo ponto-cerebelar. E m nenhum dêles, a indicação da sede é dada pela partici-pação do pedúnculo cerebral em causa.

A própria disposição da compressão das vias motoras é aleatória, ora ipsilateral, o r a contralateral, ora bilateral. Contudo, no síndromo de Raymond-Cestan, cuja lesão determinante se assenta na parte alta da protuberância, se define, topogràficamente, c o m o ficou dito, pela ipsi-lateralidade cerebelo-piramidal; mas, ao que parece, os sintomas cerebe¬ lares, nessa conjuntura, são devidos a lesões dos pedúnculos cerebelares superiores.

Pedúnculos cerebelares inferiores

O s pedúnculos inferiores, a o contrário, pela multiplicidade d e cone-x õ e s que as suas fibras estabelecem c o m o bulbo, c o m a medula, c o m as vias vestibulares, tanto n o sentido centrípeto c o m o centrífugo, ensejam c a m p o para uma patologia regional variada e abundante.

O s síndromos topográficos, de Babinski-Nageotte — sinais cerebe-lares, oculossimpáticos, velopalatinos, e m esbôço (abolição do reflexo d o v é u ) ipsilaterais, e sinais piramidais e sensitivos contralaterais; de Cestan-Chenais — sinais cerebelares, oculossimpáticos, paralisia palato-laringea,

ipsilaterais, e sinais piramidais e sensitivos contralaterais; de Wallenberg

sinais cerebelares faringo-laringo-palatinos, óculo-pupilares e trigêmeos,

ipsilaterais, e hemianestesia contralateral — estampam na clínica as pe¬

cularidades estruturais dessas vias pedunculares.

A interrelação entre as vias cerebelar e piramidal se entremostra sempre, c o n f o r m e se v ê na enunciação sintomática acima exarada, de maneira dissociada; sinais cerebelares d e um lado, sinais piramidais de outro. A q u i se realiza, portanto, aquela segunda hipótese atribuída, er-rôneamente, n o esquema de M a r i e e F o i x , à patologia dos pedúnculos cerebelares superiores. E ' que a via cerebelar centrífuga contida n o

pe-dúnculo cerebelar inferior (feixe cerebelo-bulbar em articulação com o feixe vestibuloespinhal) é direta do cerebelo à medula. Ora, a lesão que a atinja interessará a via piramidal antes de sua decussação bulbar, de

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Assim a ipsilateralidade cerebelo-piramidal afirma sempre lesão dos pedúnculos cerebelares superiores, como a contralateralidade a dos in-feriores.

Para pôr fêcho a esta explanação, que j á vai longa, quero abrir es-paço agora para uma rememoração d e o r d e m pessoal.

Quando publiquei, e m 1923, o meu pequeno volume sôbre os síndro-m o s cerebelares, que chasíndro-mei síndro-mistos, a patologia d o cerebelo, no que toca às relações d o s pedúnculos c o m a via motora, era ainda bastante obscura. Diante do meu primeiro caso — u m doente de paralisia alterna de W e b e r típica acrescida de hemissíndromo cerebelar sobreposto à hemi-plegia motora — fiquei desarmado, sem poder interpretar topogràfica-mente c o m o se processara aquela ipsilateralidade sintomática. Dei busca n o s livros e tratados neurológicos e m v ã o . Apenas, n o Exposé de

Tra-vaux Scientifiques, d e Babinski, uma das maiores autoridades na

maté-ria, encontrei estas citações de b a i x o d e página: " V i g o u r o u x et Laignel-Lavastine, chez un sujet à l'autopsie duquel fut trouvée une lésion de l'hemisphère cérébelleux droit, décrivent avec précision les troubles asy¬ nergiques qui occupaient la jambe droite. R a y m o n d et Cestan ont cons-taté de l'asynergie à la jambe droite dans uns cas d'endothéliome épithe¬ lioïde du noyau rouge, à gauche. Selon eux, c'est sans doute à cause de l'entrecroisement du pédoncule cérébelleux au dessous de ce noyau que les troubles de la motilité siégeaient du c o t é o p p o s é à la lésion."

E era tudo, sem outros comentários. M a s foi a faísca: n o primeiro caso, havia lesão cerebelar e ipsilateralidade; n o segundo, d o núcleo ver-melho, e contralateralidade. Portanto, a contralateralidade era só em relação à lesão, mas não e m relação a o s hemisférios cerebelares e isso implicava na necessidade da existência d e u m segundo entrecruzamento. Efeitos clínicos transmitidos por vias cruzadas, cruzados ficariam, se não houvesse a interferência de um segundo entrecruzamento, e se voltavam à ipsilateralidade em relação ao hemisfério cerebelar em j ô g o , era por-que isso deveria se passar fatalmente.

Recorri à anatomia e n u m estudo, realizado e m animais, p o r P a w ¬ l o w , sôbre a estrutura fina d o tubérculo quadrigêmeo superior e d o núcleo vermelho, publicado n o Le Névraxe e m 1900, fui encontrar des¬ rito o duplo entrecruzamento que eu suspeitara. O s fatos me parece-ram, então, esclarecidos. M a s eu duvidava sempre e antes de publicar o meu trabalho expus as minhas hesitações a d o i s doutos colegas, os professores O v i d i o Pires de Campos, estudioso da neurologia, e Enjolras V a m p r é , q u e foi depois o chefe d a escola neurológica paulista. A m b o s

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Achando-se aqui, na ocasião, o neuropatologista russo Trétiakoff, desejou conhecer as minhas contraditas às idéias de Pierre Marie e F o i x , do primeiro d o qual fôra aluno e de c u j o ensino era, entre nós, o mais autorizado representante. A o ouvir as minhas argüições às falhas de lógica e d e anatomia que o estudo daqueles eminentes mestres francêses pareciam apresentar, objetoume que não estava ainda provada a e x i s -tência do feixe rubroespinhal no h o m e m e que eu não tinha casos que con-cretizassem as duas hipóteses sugeridas teòricamente por Pierre Marie e F o i x . Era exigir demais. Casos, eu só tinha o m e u ; mas a patologia do pedúnculo cerebral e da protuberância estava cheia dêles e todos c o n -formes ao meu raciocínio. D a outra variante, nem eu nem ninguem os teria, porque era justamente a impossibilidade de sua concretização prática que eu apontara c o m o prova de êrro da interpretação anatômica p r o -posta p o r Pierre Marie e F o i x .

Mais tarde, passando p o r S ã o Paulo o grande neurologista italiano Mingazzini, aproveitei a oportunidade para lhe p r o p o r a questão. D u -rante duas longas horas, a o lado do P r o f . B o v e r o , da nossa Faculdade, ouviu-me o cientista italiano, c o m t o d o interêsse e atenção e, ao final, disse-me, c o m tôda a franqueza, que nunca vira o problema pelo lado que eu lhe acabava de apresentar e que, de volta a R o m a , iria encarregar um assistente seu d e praticar cortes seriados em tôda a extensão d o pe-dúnculo cerebelar superior, para ver se era possível uma lesão única apanhá-lo antes d o seu primeiro entrecruzamento, e em simultaneidade c o m o feixe piramidal. Infelizmente, para o seu país e para a ciência universal, a morte o levou primeiro que êsse seu desígnio fôsse p o s t o no campo prático.

P o r fim, p o u c o depois d e publicada a minha monografia, a enviei, em 1924, a o p r ó p r i o Pierre Marie ( F o i x j á havia falecido) ajuntando a tradução francesa dos trechos em que eu lhe criticara as ideias. N ã o tardou e m que eu tivesse o prazer e a honra de receber dêle, a maior figura neurológica da França moderna, a seguinte carta abaixo transcrita:

"29 Octobre 24.

(13)

Belas, nobres e confortadoras palavras ! Publicando-as agora, dou

expansão a um sentimento de íntima satisfação e de justo orgulho, pois elas me desvanecem ainda hoje tanto quanto no momento em que as li pela primeira vez — e lá se v ã o mais de vinte a n o s ! — mas não escondo

que há neste gesto, implicitamente, uma homenagem à memória de Pierre Marie. A parte fraca era eu. S e a sua resposta fôsse negativa, o u mesmo se êle tivesse guardado silêncio — era o bastante para que me sentisse, àquele tempo, vacilante, c o m o quem, na busca da verdade, ta-teia nas trevas. M a s não. A sua sinceridade, a sua lealdade e o seu amor à exatidão científica pairavam muito acima de mesquinhos melin-dres pessoais. E ' que, nele, o h o m e m era tão grande quanto o sábio.

S U M Á R I O

O autor apresenta, e m linhas esquemáticas, as c o n e x õ e s que o cerebelo, pelos seus pedúnculos, mantém c o m o e i x o encefaloespinhal, p r o curando, e m seguida, deduzir daí o s quadros clínicos topográficos c o r -relatos.

São esboçados os síndromos dos três pedúnculos cerebelares, superiores, médios e infesuperiores, entrevistos sobretudo d o ponto de vista t o p o -gráfico.

Assim, no que concerne aos pedúnculos superiores, são lembrados os hemissídromos cerebelo-oculares, talâmicos e piramidal. A propósito dêste último, o autor reedita ponto de vista estabelecido em publicação sua de 1923, na qual, contrariando idéias de Pierre Marie e F o i x , susten-tava que o s hemissíndromos cerebelo-piramidais p o r lesão daquelas vias cerebelares são sempre, indefectìvelmente, de feitio cerebelo-piramidal ipsilateral.

Quanto aos pedúnculos cerebelares médios, salienta a impossibilidade de ter-se noção exata de sede, porque são vias integralmente cerebelípetas e os sindromos que melhor especificam a topografia lesional são os que atingem as vias cerebelífugas. N o próprio síndromo de R a y m o n d - C e s ¬ tan, cuja sede protuberancial inculca a noção de lesões que interessam a via cerebelar média, a sintomatologia cerebelo-piramidal parece correr p o r conta de acometimento d o pedúnculo cerebelar superior, dando igual-mente a ipsilateralidade cerebelo-piramidal.

N o s sindromos pedunculares inferiores, ao contrário, vigora sempre a disposição cerebelo-piramidal cruzada: sinais cerebelares de um lado e sinais piramidais de outro. A razão é que a via cerebelar centrífuga contida nesses pedúnculos é direta — via cerebelo-bulbar e m articulação c o m a vestibulospinhal — a o passo que as vias piramidais se entrecruzam no bulbo.

S U M M A R Y

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H e outlines the syndromes o f the three cerebellar peduncles ( s u p erior, middle and i n f e r i o r ) , which are mainly considered f r o m the t o p o -graphic point o f v i e w .

Thus, concerning the brachia conjunctiva, are to be remembered the cerebellum-ocular, thalamic and pyramidal hemisyndromes. R e f e r r i n g to the latter, the author repeats the opinion already sustained ( 1 9 2 3 ) at o n e o f his publications, in which, contradicting Pierre Marie and F o i x ' s ideas, he stressed that the cerebellum-pyramidal hemisyndromes, due t o lesion o f the cerebellar pathways, have always an ipsilateral cerebellum-pyramidal feature.

Regarding to the brachia pontis, the author emphasizes the i m p o s -sibility to have a correct idea about localization, because these peduncles are entirely afferent pathways and the syndromes w h i c h best specify the lesional topography are those involving the efferent pathways. E v e n in the syndrome o f Raymond-Cestan, whose pontine localization suggests lesions involving the middle cerebellar peduncle, the cerebellum-pyram-idal symptomatology seems to be due to the lesion o f the superior cere-bellar peduncle, causing, likewise, the cerebellum-pyramidal ipsilaterality.

In the syndromes o f the inferior cerebellar peduncle, on the c o n trary, there is always the crossed cerebellumpyramidal disposition: c e -rebellar signs on one side and pyramidal signs on the other. T h e reason is that the centrifugal cerebellar pathway included in these peduncles is direct — cerebellum-medullary pathway in connection with the vestibulo-spinal tract — while the pyramidal tracts cross each other in the medulla oblongata.

Imagem

FIG. 2 — Conexões do eerebelo. (Fig ur *   R E P R ° - -duzida de Van-Gahuchten, loc. cit.)- a s  e ^ e ~  rentes ou cerebelíjngas: dos pedúnculo^  cerebela-res superiocerebela-res: via olivo-mbro-espinfr^l (1, 2b
FIG. 3 — (De um esquema de Bing, modificado). Lesão à direita, interessando as  fibras do III par diretamente e o pedúnculo cerebelar esquerdo, após o  entrecruza-mento de Wernekink: ipsilateralidade cerebêlo-piramidal, pois ambas as vias se  entrecruzarão

Referências

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