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Ecogovernamentalidade e Meio Ambiente Urbano: Uma Análise sobre o Plano Diretor de Resíduos Sólidos da Região Metropolitana da Grande Vitória

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(1)

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO – PUC/SP

AUGUSTO CESAR SALOMÃO MOZINE

Ecogovernamentalidade e Meio Ambiente Urbano: Uma

Análise sobre o Plano Diretor de Resíduos Sólidos da

Região Metropolitana da Grande Vitória

DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM SOCIOLOGIA

SÃO PAULO-SP

(2)

i

AUGUSTO CESAR SALOMÃO MOZINE

Ecogovernamentalidade e Meio Ambiente Urbano: Uma

Análise sobre o Plano Diretor de Resíduos Sólidos da

Região Metropolitana da Grande Vitória

DOUTORADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

ÁREA DE CONCENTRAÇÃO EM SOCIOLOGIA

Tese apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para a obtenção do grau de Doutor em Ciências Sociais, na área de concentração de Sociologia pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, sob orientação da Profa. Dra. Lucia Maria Machado Bógus

SÃO PAULO-SP

(3)

ii

__________________________________________________________________________________ MOZINE, Augusto Cesar Salomão, 1982-

Ecogovernamentalidade e Meio Ambiente Urbano: Uma Análise sobre o Plano Diretor de Resíduos Sólidos da Região Metropolitana da Grande Vitória / Augusto Cesar Salomão Mozine.  2014.

238 f.:il.

Orientadora: Lucia Maria Machado Bógus.

Tese (doutorado) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais.

1. Teoria Social e Meio Ambiente. 2. Meio Ambiente Urbano. 3. Ecogovernamentalidade. 4. Sociabilidade. 5. Política Nacional de Resíduos Sólidos. 6. Região Metropolitana da Grande Vitória. I. Bógus, Lucia Maria Machado. II. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais. III. Título.

CDU 304.2

(4)

iii

AUGUSTO CESAR SALOMÃO MOZINE

Ecogovernamentalidade e Meio Ambiente Urbano: Uma

Análise sobre o Plano Diretor de Resíduos Sólidos da

Região Metropolitana da Grande Vitória

Aprovado em: São Paulo, 03 de Outubro de 2014

BANCA EXAMINADORA

_____________________________________ Lucia Maria Machado Bógus (Orientadora) PUC/SP

_____________________________________ Maura Pardini Bicudo Véras

PUC/SP

_____________________________________ Rinaldo Sérgio Vieira Arruda

PUC/SP

_____________________________________ Angélica Aparecida Tanus Benatti Alvin Universidade MacKenzie

(5)

iv

(6)

v

AGRADECIMENTOS

Agradeço a minha família, amigos e colegas de trabalho pelo pleno apoio na realização deste

trabalho.

Agradeço especialmente a minha Orientadora, profa. Lucia Maria Machado Bógus pela

confiança, incentivo e especial atenção na realização desta Tese.

Ao prof. Anthony Pereira e ao Brazil Institute do King’s College da Universidade de Londres,

por me receberem como estudante visitante nos anos de 2011 e 2012, me permitindo ampliar

meu enfoque de pesquisa e produzir este estudo.

Agradeço ainda, às pessoas que sempre estiveram perto e me deram o apoio e incentivo

necessário a continuar esse trabalho. Camilla, Ivi, Tiago e Viviane, este trabalho também é de

vocês.

Agradeço à Banca examinadora, pela avaliação deste estudo e pelas considerações

apresentadas com vistas a sanar incoerências e ampliar qualidade desta Tese.

Por fim, agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, CAPES,

pelo financiamento parcial dos estudos de Doutorado em forma de taxa de pesquisa e pela

concessão de bolsa de estágio de doutorado no exterior.

A todos vocês, meu mais terno agradecimento.

(7)

vi

Eu sou um preto norte-americano forte / Com um brinco de ouro na orelha / Eu sou a flor da primeira música /A mais velha / A mais nova espada e seu corte / Sou o cheiro dos livros desesperados / Sou Gitá Gogóia / Seu olho me olha mas não me pode alcançar / Não tenho escolha, careta, vou descartar

(8)

vii

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

... 13

CAPÍTULO I

MEIO AMBIENTE URBANO: MODERNIDADE, RACIONALIDADE,

CULTURA POLÍTICA E ESPAÇO PÚBLICO... 17

1.1 A CULTURA E O HOMEM: GÊNESE DE UMA AÇÃO ORIENTADA À

NATUREZA... 19 1.1.1OMEIO AMBIENTE,CULTURA E SUSTENTABILIDADE... 22

1.1.2PROPOSIÇÕES SOBRE A RACIONALIDADE AMBIENTAL: A CRISE... 28

1.2 CULTURA POLÍTICA E ESPAÇO PÚBLICO: O LUGAR DO URBANO E

A SUSTENTABILIDADE... 38 1.2.1RUMOS DA SOCIEDADE CIVIL NO BRASIL:DA DITADURA À ERA GLOBAL... 41

1.2.2ESTADO E FRAGMENTAÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO... 44

1.2.3FRAGMENTAÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO:ASOCIEDADE CIVIL NO PÓS-DÉCADA

DE 1990... 47

CAPÍTULO II

ECOGOVERNAMENTALIDADE: CULTURA POLÍTICA NO BRASIL E A

MACROPOLÍTICA DE RESÍDUOS SÓLIDOS... 50

2.1 POLÍTICA OU POLÍCIA? ECOGOVERNAMENTALIDADE E AS

MACROPOLÍTICASAMBIENTAIS... 52 2.2 OS ANTECEDENTES: INTERFACES COM A MACROPOLÍTICA DE

(9)

viii

2.2.2 AS POLÍTICAS NACIONAIS DE MUDANÇA DO CLIMA E DE RESÍDUOS

SÓLIDOS... 73

CAPÍTULO III

ESPAÇO URBANO E SOCIABILIDADE: INTERFACES DO PLANO NACIONAL RESÍDUOS SÓLIDOS NA REGIÃO METROPOLITANA DA

GRANDE VITÓRIA... 84

3.1 UM CAMINHO PARA AS CIDADES: MEIO AMBIENTE E ESPAÇO

URBANO... 85 3.1.1 A HERANÇA COLONIAL: BRASIL RURAL E OS REFLEXOS DO MODELO

POLÍTICO-SOCIAL LUSITANO... 86

3.1.2 FORMAÇÃO DA BURGUESIA BRASILEIRA: MANUTENÇÃO DA HERANÇA

COLONIAL E PROCESSO URBANO... 92

3.2 REFLEXOS DA POLÍTICA NACIONAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS E A QUESTÃO DO SANEAMENTO: UM OLHAR SOBRE A REGIÃO

METROPOLITANA DA GRANDE VITÓRIA... 98

CONSIDERAÇÕES

FINAIS

... 111

REFERÊNCIAS

... 113

ANEXOS

ANEXOA-PLANO DIRETOR DE RESÍDUOS SÓLIDOS DA REGIÃO METROPOLITANA

(10)

ix

LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

- AND – Autoridade Nacional Designada;

- art. – artigo;

- CIMGC – Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima;

- CMMAD – Comissão Mundial para o Meio Ambiente e Desenvolvimento;

- COP – Conferência das Partes;

-CQNUMC – Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas;

- CRFB – Constituição da República Federativa do Brasil;

- e.g. –exempli gratia– por exemplo;

- IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística;

- IPCC – Intergovernmental Panel on Climate Change – Painel Intergovernamental sobre

Mudanças Climáticas;

- OCDE – Organização para Cooperação Econômica e Desenvolvimento;

- ONU – Organização das Nações Unidas;

- PNMC – Programa Nacional de Mudanças Climáticas;

(11)

x

RESUMO

AUGUSTO CESAR SALOMÃO MOZINE

Ecogovernamentalidade e Meio Ambiente Urbano: Uma

Análise sobre o Plano Diretor de Resíduos Sólidos da

Região Metropolitana da Grande Vitória

Objetiva discutir a participação social na formulação da Política Nacional de Resíduos Sólidos diante de Plano Diretor de Resíduos Sólidos da Região Metropolitana da Grande Vitória. Propõe uma discussão baseada na ecologia política do processo legislativo brasileiro e sua relação com a ação social com vistas ao controle ambiental da questão dos resíduos sólidos urbanos. Dessa maneira, parte da premissa de que a ausência de entendimento é, hoje, uma constante na política brasileira. A falta de prática da Política no espaço público nacional tem contribuído a um excesso de regulamentação da vida privada, sob pretextos alarmistas ou salvacionistas e, não raro, sob ambos. Há, sim, uma ênfase na necessidade de que o Brasil atue frente ao problema da gestão do lixo urbano através da criação, implementação e expansão de mecanismos regulatórios de metas de tratamento de resíduos, sempre ressaltando que isso deve ocorrer provocando uma mudança no sistema produtivo, na forma de ordenamento das relações sociais por meio do aprimoramento da tecnologia, sem, contudo, prever qualquer debate social amplamente difundido para tratar como isso pode ser realizado.

(12)

xi

ABSTRACT

AUGUSTO CESAR SALOMÃO MOZINE

Ecogovernamentalidade e Meio Ambiente Urbano: Uma

Análise sobre o Plano Diretor de Resíduos Sólidos da

Região Metropolitana da Grande Vitória

This tesis aims to outline Brazilian society participation in the formulation of the National Policy on Solid Waste in light of the Master Plan for Solid Waste in the Metropolitan Region of Grande Vitória. It analyses the documents related to this Policy formulation provided by Brazilian Parliament in other to extract from them the political and social discourse used by different actors that intervened in the legislative processes. The main issue that is brought in this paper is how social participation was considered on this policy formulation giving legitimacy to the political processes. In a first glance, it’s important to provide a historical perspective of solid waste management in Brazilian society. Then, it’s relevant to show how this discussion is related with Brazilian constitutional aims and how it affects politics in a federative system, considering social participation and accountability in this process.

(13)

INTRODUÇÃO

[...] ele não soube responder-lhes que tinham uma palavra transitória, uma palavra que é um som fugidio, espécie de mugido, sinal de necessidade e não da manifestação da inteligência. São privados da palavra eterna que estava no passado, que estará no futuro. (BALLANCHE, apud RANCIÈRE, 1996:37).

O tratamento das questões relacionadas à gestão urbana, principalmente no que se refere ao

meio ambiente, apresenta-se atualmente sob a configuração de política pública, ou seja, a

difusão de uma série de mecanismos e técnicas de controle que têm por finalidade buscar

uma administração das funções públicas através do princípio da eficiência. Contudo, uma

peculiaridade que surge nessas formas de intervenção dos poderes estatais consiste na

infusão de um alto grau de interferência na vida privada, em proporções que extrapolam as

atribuições do Estado, aliada a uma contraditória delegação à sociedade civil do papel de

responsável pela execução da política. Com efeito, emprega-se à questão a conotação de

(14)

[...] movimento que faz aparecer a população como um dado, como um campo de intervenção, como objeto da técnica de governo; e o movimento que isola a economia como setor específico da realidade e a economia política como ciência e como técnica de intervenção do governo neste campo da ciência e como técnica de intervenção do governo neste campo da realidade. (FOUCAULT, 1979:291).

Nesse sentido, há três objetivos a se cumprir com relação à dinâmica e ao objeto deste

estudo que se desdobram nos fundamentos da pesquisa proposta. Em primeiro lugar, como

forma de abordagem do tema, há que se enfatizar o poder e a potencialidade que o sistema

atual de organização da sociedade, com foco na questão ambiental urbana, dispõe de se

incorporar à fé social e legitimar a crença na racionalidade e a sua capacidade de fazer da

ação institucional algo capaz de submeter, pelo discurso técnico, a ação social (WEBER,

1999; ARENDT, 1999). Nesse ponto, a principal assertiva que se faz é sobre a

plenipotência da ciência moderna e de sua racionalidade tecnológica em se legitimarem

como motor e justificativa da vida moderna, em termos de desencantamento do mundo e

de justificativa da ação política.

De fato, a manutenção dos padrões atuais de racionalidade e racionalização da vida e do

ambiente têm criado não só uma prisão de ferro – a que encerra a sociedade da natureza –

mas diversas, na medida em que restringe as autonomias individual e coletiva da

possibilidade de emancipação a qualquer outro modo de vida que não o vigente. Isso

implica no fato de que se abram contestações à cosmovisão social moderna e seu sistema

institucional material e imaterial (BOURDIEU, 2007). A partir disso, abre-se o

questionamento para o aprofundamento do estudo da relação entre natureza, racionalidade

e modo de vida na formulação e execução da política ambiental urbana, como forma de se

(15)

Em um segundo momento, como ponto de compreensão do tema proposto, está a discussão

sobre os discursos de racionalidade e sustentabilidade e como sua confluência pode

resultar em proposições como racionalidade ambiental e desenvolvimento sustentável, bem

como na adoção de técnicas de conformação da política local em macrossistemas de

gestão. O que se toma em conta, nesse caso, é o potencial de solução da crise ambiental

instaurada que cada uma delas provém e como suas perspectivas têm sido incorporadas nas

discussões sobre políticas de e para o meio ambiente (SACHS, 2007; VEIGA, 2006;

CASTRO, 2007). Nesse sentido, emerge a problemática acerca das soluções modernas à

crise, como novas possibilidades de ação social, que buscam inovar para além do modelo

de racionalidade vigente.

A terceira consideração que se faz, no intuito de se verificar a hipótese proposta, está

relacionada a toda a construção de estratégias de controle na gestão urbano-ambiental e a

sua vinculação a parâmetros básicos do ideal moderno capitalista de tecnificação das ações

e controle dos resultados (RANCIÈRE, 1996). Enfatiza-se, assim, a política pública e o seu

potencial de cerceamento da liberdade de iniciativa social e da vida privada, uma vez que

vislumbra-se nessas ações policiais – no caso a interação entre a política nacional de mudanças climáticas e a política de gestão de resíduos sólidos da Região Metropolitana da

Grande Vitória – ES – o florescer de uma atitude de hiper-dimensionamento da intervenção do público no âmbito privado e uma delegação à sociedade civil da

responsabilidade de execução de uma política de responsabilidade do Estado. Daí emerge a

observação empírica do funcionamento dos projetos vinculados às políticas públicas de

gestão do meio ambiente natural e urbano, sua incorporação pelos campos de ação social –

(16)

Dessa maneira, busca-se um enfoque na discussão dos processos de Polícia, entendida

como os instrumentos estatais de controle da vida social, (RANCIÈRE, 1996) como uma

questão de governamentalidade (FOUCAULT, 1979) que, por seu enfoque no Estado, o

colocando na posição de monstro hiperpolítico (SLOTERDIJK, 1999), impede as

manifestações individuais de livre-pensamento e vontade de potência (NIETZSCHE,

2000), encarcerando a sociedade em um sistema de servidão (LA BOÉTIE, 2008) que tem

como único foco de expressão a voz ininteligível de um rebanho, sem qualquer aptidão

Política relevante. Além disso, cabe investigar em que medida esse sistema de controle da

vida social se reflete na gestão urbano-ambiental, no caso específico da Região

Metropolitana da Grande Vitória.

A tese está divida, assim, em três capítulos. O primeiro, discorre sobre a questão do

Urbano com espaço público, inferindo sobre isso as questões da modernidade e do

tratamento do meio ambiente na formação da cultura política. Já na segunda parte,

introduz-se a idéia de ecogovernamentalidade e como se percebe sua caracterização do

ponto de vista da confluência das macropolíticas de gestão de resíduos sólidos e mudanças

do clima. Por fim, no último capítulo se discute a formação da cultura política no espaço

urbano do Espírito Santo e seus reflexos no que tange o Plano Diretor de Resíduos Sólidos

da Região Metropolitana da Grande Vitória

Portanto, este estudo propõe uma análise da interação entre as macropolíticas nacionais de

Resíduos Sólidos e Mudanças Climáticas, bem como sua ramificação na questão

urbano-ambiental da Grande Vitória, avaliando a relação Estado-Sociedade Civil e seus efeitos em

(17)

CAPÍTULO I

MEIO

AMBIENTE

URBANO:

MODERNIDADE,

RACIONALIDADE, CULTURA POLÍTICA, E ESPAÇO

PÚBLICO

Não haverá verdadeira resposta à crise sem ser em escala planetária e com a condição de que se opere uma autêntica revolução política, social e cultural reorientando a produção de bens materiais e imateriais. Essa revolução deverá conscernir, portanto, não só às relações de forças visíveis em grande escala, mas também aos domínios moleculares da sensibilidade, de inteligência e de desejo. (GUATTARI, 2006:9)

Definir o que se busca entender por “Meio Ambiente Urbano” quando se põe em discussão questões relacionadas às políticas de saneamento e gestão de resíduos constitui um objeto

de desafio nas Ciências Sociais, para o qual apenas uma saída pela interdisciplinaridade é

capaz de prover respostas. A idéia bucólica de meio ambiente como natureza intocada cai

por terra quando confrontada com a imagem moderna de cidade e encontra maiores

desafios quando relacionada a um ambiente produzido, cuja modificação na natureza é

massiva e que parece inerente à produção de resíduos em escalas com as quais os

(18)

Assim, principalmente no urbano, não se pode tratar o ambiente como algo

físico-químico-biológico apenas, há que se entendê-lo mormente como antrópico, modificado local e

globalmente pela ação humana e, acima de tudo, em decorrência de uma ação política ou,

por melhor dizer, por uma ação social racionalmente orientada ao uso, modificação e

gestão do meio.

Nessa perspectiva, discutir a relação entre sociedade e natureza em termos de

sustentabilidade urbana nas Ciências Sociais significa, primordialmente, discutir a cultura

política capaz de produzir esse ambiente e seu entendimento como espaço público.

Desvinculado da noção moderna de “urbanidade”, a natureza - entendida como ambiente natural - foi relegada à posição de objeto a ser gerido, através da boa técnica racional e das

tecnologias resultantes dos avanços da ciência e deixou de ser vista como local de

sociabilidade. Reside nesse ponto o fato de não ser possível visualizar uma ação coletiva

comum ao ambiente que se ponha em uma discussão para além das tecnologias políticas de

gestão da vida, considerando o meio ambiente urbano como decorrente de formação

cultural e política da sociedade contemporânea, tomando por base suas noções de

racionalidade moderna e como resulta em um trato das relações sociais no espaço público.

Diante disso, deve-se propor um entendimento da problemática urbano-ambiental como

resultado, na atualidade, da confluência entre privado e coletivo, entre a formação da

política e sua aplicação, bem como ao atendimento de anseios sociais e seu balizamento

por tecnologias de gestão da vida pelos aparatos governamentais, representadas aqui pelo

que se denomina “macropolíticas” - discutidas no próximo capítulo. Assim, para se discutir, nesta tese, a problemática da ação coletiva na política de gestão de resíduos

(19)

medida a formação de uma cultura política, tomando o meio urbano como espaço público

por excelência

Crê-se que esta situação se deva não a fatores isolados, cuja solução dissiparia uma crise

ambiental na qual mergulhou a sociedade. Ao contrário, tal crise resulta da conjuração de

elementos endógenos à sociedade, resistente a qualquer proposta de alteração do padrão de

atividades sociais. Assim, identificam-se visões de mundo, estilos de vida, hábitos e

costumes estratificados que conformam, em diversos níveis, os modos de vida humanos.

Nessa perspectiva, tem-se que não há como se compor um modelo de modo de vida que

seja comum em toda sua amplitude a toda singularidade de cada indivíduo que pertença a

qualquer tipo de sociedade. O que é passível de se fazer é o estabelecimento de fatores

históricos, sociais e culturais que transitam por diferentes modos de vida, definindo suas

relações com a natureza. Dessa forma, ressaltam-se neste estudo, como as próprias

definições de Homem e Sociedade advêm de uma visão do meio ambiente como sendo

fruto de uma natureza culturalmente modificada e que, paulatinamente, criaram um cisma

entre mundo social e mundo natural.

1.1

A CULTURA E O HOMEM: GÊNESE DE UMA AÇÃO

ORIENTADA À NATUREZA

Pensar a Natureza a partir da cultura e, mais propriamente, como esta última influi no

tratamento dispensado pelo Homem e pela Sociedade ao “mundo natural” é um desafio que deve contemplar a ordem da vontade, em seu sentido de formação intelectual

simbolicamente orientada a uma ação racional em um espaço coletivo e público, ou seja,

(20)

natureza intocada, para entender o meio ambiente como um espaço que de forte influência

da ação humana. Dessa forma, discutir a ação cultural é tratar de uma atitude dotada de

sentido e orientada à transformação do ambiente.

Mais que isso, deve-se observar a advertência feita por Weber (2001:33) de que: “Deve ser uma das primeiras tarefas da investigação sociológica e histórica analisar todas as

influências e relações causais que possam ser explicadas satisfatoriamente em termos de

reações ao ambiente”. Nesse contexto, partindo da contribuição de Geertz (2008) sobre a natureza humana, identifica-se um debate sobre a origem dessa natureza e da formação

dessa capacidade de simbolização própria do Homo sapiens.

Dessa forma, objetiva-se entender em que medida a relação do ser humano com o mundo

natural permitiu o efetivo desenvolvimento do Homem enquanto ser de cultura. Dessa

forma, parte-se da crítica geertziana sobre a impossibilidade e inviabilidade de se tecer

generalizações e universalizações sobre a existência de fatores/ações comuns a toda

humanidade e que isso se classifique como “natureza humana”. De fato, há que se enfatizar

que se há algo de inato no Homem que o diferencia das demais espécies, são suas

capacidades de ação e reação a realidades e ambientes específicos que determinam o que

lhe é próprio, o que é de sua natureza. Assim, segundo Geertz, surge nos estudos

culturalistas:

(21)

Nessa perspectiva, não basta apresentar Homem e Sociedade como estruturas pendentes no

ar, seu entendimento perpassa pela concretude do espaço e do tempo em que estão

inseridos e, sobretudo, de que espaço e de que tempo e das possibilidades materiais/físicas

e simbólicas/intelectuais que eles proporcionam. Desse modo, é a partir de um fator

cultural, de um processo de simbolização da vida e das relações, que se dá a diferenciação

do animal político, Homo sapiens, dos demais animais, assim:

Em algum estágio da sua história filogênica, uma mudança genética marginal de alguma espécie tornou-o capaz de produzir e transmitir cultura e, daí em diante, sua forma de resposta adaptativa às pressões ambientais foi muito mais exclusivamente cultural do que genética. À medida que se espalhava pelo globo, ele vestia peles nos climas frios e tangas (ou nada) nos climas quentes [...]. Fabricou armas para aumentar seus poderes predatórios herdados e cozinhou os alimentos para tornar alguns deles mais digestivos. O homem tornou-se homem, continua a história, quando, tendo cruzado algum Rubicon mental, ele foi capaz de transmitir ‘conhecimento, crença, lei, moral, costume’ a seus descendentes e seus vizinhos através do aprendizado. Após esse momento mágico, o avanço dos hominídeos dependeu quase que inteiramente da acumulação cultural, do lento crescimento das práticas convencionais, e não da mudança orgânica física, como havia ocorrido em áreas passadas (GEERTZ, 2008:34).

Dessa forma, tem-se que a relação entre indivíduos, grupos e ambiente é intrínseca à vida

de qualquer espécie. Ademais, uma vez tomado isso como princípio, vê-se que a

capacidade de uso e modificação do ambiente não só é possível, como essencial a qualquer

forma de vida. No entanto, somente o Homem é capaz de uma ação política orientada e

simbolicamente construída sobre o ambiente. E é nessa política, consequentemente, que se

encontra a problemática de tratamento do ambiente urbano.

Talvez não seja possível falar em estado de natureza do Homem, pelo menos de forma

lúdica e romântica, justamente porque seja intrínseco à espécie humana afastar-se de um

(22)

da natureza. Dessa forma, a única noção que parece efetiva é que a natureza humana é

justamente o momento – ao contrário de um estado – em que se desenvolve uma capacidade de simbolização capaz de orientar uma ação em relação ao ambiente, com

vistas a modificá-lo ou utilizá-lo para garantir a existência da vida da espécie, ou seja, só é

possível se falar em Homem quando se insere em sua existência o elemento político.

1.1.1

O

M

EIO

A

MBIENTE

,

C

ULTURA E

S

USTENTABILIDADE

Toda sociedade, todo projeto histórico, se constitui de normas, regras e instituições

materiais – físicas – e imateriais – mentais, psíquicas – que balizam a relação entre os indivíduos e os grupos e a interação destes com o ambiente que os circunda. Tem-se, assim

que cada corpo social se identifica em um ou vários modos de vida, culturalmente

orientados que permitem identificar um determinado tipo de interação entre Homem e

Natureza.

Cabe destacar, diante dessas considerações, que cada sociedade organiza seu modo de vida

em consonância com um sistema simbólico. Com efeito, como salienta Lévi-Strauss: [...] a coerência de cada sistema de classificação pode apenas ser tomada em conta através [...]

de barreiras específicas à mente humana. Essas barreiras, determinam como os símbolos

são formados, opostos entre si e articulados em conjunto” (2008:10. tradução nossa)1.

Isso quer dizer que ao estabelecer um conjunto de símbolos cosmológicos e gnosiológicos,

cada sociedade institucionaliza e organiza suas formas de solidariedade2 e determinam em

1 No original lê-se: “... the coherence of each system of classification can only be accounted for by […]

constraints specific to the human mind. These constraints determine how symbols are formed, opposed to each other and articulated together”.

2 O termo solidariedade é empregado, aqui, de acordo com os conceitos fundamentais traçados por Durkheim

(23)

que medida a necessidade de sobrevivência e reprodução do grupo influi nas exigências de

exploração do ambiente. Assim, há um desenvolvimento de uma ordem social

especialmente voltada para a busca de domínio da natureza para garantia da vida.

Dessa maneira, a conjunção entre as necessidade vitais do ser humano com o oikos

estabelecem um padrão de uso da natureza. Nesse sentido:

Quando confrontada com uma dada situação ecológica ou tecno-econômica, a mente não se mantém inativa. Ela não somente a reflete, como reage a ela e a trabalha de forma a condicioná-la a um sistema. Além do mais, a mente não reage somente ao ambiente particular que percebe através dos sentidos. Ela também se mantém alerta a ambientes que não foram experimentados de uma forma direta e se mantém alerta às formas pelas quais outras pessoas reagem a eles. Todos esses ambientes, presentes e ausentes, são integrados em um sistema ideológico, de acordo com a leis mentais que se repetem recorrentemente e se manifestam de forma similar, embora o entorno geográfico e as práticas tecno-econômicas possam ser muito diferentes (LÉVI-STRAUSS,2008:15/16. tradução nossa)3.

É nesse contexto que se firmam as relações entre grupos humanos e a natureza que os

circunda e é a partir disso que se afere o padrão de tratamento da natureza em cada

sociedade em dado momento histórico. Ademais, essa relação simbiótica faz com que para

cada sociedade a visão, a interação e a assimilação tanto do oikos quanto do mundo natural

se dê de maneira diferente. Isso ocorre, segundo Lévi-Strauss, pois:

[A] natureza aparece cada vez mais moldada por propriedades estruturais indubitavelmente mais ricas, embora não diferentes em especial dos códigos estruturais nos quais os sistemas nervosos [mentais] as traduzem; e das propriedades estruturais elaboradas pelos entendimentos [...] das estruturas originais da realidade [...]. a mente apenas é capaz de entender o mundo que nos da divisão do trabalho social. Sobre a idéia de Solidariedade desenvolvida pelo sociólogo francês Cf. Durkheim (1978).

3 No original lê-se: “When confronted with a given ecological and techno-economic situation, the mind does

(24)

circunda, porque a mente é, ela própria, parte e produto desse mesmo mundo. (2008:22. tradução nossa)4.

Nessa perspectiva, falar em sustentabilidade requer entender a forma como os campos de

produção da solidariedade social interagem com a visão social – as formulações mentais, imateriais – dando um significado ao mundo natural. Dessa forma, as relações de aproximação e distanciamento, de interação e dominação da natureza é que vão determinar

a posição do meio ambiente no modo de vida da sociedade em foco. Ademais, é essa

relação que vai definir a sustentabilidade, ou a crise do ambiente nesse meio social. Assim,

segundo Woodgate e Redclift:

Ao longo do tempo, a co-evolução entre sociedade e natureza resultou, não apenas em um crescentemente complexo socioambientalismo, mas também em uma mais sofisticada organização social. A crescente complexidade das estruturas sociais prolonga a corrente de conexão entre sociedade e natureza, tanto que a sustentabilidade [...] se torne dependente não somente da manutenção dos vínculos entre sociedade e natureza, mas também daqueles entre atores sociais e instituições. (2008:13. tradução nossa)5.

Nesse contexto vê-se que, nas proposições mais otimistas – como é o caso – sobre a sustentabilidade, a interação entre modo de vida e natureza é essencial, todavia, deve-se

fazer uma ressalva quanto à noção de co-evolução. A idéia de paridade relacional entre

sociedade e ambiente natural deve ser tomada com cautela, pois pode sugerir que o alcance

de um pretenso desenvolvimento sustentável seja a finalidade mor dessa interação,

bastando, para tanto, que se siga um plano de ação social determinado como forma de se

construir um novo ambiente mais harmônico.

4 No original lê-se: “… nature appears more and more made up of structural properties undoubtedly richer

although not different in kind from the structural codes into which the nervous system translates them, and from the structural properties elaborated by the understanding […] to the original structures of reality. […] the mind is only able to understand the world around us because the mind is itself part and product of this same world”.

5 No original lê-se: “Over time, coevolution between society and nature has resulted, not only in increasingly

(25)

De fato, a co-evolução por excelência é entre sociedade e oikos a inserção do componente

natural a essa relação decorre da propensão da organização social em se aproximar do

mundo natural e do caráter dessa aproximação. Com efeito, cabe a contribuição de Wolff

de que:

[...] nessa noção de sustentabilidade, é preciso que entrem também padrões culturais de apropriação e transformação da natureza, diferenciações étnicas, de gênero e de classes nessa apropriação, assim [como] os saberes e valores forjados na história dessas populações. (2001:252).

Isto posto, tem-se que o tratamento da sustentabilidade requer uma visão mais holística da

organização social e de seu funcionamento. Nestes termos, tratar a sustentabilidade na

sociedade moderna requer a clareza de que se está levando em conta uma sociedade de

organização classista, na qual o consumo faz parte da pauta social e na qual a sociabilidade

está impregnada de urbanização, de conflitos e de interações sociais advindos dela. Falar

em sustentabilidade, por conseguinte, demanda considerar os aspectos culturais, gnósticos

e de apropriação da natureza relacionados à modernidade.

Assim, permite-se afirmar que, a sustentabilidade – de sociedades tradicionais, ou da sociedade ocidentalizada em termos de desenvolvimento sustentável – é fruto da interação entre o ambiente econômico, o político institucional – seja ele baseado na tradição, no estamento, na religiosidade, seja na representação – e o social. Assim, assume-se afirmar, é na cultura que se guarda maior importância na estratégia e nos esforços de relação de

sobrevivência com a natureza.

Isto se dá, principalmente, pelo fato de que, na vida moderna, o campo econômico é um

dado previamente determinado e de difícil modificação no curto prazo, servindo de

(26)

político, por sua vez, é o palco de incidência das influências tanto da economia – seja ela de mercado, primitiva, seja agrária – quanto do social, pois nesse campo é que os modos de interação social e de sociabilidade definem as respostas a serem dadas, ou requeridas às

predeterminações econômico-políticas. A cultura constitui-se, portanto, no lócus de ação

que tende a conduzir os campos da vida humana em direção, ou contra, uma harmonia

entre ambiente e modo de vida – seja ele urbano, agrário, seja tradicional. Dessa maneira, destaca Wolff (2001:255):

Sendo a sustentabilidade uma construção histórica e cultural [...] fazem parte desta construção vários níveis de relações. Uma determinada maneira sustentável de viver implica uma forma de relações entre todas as sociedades e toda a natureza. Articulam-se a essa relação as classes sociais e a maneira como cada classe se relaciona com a natureza, se apropria dela e, ainda, a maneira como as diversas classes relacionam-se entre si.

Nesse sentido, toda forma de sociedade pode atingir um determinado grau de

sustentabilidade, independente do grau de complexidade que apresente. Isto não significa,

todavia, que a relação harmônica com o meio ambiente esteja ao alcance da mão; revela,

ao contrário, que o meio social, como campo de ação política e interação, é capaz de

rearticular a sociedade e redefinir seus padrões de uso da natureza, a partir da cultura.

As formas de apropriação da natureza existentes nas diversas sociedades são fruto,

portanto, desse enlace histórico entre os campos econômico, social, cultural e político. Se

as sociedades tradicionais apresentam um maior nível de interação com a natureza, “É

preciso desconstruir o discurso que torna índios, seringueiros, ribeirinhos ‘naturalmente’

defensores da natureza e mostrar como esses grupos se construíram historicamente como

‘povos da floresta’”. (WOLFF,2001:257) ao contrário da sociedade moderna. Nesse

sentido, a sociedade que busca o desenvolvimento sustentável, deve assumir o fato de que

(27)

política de modificação do meio econômico, pois isto é conseqüência da descoberta de

novos padrões de sociabilidade e apropriação da natureza.

Por conseguinte, cabe ressaltar a importância da construção dos modos de vida e da

interação social no trato do ambiente. De fato, a apropriação dos recursos naturais é

resultado da herança histórica da própria sobrevivência das sociedades e dos rumos

econômicos que elas tomaram. Nesse contexto, a sustentabilidade, mais que um objetivo a

ser alcançado, é um valor inerente à sociedade, que determina não só seu padrão de

sociabilidade, mas seu modo de vida.

Assim, são tortuosos os caminhos a se percorrer para entender como o ambiente pode

afetar diretamente o modus operandi de uma sociedade, tornando seus hábitos e seu modo

de ver a realidade algo que retorne como uma intervenção cultural – dotada de significado

– na natureza. Assim, pensar a sustentabilidade a partir da injeção de idéias sobre o meio ambiente em qualquer cultura requer abordar as característica e as necessidades do

processo de manutenção da vida e de reprodução daquela sociedade.

Dessa forma, este estudo buscou vincular abordagens tanto da antropologia culturalista,

como da estruturalista sobre constituição do processo de simbolização para entender as

formas de relacionamento entre homem e natureza a partir de diversas formas de o ver nas

ciências sociais, bem como em que medida esse tipo de relacionamento pode levar a uma

noção de particularidade de tratamento do ambiente de acordo com o modo de vida e a

(28)

1.1.2

P

ROPOSIÇÕES SOBRE A

R

ACIONALIDADE

A

MBIENTAL

:

A CRISE

Colocada da forma acima, a questão do distanciamento da natureza, ao menos da orgânica,

faz parecer que toda a função da racionalização – e da consolidação da própria ciência moderna, inclusive – foi um fator de autonomização da vida social em relação ao meio ambiente, fazendo com que esse vínculo desaparecesse por completo. Nesses termos, há

que se ressaltar que o constante distanciamento dos meios e usos orgânicos/biológicos não

eliminou a influência dos processos naturais na vida em sociedade, pode-se afirmar,

contudo, que se criou a ilusão dessa superação.

De fato, a intensificação da utilização e conversão das matérias minerais – a energia fóssil, por exemplo – e as descobertas da utilização das naturezas física e química através do amplo desenvolvimento científico e tecnológico observado na modernidade, vincularam de

forma mais drástica a sociedade urbano-industrial à natureza, contudo, isso se deu em uma

ótica de desencantamento. Dessa maneira, importante ressaltar, neste aspecto, as palavras

de Maley (2004:70), ao analisar os escritos de Weber sobre o desencantamento do mundo:

Desencantamento apenas se manifesta completamente, e o manto só se torna uma prisão de ferro, quando as formas racionais de atividade, organização e tecnologia – ciência, capitalismo e burocracia – continuam a funcionar sem as antigas justificativas religiosas. (tradução nossa)6.

Ou seja, o fato de se observar um incontestável desenvolvimento da ciência moderna,

principalmente a partir de meados do século XVIII, faz com que o foco da crença do

homem moderno se transfira da religião para a ciência e tecnologia. Nesse contexto,

continua Maley (2004:71): “Ciência e seus métodos provêm um molde universal para o

6 No original lê-se: “Disenchantment only manifests itself fully, and the cloak only becomes an iron Cage,

when rationalized forms of activity, organization and technology – science, capitalism, and bureaucracy –

(29)

progresso, ambos vistos como um crescimento da liberdade individual e/ou uma libertação

da humanidade dos costumes, tradições e superstições” (tradução nossa)7. O momento em

que estes três aspectos do tradicionalismo se esvaem da vida moderna representa, do ponto

de vista do tratamento dispensado à natureza pela sociedade, o ponto em que o elo

representativo do meio ambiente se desprende dos grilhões da prisão de ferro referida por

Weber.

Contudo, persiste ainda a indagação sobre como se pode afirmar o alargamento e a

intensificação do cisma entre sociedade e natureza. Isto se dá em função de dois principais

fatores: a exacerbação do conhecimento técnico-científico, principalmente nas ciências

físicas e químicas, permitindo à humanidade colocar-se acima da natureza; e ao processo

de criação de um ambiente urbano – em oposição ao ambiente natural – que ajudou a consolidar essa visão de que a natureza poderia ser moldada e condicionada pela ação

social. Dessa maneira, sugere-se que a situação de crise ambiental que se afirma imperar a

partir da modernidade tardia decorre não da superação da natureza, mas sim de sua

desvinculação do modo de vida urbano-industrial-ocidental.

Assim, como forma de consolidar a idéia de crise ambiental e promover uma discussão

mais aprofundada sobre desenvolvimento sustentável e, em seguida, sobre a formatação de

uma macropolítica de gestão de resíduos sólidos em diferentes escalas, propõe-se a

seguinte análise: em primeiro lugar, tratar de forma mais pormenorizada a relação entre

ciência tecnologia e meio ambiente; em seguida, discorrer sobre a teorização da chamada

racionalidade ambiental; e, por fim, dispensar alguns comentários sobre como a

racionalidade moderna e o desenvolvimento sustentável, como propostas de solução à crise

7 No original lê-se: “Science and its methods provide a universal template for progress, seen both as

(30)

ambiental, para a qual a gestão de resíduos se apresenta com expoente, tanto nas questões

política e econômica, quanto na ambiental.

Diante desse panorama, tem-se que a noção de racionalidade é um aspecto incrustrado no

imaginário social da modernidade. Dessa maneira, construiu-se uma análise no sentido de

demonstrar como a sociedade moderna afastou-se das relações tradicionais com o meio

ambiente, passando a vê-lo como um objeto a ser moldado tanto pela ciência como pela

tecnologia. Buscou-se afirmar, outrossim, que o resultado dessa forma de tratamento da

natureza provocou uma espécie de crise, ou, para manter a metáfora anterior: agrilhoou a

modernidade em uma prisão de ferro, que não só a separou do mundo natural, mas, com

isso, comprometeu a própria perpetuação da sociedade, uma vez que e questão ambiental

que se coloca hoje em dia, conforme apontam alguns diagnósticos, pode eventualmente

causar o fim da vida humana (MEADOWS,1972; IPCC,2009). Essa idéia fica clara, na

argumentação de Castro, para quem:

De fato, a crise ambiental pôs em marcha um movimento que questiona tanto as normas de conduta e a identificação do desenvolvimento com a mera acumulação de riqueza, como também a idéia de progresso como aspiração recôndita da Civilização Ocidental. Com isso, pela primeira vez, a crença na possibilidade de um progresso como dádiva a conquistar choca-se com a sensação ameaçadora de que esse caminho que prometia o Paraíso poderá conduzir ao Inferno da devastação ambiental e ameaçar de destruição a civilização, a vida humana e a sobrevivência do próprio planeta. (CASTRO,2007).

Dessa maneira, seguindo um eixo a abordagem da denominada Ecologia Política

(ROBBINS, 2012), propõe-se uma breve discussão sobre a sociedade, tal como exposta

anteriormente, do ponto de vista da racionalidade ambiental. Para tanto, leva-se em

consideração que, conforme dito anteriormente, decorre da relação entre mundo social e

mundo natural a forma de tratamento que é dada ao meio ambiente na modernidade. O

(31)

A dissociação dos termos indivíduo/sociedade/espécie rompe com a sua relação permanente e simultânea. O problema fundamental passa a ser estabelecer e interrogar o que desapareceu nesta dissociação: a própria relação entre os termos. Assim, é imprescindível não apenas rearticular indivíduo e sociedade, mas também efetuar a articulação, tida como impossível, entre a esfera biológica e a esfera antropossocial. (MORIN,2002:22).

O que Morin evidencia com isso, é que todo o processo de construção da sociedade atual

se afirma nessa dissociação. Decorre disso, que a própria relação entre sociedade e

racionalidade enfrenta um problema, que se desenrola em uma crise, que não é apenas a da

ciência, do meio ambiente, ou da sociedade, mas do próprio modo de vida social. Nesse

sentido, destaca-se a incapacidade de toda a acumulação – de conhecimento, de recursos, de experiências – do processo histórico vigente não ser capaz de avançar, em termos de criação de novas alternativas aos desafios opostos à sociedade e a sua forma de vida.

Nesse contexto, as proposições dessa corrente se apoiam em alguns pressupostos que

cabem ser ressaltados. O principal deles, que também constitui o cerne a análise traçada até

aqui, reafirma o tipo de relação entre sociedade e meio ambiente. Conforme destaca Morin:

As sociedades humanas, enfim, longe de se desprenderem, constroem uma ordem temporal sobre a ordem cósmica e os grandes ciclos ecológicos. As sociedades arcaicas organizam-se em ‘microcosmos’ à imagem da sua visão do ‘macrocosmos’ e dedicam-se a impor o seu ritmo organizacional ao da eco-organização. (2001:43).

Com isso pretende-se destacar que, para entender a problemática ambiental não basta

apenas objetivar questões como degradação ambiental, poluição, padrões de consumo, ou

mesmo mudanças climáticas. O entendimento dessa temática vai muito além do

estabelecimento de padrões e métodos mensuráveis quantitativa, ou qualitativamente, tal

empreitada requer a própria mudança na concepção de mundo que se tem atualmente. Isso

(32)

sociedade e a relação entre os mundos social e natural precisam ser revistas. É nesta

concepção, que grande parte dos teóricos identificam a crise ambiental (LEFF,2006;

CASTORIADIS,2008) e vão além, colocando-a como crise – paradigmática, talvez – da sociedade.

Nessa perspectiva, a crise ambiental se configura como a já afirmada prisão de ferro, da

qual a sociedade precisa desvencilhar-se “[...] até que seja queimada a última tonelada de carvão fóssil” (WEBER,2001:131) e disso decorram todos os efeitos em termos de

manutenção e controle da vida. Há que se levar em conta, no entanto, um ponto para o qual

Castoriadis chama a atenção, trata-se da capacidade dos sistemas históricos e das

sociedades de criar necessidades para, então, satisfazê-las e justificarem sua permanência e

legitimidade. Segundo o autor:

Não há necessidades naturais. Todas as sociedades criam um conjunto de necessidades para seus membros e os ensinam que a vida apenas vale a pena e apenas pode ser vivida materialmente se aquelas necessidades são ‘satisfeitas’ da melhor maneira possível. O que é especificidade do capitalismo no que diz respeito a isso? Em primeiro lugar, é que o capitalismo apenas poderia ascender, manter-se, desenvolver-se e estabilizar-se, mau grado os intensos conflitos dos trabalhadores que rasgaram sua história, através dos quais se colocou no centro das necessidades, aquelas que são econômicas [...]. Em segundo lugar, então, o capitalismo triunfou em criar uma humanidade – para quem, maio ou menos, essas necessidades são quase tudo o que conta na vida. Em terceiro lugar [...] essas necessidades que o capitalismo cria da melhor maneira possível e pelo maior tempo, o capitalismo satisfaz. (CASTORIADIS,2008:12. tradução nossa)8.

Esse é o principal ponto sobre o qual se debruça a crise ambiental propriamente dita e para

o qual os teóricos da racionalidade ambiental buscam uma resposta. De fato, o debate a

8 No original lê-se: “There are no natural needs. All societies create an ensemble of needs for the members and teach them that life is only worth living and can only be lived materially if these needs are ’satisfied’ in

the best way possible. What is the specificity of capitalism in this regard? In the first place, it is that

capitalism could only arise, maintain itself, develop and stabilize despite the intense workers’ struggles

(33)

esse respeito incorpora uma série de discussões, tais quais: a falência da ciência em se

mostrar onipotente; a do modo de produção em satisfazer as necessidades naturais dos

seres humanos e da própria sociedade; e a crise de modo de vida vigente, representado pela

modernidade e a sua racionalidade.

Nesses termos, para alguns autores (e.g. LEFF, 2004, 2006; SANTOS, 2009) a única forma

de solução dessa crise é a superação da modernidade, incluindo-se todos os seus elementos

apresentados anteriormente, e a emergência de uma nova era: a pós-modernidade. De um

modo ou de outro, o que os autores da racionalidade ambiental defendem, na esteira da

complexidade, como forma de se transpor as barreiras necessárias à superação da crise, é

que:

A ecologia-ciência alimenta a ecologia-ciência com as suas inquietações e exigências. A consciência ecológica não é apenas a tomada de consciência da degradação da natureza. É a tomada de consciência, na esteira da ciência ecológica, do próprio caráter da nossa relação com a natureza viva; aparece na idéia de duas faces que a sociedade é vitalmente dependente da eco-organização natural e que esta está profundamente comprometida, trabalhada e degradada nos e pelos processos sociais. (MORIN,2001:111).

Essa posição subleva a questão do comprometimento social e mesmo individual com um

projeto histórico que reinsira a natureza na vida quotidiana. Contudo, não obstante se

entenda a pertinência e, mesmo, a emergência dessa atitude, atenta-se para as

recomendações de Castoriadis (2008) a respeito das necessidades que o sistema atual é

capaz de suprir, mantendo-se socialmente legítimo. Ademais, há que se considerar as

amarras criadas tanto pelo sistema de racionalidade vigente (MARCUSE,1999;

PRIGOGINE, 2002), quanto pela dita ciência normal (KUHN,2007) que, por abrangerem

(34)

alternativas e soluções, as vezes inexistentes, no conhecimento já disponível à sociedade,

ao invés de primar por novas formas de pensamento.

Nesse sentido, há que se ressaltar as palavras de Walker que representam um bom exemplo

de como determinados eixos da sociologia ambiental vêem a problemática da natureza e,

ao contrário da complexidade, reduzem ainda mais o seu escopo de atuação:

A sociologia ambiental deve ter um interesse específico, mas ela deve ser fundada nas considerações gerais das relações entre humanos-meio ambiente, assim como as ciências ambientais devem levar em conta uma ciência geral mais ampla. Em particular, deve-se levar em conta que as mudanças antrópicas [human-induced] na natureza são, em si, de muito pouco interesse. Elas apenas tornam-se mudanças ambientais quando elas agem de volta nos assuntos humanos. (2008:82. grifo do autor. tradução nossa).9

Esse tipo de abordagem, não obstante resulte em um reducionismo quanto ao campo de

atuação das ciências sociais no estudo do meio ambiente, abre espaço para uma crítica

dispensada à idéia de racionalidade ambiental. Com efeito, embora se julgue de grande

importância a contribuição desses estudos para o entendimento da relação entre os mundos

social e natural, em grande parte das teorizações conforma-se um tom manifesto,

propositivo de um modelo de sociedade que se auto-intitula pós-moderno, mas sem

parâmetros delimitados que caracterizem a fundação de um novo projeto histórico. Para o

bem ou para o mal, esse tipo de argumentação, encontrado com muita freqüência em Leff

(2004, 2006), Morin (2001, 2002), Boaventura de Souza Santos (2009) e em Woodgate e

Redclift (2008), aborda a temáticas fundamental do padrão de elaboração e difusão do

conhecimento tal qual ocorre na sociedade atualmente.

9 No original lê-se: “Environmental sociology may have a specific interest, but it must be grounded in the

(35)

Nesse sentido, em uma ótica complexa, a racionalidade ambiental propõe a transposição

dos conhecimentos isolados das ciências racionais modernas (MORIN, 2002), de forma a

integrar os diversos saberes – científicos e tradicionais – em uma nova forma de análise da sociedade e da natureza, no intuito de se responder à crise atual do modo de vida social.

Dessa forma, segundo Leff, a racionalidade ambiental responde a uma epistemologia

ambiental que:

[...] é uma política do saber que tem por ‘finalidade’ dar sustentabilidade à vida; é um saber para a vida que vincula as condições de vida únicas do planeta com a enigmática existência e o desejo de vida do ser humano. A epistemologia ambiental leva a mudar as circunstâncias da vida, mais do que a internalizar o ambiente externalizado da centralidade do conhecimento e do cerco do poder de um saber totalitário. (LEFF,2004:20).

Dessa forma, o autor busca, para além do conhecimento científico moderno, novas formas

de elaboração da relação entre ambiente e sociedade para justificar o campo de atuação

dessa racionalidade. Contudo, há que se levar em conta que essa proposta de mudar as

circunstâncias da vida para por fim a uma crise e permitir a reapropriação da natureza

requer uma ruptura – paradigmática; mais que isso, demanda a própria refundação da sociedade. Não obstante a relevância propositiva e a necessidade desse tipo de atitude, há

que se levar em conta as advertências de Kuhn (2007) a respeito das resistências às

mudanças de concepção de mundo provocadas pelo surgimento de novos paradigmas e

respostas às crises científicas.

Esse tipo de advertência se faz necessário, pois Leff, em grande parte de seus escritos,

pressupõe a emergência e a aceitação desse saber ambiental, principalmente quando rejeita

os processos e os métodos da ciência racional moderna. De fato, para o autor:

(36)

permitam integrar a valoração das condições ecológicas de sustentabilidade e os significados e sentidos da natureza construídos a partir da cultura – através das identidades que se forjam na relação entre o material e o simbólico – que se expressam nos direitos comunitários e ambientais das populações indígenas e camponesas para a reapropriação de seu patrimônio de recursos naturais. (LEFF,2006:61).

Isso pode ampliar um eventual movimento de resistência, ou mesmo intensificar as práticas

e técnicas científicas atuais para tentar prover uma solução que não fuja aos preceitos da

modernidade para essa crise ambiental. Ademais, aventa-se a possibilidade de que esse

novo discurso, se apropriado de maneira incorreta (BOURDIEU,2007:10), promova

apenas uma nova racionalização – em oposição a uma nova racionalidade – da natureza, através de uma mercantilização do meio ambiente (LEFF,2006) e a uma política

assistencialista – de controle e restrição às populações tradicionais – para o fim de se manter uma natureza intocada, ou apenas utilizada para a perpetuação do modo de vida

atual em uma ambiente mais ameno.

Nessa perspectiva, considerar uma proposta de racionalidade ambiental remonta à crença

na mudança da cosmovisão social. Mais que isso, reputa aceitar que seja possível o

estabelecimento parâmetros claros e disponíveis a todos para que, com isso, se avance ao

novo estágio da sociedade, pós-crise, em uma pós-modernidade (LEFF,2006;

MORIN,2001). Embora não se divirja desse ideal, há que se considerar, em primeiro lugar,

que o que se modifica em uma virada epistemológica não é o mundo, mas a visão –

Gestalt10 – que se tem dele (KUHN,2007) e que, além disso, a transitoriedade dessa mudança demanda tempo e o enfrentamento de resistência. Mais importante, não se pode

perder de vista que se está contrapondo um sistema histórico recente – de apenas 200 anos,

10 Para Kuhn, a idéia de gestalt está ligada à novas formas de se ver, cientificamente, situações já

(37)

se comparado aos 1000 do feudalismo – e que tem um poder de reinventar-se e de legitimar-se e que se empenha em manter-se com uma profunda tática de eficiência.

Em segundo lugar, é necessário ter em mente que esses processos de ruptura científica,

denominados revoluções por Kuhn, mesmo que via de regra não possam ser plenamente

aplicados às ciências sociais e humanas, a não ser de forma analógica, são revestidos de

uma característica muito peculiar: a de que “[...] as revoluções sejam quase totalmente invisíveis” (KUHN,2007:175). Para o autor, o que garante a perpetuação de um novo paradigma, de uma nova visão de mundo que, nesses termos, altere o próprio mundo –

como pretende a racionalidade ambiental – é o fato de ela ser paulatinamente absorvida como mudança. E, nesse ponto, há que se fazer uma crítica mais acentuada às proposições

da complexidade, principalmente as referentes às idéias de racionalidade ambiental: a de

que adquirem um tom extremamente manifesto (LEFF,2004, 2006; MORIN,2001, 2002),

apresentando-se em muitos momentos como modelos ou planos a serem implantados.

Dessa maneira, o que se pretende mostrar é que, embora as proposições sobre a

racionalidade ambiental apresentem um protótipo do que pode vir a ser uma solução à dita

crise atual e ao tratamento de questões política e de gestão do espaço público, como os

resíduos sólidos, da sociedade na sua relação com o meio ambiente, deve-se adotar certa

parcimônia em sua utilização deliberada. Com efeito, muitas das proposições e críticas

dispensadas pelos autores citados à sociedade e à ciência e a como ambas tratam a

natureza, são de extrema pertinência e devem ser levadas em conta. Nesse contexto, essa

análise, mau grado as críticas e registros pontuais expressos acima, se justifica, pois serve

contribuição ao estudo de um dos conceitos mais bem tratados por esses teóricos,

(38)

1.2 CULTURA POLÍTICA E ESPAÇO PÚBLICO: O LUGAR DO

URBANO E A SUSTENTABILIDADE

Conforme visto nas páginas acima, situar a questão ambiental e o espaço urbano na

contemporaneidade é mover uma discussão acerca da cultura. As bases formadoras da

modernidade, sua gênese no processo de racionalização da vida e o surgimento das

formações urbanas da sociedade moderna implicaram em uma consolidação da Cidade

como espaço público por excelência. Espaço este entendido com lócus do debate político,

da formação de opiniões e posicionamentos, como ponto de formação de uma cultura

política eivada de pressupostos iluministas, alheia a uma consciência ambiental e imersa

em uma instrumentalização da vida e de sua gestão em massa.

Dessa forma, discutir sustentabilidade e o urbano requer discutir a apropriação política do

meio ambiente no debate e na formação da sociabilidade contemporânea. Sendo fruto de

uma formação inconsistente, a sociedade atual - contemporânea - em certos aspectos

reafirma pressupostos da modernidade - e.g. o aspecto econômico; a formação da

democracia - em outros os nega ou não os alcança - e.g. a satisfação e o acesso a direitos -

e em outros, ainda, busca transpô-la - e.g. o tratamento do meio ambiente (LATOUR,

2009; GIDDENS, 1991). Dessa maneira, para se fazer uma análise da aplicação de uma

macropolítica de gestão de resíduos sólidos, faz-se necessário entender sua aplicação do

ponto de vista da cultura política e do espaço público na qual verifica-se sua inserção.

Assim, a idéia do urbano como espaço público por excelência remete à ideia de ação social

e, mais especificamente, à questão da participação e cidadania (TEIXEIRA, 1997;

DAGNINO, 2004). Estes aspectos da questão política moderna trazem consigo a demanda

(39)

por consequência, de domínio das questões que envolvem o domínio decisório sobre o

próprio modo de vida. Nesse ponto, assumindo-se o meio ambiente como fator central do

debate contemporâneo, pode-se dizer que sua apropriação discursiva e do ponto de vista da

ação social é fundamental para o entendimento de qualquer estratégia de gestão de

questões ligadas à sustentabilidade.

Contudo, embora pareça dada a necessidade de incorporação da questão ambiental ao

debate político urbano, sua efetividade é questionável. Isso decorre de uma série de fatores,

dentre os quais se pode mencionar o próprio enfraquecimento da formação de uma

sociedade civil organizada no pós-década de 1990 (LAVALLE, 2003); as deficiências na

formação de uma consciência cidadã, baseada no reconhecimento (DAGNINO, 2004) e em

estratégias discursivo-simbólicas capazes de mobilizar a participação e fomentar a

visualização de objetivos sociais comuns (TEIXEIRA, 1997); e a afirmação de um

momento histórico de confusão estrutural quanto à noção de público, movida por um

sistema econômico que diminui o foco nas questões político-institucionais e o enfatiza nos

aspectos de consumo (DAGNINO, 2004; WANDERLEY, 1996; OLIVEIRA, 2007).

Assim, o que se vê é a histórica diminuta relevância na natureza na questão social, movida

pelos aspectos de formação da sociedade moderna (WEBER, 1980; MARX, 2003) ser

relegada a um aspecto político elitizado (SANTOS, 2009) e distante do âmbito do

entendimento do e da formação do espaço público (RANCIÈRE, 1995; FOUCAULT,

2002; 2008).

Nessa perspectiva, destaca-se que a questão ambiental e o próprio debate da

sustentabilidade são relegados, dado esse contexto, à questão da gestão e não ao aspecto da

relação saber-poder que move a política no espaço público e a vida urbana. Por

(40)

meio ambiente urbano é tratado com espaço de gestão racionalizada e não um espaço

público por excelência. Com isso, busca-se enfatizar os aspectos relacionados a como as

ditas macropolíticas de gestão ambiental, em especial a de resíduos sólidos, são

instrumentalizadas em puros mecanismos de gestão da vida e em tecnologias de poder que

se utilizam de um cultura política própria da modernidade para reforçar um modo de

tratamento do espaço público que não envolve a participação social e os aspectos de

reconhecimento no processo político.

Discutir espaço público no Brasil representa um grande desafio para as ciências sociais na

atualidade. O país enfrenta um período de grandes mudanças no que se refere ao ambiente

regulatório, acompanhando uma tendência internacionalmente orientada de, num ambiente

de globalização, de definição de macropolíticas de gestão do espaço público. Isso indica,

uma reelaboração do papel e das bases de atuação de Estado e Sociedade Civil, de forma a

repensar como esse espaço público se apresenta, bem como as expectativas desses agentes

sociais e sobre eles vertem-se ao ápice das discussões sobre os caminhos das instituições e

da própria sociedade.

Nesse contexto, considerar as diversas escalas das macropolíticas de gestão do espaço

público como um fenômeno determinante, implica pressupor que há fatores exógenos à

ação do Estado Nacional que influem em sua formatação e na formatação da sociedade

civil. Isso indica, ao mesmo tempo a possibilidade de identificação de novos atores que

não se limitam à esfera de ação local, o que reveste essa relação política de aspectos de um

processo que parece inclusivo e democratizante, capaz de reunir em redes a Sociedade

Civil.

Contudo, dada a especificidade de atuação dessas no âmbito dessas macropolíticas, como a

(41)

enquanto campo de ação universal, acaba por simultaneamente fragmentar, dentro da

especialidade de sua temática, os espaços de formação da cultura política. Nesse sentido,

para se discutir as questões relacionadas à gestão da macropolítica representada pelo

Regime Nacional de Resíduos Sólidos e suas implicações em ermos de

ecogovernamentalidade e seus reflexos sobre a participação social na política, faz-se

necessário ampliar o debate sobre Sociedade civil no Brasil contemporâneo.

1.2.1

R

UMOS

D

A

S

OCIEDADE

C

IVIL

N

O

B

RASIL

:

D

A

D

ITADURA

À

E

RA

G

LOBAL

Os discursos de atuação de uma Sociedade Civil no Brasil remontam ao período da

Ditadura Militar de 1964-1984. Os estudos sobre esse momento histórico-político tendem a

identificar uma profusão de movimentos por vezes políticos, por vezes organizados, cuja

finalidade vertia para a reivindicação de uma ordem democrática de direitos. Essa

Sociedade Civil polarizava o meio nacional, no qual o espaço público era entendido

enquanto meio da atuação estatal, em oposição ao espaço social, reservado ao restante da

sociedade organizada ou não (GRAU, 1998).

Nesse sentido, faz-se pertinente a posição de Oliveira (2007), que identifica nesse

momento histórico uma era de inovação política, na qual a oposição Estado-Sociedade

apresentava-se enquanto motor de uma discussão interna sobre os rumos do país e seu

projeto de nação. Nesse contexto, o que se via era uma forte controle político institucional,

baseado na ação policial do Estado contra a Sociedade Civil, mas que não tinha por fim

uma harmonização de objetivos entre estes dois agentes sociais, muito pelo contrário,

Imagem

FIGURA I - Distribuição das Fontes Geradoras de Gases do Efeito Estufa
TABELA  I  -  Percentual  do  Orçamento  dos  Municípios  Brasileiros  Destinados  a  Gestão de Resíduos Sólidos por Faixas de População
FIGURA II - Abrangência da Coleta Seletiva no Brasil
FIGURA III - Distribuição das Cooperativas de Catadores no Brasil
+7

Referências

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