• Nenhum resultado encontrado

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC – SP Paulo Gomes Ferreira Filho

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2019

Share "PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC – SP Paulo Gomes Ferreira Filho"

Copied!
251
0
0

Texto

(1)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC

SP

Paulo Gomes Ferreira Filho

O controle do Terceiro Setor pelo Ministério Público

e a tutela do cidadão cliente

MESTRADO EM DIREITO

(2)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC

SP

Paulo Gomes Ferreira Filho

O controle do Terceiro Setor pelo Ministério Público

e a tutela do cidadão cliente

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à Banca

Examinadora como exigência parcial

para obtenção do título de MESTRE

em Direito, com concentração em

Direito do Estado, subárea de Direito

Administrativo,

pela

Pontifícia

Universidade Católica de São Paulo,

sob orientação do Prof. Doutor

Clovis Beznos.

(3)

Banca Examinadora:

________________________________

________________________________

(4)

Aos meus pais, Cacá e Paulo,

(5)

AGRADECIMENTOS

Graças a meus pais, sempre estudei nas melhores escolas da cidade em que morava, a bela Juiz de Fora – MG, onde me graduei em Direito. Não lhes prestei o devido agradecimento à época, pois me sentia cumprindo apenas uma espécie de “dever cívico”: a formatura era decorrência natural das excelentes oportunidades que tive de estudar.

Nos difíceis anos de preparação para concursos públicos, meus pais sempre estiveram ao meu lado como amigos, psicólogos e incentivadores. Sem a ajuda deles, não teria ingressado no Ministério Público Federal.

Logo, nesse momento de verdadeira realização intelectual, é chegada a hora de manifestar minha profunda gratidão aos meus pais, Maria do Carmo e Paulo, por terem despertado meu interesse pela leitura e pelos estudos, e por tudo o que fizeram e continuam fazendo por mim.

A minha esposa Monique, sempre presente em minha vida, pela compreensão e ajuda carinhosa. Ao amigo Aureo, meu sincero agradecimento pelo apoio e constante estímulo intelectual. Às minhas irmãs, Aline e Ana Luiza, pela ajuda na formatação e revisão do texto.

É hora de agradecer também os Professores Lúcia Valle de Figueiredo, Clarice Von Oertzen de Araújo, Márcio Cammarosano, Marcelo Souza Aguiar, Silvio Luís Ferreira da Rocha, Ricardo Marcondes Martins e Dinorá Grotti: cada um deles ensinou-me uma maneira diferente de pensar o Direito.

(6)

O CONTROLE DO TERCEIRO SETOR PELO MINISTÉRIO PÚBLICO E A TUTELA DO CIDADÃO CLIENTE

Paulo Gomes Ferreira Filho

RESUMO

O objeto deste estudo é o regime jurídico do Terceiro Setor sob a dupla perspectiva do controle dos recursos públicos repassados às entidades privadas sem fins lucrativos e da tutela do cidadão cliente dos serviços de relevância pública. Partiu-se do pressuposto de que o Estado é o protagonista dos direitos sociais. Juridicamente, de acordo com a Constituição Federal, foi possível conceituar o Terceiro Setor: é o conjunto de pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, beneficiadas pela atividade administrativa de fomento, que prestam serviços de relevância pública. Foram examinados os principais títulos jurídicos concedidos às entidades privadas sem fins lucrativos. Apurou-se que a lei federal das Organizações Sociais é, em boa parte, inconstitucional. Foi possível demonstrar que a realização de processo seletivo prévio e objetivo para a escolha da entidade privada parceira do Poder Público contribui decisivamente para se evitar o desperdício de recursos públicos e a prática de crimes e atos de improbidade. Os resultados alcançados permitem afirmar que é obrigatória a realização, pelo Terceiro Setor, de procedimento administrativo prévio para a contratação de terceiros, com recursos públicos, e para seleção de pessoal. Foram identificadas as características do regime do consumidor de produtos e serviços e do usuário de serviços públicos, para, então, apresentar-se o regime jurídico do cidadão cliente do Terceiro Setor. Concluiu-se que, para tutela do cidadão cliente, o artigo 22 e toda a parte processual do Código de Defesa do Consumidor se aplicam às entidades do Terceiro Setor parceiras do Poder Público que recebam recursos e bens públicos. Foram analisados os meios de atuação extrajudicial e judicial do Ministério Público no controle do Terceiro Setor. O controle interno exercido sobre a transferência de recursos públicos para a iniciativa privada é deficiente, o que reforça a importância do controle externo exercido paralelamente pelos Tribunais de Contas e pelo Ministério Público sobre as entidades do Terceiro Setor.

(7)

THE CONTROL OF THIRD SECTOR BY PROSECUTORS AND CITIZEN’S PROTECTION

Paulo Gomes Ferreira Filho

ABSTRACT

The subject-matter of this study is the legal regime of the Third Sector, analyzing both the control of public resources transferred to private nonprofit and the protection of citizen customer of public relevance services. It was presupposed that the State is the protagonist of social rights. Legally, according to the Federal Constitution, it was possible to conceptualize the Third Sector: the set of private non-profit organizations which receives states incentives and provides social services. It was examined the main legal titles awarded to private nonprofit organizations. It was demonstrated that the federal law of social organizations are, in part, unconstitutional. It was possible to demonstrate that the implementation of previous and objective selection process to choose the private partner of the Government contributes decisively to prevent the waste of public resources and the committing of crimes and acts of dishonesty. The results have revealed that the Third Sector should always carry a selection process for hiring companies and people using public funds. It was identified the regime characteristics of the consumers of products and services and of the public services user, to then present the legal rules of the Third Sector clients. It was concluded that for protection of the citizen client, the Article 22 and the entire procedure of the Consumer Protection Code apply to the Third Sector organizations which are partners of public authorities and receive funding and public goods. It was analyzed the means of extrajudicial and judicial action of the prosecutors in charge of the Third Sector. The internal control exercised over the transfer of public resources for private initiative is lacking, which reinforces the importance of parallel external control exercised by the Courts of Accounts and the prosecutors on the Third Sector organizations.

(8)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 9

Capítulo I – O TERCEIRO SETOR NO BRASIL ... 13

1. Breve histórico e evolução constitucional ... 13

2. Análise do Terceiro Setor à luz da CF/88 ... 19

3. Serviços de relevância pública ... 26

4. Atividade administrativa de fomento ... 30

5. Direitos sociais e atuação do Estado ... 35

5.1 Princípio da subsidiariedade ... 38

5.2 Princípio da complementaridade ... 40

5.3 O Estado como protagonista dos direitos sociais ... 42

Capítulo II – OS TÍTULOS JURÍDICOS DO TERCEIRO SETOR ... 47

1. Os títulos jurídicos ... 47

2. Utilidade pública ... 48

3. Entidade beneficente de assistência social ... 50

4.Organização Social ... 53

5. Organização da Sociedade Civil de Interesse Público ... 62

Capítulo III – O CONTROLE DO TERCEIRO SETOR ... 69

1. Crescimento do Terceiro Setor e a importância de seu controle ... 69

2. Instrumentos jurídicos da atividade de fomento ... 72

2.1 Contrato, convênio e contrato administrativo ... 72

2.2. Convênios ... 74

2.3 Contratos de repasse ... 78

2.4 Contratos de gestão ... 78

2.5 Termos de parceria ... 82

3. Parâmetros de controle do Terceiro Setor ... 84

3.1 Transparência ... 87

4. Controle prévio ... 91

(9)

4.2 Procedimento de competição para celebração de parcerias ... 94

4.3 Inconstitucionalidade do inciso XXIV do artigo 24 da Lei 8.666/93 ... 99

4.4 Qualificação técnica ... 101

5. Controle concomitante ... 104

5.1 Realização de vistorias in loco... 106

5.2 Controle dos recursos e bens públicos ... 107

6. Controle posterior ... 110

6.1 Prestação de contas ... 110

6.2 Tomada de contas especial ... 114

6.3 Inconstitucionalidade do artigo 17 do Decreto 6.170/07 ... 116

Capítulo IV – A PROTEÇÃO DO CIDADÃO CLIENTE DO TERCEIRO SETOR ... 120

1. Introdução ... 120

2. A defesa do consumidor no direito brasileiro ... 124

2.1 Relação de consumo ... 125

2.2 O regime jurídico do CDC ... 127

2.3 O consumidor do serviço de relevância pública ... 130

2.4 Responsabilidade civil em face dos danos causados a terceiros ... 131

3. O regime jurídico dos serviços públicos ... 132

3.1 Conceito de serviço público ... 132

3.2 Regime jurídico do serviço público ... 134

3.3 Posições doutrinárias sobre a aplicação do CDC aos serviços públicos ... 137

3.4 A aplicação do CDC aos serviços públicos... 139

3.5 Distinções entre usuário e consumidor ... 143

3.6 Responsabilidade civil em face de danos causados a terceiros ... 147

4. O regime jurídico do Terceiro Setor sob a perspectiva do cidadão cliente ... 148

4.1 Regime jurídico do Terceiro Setor ... 148

4.2 O cidadão cliente dos serviços prestados pelo Terceiro Setor ... 153

4.3 O parâmetro legal da prestação de serviços pelo Terceiro Setor ... 155

4.4 Aplicação do artigo 22 do CDC ao Terceiro Setor ... 157

4.5 Responsabilidade civil em face dos danos causados a terceiros e proteção processual do cidadão cliente ... 160

4.6 Aplicação integral do CDC ao Terceiro Setor ... 164

(10)

Capítulo V – O MINISTÉRIO PÚBLICO E O CONTROLE DO TERCEIRO SETOR .... 169

1. O Ministério Público no Brasil ... 169

1.1 Evolução histórica do Ministério Público ... 169

1.2 O Ministério Público na Constituição de 1988 ... 170

1.3 Garantias e vedações dos membros do Ministério Público... 172

2. As atribuições do Ministério Público e a fiscalização do Terceiro Setor ... 173

2.1 Fonte constitucional ... 173

2.2 Atribuições legais ... 177

2.3 A fiscalização ministerial das associações integrantes do Terceiro Setor ... 180

2.4 O velamento das fundações ... 183

2.5 Fundações instituídas pelo Poder Público ... 189

3. Técnicas extraprocessuais de tutela coletiva... 192

3.1 Inquérito civil ... 193

3.2 Recomendação ... 200

3.3 Termo de ajustamento de conduta ... 203

4. Ação civil pública ... 209

5. Ação de improbidade administrativa ... 215

6. Ação penal e crimes relacionados ao Terceiro Setor ... 222

CONCLUSÕES ... 230

(11)

INTRODUÇÃO

O crescimento das parcerias estabelecidas entre o Estado e a sociedade civil para a promoção de direitos sociais pode ser percebido no aumento exponencial dos recursos públicos repassados às entidades do Terceiro Setor.1 Cada vez com maior frequência, alguns dos serviços mais importantes para os cidadãos – nas áreas de saúde e educação, por exemplo – são prestados por entidades privadas sem fins lucrativos.

As entidades privadas do Terceiro Setor prestam serviços essenciais para a promoção da cidadania, dentro do espaço normativo permitido e até estimulado pela Constituição Federal de 1988, que assegura a livre associação, para fins lícitos, como direito constitucional fundamental. O objetivo de promover o bem de todos, sem qualquer discriminação, missão de várias dessas entidades privadas, amolda-se à diretriz fundamental do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

Não obstante, não há uma definição legal do que seja o Terceiro Setor e, por outro lado, as figuras jurídicas até então criadas pelo legislador não apresentam características plenamente consentâneas com a ordem constitucional vigente (caso das Organizações Sociais – OS) ou vêm sendo utilizadas para a terceirização ilegal da prestação de serviços públicos (caso das OS e também das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIPs).

É inconteste a deficiência da estrutura administrativa existente para efetiva fiscalização, pelos órgãos públicos, do dinheiro público repassado às entidades do Terceiro Setor. No cenário ideal, o próprio órgão repassador se aparelharia suficientemente para realizar o controle da correta utilização dos recursos transferidos. Mas, atualmente, a estrutura desses órgãos está muito longe do que seria minimamente aceitável para o exercício de tal desiderato: faltam servidores públicos e condições materiais. Essa deficiência do sistema de controle interno reforça e legitima o papel constitucional do controle externo, realizado paralelamente pelos Tribunais de Contas e pelo Ministério Público.

Veja-se o paradoxo: os órgãos públicos não possuem estrutura mínima para o exercício do controle interno, mas, mesmo assim, continuam indiscriminadamente celebrando parcerias e repassando recursos e bens públicos à

(12)

iniciativa privada. A consequência, nefasta, é o aumento da corrupção, a prática desenfreada de crimes e atos de improbidade administrativa contra o erário e a terceirização ilegal de serviços públicos. Rotineiramente, são noticiados escândalos envolvendo quadrilhas formadas por funcionários e dirigentes de entidades do Terceiro Setor com a finalidade exclusiva de desviar recursos públicos que deveriam ser aplicados em nobres finalidades sociais.

Soma-se a esse panorama fático-legal a enorme insegurança jurídica gerada pela demora excessiva do Supremo Tribunal Federal em julgar definitivamente a ADI 1923/DF2, na qual se questiona a constitucionalidade da Lei 9.637/98, que dispõe sobre a qualificação das Organizações Sociais no âmbito federal.

Nesse contexto, este trabalho pretende situar o Terceiro Setor no quadro normativo estabelecido pela Constituição Federal de 1988. É a partir do texto constitucional que toda a análise é realizada. Parte-se do seguinte pressuposto: o Estado é o protagonista da concretização dos direitos sociais no Brasil. Não se trata do reconhecimento de determinada posição ideológica, mas de simples interpretação da Constituição Federal, que estabelece nos artigos 193 a 230 diversos deveres estatais, alçando incontestavelmente o Estado como principal ator no campo dos direitos sociais. Logo, não há que se falar em Estado mínimo nem em terceirizações de serviços públicos.

Buscam-se dois objetivos com o presente trabalho.

O primeiro é traçar os mecanismos de controle dos recursos públicos repassados ao Terceiro Setor, desde a escolha da entidade parceira até a prestação de contas ao órgão repassador, com ênfase nas atribuições constitucionais do Ministério Público.

O segundo é estudar o Terceiro Setor sob a perspectiva do cidadão cliente, aquele que usufrui gratuitamente dos serviços de relevância pública prestados

(13)

pelas entidades privadas sem fins lucrativos. Para esse propósito, a análise do artigo 22 do Código de Defesa do Consumidor é de especial importância: defende-se a aplicação dessa norma às entidades do Terceiro Setor que estabelecem parcerias com o Poder Público e recebem recursos ou bens públicos. Até que ponto a legislação consumerista aplica-se ao Terceiro Setor é um dos centrais pontos abordados.

Assim, justifica-se o tema escolhido pela atualidade dos problemas a ele relacionados e pela importância de se exercer o controle dos recursos transferidos ao Terceiro Setor e de se tutelar o cidadão cliente que usufrui dos serviços de relevância pública prestados pela iniciativa privada. Além disso, o tema estudado é pouco explorado pela doutrina pátria.

O trabalho prioriza a pesquisa bibliográfica da doutrina nacional, embora se utilize também a doutrina portuguesa, sempre com o devido cuidado de se verificar se as teses alienígenas resistem à filtragem da Constituição brasileira de 1988. Com o intuito de enriquecer a pesquisa, busca-se a análise multidisciplinar do Terceiro Setor pela pesquisa de estudos realizados sob o viés econômico e social. Ademais, a dissertação assenta-se na jurisprudência, em estudos realizados por instituições oficiais e no banco de dados do Ministério Público Federal.

No que se refere ao controle do Terceiro Setor, o estudo contempla a fiscalização exercida pelo Tribunal de Contas da União e apresenta diversos exemplos da atuação do Ministério Público. A partir do panorama do que ocorre na realidade, pretende-se contribuir para o aperfeiçoamento dos instrumentos de controle do repasse de recursos públicos à iniciativa privada.

Em face dos objetivos propostos, esta dissertação não se limita à análise textual da Constituição e da legislação relacionada ao Terceiro Setor, sob o enfoque do direito administrativo. Embora o cerne da pesquisa se relacione a tal ramo do direito, são estudados diversos institutos e princípios do direito civil, direito do consumidor, direito processual civil e direito penal.

O trabalho é apresentado em cinco capítulos.

(14)

Na sequência, são analisados os títulos jurídicos de Utilidade Pública Federal, Entidade Beneficente de Assistência Social, Organização Social e Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, com enfoque nos limites constitucionais dos meios de fomento repassados às entidades detentores desses títulos especiais. São estudas as diversas inconstitucionalidades da Lei 9.637/98, que dispõe sobre a qualificação das Organizações Sociais.

Após os dois primeiros capítulos, fundamentais para a compreensão do formato jurídico do Terceiro Setor, o estudo passa a abordar os mecanismos de controle do repasse de recursos públicos. Nessa parte, apresentam-se dados concretos sobre a ineficiência do sistema de controle interno e analisam-se pormenorizadamente as fases de controle prévio, concomitante e posterior.

Feito isso, o exame recai sobre a proteção do cidadão cliente do Terceiro Setor. Como se distinguem os regimes jurídicos do consumidor, do usuário dos serviços públicos e do cidadão cliente do Terceiro Setor? Há diferença quanto ao regime jurídico dos usuários dos serviços públicos e dos consumidores de produtos e serviços? Como se dá a responsabilidade civil das entidades do Terceiro Setor prestadoras de serviços de relevância pública? O Estado responde civilmente pelos atos praticados pelas entidades do Terceiro Setor? Essas e outras questões são abordadas no Capítulo IV.

O estudo segue com a análise das atribuições constitucionais e legais do Ministério Público para controle do Terceiro Setor, incluindo a fiscalização das associações e o velamento das fundações. Na sequência, examinam-se as principais técnicas extraprocessuais de tutela coletiva – inquérito civil, recomendação e termo de ajustamento de conduta – e a utilização da ação civil pública, ação de improbidade administrativa e ação penal no exercício do controle do Terceiro Setor pelo parquet.

(15)

Capítulo I – O TERCEIRO SETOR NO BRASIL

1. Breve histórico e evolução constitucional. 2. Análise do Terceiro Setor à luz da CF/88. 3. Serviços de relevância pública. 4. Atividade administrativa de fomento. 5. Direitos sociais e atuação do Estado. 5.1 Princípio da subsidiariedade. 5.2 Princípio da complementaridade 5.3 O Estado como protagonista dos direitos sociais.

1. Breve histórico e evolução constitucional

“Amarás a teu próximo como a ti mesmo”1, mandamento cristão síntese da caridade, é um dos significados do vocábulo filantropia, que também quer dizer amor à humanidade, humanitarismo.2 A ajuda desinteressada entre os homens sempre existiu ao longo da história. As relações sociais de cooperação mútua, inicialmente restritas ao plano familiar, expandiram-se para o relacionamento entre vizinhos e pequenas comunidades e ajudaram a impulsionar o progresso da civilização. Por razões altruístas ou pela necessidade de sobrevivência, os seres humanos sempre se reuniram para ajudar o próximo.

Não obstante, transcorreram quase dois milênios até que os valores da solidariedade e da fraternidade passassem a constar dos textos internacionais referentes aos Direitos Humanos, o que ocorreu após as grandes guerras do século passado. Depois da 2ª Guerra Mundial, a humanidade passou a compreender melhor o valor da dignidade humana, inscrevendo-a nos documentos jurídicos internacionais. A Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, reconhece que os seres humanos são dotados de razão e de consciência e devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.

O Direito confere personalidade jurídica própria à reunião de pessoas para a realização de objetivos comuns. As formas legais adotadas são as associações, fundações ou sociedades, cada uma delas com características específicas. A sociedade

objetiva a exploração de atividade econômica ao passo que as associações e fundações

são os modelos legais associativos utilizados para finalidades sociais relevantes, inclusive para ajudar o próximo.

O campo de atuação das entidades civis que servem desinteressadamente à sociedade na promoção dos direitos sociais deve ser verificado no plano normativo de cada país. Ora se concede maior liberdade e estímulo à sociedade

1 Mateus 22:39.

(16)

civil para desempenhar serviços sociais, ora o Estado assume com mais intensidade esse papel. É a Constituição que delimita como, quando, com qual intensidade e em que setor a sociedade civil organizada pode atuar na prestação de atividades sociais relacionadas às necessidades coletivas consideradas relevantes.

No Brasil, as atividades filantrópicas iniciaram-se por obra da Igreja Católica, religião dos colonizadores portugueses. A Santa Casa de Misericórdia de Santos – SP, a pioneira do país, foi fundada em 1534 e teve seu primeiro hospital construído pelo português Brás Cubas, com a ajuda de moradores locais. Em 1551, o hospital, denominado então de Hospital de Todos os Santos, recebeu de Dom João VI o

título denominado “alvará real de privilégios”.3

Do descobrimento até a outorga da primeira constituição brasileira, o país foi regido pelas ordenações portuguesas, inteiramente a mercê dos interesses de Portugal. A vida da sociedade brasileira girava em torno das grandes lavouras açucareiras e a presença do Poder Público na área social era pontual, limitando-se ao amparo dos mais carentes em situações emergenciais. Importadas de Portugal, as Casas de Misericórdias desenvolviam “iniciativas caritativas e cristãs, que tratavam a questão

social como de resolução da sociedade, mediante a criação de asilos, educandários e

corporações profissionais”.4 A Igreja Católica, religião oficial e próxima ao governo civil, assumiu papel destacado nas ações sociais, muitas vezes confundindo-se com o próprio Estado.

A análise das constituições brasileiras, em cotejo com o momento histórico de cada uma delas, demonstra a evolução gradativa da participação da sociedade brasileira na prestação de serviços sociais. A dependência externa e a influência europeia se mantiveram com mais intensidade no período histórico em que vigorou as duas primeiras cartas constitucionais. Aos poucos, porém, o país foi fazendo sua própria história e suas peculiaridades foram se refletindo nos textos jurídicos fundamentais.

A Constituição imperial de 1824 adotou oficialmente a religião católica apostólica romana e não previu expressamente o direito fundamental de associação. Contudo, estabeleceu que nenhum gênero de trabalho, cultura, indústria ou comércio fosse proibido, desde que não se opusesse aos costumes públicos, segurança e

3O registro histórico pode ser acessado no site da própria entidade. <http://www.scms.org.br/noticia.asp?codigo=42&COD_MENU=24 >. Acesso em: 21 jun 2011.

(17)

saúde dos cidadãos. Previu os direitos aos “socorros públicos”, instrução primária e

gratuita a todos os cidadãos e a instituição de colégios e universidades.5 Durante o Império, em 1880, foi criada a caixa de previdência dos trabalhadores das ferrovias.

A Constituição da República de 1891 consagrou o Estado laico, proibiu o repasse de subvenções às entidades religiosas e determinou que o ensino ministrado nos estabelecimentos públicos fosse leigo. Estabeleceu, expressamente, o direito de livre associação. 6

Essas duas primeiras cartas, de clara inspiração no modelo de Estado Liberal, praticamente não previram a intervenção estatal na ordem social e, por outro lado, sequer mencionaram a existência de entidades civis com atuação social.

O panorama normativo modificou-se completamente com a promulgação da Carta de 1934, que estabeleceu diversos direitos sociais e inovou substancialmente no cenário jurídico nacional. Pela primeira vez, uma constituição brasileira tratou da assistência social, ao prever a competência legislativa da União editar normas fundamentais sobre o tema. O cuidado da saúde e da assistência pública foi previsto como competência concorrente da União e dos Estados. Previu-se a obrigação do Poder Público amparar, na forma da lei, os indigentes. Houve um título específico da ordem econômica e social, que estabeleceu liberdade de iniciativa, direitos dos trabalhadores e direitos previdenciários, bem como regras para concessão e delegação de serviços públicos. Tratou-se do amparo à maternidade e à infância em todo o território nacional, destinando-se um por cento dos tributos da União, Estados e Municípios para tal fim. 7

A Carta de 1934 estabeleceu a educação como dever de todos, incumbência da família e dos Poderes Públicos e positivou normas com o escopo de alavancar o desenvolvimento do sistema educacional brasileiro. Nesse sentido, determinou que a União e os Municípios nunca aplicassem menos de dez por cento, e os Estados e o Distrito Federal nunca menos de vinte por cento, da renda resultante dos impostos, na manutenção e no desenvolvimento dos respectivos sistemas educativos. Permitiu-se o ensino também em estabelecimentos particulares, que seriam reconhecidos pelo Estado desde que assegurassem a seus professores estabilidade e remuneração condigna.

Previu-se a possibilidade da União conceder subvenções ao sistema de

5 Artigos 5º e 179, XXXI, XXXII e XXXIII. 6 Artigo 72, §§ 6º, 7º e 8º.

(18)

ensino e os estabelecimentos particulares de educação, gratuita primária ou profissional, oficialmente considerados idôneos, foram imunizados do pagamento de qualquer tributo.

Ou seja: a Carta de 1934 conclamou a iniciativa privada a participar do sistema educacional, incentivando-a por meio da concessão de benefícios fiscais.8 O constituinte objetivou, dessa forma, criar sistemas públicos destinados a formar elites acadêmicas.

A realidade, porém, demonstrou que a saúde, a assistência e a seguridade social estruturaram-se sob critérios que recusavam qualquer universalidade. Diferentemente do desenvolvimento europeu, que atingiu a noção básica de Estado Providência, o Brasil somente reagiu às pressões corporativas e criou benefícios previdenciários para seletas categorias profissionais. Os benefícios – recolhidos, não desembolsados – geraram serviços como habitação e colônia de férias. 9

A Lei 91, promulgada em 1935, criou o título de “utilidade pública”,

concedido pelo Poder Executivo para as entidades constituídas com o fim exclusivo de servirem desinteressadamente a coletividade. Era o início do reconhecimento estatal formal das entidades privadas do Terceiro Setor.

A Constituição de 1934 logo foi substituída pela Carta Polaca de 1937, outorgada no Estado Novo de Getúlio Vargas, texto que previu a competência da União para legislar sobre normas fundamentais de proteção à saúde e manteve a possibilidade de prestação de atividades educacionais pela iniciativa privada, ao lado do Estado. Mais uma vez, previu-se, expressamente, o oferecimento de subsídio estatal para as associações civis de fins educativos. No plano geral, contudo, a proteção assistencial do Estado diminuiu em comparação com a Carta de 1934, ao passo em que se ampliou a intervenção estatal na exploração de atividades econômicas por meio de empresas públicas e sociedades de economia mista.

Em 1938, foi criado o Conselho Nacional de Serviço Social, órgão estruturado para repassar subsídios governamentais às instituições sociais. O sistema de proteção social estatal era voltado, porém, para o trabalho formal – o informal continuava a cargo da filantropia da Igreja católica, que recebia indiretamente financiamento oficial, por meio de instituições por ela controladas. 10

8 Na ordem em que aparecem no texto: artigo 156, artigo 150, parágrafo único, “d” e “f”, artigo 150, “e” artigo 154.

9 CABRAL, Heloisa Elena de Souza. Terceiro Setor: gestão e controle social. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 58.

(19)

A Constituição de 1946 estabeleceu a imunidade tributária dos impostos sobre instituições de educação e de assistência social, desde que as rendas dessas entidades fossem aplicadas integralmente no país para os respectivos fins. A Carta manteve a liberdade de iniciativa no campo educacional e estabeleceu percentuais mínimos para a manutenção e desenvolvimento do ensino, calculados sobre a renda resultante dos impostos: ao menos dez por cento pela União e pelos menos vinte e cinco por cento pelos Estados, Distrito Federal e Municípios. 11

Durante os anos da ditadura, o Brasil foi regido por duas cartas constitucionais. Pela primeira vez, a Constituição de 1967 previu imunidade tributária especificamente em relação aos impostos sobre patrimônio, renda ou serviços, para as instituições de educação ou assistência social. Manteve-se o ensino livre à iniciativa privada, atendidos os requisitos legais.12 A Emenda Constitucional 1/69 repetiu esses dispositivos e determinou aos Municípios que destinassem 6% dos recursos recebidos da União para programas de saúde. 13

A modernização tecnológica iniciada nos anos 1970 com o emprego dos recursos humanos da escola pública desenvolvida na era Vargas consolidou o sistema capitalista no país. O período, conhecido como “milagre econômico brasileiro”,

registra que a posição do Brasil no ranking mundial das maiores economias passou do 50º lugar, no início dos anos 60, para o 8º lugar, no final da década de 70. A incapacidade estatal de satisfazer as demandas sociais geradas por esse exponencial desenvolvimento motivou o início dos movimentos sociais reivindicatórios e o surgimento das primeiras organizações não governamentais.14 O Estado lidou com esses novos desafios com políticas sociais paliativas e atendimento emergencial da miséria. 15 A Constituição de 1988 rompeu completamente com o discurso estatal que vinha das cartas da ditadura ao conclamar a sociedade a participar ativamente da

vida democrática do país. Não é a toa, portanto, que é chamada de “constituição cidadã”. O foco da carta é a promoção do cidadão, não as prerrogativas do Estado.

A Carta de 1988 inseriu a universalidade do atendimento à saúde e criou o Sistema Único de Saúde – SUS. O direito à saúde deve ser garantido por políticas sociais e econômicas com o objetivo de reduzir o risco de doenças e outros

2007, p. 59.

11 Artigo 31, V, “b”.

12 Artigo 20, III, “c” e artigo 168, §2º.

13Artigo 25, §4º, com a redação determinada pela Emenda Constitucional no 27/85.

14 Os Centros de Educação Popular, organizações não governamentais criadas para assessorar movimentos populares inspirados nos ideários de Paulo Freire, surgiram na década de 60.

(20)

agravos e pelo acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (artigo 196). Faculta-se a participação complementar das instituições privadas no sistema único de saúde (artigo 199).

Mas isso não quer dizer que o constituinte entregou à sociedade a difícil missão de implementar os direitos sociais, alijando o Estado da promoção de tal desiderato. Muito pelo contrário: é justamente para o pleno desenvolvimento do cidadão e a realização da tão almejada justiça social que a prestação dos direitos sociais incumbe, em primeiro lugar, ao Estado. Somente com o protagonismo estatal nessa seara é que a realidade social do país será substancialmente modificada e o cidadão terá condições de se desenvolver e atuar conscientemente na sociedade.

Não há como ignorar os fatos: o Brasil é um país pobre onde reina a desigualdade social. Diminuir o Estado na luta contra essa triste realidade – em uma nação capitalista, subdesenvolvida e absurdamente desigual – apenas aumentaria ainda mais o enorme fosso entre os mais ricos e os mais pobres. A construção equilibrada da sociedade brasileira depende, necessariamente, da indispensável atuação estatal na promoção dos direitos sociais.

Essa breve análise dos textos constitucionais brasileiros é importante para destacar duas questões.

A primeira: o relacionamento entre a sociedade civil e o Estado variou muito ao longo da história nacional, de acordo com a conjuntura política e a realidade histórica, o que se refletiu nos textos constitucionais. De uma maneira geral, nas cartas promulgadas de 1934 e 1946 percebe-se maior abertura para a participação da sociedade na vida social e foco mais intenso nos direitos sociais. Nas cartas outorgadas de 1937, 1967 e 1969 há maior presença estatal. Contudo, ao longo do tempo, observa-se uma tendência de ampliação da participação da sociedade civil no campo educacional e o incremento da atividade administrativa de fomento, cujo ápice está consagrado na Carta de 1988.

A segunda: o marco jurídico para análise do relacionamento entre a sociedade civil e o Estado na promoção dos direitos sociais é a Constituição, não a legislação ordinária. É com base na Carta de 1988 que devem ser extraídos os limites de atuação das entidades civis na promoção desses direitos e o papel do Estado.16 Por isso,

(21)

as recentes legislações sobre a qualificação de entidades civis como Organizações Sociais e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público devem ser interpretadas e aplicadas respeitando-se a Constituição Federal.

Feitas essa observações, passa-se a examinar o campo de atuação das entidades civis sem fins lucrativos, integrantes do denominado Terceiro Setor, à luz da Constituição Federal de 1988.

2. Análise do Terceiro Setor à luz da CF/88

Para Boaventura de Souza Santos, o Terceiro Setor é formado pelo

“conjunto de organizações sociais que não são nem estatais nem mercantis, ou seja, organizações sociais que, por um lado, sendo privadas, não visam a fins lucrativos, e, por outro lado, sendo animadas por objetivos sociais, públicos ou coletivos, não são

estatais”. 17

A definição do que é o Terceiro Setor e de quais entidades o integram não encontra consenso na doutrina. Há diferenças claras entre os denominados Primeiro Setor (o Estado, prestador de serviços públicos) e Segundo Setor (o Mercado, que comercializa produtos e serviços) – mas quanto ao que exatamente configura o Terceiro Setor ainda há muitos entendimentos dissonantes. Na verdade, essa expressão começou a ser utilizada no campo das ciências sociais e acabou consagrada pelo uso na linguagem jurídica.

De forma ampla, o Terceiro Setor engloba as entidades que não integram o Estado nem o Mercado. Sob essa nomenclatura são identificadas as entidades beneficentes, entidades de interesse social, entidades de utilidade pública, entidades filantrópicas, organizações não-governamentais (ONG), Organizações Sociais (OS) e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP).

O que importa é verificar se, de acordo com a Constituição Federal de 1988, há espaço para se falar em um regime jurídico específico que regula a atuação das entidades civis sem fins lucrativos que busquem finalidades sociais relevantes. Para tanto, o ponto de partida é a análise textual da Constituição.

(22)

A Constituição Federal de 1988 prevê dois campos bem definidos: serviços públicos e atividades econômicas. Tanto o Estado quanto os particulares, porém, atuam nesses campos, não havendo exclusividade de um ou de outro.

Os serviços públicos são atividades previstas na Constituição de titularidade do Estado, podendo ser definidos como “toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados”.18 Os serviços de saúde, educação, previdência e assistência social, quando prestados pelo Estado, são considerados serviços públicos sociais (infra, I-5).

Os particulares também prestam serviços públicos, por meio de concessão ou permissão.19 De qualquer forma, a titularidade da atividade qualificada como serviço público é sempre do Estado, mesmo quando prestada por empresas concessionárias ou permissionárias.

O Estado também exerce atividades econômicas, mas somente quando estas forem necessárias aos imperativos de segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei, nos termos do artigo 173 da Constituição Federal. O texto constitucional também definiu os monopólios estatais de petróleo, gás, minérios e minerais nucleares, nos termos do artigo 177, I a V.

Por outro lado, as atividades desempenhadas pelos particulares no regime de livre iniciativa compreendem todas as atividades econômicas, com exceção dos referidos monopólios e dos serviços públicos.

Assim, a iniciativa privada desempenha atividades econômicas nos seguintes campos de atuação, cada um com regras constitucionais próprias: comercialização de produtos e prestação de serviços no mercado (artigo 170); prestação de serviços de relevância pública – tais como saúde, educação (artigos 199 e 209) – com objetivo de lucro; e prestação de serviços de relevância pública – tais como saúde,

18 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 29ª edição. São Paulo: Malheiros, 2012, p. 687. O conceito de serviço público e seu regime jurídico são estudados de forma mais aprofundada no Capítulo IV deste trabalho.

(23)

educação e assistência social (artigos 199, §1º, 213 e 204, I) – por entidades sem finalidades lucrativas.

Essa delimitação deve ficar clara porque o denominado Terceiro Setor, composto por pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, atua no espaço consagrado na Constituição para a esfera da livre iniciativa, na prestação de serviços de relevância pública.

A normatividade constitucional específica dos serviços de relevância pública prestados por entidades sem fins lucrativos demonstra que não há somente um espaço constitucional próprio, mas também estímulo claro ao associativismo e conclamação dessas entidades, por meio da atividade administrativa de fomento, a perseguirem finalidades sociais relevantes que são também buscadas pelo Estado.

O direito de associação para fins lícitos é assegurado como garantia fundamental (artigo 5º, XVII) e a criação de associações, na forma da lei, independe de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento (artigo 5º, XXI). Essas entidades, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente (artigo 5º, XXI). Além disso, o associativismo deverá ser apoiado e estimulado por lei (artigo 174, §2º, CF/88). 20

O texto constitucional estimula a exploração dos serviços de relevância pública pelas entidades sem fins lucrativos. 21

Há concessão de imunidades tributárias: vedação de instituição de impostos sobre patrimônio, renda ou serviços das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei – artigo 150, VI,

“c”; e imunidade de contribuição para a seguridade social das entidades beneficentes de

assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei – artigo 195, § 7º. Há também expressa preferência para as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos participarem, de forma complementar, do sistema único de saúde (artigo 199, §1º).

20 O legislador, atento ao comando constitucional, consagrou a legitimidade processual das associações, na forma da lei, para exercer a defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas (artigo 82, IV, da Lei 8.078/90) e para a proteção do meio ambiente, consumidor, ordem econômica, livre concorrência ou patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (artigo 5º, V, da Lei 7.347/85, na redação da Lei 11.448/07).

(24)

Além disso, a Constituição permite a destinação de auxílios e subvenções às instituições privadas sem fins lucrativos com atuação na área da saúde, de acordo com a interpretação a contrario sensu do artigo 199, § 2º.

No campo educacional, os recursos públicos podem ser destinados a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas (artigo 213) e às atividades universitárias de pesquisa e extensão (artigo 213, §2º).

O texto constitucional prevê ainda o incentivo e apoio estatal de iniciativas privadas nos campos da cultura (artigo 215) e determina que a proteção do patrimônio cultural brasileiro seja promovida com a colaboração da comunidade (artigo 216, §1º). No campo da ciência e tecnologia, a lei apoiará e estimulará as empresas que invistam em pesquisa e criação de tecnologia adequada ao país (artigo 218, §4º). É admitida a participação de entidades não governamentais em programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem (artigo 227, §1º).

No plano legal, as entidades do Terceiro Setor constituem-se sob a forma de associações organizadas para fins não econômicos (artigo 53 do Código Civil) e de fundações constituídas para fins religiosos, morais, culturais ou de assistência (artigo 62 do Código Civil).

Logo, há um campo bem demarcado constitucionalmente para atuação das entidades civis, sem fins lucrativos, que persigam finalidades socialmente relevantes. Essas entidades civis não buscam lucro, e, por outro lado, não prestam serviços públicos (pois não são entes ou órgãos públicos). Por isso, é possível enquadrá-las, com base na Constituição de 1988, em um regime jurídico diferenciado, precipuamente privado, mas que sofre ingerência de normas de Direito Público devido à atuação de tais entes, em colaboração com o Poder Público, na prestação de serviços sociais relevantes.

Não há como negar essa realidade ou realizar outra interpretação da Constituição de 1988. Ora, a cidadania e os valores da livre iniciativa são fundamentos da República Federativa do Brasil (artigo 1º, II e IV). A atuação das entidades sem fins lucrativos, nos espaços demarcados constitucionalmente, é legítima e encontra pleno respaldo na moldura jurídica estabelecida pela Carta de 1988.

(25)

Com efeito, há uma razão importante para o uso da denominação

Terceiro Setor: identificar o regime jurídico especial das entidades que o compõem, que não se confunde com o regime jurídico dos serviços públicos prestados pelo Primeiro Setor, nem com o das principais atividades de exploração econômica com intuito de lucro das pessoas jurídicas que atuam no Segundo Setor.

A análise da Constituição permite identificar o regime jurídico próprio das entidades sem fins lucrativos que prestam serviços de relevância pública em colaboração com o Estado, o que basta para justificar a utilização da expressão

“Terceiro Setor”, já consagrada pela doutrina majoritária. Ainda assim, vê-se que as atividades desenvolvidas pelo Terceiro Setor, embora não almejem lucro, estão inseridas no campo do setor econômico lato sensu, ou seja, no espaço tradicionalmente relacionado ao Segundo Setor. Reconhece-se, porém, que a expressão Terceiro Setor gera certa confusão e está ainda longe de atingir a desejada estabilidade e univocidade conceitual, recebendo muitas críticas de parte da doutrina. 22

Os traços constitucionais das entidades que integram o Terceiro Setor são os seguintes: pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, prestação complementar de serviços de relevância pública (tais como, saúde, educação e assistência social) e apoio estatal por meio da atividade administrativa de fomento.

A partir da leitura constitucional, é possível extrair o seguinte significado da expressão Terceiro Setor: conjunto de pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, beneficiadas pela atividade administrativa de fomento, que prestam serviços de relevância pública.23 É neste sentido que a expressão Terceiro Setor é utilizada tem todo este trabalho.

Há autores que entendem que as entidades sem fins lucrativos e com objetivos sociais que não possuam qualquer relação com o Estado (noção ampla) e também as que não persigam uma finalidade pública, mas benefícios mútuos, como, por

22 Por todos, vide: Tarso Cabral Violin, Terceiro Setor e as parcerias com a Administração Pública: uma análise crítica. 2ª ed. rev. ampl., p. 133/137. O autor prefere falar simplesmente em sociedade civil organizada e relembra que a Constituição não cita, em momento algum, a expressão “Terceiro Setor”.

(26)

exemplo, os clubes desportivos e as associações recreativas (noção amplíssima), também integrariam o conceito de Terceiro Setor. 24

Contudo, a utilização dessas noções mais alargadas não agregaria nenhuma utilidade ao conceito e apenas causaria maior confusão ao uso corrente da expressão. Por exemplo, uma entidade civil de benefício mútuo que não desempenhe atividade de relevante interesse social não deve ser enquadrada no conceito aqui apresentado. Não há, nesse caso, regime jurídico diferenciado, mas plena aplicação das normas de direito privado, campo próprio da autonomia privada, no âmbito do denominado Segundo Setor. Incluir esse exemplo no conceito de Terceiro Setor não faria sentido, pois a situação é regida pelo direito privado (Segundo Setor) e se afasta completamente do tratamento constitucional diferenciado dedicado ao tema, que privilegia as entidades que buscam finalidades sociais. 25

A Constituição Federal de 1988 identifica expressamente as seguintes entidades sem fins lucrativos: associações (art. 5°, XVIII e XIX); cooperativas (artigo 5º, XVIII)26; fundações privadas (art. 150, VI, c); sindicatos (art. 8° e art. 150, VI, c); partidos políticos (art. 17 e art. 150, VI, c); cultos religiosos e igrejas (art. 19, I, e art. 150, VI, b); e serviços sociais autônomos (art. 240 e art. 62 do ADCT).

Os sindicatos e as cooperativas são entidades de benefício mútuo que apenas indiretamente perseguem finalidades sociais. Não são passíveis de qualificação como organizações da sociedade civil de interesse público (artigo 2º, II, IV e X da Lei 9.790/99). Possuem natureza endógena, ou seja, dedicam suas ações em benefício dos seus próprios membros. Por isso, não se incluem no conceito de Terceiro Setor.

Os partidos políticos tem regramento constitucional próprio. Devido ao pluralismo político consagrado na Constituição (artigo 1º, V), o relacionamento deles com o Estado possui características legais específicas, como o acesso aos recursos do fundo partidário (artigo 17, §3º da Constituição), que não se confunde com a atividade

24 Para José Eduardo Sabo Paes, o Terceiro Setor é o “conjunto de organismos, organizações ou instituições sem fins lucrativos dotados de autonomia e administração própria que apresentam como função e objetivo principal atuar voluntariamente junto a sociedade civil visando seu aperfeiçoamento” Fundações e entidades de interesse social – Aspectos jurídicos, administrativos, contábeis e tributários, 7ª edição, p. 134.

25 De acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello, um conceito é a “operação lógica pela qual se fixam pontos de referência convencionais, que servem como indicadores de realidades parificadas pelos pontos de afinidade previamente selecionados por quem o formulou. Em suma: o conceito é uma delimitação de objetos de pensamento sintetizados sob um signo breve adotado para nomeá-los (uma palavra)”. Curso de direito Administrativo, 29ª ed., p. 382.

(27)

administrativa de fomento. Por isso, não integram o conceito de Terceiro Setor aqui exposto. A Lei 9.790/99 proíbe a qualificação dos partidos políticos como OSCIP (artigo 2º, IV).

Os cultos religiosos e igrejas, não obstante pratiquem atividades de inegável relevância pública, possuem tratamento constitucional diferenciado, decorrente do caráter laico da República Federativa do Brasil. É expressamente vedado à União, Estados, Distrito Federal e Municípios a concessão de subvenções ou o estabelecimento de relações de dependência ou de aliança com tais entidades. A Constituição Federal previu o regime específico da colaboração de interesse público para o estabelecimento de parcerias entre o Estado e as igrejas e cultos, a ser definido na forma da lei (artigo 19, I). Registre-se que a Lei 9.790/99 veda expressamente a qualificação como OSCIP das instituições religiosas (artigo 3º, III).

Os serviços sociais autônomos também não se enquadram no conceito restrito de Terceiro Setor aqui exposto. São entidades paraestatais cuja criação é autorizada por lei e se revestem da forma das instituições particulares convencionais, como as associações e fundações. O traço característico que os afasta do regime jurídico delineado como característico do Terceiro Setor é o recebimento de contribuições parafiscais, de natureza tributária. Esses recursos são recolhidos compulsoriamente pelos contribuintes que as diversas leis estabelecem e não se enquadram propriamente no âmbito da atividade administrativa de fomento.

A Lei 9.790/99, ao traçar o rol das entidades que não podem se qualificar como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (artigo 3º), conferiu enquadramento legal adequado ao tratamento constitucional dos espaços de atuação das entidades do Terceiro Setor. 27

Portanto, das figuras jurídicas mencionadas no texto constitucional, apenas as associações e fundações civis podem integrar o Terceiro Setor, nos termos da restrita noção exposta neste trabalho. Nesse universo, porém, circulam diversas entidades civis sem fins lucrativos que perseguem finalidades sociais relevantes e recebem algum tipo de fomento estatal. Muitas vezes denominadas de organizações não

(28)

governamentais (ONGs), essas pessoas jurídicas podem fazer jus a títulos jurídicos como os de utilidade pública federal (Lei 91/35), organização social (Lei 9.637/98) e organização da sociedade civil de interesse público (Lei 9.790/99), ostentarem o certificado de entidade beneficente de assistência social (Lei 12.101/09) ou o cadastro nacional de entidade ambientalista (Resolução CONAMA 292/02). As denominadas

“fundações de apoio” também se encaixam no conceito aqui exposto. 28

A ausência de finalidade lucrativa significa que a entidade, devidamente formalizada, dispõe em seus estatutos sobre a vedação da distribuição de lucros entre seus membros. Toda renda eventualmente obtida, a qualquer título, deve ser reinvestida integralmente no desenvolvimento de suas atividades. Isso não quer dizer que a entidade não possa se remunerar por seus serviços ou ter superávit.29 Aliás, diversas entidades sem fins lucrativos alcançam resultados financeiros expressivos, movimentado a economia e impulsionando o desenvolvimento do país.

O significado constitucional dos serviços de relevância pública prestados pelas entidades do Terceiro Setor, bem como o regime jurídico da atividade administrativa de fomento, necessitam de uma explicação mais detalhada para a adequada compreensão do conceito aqui exposto. São os assuntos seguintes.

3. Serviços de relevância pública

A Carta de 1988 usa a expressão serviços de relevância pública em duas oportunidades.

A primeira delas, quando se refere à legitimidade do Ministério Público para zelar pelo efetivo respeito dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição (artigo 129, II).

28 Contudo, não é possível reconhecer a legalidade das denominadas “entidades de apoio”, forma descarada de prestação de serviços públicos por entidades privadas que buscam escandalosamente fugir do regime jurídico de direito público. Normalmente, as entidades de apoio são criadas por iniciativa dos servidores públicos de determinada entidade estatal, assumindo a forma de associação, cooperativa ou fundação, atuando comumente em hospitais públicos e universidades públicas. É procedente a crítica de Maria Sylvia Zanella Di Pietro: “Em suma, o serviço é prestado por servidores públicos, na própria sede da entidade pública, com equipamentos pertencentes ao patrimônio desta última; só que quem arrecada toda a receita e a administra é a entidade de apoio. E o faz sob as regras das entidades privadas, sem a observância das exigências de licitação (nem mesmo os princípios da licitação) e sem a realização de qualquer tipo de processo seletivo para a contração de empregados. Essa é a grande vantagem dessas entidades: elas são a roupagem com que se reveste a entidade pública para escapar às normas do regime jurídico de direito público.” Direito administrativo. 24ª ed. São Paulo: Atlas, 2011, p. 507. Sobre o velamento das fundações de apoio das Instituições Federais de Ensino Superior - IFES e das demais Instituições Científicas e Tecnológicas – ICTs pelo Ministério Público, vide infra V-2.4.

(29)

A Lei Complementar 75/93, ao disciplinar as atribuições do Ministério Público da União (MPU), prevê como incumbência do parquet a adoção das medidas necessárias para garantir o respeito dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição Federal (artigo 2º), especificando as seguintes funções institucionais do MPU (artigo 5º): zelar pelo efetivo respeito dos serviços de relevância pública e dos meios de comunicação social aos princípios, garantias, condições, direitos, deveres e vedações previstos na Constituição Federal e na lei, relativos à comunicação social (inciso IV); e zelar pelo efetivo respeito dos serviços de relevância pública quanto aos direitos assegurados na Constituição Federal relativos às ações e aos serviços de saúde e à educação e aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da publicidade (inciso V). Diz também que compete ao Ministério Público da União expedir recomendações, visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância pública, bem como ao respeito, aos interesses, direitos e bens cuja defesa lhe cabe promover, fixando prazo razoável para a adoção das providências cabíveis (artigo 6º, XX). Ainda, no artigo 11, estabelece que a defesa dos direitos constitucionais do cidadão visa à garantia do seu efetivo respeito pelos Poderes Públicos e pelos prestadores de serviços de relevância pública.

Por sua vez, a Lei 8.625/93 dispõe:

Art. 27. Cabe ao Ministério Público exercer a defesa dos direitos assegurados nas Constituições Federal e Estadual, sempre que se cuidar de garantir-lhe o respeito:

I - pelos poderes estaduais ou municipais;

II - pelos órgãos da Administração Pública Estadual ou Municipal, direta ou indireta;

III - pelos concessionários e permissionários de serviço público estadual ou municipal;

IV - por entidades que exerçam outra função delegada do Estado ou do Município ou executem serviço de relevância pública. (grifo nosso)

A legislação ministerial, ao detalhar o comando constitucional do artigo 129, II, diferencia claramente os serviços públicos dos serviços de relevância pública. O artigo 27 da Lei 8.625/93 refere-se aos serviços públicos prestados pelo Estado nos incisos I e II, aos serviços públicos prestados por concessionários e permissionários no inciso III e aos serviços de relevância pública prestados pela iniciativa privada no inciso IV.

(30)

A Lei 8.080/90 estabelece a atribuição administrativa da União, Estados, Distrito Federal e Municípios de elaborar normas para regular as atividades de serviços privados de saúde, tendo em vista a sua relevância pública (artigo 15). A Lei 8.212/91 dispõe que as atividades de saúde são de relevância pública (artigo 2º, parágrafo único).

Não só as prestações referentes à área da saúde configuram serviços de relevância pública. O próprio artigo 129, II, indica que há outros serviços de relevância pública não explicitados na Constituição, tais como previdência social (artigo 202), assistência social (artigo 204, I e II), educação (artigo 209), cultura (artigo 215, §1º) e pesquisa científica e tecnológica (artigo 218, § 1º). Esses serviços estão inseridos no campo da atividade econômica própria do setor privado, malgrado devam ser também prestados diretamente pelo Estado por meio de serviços públicos.

O artigo 129, II, da Constituição diferencia as situações exigindo efetivo respeito aos direitos constitucionais pelos Poderes Públicos e pelos serviços de relevância pública, demonstrado que estes últimos não são serviços do ou prestados pelo Estado.30 Esse dispositivo indica também que há outros serviços de relevância pública que não somente os de saúde. Tais serviços podem ser definidos pelo legislador, desde que sejam relevantes para a consecução do interesse público.

No julgamento da ADI 1.923, referente à inconstitucionalidade da Lei 9.637/98, o Ministro Ayres Britto reconheceu essa distinção: 31

(...) b) ao lado deles, serviços públicos de titularidade estatal exclusiva, colocam-se atividades que são também de senhorio estatal, mas não com exclusividade. Refiro-me às atividades de saúde pública, educação e ensino, cultura, previdência social, meio ambiente, ciência e tecnologia, assistência social, que, titularizadas por toda e qualquer pessoa federada (deveres que são de cada uma dessas pessoas públicas), também se inscrevem no âmbito do senhorio e exploração das pessoas privadas. Pelo que se definem como atividades mistamente públicas e privadas. Importando muito lembrar que, se prestadas pelo setor público, são atividades públicas de regime jurídico

30 GRAU, Eros Roberto. O conceito de “relevância pública” na Constituição Federal de 1988. Série Saúde e Direito, n. 1. Brasília: Opas, 1994.

(31)

igualmente público. Se prestadas pela iniciativa privada, óbvio que são atividades privadas, porém sob o timbre da relevância pública.

A Constituição empregou a expressão serviços de relevância pública

para designar as atividades prestadas pelos particulares relacionadas aos direitos sociais previstos no artigo 6º: educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, maternidade, infância e assistência aos desemparados.

Logo, os serviços sociais consagrados na Constituição – como saúde e educação – são qualificados como serviços de relevância pública quando prestados pela iniciativa privada. Não são serviços públicos, pois estes só podem ser assim qualificados quando fornecidos pelo próprio Estado.32 É a lição de Odete Medauar: 33

A Constituição Federal fixa vínculo orgânico ao dispor, no caput do art. 175, que incumbe ao poder público a prestação de serviços públicos, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão. Por isso, os chamados “serviços de utilidade pública”, realizados por particulares e reconhecidos pela Administração como de “utilidade pública”, não podem ser qualificados como serviços públicos, em sentido técnico, por faltar o vínculo orgânico com a Administração, por não incumbirem ao poder público – este apenas reconhece que tais atividades trazem benefício à população, sobretudo se forem assistenciais, culturais, educacionais, por exemplo.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro define com precisão serviço social: 34

É o que atende a necessidades coletivas em que a atuação do Estado é essencial, mas que convivem com a iniciativa privada, tal como ocorre com os serviços de saúde, educação, previdência, cultura, meio ambiente; são tratados na Constituição no capítulo da ordem social e objetivam atender aos direitos sociais do homem, considerados direitos fundamentais pelo artigo 6º da Constituição.

Com efeito, os serviços sociais admitem duplo regime jurídico: são serviços públicos quando prestados pelo Estado e atividade econômica lato sensu

qualificada como serviço de relevância pública quando prestados pelos particulares, ainda que sem finalidade lucrativa.

Serviço de relevância pública, portanto, é a atividade desenvolvida pela iniciativa privada de prestação de serviços relacionados aos direitos sociais (artigo 6º, da Constituição), submetida a regulamentação, fiscalização e controle do Poder

32 Contudo, Eros Grau, quando ministro do STF, decidiu em sentido contrário, aduzindo que as atividades de saúde e educação, mesmo quando prestadas por particulares, sempre são serviços públicos. Cf. ADI 1007, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 31/08/2005, DJ 24-02-2006 PP-00005 EMENT VOL-02222-01 PP-00007.

33 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 13ª ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

(32)

Público. Apesar de inserido no campo da atividade econômica lato sensu, o serviço de relevância pública possui regime jurídico especial ou misto, eis que diferenciado do regime jurídico que rege a exploração econômica de produtos e serviços no mercado de consumo.

Serviço público e serviço de relevância pública são conceitos diferentes, conforme extraído da Constituição Federal e explicitado na legislação infraconstitucional. O campo de atuação das entidades do Terceiro Setor, demarcado constitucionalmente, é justamente o da prestação dos serviços de relevância pública.

4. Atividade administrativa de fomento

O Estado colabora com as entidades do Terceiro Setor por meio do fomento, atividade administrativa definida por Sílvio Luís Ferreira da Rocha35

como a ação da Administração com vista a proteger ou promover as atividades, estabelecimentos ou riquezas dos particulares que satisfaçam necessidades públicas ou consideradas de utilidade coletiva, sem o uso da coação e sem a prestação de serviços públicos, ou, mais concretamente, a atividade administrativa que se destina a satisfazer indiretamente certas necessidades consideradas de caráter púbico, protegendo ou promovendo as atividades dos particulares, sem empregar a coação.

Segundo Luis Jordana de Pozas, o fomento público é a ação da Administração encaminhada a proteger ou promover as atividades, estabelecimentos ou riquezas desenvolvidas pelos particulares e que satisfaçam necessidades públicas ou se estimam de utilidade geral, sem usar da coação nem criar serviços públicos. 36

A atividade administrativa de fomento difere-se do poder de polícia, na acepção clássica de restringir e condicionar o exercício de direitos individuais em prol do interesse coletivo, e do serviço público (prestação direta de atividades materiais pelo Estado).37 No fomento, há apenas estímulo, incentivo, forma de persuadir o

35 ROCHA, Sílvio Luís Ferreira da. Terceiro setor. 2a Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 24. 36 POZAS, Luis Jordana de. Ensayo de una Teoria del Fomento en el Derecho Administrativo. Disponível em: http://www.cepc.es/rap/Publicaciones/Revistas/2/ REP_048_040.pdf>. Acesso em: 05 nov. 2010>.

(33)

particular a buscar, por si próprio, o interesse público. A atuação do particular fomentado é exercida de forma voluntária (não há coação) para a satisfação, indireta, do interesse público.

O fomento pode ser positivo quando pretende convencer o particular a desempenhar determinada atividade de interesse público ou negativo quando pretende persuadir o particular a não desenvolver determinada atividade, como as alíquotas mais elevadas dos impostos que oneram as bebidas alcóolicas. O fomento positivo pode ser

honorífico ou econômico.

O fomento honorífico constitui-se em títulos, condecorações, menções especiais, por meio dos quais o Poder Público, por razões de interesse público, estimula o exercício de atividades premiáveis. O estímulo é a nota essencial dessa forma de fomento.38 Exemplos: condecorações civis e militares e concessão pelo Estado de selos de qualidade, atestadores de produtos ou empresas. 39

Os meios de fomento econômico classificam-se como reais, fiscais, creditícios e econômicos em sentido estrito. 40

Os meios reais consistem na cessão do uso de bens públicos aos particulares, como pode ocorrer, por exemplo, por meio de contrato de gestão celebrado com as Organizações Sociais (artigo 12 da Lei 9.637/98) e de termo de parceria firmado

com as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (artigo 4º, VII, “d” da Lei

9.790/99).

Os meios fiscais consistem na concessão de imunidades e isenções tributárias. A Constituição Federal, por exemplo, prevê imunidade tributária às instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos (em relação aos impostos sobre patrimônio, renda ou serviços, artigo 150, VI, “c”) e às entidades beneficentes de assistência social (em relação à contribuição para a seguridade social, artigo 195, § 7º).

Os meios creditícios consistem em financiamentos mais atraentes para determinado setor. É exemplo dessa espécie o Procult – Programa BNDES para o

a concepção que, normalmente de forma crítica, é denominada de teoria externa.” ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 276-280.

38ALCÁZAR, Mariano Baeno. Sobre El concepto de fomento. Disponível em: < http://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=2116837>. Acesso em: 24 jun. 2011.

39 Este último exemplo é de Ricardo Marcondes Martins. Regulação administrativa à luz da Constituição Federal. Tese de doutoramento apresentada à PUC – SP, p. 205.

Imagem

Tabela 1 – regimes jurídicos do usuário, consumidor e cidadão cliente.
Tabela 2 – Responsabilidade civil do Terceiro Setor.

Referências

Documentos relacionados

lista (incluindo os candidatos portadores de deficiência), os candidatos serão classificados por cargo e no limite de vagas, na ordem decrescente da soma dos pontos obtidos

Por outro lado, não nos furtaremos a incorporar os ensinamentos da teoria neoinstitucio- nalista, atentando para a autonomia burocrática da Anvisa e o possível controle exercido

Este artigo apresenta uma metodologia que explora as características e propriedades do SOM para realizar visualização e agrupamento de dados utilizando segmentação de

Avraham (Abraão), que na época ainda se chamava Avram (Abrão), sobe à guerra contra os reis estrangeiros, livrando não apenas seu sobrinho Lot, mas também os reis

Não é admissível que qualquer material elétrico não tenha este tipo de verificação, ainda mais se tratando de um produto para uso residencial... DI SJ UN TO RE S RE SI DE NC IA

Durante o trabalho coletivo, no campo e nas faenas – uma espécie de mutirão muito comum na organização social de povos andinos (ver Isbell, 2005) – mascar coca,

Nesse sentido, este estudo teve como objetivo comparar alunos superdotados e não superdotados – considerados nesta investigação como aqueles não identificados como superdotados e

A cultura material e o consumo são contextualizados com o design, e são demonstradas estratégias de sustentabilidade no ciclo de vida nos produtos de moda.. Por fim, são