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Março, 2012 Trabalho de Projecto Mestrado em Práticas Culturais para Municípios

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A memória e a actualidade das tabernas do concelho de Grândola

João Manuel do Rosário Melo Rodrigues

Março, 2012

Trabalho de Projecto

(2)

Trabalho de Projecto apresentado para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre em Práticas Culturais para Municípios, realizado sob a orientação cientifica do

Professor Doutor António Camões Gouveia (orientador) e do Professor Doutor Santiago Macias (co-orientador).

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Para os meus irmãos: o Miguel,

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Agradecimentos.

Com a conclusão do presente trabalho termina uma etapa de um caminho a percorrer. O percurso feito durante a etapa que agora termina só foi possível graças ao apoio, incentivo e disponibilidade de algumas pessoas. Parte deste trabalho também é vosso.

Aos professores António Camões Gouveia e Santiago Macias agradeço a disponibilidade, a orientação na elaboração do presente trabalho e o incentivo manifestado.

Aos técnicos do Arquivo Municipal de Grândola agradeço a disponibilidade, os

esclarecimentos prestados durante a pesquisa e o “despertar” para outras fontes de

arquivo. Sem o interesse demonstrado por vós a abordagem à memória das tabernas teria tido outra configuração.

À Dr.ª Ana Dulce Pires, à Dr.ª Isabel Revez, à Dr.ª Marta Braz e ao Dr. Rafael Rodrigues, agradeço as entrevistas concedidas. Estas em muito ajudaram a compreender o projecto municipal Rota das Tabernas.

À Câmara Municipal de Grândola agradeço a disponibilização dos programas e imagens da Rota das Tabernas.

Um especial agradecimento aos taberneiros que ainda “resistem” no concelho de

Grândola. Sem vós o presente trabalho não teria sido possível.

Aos frequentadores e “profissionais da taberna” manifesto a minha consideração

e apreço pela colaboração prestada.

Por último, mas não menos importante, agradeço à minha família. Em particular aos meus pais e avôs, agradeço o apoio e incentivo demonstrado, não só ao longo deste trabalho mas durante os meus 26 anos.

Não quero terminar sem agradecer aos meus amigos e, mais uma vez, à minha

família por durante os últimos 9 meses terem tido a paciência “de santo” de me ouvir

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A memória e a actualidade das tabernas do concelho de Grândola.

João Manuel do Rosário Melo Rodrigues

Resumo: Ao longo dos tempos as tabernas afirmaram-se por serem: espaços privilegiados para a manifestação da cultura popular, das ideias contra-poder e da transmissão de conhecimentos e de saberes. Mas, acima de tudo, afirmaram-se como um espaço de convívio destinado aos homens, onde o vinho era o principal produto consumido.

O consumo de álcool associado aos diversos problemas que assolavam os grupos sociais menos abastados (os principais frequentadores das tabernas) fizeram recair, sobre a taberna, pesados estigmas. “Lugares de perdição” caracterizados pela miséria, a embriaguez, a desordem, o consumo excessivo de álcool e práticas de higiene menos recomendáveis.

Porém a taberna é muito mais do que a visão redutora de um “lugar de perdição”. A taberna, apesar de ser um negócio, carrega consigo uma carga cultural e identitária que importa relevar. A taberna relaciona-se com a economia e o poder local, reflecte na sua multiplicidade estrutural (arquitectónica, económica, gastronómica e social) as influências do território em que se insere. Mas a taberna também é um espaço de produção e transmissão de memória. Assim como pode servir de pretexto à exploração da história local, porque o tema das tabernas não se esgota no espaço da taberna.

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The memory and the timeliness of taverns in the municipality of Grândola.

João Manuel do Rosário Melo Rodrigues

Summary: Over time the taverns asserted for being privileged spaces: for the manifestation of popular culture, counter-power ideas and communicating knowledge and wisdom. But, above all, asserted itself as a convivial space for men, where the wine was the main product consumed.

Alcohol consumption is associated with the various problems that continued to trouble the less affluent social groups (the main regulars of taverns) did fall on the tavern, weighed stigmas. "Places of perdition" characterized by misery, drunkenness, disorder, excessive alcohol consumption and hygiene practices less recommended.

But the tavern is much more than the reductive vision of a "place of perdition". The tavern, despite being a business, carries with it a cultural load and identity that matters. The tavern relates to the local economy and can reflect in its multiplicity, structural (economic, architectural, culinary and social) influences of the territory in which it falls. But the tavern is also an area of production and transmission of memory. So how can serve as a pretext for the operation of local history, because the theme of the taverns is not exhausted in the tavern.

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Índice.

Introdução. 1

Capitulo 1. Estudo de caso. 2

1.1 Estrutura conceptual. 3

1.2 Metodologias. 5

Capitulo 2. O território. 6

2.1 A geografia. 7

2.2 A população. 9

2.3 A economia. 12

2.4 A relação do território com a taberna. 15

Capitulo 3. A memória colectiva e as tabernas. 17

3.1 A relação da taberna com a economia local. 17

3.2 A memória social das tabernas. 20

3.3 A relação da taberna com a autoridade e o poder politico. 24

3.4 A relação da memória com a taberna. 27

Capitulo 4. As tabernas, os taberneiros e o “ciclo da taberna”. A

actualidade das tabernas do concelho de Grândola.

29

4.1 As tabernas e os taberneiros. 29

4.2 A localização da taberna. 36

4.3 Os frequentadores e os “profissionais da taberna”. 38

4.4 A gastronomia. 39

4.5 O vinho. 41

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4.7 A decoração, a organização do espaço e as suas utilizações.

44

4.8 A rentabilização económica da taberna. 47

Capitulo 5 Conclusão. 50

Bibliografia 53

Listas de imagens. 59

Lista de cartografia. 64

Lista de gráficos. 64

Lista de desenhos das plantas das tabernas 64

Lista de quadros. 64

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Texto A.

A Rota das Tabernas - a origem, a evolução e o presente.

“(…) Inflectir o processo de desaparecimento das tabernas, dependerá de sensibilizar as populações, incluindo os escalões etários jovens, para a importância da manutenção destas tradições e dos nossos hábitos e, essencialmente de se conseguir sensibilizar os proprietários e os seus sucessores para a importância de recuperar e preservar o que de mais característico as tabernas possuíam (…)”1

.

Em 1995, num contesto de mudança político-económica, de mentalidades, de gostos e de hábitos quotidianos, cada vez mais evidenciados pelas novas gerações, o município de Grândola deu início ao projecto Rota das Tabernas.

As tabernas encontravam-se em declínio, em número cada vez mais reduzido, tinham a sua rentabilidade económica ameaçada, não tinham a força de outros tempos junto das gerações mais jovens (enquanto espaços de convívio) e deparavam-se com muitas incertezas quanto ao seu futuro.

Idealizada por duas mulheres (a Dr.ª Isabel Revez e a Dr.ª Ana Dulce Pires), a partir do conhecimento e observação do território e de hábitos da comunidade local masculina –

o convívio na taberna após o dia de trabalho -, a Rota das Tabernas pretendia afirmar-se como uma iniciativa de promoção turística e cultural do concelho de Grândola.

Com a primeira edição no outono de 1995 o município de Grândola dava início ao reconhecimento da “(…) importância cultural das tabernas como espaços tradicionais que, para além da função social e económica que desempenhavam nas comunidades onde se inseriam, eram locais privilegiados de encontro e convívio, sobretudo dos homens(…)”2. Uma das formas de reconhecimento da importância das tabernas era

“(…) salvaguardar e revitalizar estes espaços, associando o sentido do encontro e convivialidade à preservação e divulgação da gastronomia tradicional e a várias propostas de animação cultural como o cante alentejano, as cantigas ao desafio e a poesia popular (…)”3.

1As tabernas do concelho de Grândola, Grândola, Câmara Municipal de Grândola, 1999, p. 3

2 Testemunho da Drª Isabel Revez

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cogumelos, ao vinho e às tabernas o município criou um “veículo” de promoção

turística e cultural do território. Ao mesmo tempo recorria a uma actividade que se encontrava debilitada, mas enraizada na identidade da comunidade local.

Esta iniciativa reforçava os seus benefícios para as tabernas através da possibilidade de reabilitação destes espaços, o que evitaria a sua extinção. O recurso a programas como o LEADER+ (PRODER) era, à época, um instrumento a considerar. Porém a sua utilização não se veio a verificar.

A iniciativa contou com a adesão dos taberneiros, mas a adesão do público foi um processo gradual, em crescendo, ao longo das várias edições.

O agendamento da iniciativa para os meses de Outubro e Novembro permitia conjugar a Rota das Tabernas com as vindimas, a caça e os cogumelos. Mas não era a época do ano mais atractiva para o público, em parte, pelas condições climatéricas que se fazem sentir nesta época do ano4.

No final da década de 1990 a intervenção do Dr. Rafael Rodrigues trouxe alterações ao modelo seguido na organização do projecto. As alterações introduzidas visavam: um novo enquadramento turístico (alteração da calendarização para o fim da primavera / inicio do verão), melhoria da qualidade gastronómica e evidenciação das potencialidades de negócio da taberna.

Estas alterações inscreviam-se numa lógica de valorização do património local. Pretendia-se associar a Rota das Tabernas com outras iniciativas relacionadas com o vinho (cultura do vinho), as tabernas e o património. Constituem exemplo disso: o colóquio Coisas do Vinho (este teve lugar na antiga igreja de São Pedro, um espaço degradado e descaracterizado que o município pretendia recuperar), exposições, mostra e lançamentos bibliográficos e o recurso ao teatro como elemento de animação.

Ao mesmo tempo, a recuperação e salvaguarda das tabernas continuava a ser um dos pilares da Rota das Tabernas. Colocava-se a hipótese de ser criado um acordo, estabelecido entre o município e os proprietários das tabernas, onde se reuniam pontos de consenso face a um interesse comum – a viabilidade futura das tabernas. Porém esta hipótese de abordagem à recuperação das tabernas não chegou a concretizar-se.

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davam os seus frutos, expressos no crescente aumento do número de frequentadores da iniciativa. Este crescimento do público que participa na Rota das Tabernas, associado ao empenho de taberneiros e técnicos do município faz com que a iniciativa caminhe para a sua 17ª edição.

A organização da Rota das Tabernas é hoje responsabilidade do sector do turismo, que conta com o apoio do sector de comunicação e protocolo para a sua divulgação. Os técnicos do sector do turismo procuram conciliar a gastronomia com a animação.

Podemos afirmar que a Rota das Tabernas é uma importante montra para a gastronomia tradicional. Esta afirmação sai reforçada através da leitura dos programas das várias edições do projecto municipal5. Nestes temos acesso aos vários pratos disponíveis nas várias tabernas. Podemos constatar que a gastronomia é um dos pontos fortes desta iniciativa, uma vez que não é comum encontrar-se a maioria dos pratos apresentados no quotidiano da taberna.

A animação é outro elemento marcante da Rota das Tabernas (quadro 11 em anexo). Entre 1999 e 2007 a animação da Rota das Tabernas registou inúmeras variações. Do programa de animação já fizeram parte: acordeonistas, animação de rua, colóquios, cante alentejano, desfiles etnográficos, despique e baldão, exposições, fado, harmónicas, lançamentos bibliográficos, mostras bibliográficas, música popular, poetas populares, teatro e violas campaniças. A partir de 2008 a animação agendada deixou de constar nos programas da Rota das Tabernas, apenas é feita referência à existência de animação nas tabernas.

Todavia a organização da Rota das Tabernas depara-se com vários constrangimentos. Estes começam na disponibilidade dos taberneiros e no número cada vez mais reduzido de tabernas, passam pela animação, pela ausência de estudos de opinião e de público, pela não recolha de sons, e culminam na forte ameaça de extinção e de descaracterização das tabernas.

A diminuição do número de tabernas e a referida indisponibilidade de alguns taberneiros condiciona o trabalho dos técnicos do município na organização da Rota das Tabernas. Ao observarmos os programas das edições entre 1999 e 2011 (quadro 12 em

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estabelecimentos e o facto de alguns dos estabelecimentos que acolhem a iniciativa não

serem tabernas mas sim cafés, snack’s bar e restaurantes. Este sentimento sai reforçado

ao frequentarmos esses espaços. Nos últimos anos a organização tem privilegiado a gastronomia e a animação em detrimento das características do espaço. Elemento que

passou a beneficiar de critérios mais “largos”.

Porém é intenção do município dar continuidade à Rota das Tabernas. “ (…) o município reforçará, sem aumento dos custos associados, a organização de eventos que contribuam para a divulgação e promoção das potencialidades do concelho e para a sua afirmação turística, de que [é] exemplo (…) a Rota das Tabernas (…)”6.

Como pretende o executivo municipal que a Rota das Tabernas continue a contribuir para a promoção turística do território se, ao mesmo tempo, nada for feito para evitar a extinção e a descaracterização destes espaços?

Texto B.

Considerações sobre o projecto.

Ao entendermos as Câmaras Municipais como um organismo de gestão do território, a quem compete, em parte, definir as políticas de valorização e potencialização do território, podemos afirmar que o futuro das tabernas passa, em certa medida, pela gestão que a Câmara faz do território.

Antes de ser um elemento de promoção turística de determinado território a taberna é uma actividade económica, que por diversos factores carrega consigo uma carga cultural, simbólica e consequentemente identitária para uma comunidade e um território.

Pensar as tabernas sem atender à realidade em que estas se inserem, provocando uma ruptura no seu relacionamento com a comunidade e com a economia local, leva a um desenraizamento das tabernas, à sua descaracterização e à sua transformação em espaços híbridos que não correspondem aos padrões de taberna. Neste contexto restará muito pouco para promoção turística.

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desenvolver novas políticas de desenvolvimento da economia local, proporcionando uma maior diversidade.

Repensar o modelo de intervenção das tabernas na promoção do território é outra hipótese a considerar, uma vez que a Rota das Tabernas funciona do ponto de vista da promoção do território e das tabernas, mas não responde a muitas das necessidades das tabernas e dos taberneiros.

Se as tabernas são importantes para o município como instrumento de promoção do território, este pode assumir uma postura mais activa, junto das tabernas, e recuperar o objectivo de salvaguarda e preservação das tabernas que esteve na origem do projecto.

No final da década de 1990, início da década de 2000, numa conjuntura económica mais favorável do que aquela que se verifica nos dias de hoje, fazia sentido estabelecer um

acordo entre o município e os taberneiros com o intuito de “garantir” a viabilidade das

tabernas. Nos dias que correm, atendendo à actual conjuntura, faria todo o sentido estabelecer um acordo entre o município e os taberneiros tendo em vista igual objectivo.

Um acordo, a efectuar-se, entre taberneiros e o município não tem obrigatoriamente que envolver compensações monetárias. O acordo pode desenvolver-se a partir do reconhecimento de um interesse comum para ambas as partes: a viabilidade das tabernas. Podem ser elementos constituintes do acordo os seguintes exemplos: mecanismos de diferenciação entre as tabernas e outros espaços concorrentes (Rota das Tabernas, rede de tabernas, certificados de reconhecimento, etc.), a disponibilização de métodos e técnicos para a divulgação das tabernas, a melhoria das condições dos espaços das tabernas (pequenas reparações, projectos de obra, licenciamentos, etc.), o comprometimento dos proprietários da taberna em manter a taberna a funcionar por determinado período de tempo (a médio / longo prazo), considerar a transição da taberna fora do círculo familiar (recurso ao arrendamento), entre outros.

Com um acordo assente nestes, e noutros, elementos o município garantiria a

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Introdução.

O que é uma taberna? Qual a sua importância?

Espaço amplo, de dimensão variável e simples na sua arquitectura, com poucas preocupações na sua decoração, fresco e pouco iluminado. Surge em muitos casos associada a uma adega ou à venda de vinho.

Muitas vezes apelidadas de “lugares de perdição”, portadoras de uma “(…) carga de ócio afogada na sua canada de vinho ou no copo de três (…)”1, que se traduz

num pesado estigma de condenação e rejeição social da taberna. Na origem deste sentimento encontramos o consumo do vinho, muitas vezes causador da discórdia do lar doméstico. Assim como as condições que a taberna oferece ao “potencial frequentador”, em muitos casos desconhecedor da realidade destes espaços.

Porém, a taberna é muito mais que o “lugar de perdição” destinado ao consumo de bebidas alcoólicas.

A taberna é também um local de encontro e de convívio, onde o petisco serve de pretexto ao consumo do vinho em grupo, e envolto numa série de rituais desenvolvidos com grande à-vontade pelo frequentador habitual destes espaços. É igualmente um local privilegiado para a manifestação da cultura popular, da opinião e da manifestação contra-poder.

Apresenta-se assim como o espaço social de eleição dos grupos sociais menos abastados, onde estes têm como principal passatempo a conversa, que também serve de motivo para o consumo de uns copos ou pequenos jarros de vinho. Os passatempos de outrora – os jogos de cartas, alguns jogos tradicionais e o cante – são cada vez mais difíceis de encontrar.

Outros factores reforçam a importância da taberna para determinada comunidade. Em algumas localidades a taberna é muito mais do que o espaço de convívio entre homens. Para as comunidades mais isoladas a taberna é o principal centro fornecedor de serviços. Algumas prestam em simultâneo os serviços de venda de produtos de mercearia (a prestação deste serviço levou a que a estas também se desse o nome de “venda”), e de posto de telefone público.

1 Tabernas. Lugares de encontro e solidão em Setúbal, Setúbal, Museu do Trabalho / Câmara Municipal

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A tarefa de mediação que o taberneiro é muitas vezes solicitado a desempenhar na comunidade, é outro elemento que reforça a importância social da taberna e do taberneiro2.

Mas a taberna também pode ser considerada como um “veículo” da memória local de determinado território. Esta pode ser um importante elemento para o estudo de determinados grupos sociais, no que ao seu comportamento e hábitos quotidianos diz respeito. Permitindo assim traçar uma linha evolutiva ao longo do tempo. O mesmo acontece no que à economia local diz respeito. A taberna pode ser assim encarada como um elemento a considerar na observação e no estudo da evolução social e económica de um determinado território.

Todavia podemos afirmar que o futuro da taberna está em risco. Se em tempos não muitos distantes a taberna se caracterizava por ser o local de convívio de eleição, onde beber vinho despertava outros laços de sociabilidade, o mesmo não acontece nos dias de hoje.

A morte ou a doença de um taberneiro, na maioria dos casos, significa o encerramento da taberna. Não há uma substituição geracional. A mudança de paradigma associada à concorrência leva a uma perda de vitalidade das tabernas.

O concelho de Grândola, à semelhança de muitos outros, não está imune a esta realidade.

1. Estudo de caso.

Com as transformações político-económicas e as mudanças que se registaram nas mentalidades, nos gostos e nos hábitos quotidianos as tabernas entraram em declínio. “Sobrevivem”, em número mais reduzido e com menos vitalidade, sujeitas à concorrência voraz de restaurantes e outros espaços comerciais estando rodeadas de incertezas quanto ao seu futuro próximo.

Em contexto idêntico, o município de Grândola pôs em prática no ano de 1995, a Rota das Tabernas3. Com este projecto o município de Grândola pretendia reconhecer a

2 Sobre este tema ver ANDRADE, Pedro de; “A taberna mediática, local reticular de negociações sociais

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importância das tabernas enquanto actividade económica, mas também pela sua carga cultural e identitária.

Com a Rota das Tabernas, o município pretendia conciliar a salvaguarda das tabernas através da promoção turística do território. Volvidos cerca de 17 anos, a Rota das Tabernas continua a ser um “veículo” de promoção do território. Porém, não cumpriu com o objectivo de salvaguarda das tabernas.

Pretendemos assim, a partir do “levantamento” fotográfico de José Manuel Rodrigues4, inserido no âmbito da Rota das Tabernas, percorrer o concelho de Grândola com o intuito de fazer um novo levantamento das tabernas existentes no território em estudo. Das tabernas fotografadas por José Manuel Rodrigues quantas permanecem abertas? Por que motivos encerraram algumas tabernas? Quantas tabernas surgiram entretanto?

Em consequência desse levantamento abordaremos o “ciclo da taberna”. Qual a origem da taberna e do(s) seu(s) proprietário(s)? Como se organiza o espaço e qual a utilização dos diferentes espaços? Como se caracterizam os “profissionais da taberna”? Quem são os frequentadores da taberna? Que especificidades apresentam as tabernas na sua decoração? Qual a origem do vinho consumido? Qual a rentabilidade económica da taberna? Quais os sintomas de descaracterização da taberna e as suas motivações?

Outro tema a ter em conta, na elaboração do presente trabalho, é a memória. Que memórias têm taberneiros e frequentadores? Como se relacionavam as tabernas com a produção vinícola local? Que referências encontramos sobre as tabernas nos periódicos e na documentação municipal?

Conhecidas as memórias, a situação actual das tabernas, o projecto Rota das Tabernas e o território em estudo, importa apontar “caminhos” tendo em vista a continuidade das tabernas.

1.1 Estrutura conceptual.

O presente trabalho assenta em três “pilares”: o território, a memória e a situação actual das tabernas.

3

Sobre o tema da Rota das Tabernas ver os apêndices A e B e as imagens 93 a 114.

4 RODRIGUES, José Manuel; Tabernas. Percurso na memória do concelho de Grândola, Grândola,

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O conhecimento do território a partir da sua multiplicidade dimensional – económica, humana e geográfica – permite-nos compreender a realidade em que se inserem as tabernas, e as motivações das adversidades que se lhes impõem.

Que transformações se registaram nos hábitos quotidianos e nas mentalidades? Como se caracteriza a população na sua estrutura etária e escolaridade? Como evoluiu a estrutura económica do território em estudo? São estas algumas das problemáticas que se colocam na análise ao território. A partir dessa análise estamos aptos a diagnosticar o impacto das transformações do território junto das tabernas.

Ao complementarmos as memórias, de taberneiros e frequentadores com as informações obtidas em periódicos e fontes de arquivo, temos acesso ao passado das tabernas. Este cada vez mais esbatido pelo tempo.

Ao “mexermos” nas memórias de taberneiros e frequentadores, recuperamos histórias e costumes desconhecidos das gerações mais novas. O recurso a fontes de arquivo permite-nos recuar ainda mais no tempo e abordar temas como a prostituição, o jogo e a criminalidade. Ao mesmo tempo, ao recorrermos à memória, reforçamos a vertente patrimonial das tabernas, uma vez que ao enquadrarmos estas no passado histórico de uma comunidade, sai reforçada a sua dimensão cultural e identitária5.

O terceiro elemento na estrutura do presente trabalho é a situação actual das tabernas. O levantamento das tabernas existentes no território em estudo, e a interacção com taberneiros e frequentadores, permite-nos perceber a situação actual das tabernas e abordar o “ciclo da taberna”.

Importa conhecer as dinâmicas das várias tabernas – cada taberna tem o seu ritmo –e perceber como têm “resistido” à evolução dos tempos. É a taberna um negócio rentável? Que “rituais” permanecem nas tabernas?

Por outro lado, é importante que tenhamos em conta ideias / hipóteses que, sem descaracterizar as tabernas, incutam novas dinâmicas no ritmo das tabernas e que potenciem a sua viabilidade numa dupla vertente – cultural e económica (porque a taberna é um negócio).

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1.2 Metodologias.

Definido o território de estudo – o concelho de Grândola – e o objecto de estudo – as tabernas do concelho de Grândola – definimos os temas a incluir no presente trabalho.

Tendo em conta as limitações de espaço impostas a um trabalho de projecto, estruturámos o presente trabalho em volta de três temas – o território, a memória e a situação actual das tabernas.

Em função dos temas selecionados escolhemos as técnicas a utilizar durante a investigação. Assim as técnicas selecionadas relacionam-se com as disciplinas de história, antropologia e sociologia.

Recorremos à leitura e análise de fontes históricas, impressas e manuscritas, para aceder à realidade histórica em que se inserem as tabernas do território em estudo.

Observámos o comportamento de taberneiros e frequentadores. Interagimos com estes numa prespectiva científica, através de entrevistas e inquéritos. O perfil dos entrevistados, à excepção dos taberneiros, foi “seleccionado” em função do seu “profissionalismo” no quotidiano da taberna. São frequentadores assíduos da taberna, conhecedores das práticas de gestão destes espaços, e com idades entre os 55 anos e os 75 anos.

A nossa presença nas várias tabernas teve lugar em diferentes períodos do dia, e em diferentes dias da semana. Conseguimos assim conhecer os comportamentos quotidianos, o ritmo das várias tabernas e as adversidades que se lhes impõem.

Tendo em conta a existência do projecto municipal - Rota das Tabernas - recolhemos opiniões junto de taberneiros e frequentadores, entrevistamos a responsável pela organização da iniciativa – a Dr.ª Marta Braz -, as duas pessoas que idealizaram o projecto e que o colocaram em marcha – a Dr.ª Isabel Revez e a Dr.ª Ana Dulce Pires – e o impulsionador do projecto ao reconfigurar-lhe o modelo de funcionamento, que em parte ainda vigora, – o Dr. Rafael Rodrigues.

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considerar a sua dimensão do dia-a-dia(…)”6. Durante o trabalho de campo adoptámos uma atitude pragmática, tendo em vista a obtenção das informações pretendidas.

Para a recolha de informações junto dos taberneiros optámos pelos períodos de menor azáfama na taberna. Os vários dados foram recolhidos sob a forma de inquéritos, entrevistas, desenhos e fotografias no ambiente da taberna. Uma vez recolhidos os vários dados estes foram tratados com o recurso a grelhas de análise, gráficos, desenhos e quadros. Decorrendo a sua análise a partir desse tratamento.

2. O território.

Entendemos o território como uma extensão de terreno mais ou menos vasto, determinado pela sua superfície, pela sua forma e limite, e sob determinada jurisdição. Mas também como resultado de “(…) um fenómeno de comportamentos associados à

organização do espaço em esferas de influência (…), [como] o espaço no qual o

individuo, ou grupos de indivíduos, se movimentam ao longo da sua vida ou durante um período determinado, [e como] um núcleo, do qual o individuo se apropria e

defende (…)”7. Verificamos que o território para além de ser percepção do espaço, é

também uma construção de determinada comunidade.

Se tivermos como exemplo o concelho de Grândola, verificamos que este território nos primeiros anos do século XXI não é o mesmo de há sessenta anos atrás. Assim como, o concelho de Grândola na década de 1950 não era o mesmo do final do século XIX, início do século XX.

O conhecimento da realidade económica, social e geográfica do território em estudo permite-nos conhecer a realidade grandolense, perceber se este concelho do Litoral Alentejano mantém a ruralidade como a sua principal característica, ou se começa a mostrar marcas de um “meio urbano”.

Como se caracteriza o concelho de Grândola relativamente à sua geografia, economia e população? Que transformações ocorreram? Que consequências tiveram essas transformações na vida das tabernas locais?

6 ANDRADE, Pedro de; “A taberna mediática, local reticular de negociações sociais e sociológicas”, in,

Revista Critica de Ciências Sociais, n.º 33, Outubro de 1991, p. 268.

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2.1 A geografia.

No sul do distrito de Setúbal, entre os concelhos de Alcácer do Sal a norte, Santiago do Cacém a sul, e Ferreira do Alentejo a este, encontramos o concelho de Grândola. Com uma área superior a 800 km2, uma população de cerca de 14900 habitantes e uma densidade populacional de 17 habitantes por km2.

Atendendo à caracterização da geografia física do concelho de Grândola podemos afirmar logo de início que a heterogeneidade territorial é a sua principal característica. Em mais de 800 km2 o território em estudo concentra no conjunto das suas cinco freguesias – Azinheira de Barros e São Mamede do Sadão, Carvalhal, Grândola, Melides e Santa Margarida da Serra – uma zona de forte influência do mar (nas freguesias de Melides e Carvalhal), da serra (nas freguesias de Santa Margarida da Serra, Azinheira de Barros e em algumas zonas das freguesias de Grândola e Melides), do montado (presente em todas as freguesias, mas com uma expressão residual na freguesia do Carvalhal), e por último destacar a influência da zona de charneca que se faz sentir na freguesia de Grândola.

Na origem desta heterogeneidade territorial encontramos factores políticos que decorreram entre a segunda metade do século XIX e os primeiros anos do século XX. Factores aos quais não é alheia a intervenção de José Jacinto Nunes. Podemos em certa medida afirmar que o concelho de Grândola é uma “construção” sua8.

8 Se o concelho de Grândola apresenta hoje em dia um carácter heterogéneo, relativamente à sua

caracterização geográfica, deve-se às transformações que sofreu no período temporal coincidente com a actividade política de José Jacinto Nunes.

Se os limites do concelho de Grândola se mantiveram estáveis a sul, a este, e a norte, o mesmo não aconteceu a oeste. Até aos primeiros anos do século XX os limites do concelho alternavam ora com o concelho de Santiago do Cacém ora com o Oceano Atlântico. Esta instabilidade territorial ficou a dever-se por um lado à pressão do Município de Santiago do Cacém e dos residentes da freguesia de Melides, por outro à pressão do Município de Grândola, em particular do autarca José Jacinto Nunes.

A importância de José Jacinto Nunes na “construção” do concelho de Grândola tal como o conhecemos

hoje ficou a dever-se à sua influência política, que se fazia sentir tanto ao nível local e regional como também ao nível nacional. Apesar de ser um assumido defensor dos ideais republicanos, militante do Partido Republicano Português, esse facto não o impedia de estender a sua influência junto do governo do reino.

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A heterogeneidade territorial deste concelho reflecte-se nas características geológicas e de uso do solo – podemos distinguir três zonas: a bacia do Sado, a faixa litoral e a serra de Grândola.

Mas também se reflecte no clima. Embora este tenha um cunho mediterrânico, com um Verão quente e seco marcado pela “(…) temperatura elevada, luminosidade

forte, grande insolação e carência de chuvas(…)”9 e onde “(…) o Outono, o Inverno e

a Primavera conhecem este tempo perturbado e variável (…)”10. Também se faz sentir, com maior vigor na faixa litoral, a influência atlântica onde a “(…) temperatura é aí mais moderada (…)”11 . É a serra de Grândola o obstáculo a essa influência atlântica

noutras zonas do território.

Quanto ao relevo, predominam as áreas de baixa altitude, abaixo de 200 metros, tendo o pico mais alto da serra de Grândola 326 metros na zona da Atalaia. Sobre este tema importa recordar Candeias dos Santos “(…) a serra de Grândola – paralela ao

litoral (…) oferece-nos um relevo de montículos, com os cimos a uma altitude que é

sensivelmente a mesma. O flanco ocidental, onde encontramos as maiores altitudes (…) é muito abrupto; o flanco oriental desce suavemente até à serra da Caveira (…) onde o

relevo de novo se movimenta e chega a atingir altitudes de 187 metros (Caveira) e 205 (Casa Nova), para em seguida descer levemente na direcção da penaplanicie

alentejana (…)”12.

A heterogeneidade do território faz-se sentir também na flora, na forma na ocupação, e de exploração da terra. Exemplos disso podem ser, os campos de arroz nas freguesias de Melides e Carvalhal, e a adaptação de algumas características da habitação em função do território (embora com menos fulgor que no passado).

9 RIBEIRO, Orlando; Portugal o Mediterrâneo e o Atlântico, Lisboa, Sá da Costa, 1998, p. 41

10 Idem, p. 42

11 Ibidem, p. 41

12 SANTOS, António Candeias; A freguesia de Grândola Estudo geográfico, Junta de Freguesia de

(25)

2.2 A população13.

Qual o número de habitantes do concelho de Grândola? Qual a evolução do número de habitantes e de fogos no território em estudo? Que factores condicionaram ou favoreceram essa evolução? Como se caracteriza a estrutura etária da população grandolense? Qual a dimensão média das famílias grandolenses? Como se caracteriza o concelho de Grândola no que respeita à alfabetização da sua população?

Através do gráfico número 1, em anexo, observamos a evolução da população residente no concelho de Grândola. Constatamos que entre os censos de 1864 e 1878 se registou uma quebra da população residente superior a mil habitantes. Esta perda populacional ficou a dever-se, em parte, à desanexação da freguesia de Melides.

Todavia entre os censos de 1890 e 1950 a população residente no concelho de Grândola registou um crescimento progressivo, fixando-se a sua população residente em 21375 indivíduos, de acordo com o censo de 1950. Este crescimento ficou a dever-se à melhoria das condições de vida urbana e ao “favorecimento” económico de dois produtos existentes no território – a cortiça e o arroz.

A partir de 1960 assistimos a uma quebra na população residente, menos 315 indivíduos. Mais acentuado foi o decréscimo registado em 1970, com uma perda superior a 6000 habitantes. Na origem desta diminuição da população residente encontramos factores de âmbito nacional como, a guerra colonial, e a vaga de migração para a área metropolitana de Lisboa, ou para países como a França, a Alemanha, o Canadá, entre outros. Mas também a diminuição do fulgor da economia local motivou essa vaga de migrações.

No censo de 1981 verificamos um aumento da população, ultrapassou os 15624 habitantes registados em 1970, fixando-se em 16047 habitantes. Na origem deste facto podemos apontar o regresso dos portugueses residentes nas antigas colónias, e de alguns emigrantes.

Em 1991 registou-se uma nova diminuição da população residente, cerca de 2000 indivíduos a menos. Na origem desta redução populacional estão as dificuldades económicas dos primeiros anos da década de 1980 que, em certa medida, motivaram uma nova vaga de migrações, quer para outros pontos do território nacional quer para o

13 Os dados estatísticos apresentados têm por fonte os Censos de 1864 a 2011 e a Rede Social de

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estrangeiro. Importa referir que neste número também se reflectem as consequências de uma sociedade envelhecida.

No censo de 2001 registou-se um novo crescimento da população residente, fixando-se em 14901 habitantes. Este crescimento da população residente deve-se em parte a dois factores, o regresso de alguns emigrantes naturais do concelho e a mobilidade da população, que por motivos vários se fixou no concelho.

De acordo com os dados preliminares dos censos de 2011 registou-se uma ligeira perda, cerca 50 habitantes.

No mesmo gráfico verificamos a relação entre o número de habitantes por sexo. Podemos constatar que à excepção do ano de 1991, o número de habitantes do sexo masculino foi sempre superior ao número de habitantes do sexo feminino. Referir também que, a partir de 1960 começa a haver uma maior aproximação entre o número de homens e de mulheres residentes no concelho de Grândola.

Outro elemento a ter em conta nesta caracterização da população grandolense é a sua estrutura etária. De acordo com a Rede Social de Grândola14, no ano de 2009 havia

1792 habitantes com idade igual ou inferior a 14 anos, este grupo etário constituía 13% da população residente. Com idades compreendidas entre os 15 e os 24 anos havia 1273 habitantes, constituíam 9% da população residente. 7172 Habitantes tinham idades compreendidas entre os 25 e os 64 anos, formavam 52% da população residente. Os restantes 25% da população residente, correspondiam a 3608 indivíduos com idade igual ou superior a 65 anos.

O território em estudo tem assim uma população duplamente envelhecida. A cada 2 indivíduos com idade igual ou superior a 65 anos corresponde 1 indivíduo com idade igual ou inferior a 14 anos.

Esta característica da população grandolense fica a dever-se a um índice de longevidade de 51,6 % em 2009, a uma taxa de natalidade de 9,5 %0, inferior aos 14,

4%0 da taxa de mortalidade15. A uma taxa bruta de nupcialidade de 3%0 e a uma taxa

bruta de divórcio, em igual período (2008), de 2,43%0.

14

Rede Social de Grândola – Indicadores do Concelho, Grândola, Câmara Municipal de Grândola, 2011.

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Importa ter em conta que no território em estudo predominam as famílias com 2 elementos. Em 2001 havia no referido território 5638 famílias. Destas 1218 eram constituídas por 1 elemento, 21,6% do total; 1954 eram constituídas por 2 elementos, 34,7%; 1284 eram constituídas por 3 elementos, 22,8% do total; 823 eram constituídas por 4 elementos, 14,6% do total, e 359 com 5 ou mais elementos, 6,4% do total das famílias existentes no concelho.

Porém, num concelho duplamente envelhecido surgem alguns indicadores positivos. São exemplos a taxa de mortalidade neonatal e a taxa de mortalidade infantil que no quinquénio 2005/2009 se fixaram em 1,6%0. Mas também o crescimento

registado entre 1991 e 2001 referente à percentagem de população que 5 anos antes residia noutro concelho. Este indicador passou dos 5% registados em 1991 para os 8% em 2001.

A alfabetização da população grandolense é outro tema a ter em conta. De acordo com o censo de 2001 o concelho de Grândola tinha 3693 habitantes sem frequência escolar, 5351 habitantes com escolaridade ao nível do 1º ciclo, 1953 habitantes tinham concluído o ensino secundário e 814 habitantes tinham o ensino superior. Porém a taxa de analfabetismo regrediu de 26,9%, registados em 1991, para 20,69% em 2001. A taxa de abandono escolar decresceu, de 13,57%, registados em 1991, fixando-se em 2,87% em 2001.

Para o decréscimo do abandono escolar e da diminuição do analfabetismo contribuiu, em parte, a frequência de cursos profissionalizantes. Em 2009 Grândola registava uma taxa de participação no ensino profissional de 44,1%, mais do dobro da média nacional.

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Em 2011, de acordo com os dados preliminares do censo desse ano, quebrou-se a tendência de a evolução do número de fogos acompanhar a evolução da população residente. Segundo os dados preliminares dos censos de 2011 o concelho de Grândola tem 12103 fogos. O crescimento do número de fogos deve-se em grande parte a dois factores. Ao “abandono” da residência em zonas rurais do concelho, com o objectivo de se fixarem no principal centro urbano (Grândola). Nesse contexto assistimos ao desaparecimento das várias quintas existentes na periferia da vila de Grândola, que dão lugar a novos bairros. Mas também se deve, em larga medida, ao crescente número de habitações de cariz sazonal, principalmente nas freguesias de Grândola, Melides e Carvalhal.

Entre o ano de 1991 e o ano de 2009 registaram-se as seguintes taxas de variação referente aos alojamentos – 10,6% na freguesia de Azinheira de Barros e São Mamede do Sadão, 247,7% na freguesia do Carvalhal, 16,6% na freguesia de Grândola, 28,7% na freguesia de Melides e 16,7% na freguesia de Santa Margarida da Serra. Muitos destes alojamentos têm um cariz sazonal. Exemplo disso é a freguesia do Carvalhal que em 2001 registava 362 alojamentos de cariz residencial e 1149 de cariz sazonal.

2.3 A economia.16

Ao nos debruçarmos sobre a realidade económica do concelho de Grândola verificamos que este sofreu profundas transformações, tendo em conta a sua caracterização até meados da década de 1960/70.

Se a actividade agrícola e tudo o que se relacionava com o mundo rural (sector primário) – silvicultura, criação de gado, etc. – assumiu particular importância na vida económica do concelho de Grândola até meados do quarto quartel do século XX, o mesmo não acontece nos dias de hoje.

A instabilidade política e económica da década de 1970, e dos primeiros anos da década de 1980 deixou marcas profundas. A adesão de Portugal à Comunidade

16 Os dados estatísticos presentes neste sob capitulo têm por fonte: Censos de 2001: XIV recenseamento

geral da população / IV recenseamento geral da habitação, Volume V, Lisboa, INE, 2002. Rede Social

de Grândola – Indicadores do Concelho, Grândola, Câmara Municipal de Grândola, 2011. AAVV;

Caracterização Sócio – Económica do Litoral Alentejano, Banco Espirito Santo / Espirito Santo

(29)

Económica Europeia e o seu envolvimento na Política Agrícola Comum também não constituiu um incentivo duradouro para a exploração agrícola.

Também no sector secundário se verificaram profundas transformações, com maior incidência a partir da década de 1970, em parte pelos motivos acima referidos. As unidades industriais de pequena e média dimensão afectas à indústria da olaria, da preparação e transformação de cortiça e cereais, de produção de azeite, etc., desapareceram em grande parte. Destas unidades industriais restam apenas as memórias, e os edifícios em degradação em alguns casos. Raras vezes estes edifícios foram reutilizados para outras actividades.

Ao mesmo tempo que assistimos a uma diminuição da preponderância dos sectores primário e secundário, verificamos uma crescente terciarização da economia. No ano de 2001, 63% da população activa, empregada, encontrava-se afecta a este sector económico. Num total de 3586 trabalhadores 1586 eram homens e 2000 eram mulheres.

No sector secundário, em igual período, havia 24% da população activa, contando com 1384 indivíduos, destes 1225 eram homens e 161 eram mulheres.

Os 13% de indivíduos com um vínculo laboral relacionado com o sector primário, reflectem a realidade já referida. Dos 724 trabalhadores afectos ao sector primário 552 eram homens e 172 eram mulheres.

Importa também debruçarmo-nos sobre a estrutura etária da população activa do concelho de Grândola. Dos 6284 indivíduos em idade activa, 875 tinham idade igual ou inferior a 24 anos, (486 homens e 389 mulheres). Entre os 25 e os 64 anos concentrava-se o grosso dos indivíduos em idade activa – 5203 trabalhadores, (2956 homens e 2247 mulheres). A população com idade igual ou superior a 65 anos apresentava 206 indivíduos em actividade, (144 homens e 62 mulheres).

As empresas existentes no concelho de Grândola são outro factor a ter em conta na caracterização da economia local. Em 2007 havia no concelho de Grândola 1404 empresas. Destas 1364 empregavam menos de 10 pessoas, 35 empresas empregavam entre 10 e 49 pessoas e apenas 5 empresas detinham mais de 50 trabalhadores. No concelho de Grândola cada empresa tem em média 2 indivíduos ao seu serviço.

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metade da média nacional, e as 4 maiores empresas concentraram um volume de negócio de 32,6 milhões de euros, cerca de 6 vezes mais do que a média nacional. Predominam as empresas de pequena dimensão, na sua maioria de origem familiar, e com pequeno dinamismo no que respeita à geração de volume de negócio.

Também a escolaridade dos trabalhadores é um factor a considerar. Em 2008 os trabalhadores por conta de outrem perfaziam um total de 2186 indivíduos. 885 trabalhadores tinham um nível de escolaridade inferior ao 1º ciclo, 228 tinham concluído o 1º ciclo, 420 o 2º ciclo, 157 o 3º ciclo, 237 o ensino secundário e 268 tinham habilitações ao nível do ensino superior. Predomina a mão-de-obra com baixas qualificações. Este factor associado às características das empresas locais e ao dinamismo dos empresários, tem reflexos na economia local e na capacidade desta em gerar emprego.

Sobre o índice de desemprego, no concelho de Grândola, importa referir que em 2010 757 indivíduos encontravam-se inscritos no Instituto do Emprego e Formação Profissional. Cerca de 10% da população activa encontrava-se desempregada.

Muitas das transformações económicas que se registam no concelho de Grândola também se ficam a dever às opções político-económicas dos vários executivos municipais. O concelho de Grândola é um território profundamente marcado pela sua heterogeneidade territorial e com uma forte vocação agrícola. Porém, é o turismo o foco de atenção quanto à política de desenvolvimento da economia local. No concelho de Grândola encontramos 4 Projectos de Interesse Nacional relacionados com o sector do turismo, e todos eles concentrados na faixa litoral – Herdade da Comporta, Herdade do Pinheirinho, Herdade Costa Terra e Troia Resort.

Ao mesmo tempo, alguns proprietários rurais “transformaram” as suas propriedades em unidades de turismo rural, complementando esta actividade com o rendimento da cortiça, e de alguma criação de gado (ovino, bovino e caprino). Em muitos casos, os solos agrícolas e os recursos florestais ficam por explorar. É este um problema da mentalidade dos proprietários locais? Sobre este tema importa recordar Candeias dos Santos que na década de 1950 fez os seguintes comentários “(…) apesar

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cinquenta alqueires de cereal já se consideravam grandes lavradores(…)”17, “(…) a

ausência dos grandes proprietários, que vivem nas cidades e que, das suas

propriedades, apenas lhes interessa receber o rendimento da cortiça e da

renda (…)”18.

2.4 A relação do território com as tabernas.

Feito o retrato do território em estudo coloca-se uma questão. Que consequências têm as transformações do território na vida das tabernas?

A relação das tabernas com o território encontra-se nos mais variados campos. Seja nas características físicas da geografia do território, na demografia, na economia, ou nas opções politicas tomadas ao nível local.

As tabernas relacionavam-se com a geografia do território quando a heterogeneidade dos solos proporcionou, até determinado momento, aos frequentadores das tabernas diferentes tipos de vinho produzidos no território. Exemplo dos vinhos produzidos em terras de areia, por oposição aos vinhos produzidos em solos mais rochosos.

A perda de fulgor da agricultura local, e a regulamentação / legislação respeitante à produção vinícola, levaram ao quase desaparecimento da relação entre o taberneiro e o vinicultor / vitivinicultor local. É também um exemplo da relação das tabernas com a economia local e com o poder.

Mas as tabernas também se relacionam com a geografia do território quando se afirmam como “instrumento” de supressão e de combate ao isolamento. Até à poucos anos era comum as tabernas, nos locais mais isolados, prestarem serviços de barbearia, de venda de produtos de mercearia, de recepção do correio dos habitantes locais, e de posto de telefone público.

Também se relacionam com a geografia do território se atendermos às suas características arquitectónicas, e de organização do espaço. Expresso no tipo de construção e na utilização do espaço exterior da taberna.

17 SANTOS, António Candeias; A freguesia de Grândola estudo geográfico, Junta de Freguesia de

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Também se relacionam com a economia e com a demografia do território. O menor ou maior dinamismo da economia do território reflecte-se nos consumos feitos pelos frequentadores das tabernas.

Mas a vitalidade económica, ou a falta desta, nas tabernas também pode ter a sua origem em factores de cariz demográfico. A diminuição populacional de determinado território pode levar ao encerramento, assim como a não renovação da geração de frequentadores destes espaços.

As tabernas também se relacionam com a política, quando opções políticas são discutidas nestes espaços. Quando os políticos se fazem aparecer nas tabernas e quando o taberneiro, em algum momento, “toma partido”.

A relação com a política também se desenvolve quando o poder local toma opções que afectam a economia local e o seu dinamismo, ou quando optam por promover a cultura popular, a gastronomia e as tabernas como marca de um território tendo em vista a dinamização do território através do turismo.

Ao olharmos para o território em estudo verificamos que este está em transformação. As alterações políticas e económicas produzidas nas últimas décadas começam a ter consequências na mentalidade, e nos hábitos de quotidiano da população. Estes aproximam-se cada vez mais dos de uma população urbana19.

Ao mesmo tempo verificamos que se perdem algumas tradições e marcas da cultura de uma comunidade. As tabernas podem ser o exemplo a ter em conta. Por um conjunto de factores, que abordaremos mais adiante, verificamos que estes espaços tendem em descaracterizar-se, deixando de ser tabernas, ou a encerrar.

Porém, estes espaços, fazendo uso da política local, podem afirmar-se na sua vertente cultural, como elemento de identidade de uma comunidade, sem com isto descurar a sua vertente económica. Isto pode decorrer assente em três pilares – a valorização da gastronomia local, a valorização da memória, e a valorização cultural do território.

19 Sobre o tema o da mudança social ver RAMOS, Francisco Martins; Breviário Alentejano, Casal de

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Esta valorização da taberna na sua vertente cultural e identitária pode funcionar como uma forma de alavancar a dimensão económica destes espaços. O envolvimento do poder local pode decorrer através do auxílio ao taberneiro na resolução das adversidades que se colocarem durante o processo de valorização.

3. A memória colectiva e as tabernas.

Ao entendermos a memória como a “consciência colectiva” ao longo do tempo, e que esta consciência nos permite fazer a distinção entre o passado e presente, que se revela de particular importância para a nossa concepção de tempo. Verifica-se que a memória e o reconhecimento desta é de capital importância para a comunidade. A ausência destas duas premissas pode ser a “(…) fonte de grandes problemas de

mentalidade ou identidade colectiva (…)”20.

Tendo em conta que, no que respeita ao reconhecimento da memória local relativa à taberna, e ao que com esta se relaciona pouco se tem feito, procuramos assim dar um contributo para esse reconhecimento.

Somos assim obrigados a “mexer ” na memória da comunidade local. Junto desta deparamo-nos com posições antagónicas. Aqueles que recordam as tabernas de outros tempos com saudade, e os que guardam destas um sentimento de amargura, de rejeição de uma realidade. Porém guardam uma memória destes espaços e da sua influência.

3.1 A relação da taberna com a economia local.

Ao percorrermos as memórias da relação entre a taberna e a economia local, somos obrigados a alargar o campo de relações a um outro elemento de particular importância para a vitalidade da taberna – o vinho. Qual foi a importância do vinho para o concelho de Grândola?

20 LE GOFF, Jaques; “Passado / Presente”, in, Enciclopédia Einaudi, Volume I, Lisboa, INCM, 1984, p.

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Na obra As posturas: dos anos de seiscentos à república21, o investigador local Manuel de Almeida dá-nos a conhecer uma realidade que perdurou até meados do século XIX / XX mas que ainda permanece no imaginário de alguns habitantes locais.

Através das transcrições das posturas locais referentes aos séculos XVII e XVIII, apercebemo-nos da importância que o cultivo da vinha e a comercialização do vinho tinham para o concelho de Grândola. A vedação das vinhas da várzea de Grândola com tapigos de taipa, a regulamentação da circulação de animais e da reparação dos tapigos, assim como a instituição de guardas às vinhas22, estes sujeitos a juramento e a regras que regulamentavam os seus períodos de ausência, constituem elementos reveladores da importância que a vinha tinha para a economia local. Outro elemento que reforça a importância económica do vinho, é a limitação imposta pela Câmara Municipal relativamente à entrada de vinho no concelho23. Esta limitação permitia aos produtores locais garantirem o mercado local como destinatário de parte da sua produção. Era assim possível garantir o destino de parte da produção com a “uva ainda na videira”.

A relação entre a comercialização do vinho, e o poder local perdurou até meados dos anos 40 do século XX, através do tabelamento do preço do vinho, tema que abordaremos mais adiante.

Uma vez que, a taberna se caracteriza por ser uma actividade económica que tem o vinho como principal produto comercializado, as tabernas constituíam um garante de negócio para os produtores locais. Neste quadro importa referir outra realidade, os vitivinicultores. Era comum a existência de alguns produtores locais que, para além de produzirem também comercializam o vinho por si produzido nas suas adegas, vendas ou mercearias.

21 ALMEIDA, Manuel Costa Gaio Tavares de; As posturas: dos anos de seiscentos à república. Subsídio

para uma monografia V, Câmara Municipal de Grândola, 2007

22 Idem, pp. 39 - 41

23 “(…) nenhuma pessoa de qualquer qualidade q. seja possa emtruduzir nesta Va. e Seu tro. Sem Licença

da Camara Vinho algum de fora nem mostro, nem uuas por negociação para dellas fazer mostro penna

de Seis mil Reis pagos da Cadeya por cada vez que o fizerem, a imtroduSsão dos do.s generos; ficando

estes perdidoz e aplicados ao arbítrio da camera pa. Obras pias; E nas mesmas pennas emcorrerão as

(35)

Desta realidade, hoje inexistente, resistem alguns edifícios com adegas particulares no rés-do-chão, ou em espaços contíguos à residência do produtor, localizados na zona mais antiga da vila de Grândola.

Todavia a relação da taberna com a economia local não se limita ao vinho. A caça e os produtos hortícolas são outros elementos a ter em conta, e que ainda hoje se relacionam com a taberna.

O caçador sazonal que vendia determinada peça de caça ao taberneiro para a confecção de determinado petisco, ao praticar o acto da venda da peça de caça revela, com esta prática, uma forma de obter um rendimento extra.

Situação idêntica acontece na relação entre o taberneiro e o pequeno produtor agrícola. O pequeno produtor agrícola, na maioria das vezes frequentador da taberna, que praticava uma agricultura de subsistência encontrava na taberna um foco de escoamento do excedente da sua produção. Mediante a quantidade e a qualidade do produto comercializado se definia, entre produtor e taberneiro, a relação de pagamento. Podia esta relação ser feita através do pagamento em moeda, ou em muitos casos através de alimentos confecionados – o petisco –ou em vinho. A taberna “ressuscitava” assim a economia de troca. Este tipo de trocas constituía um elemento de fortalecimento da relação entre taberneiro e produtor agrícola que se reforça com o tempo e com a continuidade desta prática.

A relação da taberna com a economia local também dependia da capacidade da economia local / regional. O dinamismo e a capacidade geradora de emprego dessa economia eram factores que influenciavam, e continuam a influenciar a viabilidade da taberna. Sobre este tema recordemos dois exemplos, em períodos cronológicos distintos.

A partir da leitura e análise dos livros de Avenças dos Géneros Sujeitos ao Imposto Indirecto Municipal24, constatamos que nas aldeias mineiras do Lousal e Caveira floresciam os locais de venda de vinho e outras bebidas alcoólicas. Situação semelhante acontecia na vila de Grândola. Coincidiu este crescimento do número de locais de venda pública de vinho com o desenvolvimento da industria local – minas, cortiça, etc.-, e com a melhoria das acessibilidades através da introdução do caminho-de-ferro.

24 Arquivo Municipal de Grândola, Livros das Avenças dos Géneros Sujeitos ao Imposto Indirecto

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O outro exemplo a ter em conta resulta do testemunho da Sra. Bertília Pereira e do seu marido, proprietários de uma taberna no sítio dos Mosqueirões. De acordo com os seus testemunhos, a intensidade com que se fizeram sentir as dificuldades económicas na região, em meados da década de 1970, obrigaram-nos a repensar a viabilidade da taberna. A mudança para a região de Lisboa e o arrendamento da taberna foi a solução encontrada.

A relação da taberna com a economia local entronca assim na sustentabilidade da economia local e regional.

3.2 A memória social das tabernas.

A abordagem às memórias de taberneiros e frequentadores da taberna, é complementada com informações obtidas a partir de documentação consultada no Arquivo Municipal de Grândola. Estas informações permitem-nos alargar o espaço temporal até aos primeiros anos do século XX, e abordar outros temas como a relação da taberna com o jogo, o crime e a prática da prostituição.

Das memórias de taberneiros e frequentadores de tabernas fazem parte os mais variados tipos de recordações.

A época das vindimas e o São Martinho são recordados com saudade por alguns taberneiros, que outrora produziam o vinho que vendiam no seu estabelecimento, ou que participavam na vindima de pequenos vinicultores da região. Também os “profissionais da taberna”, com uma relação de maior proximidade com o taberneiro, recordam este período através das tropelias cometidas e do convívio proporcionado.

As tabernas e as vendas, hoje desaparecidas, também fazem parte da memória de muitos. Os vários espaços dispersos pelo território são recordados pelo dinamismo que provocavam nas zonas mais isoladas do território. Para além do convívio que as tabernas e as vendas proporcionavam em zonas mais isoladas, como a Serra de Grândola, estes espaços garantiam aos residentes, desta zona do concelho, o fornecimento de alguns serviços.

Os passatempos praticados nas tabernas como os jogos de cartas25 (bisca, sueca, etc.), a malha, o paulito ou o cante alentejano, também são recordados. Destes são

25Quando questionados sobre os jogos de cartas a dinheiro, vulgo “batota”, os inquiridos remetem-se ao

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recordados o mau perder de alguns frequentadores, e alguns jogos guardados em espaços empoeirados.

As más práticas de gestão da taberna também são recordadas por alguns frequentadores. A adulteração do vinho e o temperamento intempestivo de alguns taberneiros são as más recordações que deixaram uma marca mais profunda.

É perceptivel a influência que as vivências familiares e da juventude tiveram nos actuais taberneiros. Muitos dedicaram-se à taberna por influência familiar. Alteraram em poucos aspectos o estilo de vida que conheceram dos pais ou avós, desde os primeiros anos de vida. É igualmente perceptivel nas palavras dos taberneiros e frequentadores as saudades provocadas pelos espaços encerrados. Assim como o receio que os espaços ainda existentes venham a encerrar. Este sentimento é reforçado quando alguns frequentadores assumem a taberna como “a sua casa”. Na origem deste receio está a doença ou a idade avançada do proprietário da taberna, que muitas vezes significa o encerramento de uma taberna.

Um negócio masculino por vocação, que tem o vinho e a personalidade do taberneiro por pilares, a taberna sempre foi um espaço onde o elemento masculino, com o auxílio do vinho, dá largas à sua personalidade. Desta caracterização das tabernas o elemento feminino é quem guarda as recordações mais amargas. O dinheiro gasto em vinho, que depois faltava para fazer face a outras necessidades, associado à violência dos actos e das palavras constituíam factores de desordem do lar.

Mas a “memória social” da comunidade também se revela através da documentação existente no arquivo municipal. A partir da documentação consultada podemos, para períodos mais recuados, relacionar a taberna com temas que dificilmente são abordados por taberneiros e frequentadores – a prostituição, o jogo e o crime.

A partir da leitura e análise do Livro da Relação das Meretrizes26 com residência temporária na vila de Grândola (1882 - 1938), identificamos cerca de duas dezenas de locais onde residiram meretrizes (quadro 1 em anexo). Cruzando as informações obtidas

a partir deste livro com o Livro de Ocorrências Policiais27 no Concelho de Grândola (1905 - 1909), com os livros da Correspondência Expedida para o Interior do

26 Arquivo Municipal de Grândola, Livro da Relação das Meretrizes, 26.08.1882 09.07.1938.

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Concelho28 (1900 - 1910) e com os livros de Avenças dos Géneros Sujeitos ao Imposto Indirecto Municipal29 (1915 - 1920), conseguimos identificar: a localização das meretrizes, os crimes cometidos e o local onde ocorreram, os seus autores e as vitimas e a localização das tabernas, das vendas, das estalagens, etc..

Com o recurso a quadros de análise e ao mapa da vila (mapa 3 em anexo) fizemos o cruzamento destes dados. Constatámos que vários espaços de venda pública de vinho se localizavam no mesmo local, ou em ruas próximas, onde residiam as meretrizes. Zonas do território onde eram comuns as rixas e os desacatos.

Que relação existia entre a taberna e as meretrizes? Seriam algumas tabernas um disfarce para favorecer a prostituição? Seria a localização de tabernas, vendas e estalagens, nesta zona do território, uma coincidência com a residência das meretrizes? Por motivos diversos, não temos respostas para todas as questões apontadas. Porém, podemos dizer que, à época os locais de residência das meretrizes ficavam na periferia da vila de Grândola, coincidindo com alguns dos principais eixos rodoviários (a estrada de Santiago e a estrada de Ferreira).

No jornal “O Grandolense”, de 25 de Agosto de 1925, a redação assinava uma nota30, na primeira página, onde condenava a existência das muitas tabernas clandestinas por estas serem causa de discórdia e miséria.

O jogo é outro tema que se relaciona com a taberna31. O mesmo artigo do jornal “O Grandolense” que condena as baiucas com as suas “negaças”, condena também a

28 Arquivo Municipal de Grândola, Livros da Correspondência Expedida para o Interior do Concelho,

02.01.1900 – 29.12.1900, 03.01.1901 – 31.12.1901, 03.01.1902 – 30.12.1902, 02.01.1903 – 31.12.1903, 04.01.1904 – 29.12. 1904, 02.01.1905 – 30.12.1905, 02.01.1906 – 27.12.1906, 03.01.1907 – 25.09.1907, 04.01.1908 – 13.04.1909, 14.04.1909 – 04.08.1910.

29

Arquivo Municipal de Grândola, Livros das Avenças dos Géneros Sujeitos ao Imposto Indirecto

Municipal, 02.01.1915 a 28.12.1921

30 “(…) Dizem-nos existirem em determinados pontos da vila bastantes baiucas desta natureza

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