PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP
WILSON ROBERTO ISCARO MULLER
A Internacionalização de Empresas Brasileiras e a Criação de Valor para o Acionista.
WILSON ROBERTO ISCARO MULLER
A Internacionalização de Empresas Brasileiras e a Criação de Valor para o Acionista.
MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO
Dissertação apresentada à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial para a obtenção do título de MESTRE em Administração de Empresas
Orientador: Prof. Dr. Doutor José Odálio dos Santos
Wilson Roberto Iscaro Muller
A Internacionalização de Empresas Brasileiras e a Criação de Valor para o Acionista.
Dissertação apresentada à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial para a obtenção do título de MESTRE em Administração de Empresas.
Aos meus pais, Joana e Arnaldo, que me ensinaram o valor da honestidade, do trabalho e da fraternidade.
Agradecimentos
Ao meu orientador neste trabalho, Prof. Dr. José Odálio dos Santos, pela sua dedicação e disposição ao diálogo e pelos valiosos conselhos dados ao longo da elaboração desta dissertação e também pela oportunidade de publicação de trabalhos em conjunto; ao Prof. Dr. Moacir de Miranda Oliveira Junior, membro da banca de qualificação, pelas importantes sugestões de melhorias nesta dissertação, por ter acreditado em minha capacidade de trabalho e pesquisa ao me sugerir o tema de internacionalização de empresas como objeto de estudo e pelo incentivo intelectual ao recomendar o envio para publicação de meu primeiro estudo na área;
ao Prof. Dr. Rubens Famá, membro da banca de qualificação, pelas importantes sugestões de aperfeiçoamentos nesta dissertação e pelo exemplo de seriedade intelectual e capacidade didática que dá aos seus alunos;
ao Prof. Dr. Onésimo de Oliveira Cardoso pelos valiosos ensinamentos dados em suas aulas e pela gentileza de sugerir o envio para publicação de meu artigo de encerramento de curso;
ao Prof. Dr. Luciano Prates Junqueira, coordenador do Programa de Estudos Pós-Graduados em Administração da PUC-SP, pelo apoio nos mais diversos momentos do curso de mestrado e por trabalhar sempre para manter acesso o melhor do espírito de uma verdadeira comunidade acadêmica ;
à Rita de Cássia, secretária do Programa de Estudos Pós-Graduados em Administração da PUC-SP, pelo apoio inestimável de todas as horas;
à Fundação CESP, especialmente a seu presidente, Martin Roberto Glogowsky e seu diretor financeiro, Jorge Simino Junior, pelo apoio que recebi;
ao amigo e colega de mestrado Adriano Mussa pela amizade, companheirismo e pela oportunidade de publicação de trabalhos em conjunto;
Resumo
O objetivo desta pesquisa foi analisar se, em comparação com as empresas domésticas, a internacionalização de empresas brasileiras criou valor para o acionista, tanto pelo melhor desempenho de mercado quanto pela redução do risco do investimento, considerando o risco total e o risco sistêmico, bem como pelo arranjo de ambos através da relação risco e retorno. Tomando o Índice IBX-100 como base amostral, foi composta uma carteira de ações de empresas brasileiras multinacionais e outra carteira de ações de empresas brasileiras domésticas para, então, se comparar o desempenho de ambas através do retorno médio mensal, do risco total, do risco sistêmico, do Índice de Sharpe, do Índice de Treynor e do Índice de Jensen. Deste par de carteiras iniciais, foram criados dois outros pares, um composto apenas por empresas privadas e outro composto apenas por empresas do mesmo setor econômico. A comparação do desempenho destes três pares de carteiras foi realizada em três períodos: o primeiro período foi de 1996 a 2007 – período com regime de câmbio administrado (1996 a 1998) e regime de câmbio flutuante com tendência de desvalorização do Real (1999 a 2002) e de valorização do Real (2003 a 2007); o segundo período, apenas de câmbio flutuante, foi de 1999 a 2007 – período de regime de câmbio flutuante com tendência de desvalorização do Real (1999 a 2002) e de valorização do Real (2003 a 07); e, o terceiro período foi de 2003 a 2007 – período de câmbio flutuante somente com valorização do Real. Os resultados mostraram que a internacionalização gerou valor para os acionistas em todas as amostras para todos os períodos, exceto quando se comparou as multinacionais às empresas domésticas de mesmos setores no período da valorização do Real (2003 a 2007), caso em que se constatou uma divergência entre o prêmio sobre o risco sistêmico ( Índices de Treynor e Jensen), menor para as multinacionais, e o prêmio sobre o risco total (Índice de Sharpe), maior para as multinacionais.
Abstract
The aim of this paper is analyze whether, compared with domestic companies, the internationalization of brazilian companies created value to their shareholders, through the better market return as well as through the reduction of investment risk, considering the total risk and the systematic risk, or through the risk return relationship. Using the IBX-100 index as data base, we create a portfolio with brazilian multinational companies and other portfolio with brazilian domestic companies, then we compared the performance of each portfolio by monthy average return, total risk, systematic risk, Sharpe Ratio, Treynor Ratio and Jensen’s Alpha. Basing on these first samples, we create two other groups of portfolios, one group composed by portolofios with only private companies and other group composed by portfolios with only companies of the same industry. The performance of these three groups of portfolios had compared for three diferent periods, first from 1996 to 2007 – including controlled exchange rate period (from 1996 to 1998), free floating exchange rate period with depreciation of brazilian Real (from 1999 to 2002) and free floating exchange rate period with appreciation of brazilian Real (from 2003 to 2007); the second period from 1999 to 2007 comprise the free floating exchange rate era – it included a free floating exchange rate period with depreciation of brazilian Real (from 1999 to 2002) and a free floating exchange rate period with appreciation of brazilian Real (from 2003 to 2007); and the thirth period from 2003 to 2007 comprise only the free floating exchange rate period with appreciation of brazilian Real. The findings show that internationalization created value to shareholders for all portfolios and periods, except when we compared the portfolios of multinational and domestic companies of the same industry during the period of the brazilian Real appreciation, when we find a divergence between a lower premium for multinationals relating to the systematic risk – Treynor Ratio and Jensen’s Alpha and a higher premium for multinationals relating to the total risk – Sharpe Ratio.
SUMÁRIO
1 – INTRODUÇÃO ...1
1.1 – Definição do Problema... 1
1.2 – Objetivo do trabalho ... 3
1.3 – Metodologia de Pesquisa... 4
1.4 – Justificativa ... 5
1.5 – Limitações da Pesquisa ... 6
1.6 – Estrutura da Dissertação ... 7
2 – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ...9
2.1 – Panorama histórico-econômico da Internacionalização ...9
2.2 – As Teorias de Internacionalização da Empresa ...17
2.2.1 – A Teoria de Internacionalização no Contexto da História das Idéias Econômicas ...17
2.2.2 – Stephen Hymer e o Rompimento com a Escola Neoclássica ...20
2.2.3 – Raymond Vernon e o Ciclo de Vida do Produto ...22
2.2.4 – A Teoria da Internalização ...23
2.2.5 – John Dunning e o Paradigma Eclético ...25
2.2.6 – A Escola Nórdica de Internacionalização ...27
2.3 – Benefícios da Internacionalização ...30
2.3.1 - Acesso a Novas Vantagens Comparativas ...30
2.3.2 – Expansão do Mercado Potencial e do Poder de Mercado ...31
2.3.3 – Flexibilidade na Produção ...31
2.3.4 – Economia de Escala ...32
2.3.5 – Conhecimento Organizacional ...33
2.3.6 - Redução do Risco Consolidado da Empresa ...34
2.4 – Riscos da Internacionalização ...35
2.4.1 - Riscos Políticos ...36
2.4.3 – Custos de Agência ...39
2.4.4 – Informações Assimétricas ...39
2.5 – Internacionalização e Performance ...40
2.5.1 – A Pesquisa de Hughes, Logues e Sweeney ...40
2.5.2 – A Pesquisa de Agmon e Lessard ...41
2.5.3 – A Pesquisa de Fatemi ...42
2.5.4 – A Pesquisa de Michel e Shaked ...43
2.5.5 – A Pesquisa de Collins ...44
2.5.6 – A Pesquisa de Christophe...45
2.5.7 - A Pesquisa de Denis, Denis e Yost...46
2.5.7 - A Pesquisa de Santos, Erunza e Miller...48
2.5.6 – A Pesquisa de Levine e Schmukler ...48
2.6 – Medidas de Retorno das Ações ...49
2.6.1 – Média dos Retornos Históricos ...52
2.6.1.1 – Média Aritmética dos Retornos ...53
2.6.1.2 – Média Geométrica dos Retornos ...54
2.7 – Medidas de Risco ...55
2.7.1 – Risco Sistêmico ...57
2.7.2 – Risco Total ...58
2.8 – Índices de Risco-Retorno ...59
2.8.1 – Índices de Treynor ...60
2.8.2 – Índices de Sharpe ...62
2.8.3 – Índice de Jensen ...63
2.9 – Medidas de Internacionalização...64
3 – METODOLOGIA DE PESQUISA ...67
3.1 – Critérios de Definição da Amostra ...67
3.1.1 – Origem da Amostra ...67
3.1.2 – Critérios da Seleção de Empresas do IBX-100 ...73
3.2 – Empresas Multinacionais Brasileiras ...86
3.2.2 – Siderúrgica Gerdau S.A ...88
3.2.3 – Marcopolo S.A. ...89
3.2.4 – Petrobrás S.A. ...90
3.2.5 – WEG S.A. ...91
3.2 – Características da Internacionalização das Empresas Brasileiras...91
4 – RESULTADOS DA PESQUISA ...94
4.1 – Amostra Completa ...94
4.1.1 – Período de Análise: 1996-2007 ...94
4.1.2 – Período de Análise: 1999-2007 ...95
4.1.3 – Período de Análise: 2003-2007 ...96
4.1.4 – Resumo Comparativo ...98
4.2 – Amostra Cias. Privadas ...98
4.2.1 – Período de Análise: 1996-2007 ...99
4.2.2 – Período de Análise: 1999-2007 ...100
4.2.3 – Período de Análise: 2003-2007 ...101
4.2.4 – Resumo Comparativo ...103
4.3 – Amostra Setorial ...103
4.3.1 – Período de Análise: 1996-2007 ...104
4.3.2 – Período de Análise: 1999-2007 ...105
4.3.3 – Período de Análise: 2003-2007 ...106
4.3.4 – Resumo Comparativo ...107
5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS ...109
LISTA DE TABELAS
Tabela 3.1 – IBrX 100: Carteira Teórica Set-Dez/07...71
Tabela 3.2 – IBrX 100: Ações de Empresas sob Controle Estrangeiro ...76
Tabela 3.3 – IBrX 100: Ações de Empresas com Abertura de Capital Recente ...77
Tabela 3.4 – IBrX 100: Empresas com Liquidez Deficiente em suas Ações ...78
Tabela 3.5 – IBrX 100: Ações Excluídas por Duplicidade ...78
Tabela 3.6 – IBrX 100: Empresas com Participação em Cia. Multinacional e Cia. Doméstica ...79
Tabela 3.7 – IBrX 100: Empresas com Internacionalização Recente ...80
Tabela 3.8 – IBrX 100: Empresas Brasileiras Domésticas - Amostra Completa ...81
Tabela 3.9 – IBrX 100:Empresas Brasileiras Domésticas - Amostra Cias. Privadas ...83
Tabela 3.10 – Empresas Brasileiras Domésticas - Amostra Setorial ...84
Tabela 3.11 – Empresas Brasileiras Multinacionais – Amostra Completa ...85
Tabela 3.12 – Empresas Brasileiras Multinacionais – Cias. Privadas ...86
Tabela 4.1 – Amostra Completa-Performance e Risco no Período 1996-2007...95
Tabela 4.2 – Amostra Completa-Performance e Risco no Período 1999-2007...96
Tabela 4.3 – Amostra Completa-Performance e Risco no Período 2003-2007...97
Tabela 4.4 – Resumo Comparativo-Performance e Risco (Amostra Completa) ...98
Tabela 4.5 – Amostra Cias Privadas-Performance e Risco no Período 1996-2007 ...99
Tabela 4.6 – Amostra Cias Privadas-Performance e Risco no Período 1999-2007 ...101
Tabela 4.7 – Amostra Cias Privadas-Performance e Risco no Período 2003-2007 ...102
Tabela 4.8 – Resumo Comparativo-Performance e Risco (Cias. Privadas) ...103
Tabela 4.9 – Amostra Setorial-Performance e Risco no Período 1996-2007 ...104
Tabela 4.10 – Amostra Setorial-Performance e Risco no Período 1999-2007 ...106
Tabela 4.11 – Amostra Setorial-Performance e Risco no Período 2003-2007...107
LISTA DE FÓRMULAS
Fórmula 2.1 – Retorno do Dividend Yield ...50
Fórmula 2.2 – Ganho de Capital ...50
Fórmula 2.3 – Retorno Total da Ação ...50
Fórmula 2.4 – Retorno Total da Ação (Fórmula Simplificada) ...51
Fórmula 2.5 – Média Aritmética dos Retornos ...53
Fórmula 2.6 – Média Geométrica dos Retornos ... 54
Fórmula 2.7 – Beta da Ação ... 57
Fórmula 2.8 – Desvio padrão dos retornos da Ação ... 59
Fórmula 2.9 – Índice de Treynor ... 61
Fórmula 2.10 – Índice de Sharpe ... 63
LISTA DE GRÁFICOS
1 – INTRODUÇÃO
1.1 – Definição do Problema
Hoje em dia, a globalização das economias e a internacionalização das
empresas tornaram-se temas tão freqüentes na mídia e na universidade que parece ter
surgido um consenso ilusório, dos acadêmicos aos executivos das empresas, de que a
internacionalização não só é algo indispensável à estratégia de crescimento das
empresas como inevitavelmente gera resultados positivos. Todavia, não obstante o
grande número de estudos dedicados ao tema, os resultados não dão respaldo à
tamanha certeza quanto aos impactos da internacionalização.
Ao longo das últimas três décadas, os estudos sobre a relação entre o grau de
internacionalização e o desempenho das empresas envolveram as mais diversas
disciplinas sem, contudo, apresentar um resultado consensual. A despeito de ter se
tornado um dos temas mais pesquisados na área de administração internacional, com
cerca de cem pesquisas já realizadas, não houve uma conclusão consensual, pelo
contrário, se chegou a uma considerável dispersão de resultados (RUIGROK e
WAGNER, 2004; LI, 2007).
Dentre essas diversas linhas de estudo da relação entre internacionalização e
performance, há um grupo de estudos que, a partir de uma abordagem baseada na
moderna teoria de finanças, concentrou-se na análise da relação entre a
internacionalização e a performance de mercado da empresa, ou seja, o impacto da
internacionalização no valor da empresa, na geração de valor para o acionista. Em
termos metodológicos, a análise se deslocou dos dados puramente contábeis para os
indicadores financeiros de mercado, das realizações passadas para a expectativa em
relação às futuras, já que os indicadores de mercado refletem pouco do os resultados
apresentados pela empresa e mais a expectativa sobre seus ganhos futuros, sobre sua
estratégia de crescimento. E, sem dúvida, o mercado considera a internacionalização
Levine e Schmukler (2005), o mercado antecipa os futuros benefícios da
internacionalização assim que a empresa anuncia seus planos de estender seus
negócios para além das fronteiras nacionais.
O presente estudo adota uma perspectiva semelhante procurando avaliar os
impactos da internacionalização de empresas brasileiras em sua performance de
mercado, comparando os resultados das multinacionais brasileiras àqueles das
empresas nacionais com estratégias puramente domésticas. A análise procura não só
avaliar os reflexos da estratégia internacional no retorno da ação da empresa, mas
também nas diversas formas de risco da empresa e, finalmente, na relação destes
riscos com o retorno da ação.
A internacionalização é um fator que dificulta a avaliação da empresa, já que ela
aumenta a complexidade das escolhas do analista, neste sentido Damodaran (2006, p.
2) escreve: “os modelos que utilizamos na avaliação podem ser quantitativos, mas os
dados de entrada deixam margem suficiente para julgamentos subjetivos”. Portanto, por
mais objetivo que procure ser, o analista precisa fazer escolhas em seu trabalho, tais
como a taxa de crescimento das vendas, a taxa de desconto para os fluxos de caixa, o
impacto de novas estratégias das empresas, o desempenho do setor, o crescimento da
economia em que a empresa atua, etc. Se escolhas fundamentais para a avaliação de
uma empresa já são complexas para um analista que tenha como horizonte apenas o
mercado local, suas dificuldades se ampliam sobremaneira quando ele se depara com
uma empresa com operações significativas no exterior, cujo porte pode afetar os
resultados da sua matriz. Neste caso, entre outras, há dificuldades mensuráveis de
ordem macroeconômica, como as perspectivas de crescimento da economia dos países
onde estão essas operações; há as de ordem legal, caso das leis e tributações
incidentes sobres as subsidiárias; e há as dificuldades de cunho financeiro, como a
definição da taxa de câmbio para a conversão das contas das subsidiárias e a taxa de
juros usada no desconto dos fluxos de caixa das subsidiárias. A estas dificuldades
somam-se ainda aquelas variáveis de difícil mensuração, como é o caso do risco
das empresas brasileiras, até o surgimento dos eventos envolvendo a Petrobrás depois
das mudanças políticas na Bolívia em 2005 e 2006.
1.2 – Objetivo do trabalho
A presente dissertação tem como objetivo identificar se, em comparação com as
empresas domésticas, a internacionalização de empresas brasileiras criou valor para o
acionista, tanto pelo melhor desempenho de mercado quanto pela redução do risco do
investimento, considerando o risco total e o risco sistêmico, bem como pelo arranjo de
ambos através da relação risco e retorno. A análise se concentrou em ações de
empresas brasileiras de capital aberto que compunham a carteira teórica do terceiro
quadrimestre de 2007 do IBrX-Índice Brasil 100 (IBX-100) divulgado pela BOVESPA
(Bolsa de Valores de São Paulo). A partir desta base de dados, procurou-se:
1) Examinar se a internacionalização melhorou desempenho de mercado da
empresa brasileira multinacional quando comparado ao desempenho de empresas
brasileiras domésticas, ou seja, se a internacionalização gerou valor para o acionista.
2) Verificar se as empresas multinacionais brasileiras apresentam um nível de
risco menor que as empresas domésticas, tanto o risco total quanto o risco sistêmico, já
que a redução do risco também traz benefícios ao acionista.
3) Analisar se as empresas multinacionais brasileiras apresentam uma melhor
relação risco e retorno comparativamente às empresas domésticas. Neste caso, o
benefício da internacionalização ao acionista poderá ter origem tanto num retorno de
mercado superior quanto num risco inferior ou em ambos, um retorno superior e um
1.3 – Metodologia de Pesquisa
A análise se baseou em ações de empresas brasileiras de capital aberto que
compunham a carteira teórica do terceiro quadrimestre de 2007 do IBrX-Índice Brasil
(IBX-100) divulgado pela BOVESPA.
Como critério de internacionalização, adotou-se o número de subsidiárias no
exterior, o tempo de experiência internacional e uma dispersão geográfica mínima.
Dessa maneira, foram consideradas multinacionais brasileiras, as empresas sob
controle nacional durante todo o período de análise (janeiro de 1996 a dezembro de
2007), que tinham pelo menos uma subsidiária externa sob seu controle acionário em
1996 e que tenham ampliado suas operações externas para, no mínimo, cinco
subsidiárias em diferentes países até o ano de 2005. As empresas brasileiras
domésticas também deveriam ter estado sob controle acionário brasileiro durante os
doze anos da análise e não ter nenhuma subsidiária externa antes de 2006.
Além da análise do período completo – de 1996 a 2007, no qual se verificou um
subperíodo com regime de câmbio administrado (de 1996 a 1998), seguido de um
subperíodo com regime de câmbio flutuante com tendência de desvalorização do Real
de 1999 a 2002 e de valorização do Real de 2003 a 2007 – realizou-se a mesma
análise para dois outros subperíodos, o de 1999 a 2007 – período de câmbio flutuante
com tendência de desvalorização do Real de 1999 a 2002 e de valorização do Real de
2003 a 2007 – e o de 2003 a 2007 – período de câmbio flutuante e valorização do Real.
Na comparação das empresas brasileiras multinacionais com as empresas
brasileiras domésticas foram criadas três pares de amostra, o primeiro par de amostras
considerou todas as empresas cujas ações compunham o IBX-100 e que se
enquadravam nas duas categorias, multinacionais brasileiras e companhias domésticas
brasileiras. O segundo par de amostras considerou apenas as empresas privadas
multinacionais e domésticas, ou seja, foram excluídas as empresas estatais das duas
amostras completas. O terceiro par de amostras tomou a amostra completa de
empresas multinacionais e compôs a amostra de empresas domésticas apenas com
1.4 – Justificativa
A internacionalização de empresas brasileiras é tardia, mesmo quando
comparada a países emergentes, inclusive a própria América Latina (Rocha, Silva e
Carneiro, 2007). Ainda assim, este movimento em busca de novos mercados é cada
vez mais comum à realidade do mercado brasileiro, pois, desde a abertura da economia
brasileira no início da década passada, a competitividade tornou-se um imperativo para
as empresas nacionais, sua sobrevivência depende de sua competitividade não apenas
no mercado doméstico, mas cada vez mais em escala mundial. A relevância do
Investimento Direto no Exterior (IDE) para a economia global é tal que ele já se tornou
mais importante que o comércio no aporte de bens e serviços nos mercados externos
(SAUVANT, 2007). A importância deste movimento pode ser constatada pelo fato de
ser uma tendência também verificada no conjunto de países emergentes, cujo IDE tem
aumentado mais rapidamente que o IDE dos países desenvolvidos; no caso do Brasil,
mesmo tendo iniciado a internacionalização mais tarde, o país já se destaca com o
maior volume de IDE entre os países latino-americanos (ALEM e CAVALCANTI, 2007).
Frente a esta tendência global, a análise dos impactos da internacionalização no
desempenho de mercado das empresas brasileiras torna-se importante para uma
avaliação dos resultados dos primeiros anos de internacionalização das empresas
brasileiras.
Além disso, após mais de três décadas de estudos sobre a relação entre
internacionalização e o desempenho das empresas, vê-se que a grande maioria destes
trabalhos tem como objeto de estudo as empresas multinacionais de países
desenvolvidos, há ainda poucos trabalhos sobre as multinacionais dos países
emergentes (HOSKINSSON et al, 2000; FLEURY e FLEURY, 2007). O número
pequeno de trabalhos sobre esta nova classe de multinacionais, também chamadas de
entrantes tardios (late movers), criou uma lacuna crescente diante da velocidade de
No caso brasileiro, a literatura sobre o tema é ainda mais reduzida, havendo
poucos trabalhos sobre a internacionalização e menos ainda sobre sua relação com o
desempenho das empresas.
1.5 – Limitações da Pesquisa
A primeira limitação do presente trabalho é de caráter amostral e se deve ao
reduzido número de empresas brasileiras com ações negociadas na BOVESPA. Tal
fato tem reflexos na qualidade das amostras da pesquisa, já que foram selecionadas
apenas cinco companhias brasileiras com operações significativas no exterior para
compor a amostra de multinacionais brasileiras, pois “as multinacionais brasileiras
podem se classificadas como entrantes tardias nos mercados internacionais, o que
explica, em grande parte, seu pequeno número diante das empresas globais
dominantes” (CYRINO e PENIDO, 2007, p. 113). Além disso, houve dificuldades para
montar a amostra setorial de empresas brasileiras domésticas, pois em alguns
segmentos econômicos não há empresas domésticas com histórico suficiente para
serem incluídas na amostra, como é o caso do segmento da WEG S.A., uma das
multinacionais brasileiras.
Esta primeira limitação é agravada por outra característica do mercado acionário
brasileiro, a grande concentração de liquidez em poucas ações. Assim, o número já
limitado de ações listadas é ainda mais reduzido pela falta de liquidez de muitas ações.
A baixa liquidez afeta diretamente a qualidade da formação de preço da ação,
justamente o fator fundamental para a pesquisa sobre retorno e risco da ação.
A segunda limitação é a falta de padronização contábil para informar as
operações das subsidiárias externas diretamente no balanço das empresas. Sem uma
regra de lançamento, os resultados das operações externas das empresas brasileiras
são geralmente apresentados nas notas dos balanços segundo critérios definidos pela
todas as empresas. Este foi o principal motivo pelo qual optou-se pelo número de
subsidiárias externas como critério de internacionalização.
Por fim, cabe ressaltar que pouco pode ser feito para resolver estas limitações, já
que são características típicas de um mercado acionário ainda pouco desenvolvido,
como é o caso do brasileiro.
1.6 – Estrutura da Dissertação
No Capítulo 2, são apresentados os fundamentos teóricos da dissertação.
Inicialmente, é apresentado um breve panorama histórico-econômico da globalização
da economia mundial com o objetivo de se entender melhor o caráter tardio e o
contexto do início da internacionalização das empresas brasileiras. Na segunda seção
deste capítulo, são abordadas as principais linhas teóricas sobre a internacionalização
das empresas. Na terceira seção, são identificados os benefícios mais comuns trazidos
pela internacionalização apontados pela literatura especializada. Na quarta seção, são
apresentados os riscos incorridos pelas empresas ao se internacionalizarem. Na quinta
seção, são abordados os principais trabalhos sobre a internacionalização e os impactos
no valor das empresas. Na sexta seção, são comentadas as medidas de retorno das
ações. Na sétima seção, são apresentadas as principais medidas de risco da empresa.
Na oitava seção, discorre-se sobre os índices de risco e retorno usados no trabalho.
Finalmente, na nona seção, é apresentada a medida de internacionalização adotada
nesta pesquisa.
A metodologia de pesquisa é abordada no Capítulo 3, nele são apresentados os
critérios de definição das amostras usadas no trabalho e breves históricos da
internacionalização das cinco empresas brasileiras multinacionais identificadas.
No capítulo 4, são apresentados os resultados da pesquisa, mostrando o
desempenho, o risco e a relação risco e retorno para cada amostra e em cada período
Por fim, no capítulo 5, são apresentadas as considerações finais da pesquisa e
2 – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Neste capítulo, são apresentadas as bases teóricas que fundamentaram a
presente pesquisa. Primeiramente, é apresentado um panorama histórico-econômico
da internacionalização e da inserção tardia do Brasil neste movimento global. Em
seguida, são apresentadas as teorias mais relevantes sobre o processo de
internacionalização das empresas. Na terceira seção, são examinados os benefícios da
internacionalização comumente apontados na literatura sobre o tema. Em
contraposição à terceira seção, a quarta tratará dos riscos representados pela
internacionalização às empresas. Na quinta seção deste capítulo, serão revisados os
principais trabalhos sobre a relação entre a internacionalização e performance de
mercado das empresas multinacionais. Na sexta seção, serão abordadas as medidas
de retorno das ações. Na sétima seção, serão apresentadas as medidas de risco
utilizadas na análise. Na oitava, são abordados os índices de risco-retorno usados na
avaliação das ações. Na nona seção, é apresentado um breve histórico sobre a
internacionalização de cada uma das cinco empresas multinacionais brasileiras que são
o objeto principal deste trabalho.
2.1 – Panorama histórico-econômico da Internacionalização
Na década de 1990, a globalização se tornou um dos temas mais controversos e
freqüentes no centro dos debates acadêmicos. As divergências atingiram tal
intensidade que dois acadêmicos consagrados internacionalmente publicaram trabalhos
com conclusões opostas sobre os resultados da globalização. Stiglitz (2003) fez uma
crítica severa à globalização, apontando os problemas que ela pode trazer às
economias nacionais, enquanto Bhagwati (2004) defendeu a globalização das
economias mostrando os benefícios que ela pode gerar, sobretudo nos países menos
desenvolvidos. Esta falta de consenso se estende até mesmo à época exata em que
teria começado a globalização. Com freqüência, vê-se na imprensa e nos meios
que teve início com as grandes navegações transoceânicas européias do final do
século XV. De fato, aqueles foram eventos de grande importância para a história
econômica, Adam Smith considerava que “a descoberta da América e a de uma
passagem para as Índias Orientais pelo Cabo da Boa Esperança são os dois maiores e
mais importantes eventos registrados na história da humanidade” (SMITH, 1983, p.100).
Porém, o conceito de globalização que usado nos dias de hoje é uma criação dos anos
1990, que não se restringe ao fenômeno da expansão comercial para além das
fronteiras nacionais, mas pressupõe uma expansão do comércio impulsionada pela
integração dos mercados, cuja característica fundamental é a redução da dispersão dos
preços das commodities entre os mercados nacionais, o que também afeta a própria
alocação de recursos entre as atividades produtivas das economias locais devido à
competição internacional (O’ROURKE e WILLIAMSON, 2000).
Passados mais de quinhentos anos desde aquelas navegações pioneiras, é
evidente o crescimento do comércio mundial, mas é preciso ressaltar que não se tratou
de um movimento uniforme e nem tampouco contínuo. Segundo O’Rourke e Williamson
(2000), os três séculos seguintes ao início das grandes navegações (1492-1820), a
despeito de toda ordem de barreiras ao comércio então existentes, se caracterizaram
por uma explosão do comércio mundial impulsionado basicamente pelo forte
crescimento da demanda européia, graças ao aumento da riqueza da região naquele
período.
Segundo os autores, um segundo período, de 1820 a 1913, foi a primeira época
verdadeiramente global nos termos como a definimos hoje. O desmantelamento do
mercantilismo pelo liberalismo nascente, a queda acentuada dos custos trazida pela
revolução nos transportes e o período de paz na Europa com o fim das Guerras
Napoleônicas, a chamada Pax Britannica, levaram a uma integração progressiva das
economias nacionais, cujo apogeu se deu entre 1870 e 1913, período que sob certos
aspectos – a liberdade de fluxo de capitais e de movimentos migratórios, por exemplo –
O terceiro período definido pelos autores, que vai de 1913 a 1950, representou
na verdade um retrocesso no movimento de integração econômica mundial. Novas
barreiras ao livre fluxo de pessoas, bens, serviços e capitais foram criadas, de tal
maneira que resultou numa enorme redução dos investimentos, levando o fluxo de
capitais a cair para um terço do que já tinha sido no período anterior.
O quarto período, que vai de 1950 até os dias atuais, é para os autores o
segundo período global de fato do capitalismo. Porém, a marca deste novo período de
globalização não foi mais as grandes migrações populacionais, mas os grandes
volumes do comércio de commodities. No entanto, os autores fazem uma divisão deste
quarto período em duas fases distintas: na primeira delas, de 1950 a 1980, o
crescimento do comércio mundial se deveu essencialmente ao grande aumento da
demanda dos países ricos (notadamente na recuperação do pós-guerra) por produtos e
commodities, à semelhança do que havia ocorrido nos três primeiros séculos seguintes
ao início das grandes navegações. Por sua vez, na segunda fase deste período, que
começa em 1980 e chega aos dias atuais, a integração das economias se amplia com o
impulso dado pela adoção de políticas de abertura econômica e de eliminação gradual
de barreiras ao fluxo de bens, serviços e capitais, consolidando um novo movimento de
liberalização, a exemplo daquele do século XIX, precipitado pelo ressurgimento de
governos de matiz fortemente liberal em nações importantes no cenário mundial, dos
quais as duas grandes referências foram o governo Thatcher na Grã-Bretanha e o
governo Reagan nos Estados Unidos.
Nestes mais de quinhentos anos desde as primeiras navegações, o Brasil
ocupou posição de importante fornecedor de produtos extrativistas, de commodities
agrícolas e minerais e também como receptor de mão-de-obra, sobretudo nas grandes
migrações do final do século XIX e primórdios do século XX. Mesmo com o início da
industrialização nas primeiras décadas do século XX, ainda por boa parte do século o
país continuou sendo essencialmente um fornecedor de matéria-prima e produtos
agrícolas para os mercados mais desenvolvidos, prova é que em meados da década de
exportações brasileiras e foi apenas no final da década de 1980 que eles chegaram à
metade do total exportado (MOREIRA, 1999).
Para Vernon (1966), um dos pioneiros nos estudos da internacionalização de
empresas, a atividade de exportação é o primeiro passo da internacionalização; através
dela, a empresa entra em novos mercados, amplia seu conhecimento e expande suas
vendas no exterior até identificar vantagens em se instalar nestes mercados.
Entretanto, a condição de mero fornecedor de insumos básicos em boa parte do século
XX representou a primeira barreira à internacionalização da economia brasileira, pois
reduziu de maneira significativa a possibilidade de expansão das operações da
empresa exportadora nacional a outros países, já que as condições básicas de sua
competitividade dificilmente poderiam ser reproduzidas alhures, pois dependiam em
muito das potencialidades naturais do país.
Vernon (1966) nota ainda que o nível de comércio internacional de um país é um
fator determinante para a internacionalização de suas empresas, quanto maior seu
comércio internacional maiores as chances dela ocorrer. Deste ponto de vista, quando
se analisa a economia brasileira da segunda metade do século passado, identifica-se
uma segunda barreira à sua internacionalização, esta ainda mais determinante. Como
em muitos países, a industrialização brasileira se deu pelo chamado modelo de
substituição de importações, no qual se adotaram fortes medidas de restrição às
importações visando estimular e proteger a indústria nacional. Ainda que muito
criticado, alguns resultados deste modelo são inegáveis: tomando o período de 1950 a
1990, constata-se que a indústria ampliou sua participação no PIB de 19% para 30%, a
economia brasileira cresceu a uma taxa média de 6,3% ao ano e as exportações
brasileiras se diversificaram com os produtos manufaturados saindo de uma
participação insignificante para metade das exportações (MOREIRA, 1999).
Apesar destes pontos inegavelmente positivos, o modelo de substituição de
importações teve impactos negativos de longo prazo nas economias em que foi
adotado (KRUEGER,1984). Alguns destes impactos afetaram justamente a
forma de resguardar a nascente indústria nacional foi também um limitador da
capacidade de exportação, já que muitas empresas dependiam da importação de
equipamentos para a modernização de sua produção e muitos produtos dependiam de
componentes importados. Mais tarde, no início da década de 1970, a criação de
programas específicos para reduzir esse protecionismo sobre a importação de
máquinas, matérias-primas e insumos coincidiu com o forte crescimento da economia
brasileira e a grande expansão do mercado interno, período que ficou conhecido com
Milagre Brasileiro, de tal forma que a produção nacional se destinou prioritariamente ao
atendimento da demanda local, como se pode constatar no Gráfico 2.1, quando o
percentual exportado em relação ao PIB chegou aos níveis mais baixos do período
entre 1947 e 2005 (BANCO CENTRAL I e IPEA I). O baixo volume de exportações
durante a vigência daquele modelo impediu que a indústria nacional atingisse ganhos
de escala e eficiência que a competição no mercado internacional a preços
competitivos teria exigido, por conseqüência, este isolamento implicou num baixo
Gráfico 2.1 – Brasil: Percentual das Exportações em relação ao PIB
Ademais, a industrialização brasileira por meio do modelo de substituição de
importações levou a uma internacionalização às avessas da economia nacional,
fenômeno muito comum aos países que adotaram este regime de industrialização, já
descrito e estudado na literatura econômica (KRUEGER,1984). Com a economia
fechada, foram as empresas multinacionais que aqui se instalaram durante aquelas
décadas, num movimento que visava claramente romper as pesadas barreiras
protecionistas brasileiras para servir o crescente mercado a partir da produção local, já
que suprir a demanda pelas exportações das matrizes para o Brasil era
economicamente inviável (FRANCO,1998). Dessa maneira, mesmo sem nenhum
programa especial de atração de empresas, a participação das multinacionais na
economia brasileira, de uma posição insignificante no início da década de 1950, foi se
tornando cada vez mais importante e já no meio da década de 1970 era responsável
por cerca de um terço do valor adicionado e do emprego industrial (FRANCO, 1998).
Este movimento de entrada de grandes empresas no Brasil, normalmente nos setores
de maior exigência de capital e tecnologia, também contribuiu para inviabilizar o ganho
Brasil - Exportações/PIB (%)
12,2% 5,7% 13,9% 5,3% 0% 4% 8% 12% 16%
1947 1957 1967 1977 1987 1997 2007
Fonte: Banco Central (Séries Temporais) e IPEA (IPEADATA) – Dados compilados pelo autor.
Brasil - Exportações/PIB (%)
12,2% 5,7% 13,9% 5,3% 0% 4% 8% 12% 16%
1947 1957 1967 1977 1987 1997 2007
de escala das indústrias nacionais. Por outro lado, o contraponto deste impacto
desfavorável da forte participação das multinacionais na indústria nacional foi a criação
de uma demanda por fornecedores para suprir as cadeias produtivas destas grandes
empresas internacionais, o que teve impactos consideráveis na cultura empresarial
brasileira e na capacidade produtiva da indústria nacional.
Um dos reflexos mais evidentes deste isolamento de décadas da economia
brasileira é a disparidade entre o desempenho comercial da economia brasileira e o
crescimento do comércio mundial nas décadas finais do século XX. Partindo da década
do milagre brasileiro, quando a economia brasileira crescia às taxas chinesas de hoje,
até o início da abertura comercial brasileira no biênio 1988/89, quando a tarifa média de
importação cai de 51,3% para 37,4% (AVERBUG, 1999), os dados da Organização
Mundial do Comércio (OMC) mostram que o volume mundial de negócios com
mercadorias cresceu em média 9,75% ao ano entre os anos de 1971 e 1988, e que,
neste mesmo período, o PIB mundial cresceu à média anual de 7,25%; como resultado
da maior expansão do comércio em relação ao crescimento da economia mundial, o
total de comércio de mercadorias saltou de 19,8% do PIB mundial em 1970 para 37,6%
do PIB mundial em 1988. Enquanto isso, o volume total de comércio do Brasil,
exportações mais importações, que era 12,5% do PIB em 1971 subiu para apenas
13,8% em 1988, uma variação insignificante; no mesmo período o PIB brasileiro
cresceu em média 5,81% ao ano.
Ao final da década de 1980, também conhecida como “a década perdida” pelo
baixo crescimento econômico brasileiro, era claro que o modelo de substituição de
importações, que prevaleceu por quase 40 anos, havia se esgotado, a economia
brasileira apresentava um desempenho medíocre, o descontrole de preços beirava à
hiperinflação e o país estava em plena moratória da dívida externa. As mudanças
começaram timidamente em 1988 com o início da redução das taxas de importação, a
tarifa média de importação havia sido reduzida de 51,3% para 37,4% no biênio 1988/89.
Mas, as mudanças decisivas vieram com as reformas econômicas de 1990
empreendidas pelo governo Collor com o lançamento da “Nova Política Industrial e de
comercial que já dominavam o cenário mundial havia mais de uma década. A “Nova
Política” eliminou boa parte das barreiras não-tarifárias existentes e instituiu um
programa de redução gradual das tarifas de importação até 1994, visando a atingir uma
tarifa média de 14% (AVERBUG, 1999).
A década de 1990 trouxe grandes mudanças econômicas e inaugurou uma
realidade totalmente nova para as empresas nacionais, os riscos de seus negócios
ficaram consideravelmente mais altos com a concorrência internacional, mas, por outro
lado, a abertura comercial representou uma ampliação inédita de oportunidades a
explorar no mercado global. Infelizmente não há dados de longo prazo sobre o
Investimento Direto Externo (IDE) brasileiro, o IDE das empresas brasileiras totalizava
cerca de US$2,5 bilhões entre 1983 e 1992 (ALEM e CAVALCANTI, 2007), valor
insignificante para o tamanho da economia nacional; foi apenas em 2001 que o Banco
Central passou a coletar os dados referentes a estes investimentos, mesmo assim a
evolução do investimento direto externo realizado por brasileiros de 2001 a 2006
(BANCO CENTRAL II), apresentada no Gráfico 2.2, mostra que neste início de século
as empresas brasileiras aceleraram fortemente os investimentos no exterior, tendo mais
que dobrado o valor em apenas cinco anos.
Portanto, passados quase vinte anos do início da abertura comercial, é oportuno
investigar os reflexos desta nova realidade para as empresas nacionais, especialmente
para aquelas que se aproveitaram das mudanças para se internacionalizar em busca de
novas oportunidades no mercado global, e avaliar os reflexos desta estratégia em seu
Gráfico 2.2 – Investimento Direto Brasileiro no Exterior (2001-06)
2.2 – As Teorias de Internacionalização da Empresa
O objetivo desta seção é revisar em linhas gerais as mais importantes teorias
que visam a explicar os motivos pelos quais uma empresa opta pela internacionalização
da sua produção em detrimento da opção por servir os mercados externos a partir de
sua base produtiva nacional. Considerando a história das idéias econômicas, as teorias
da empresa multinacional são relativamente recentes, por isso, inicialmente, as suas
origens serão situadas no contexto da história das idéias econômicas para, então, se
abordar as principais teorias da internacionalização da empresa.
Fonte: Banco Central do Brasil – Capitais Brasileiros no Exterior (CBE)
Investimento Direto Brasileiro no Exterior (US$milhões)
111.741 152.214
93.243 82.692
68.598 72.325
0 60.000 120.000 180.000
2001 2002 2003 2004 2005 2006
Fonte: Banco Central do Brasil – Capitais Brasileiros no Exterior (CBE)
Investimento Direto Brasileiro no Exterior (US$milhões)
111.741 152.214
93.243 82.692
68.598 72.325
0 60.000 120.000 180.000
2.2.1 – A Teoria de Internacionalização no Contexto da História das Idéias Econômicas
A partir da Teoria das Vantagens Absolutas de Smith (1983) e, sobretudo, da
Teoria das Vantagens Comparativas Ricardo (1982), os economistas procuraram ao
longo do século XX aperfeiçoar o modelo teórico clássico de comércio internacional,
que originalmente considerava apenas a mão-de-obra como fator de produção para
explicar o padrão e a estrutura do comércio entre os países. Deste esforço, se criou o
arcabouço teórico que ficou conhecido como escola econômica neoclássica, cuja base
teórica é formada pelos trabalhos de Heckscher (1991) e Ohlin (1991) – Modelo
Heckscher-Ohlin – e de Stolper e Samuelson (1941) – Modelo Stolper-Samuelson, cujo
conjunto é também conhecido como Modelo HOSS, que dominou quase que absoluto
durante boa parte do século XX. Entretanto, uma característica comum que se destaca
no trabalho de todos estes teóricos do comércio internacional é que se concentraram
particularmente no conceito da competitividade nacional dos países e não consideraram
o papel da empresa. Acerca disso escreve Porter (1993, p.2):
“Há uma extensa história de teorias que explicam os padrões de importações e
exportações de um país e que remontam à obra de Adam Smith e David
Ricardo, no século XVIII. Admite-se geralmente, porém, que essas teorias
tornaram-se inadequadas. As mudanças na natureza da competição
internacional, entre as quais a ascensão da empresa multinacional que não só
exporta, mas também compete no exterior através de suas subsidiárias
estrangeiras, enfraqueceram as explicações tradicionais do porquê e onde uma
nação exporta”.
Esta negligência da teoria econômica clássica e neoclássica em relação ao papel
da empresa no comércio internacional também é apontada por Dunning (2003, p.110):
“No entanto, analisando a teoria econômica tradicional, parece ter havido
muito pouca atenção às funções das empresas na organização das trocas até
a década de 1930. Isso porque os primeiros economistas clássicos, e mais
tarde Karl Marx, e os economistas evolucionistas e institucionalistas,
concentraram sua atenção nas funções da empresa como adicionador de valor
empresa como fatores estáticos; enquanto, a maior parte, seguindo o
paradigma neoclássico, que dominou largamente o pensamento econômico no
Ocidente desde cerca de 1870 até tempos mais recentes, tratava a empresa
como uma caixa preta – o que significa ignorá-la totalmente.”
Ainda segundo Dunning (2003), a ruptura que deu origem à moderna
Teoria da Firma começa a ser construída a partir de alguns trabalhos publicados na
década de 1930, dos quais de destaca o artigo Coase (1937). De maneira resumida, o
trabalho de Coase mostra que o mercado não pode se encarregar de todas as funções
de coordenação das transações de uma economia e que isso se deve ao fato dos
custos de transação do mercado por vezes excederem aos custos de se fazer a mesma
transação dentro da própria organização. Essa constatação será fundamental para
algumas das teorias de internacionalização que surgirão nas décadas seguintes, pois
ela dá as bases para a explicação das razões pelos quais as empresas, diante das
imperfeições do mercado, preferem realizar investimentos diretos no exterior (abertura
de uma subsidiária ou aquisição de uma empresa em outro país) a optar por soluções
contratuais (contratos de licença ou acordos de exportação).
Mostrando que a teoria das multinacionais tomou um caminho próprio, Casson
(1987, p.38) diz de que “a teoria econômica corrente da empresa multinacional se
desenvolveu independentemente da teoria ortodoxa do comércio internacional”. Na
verdade, complementa o autor, as tentativas dos estudiosos do comércio internacional
em desenvolver uma teoria sobre empresas multinacionais a partir da adaptação da
hipótese da movimentação de capitais do Modelo HOSS falharam, já que, sendo de
tradição neoclássica, o modelo não considerava os custos de transação, o que
dificultou decisivamente a distinção entre investimento direto e indireto das empresas.
Dessa maneira, no pós-guerra, a teoria das empresas multinacionais começou a
se afastar da escola neoclássica, Dunning (2003) mostra que os estudos vão
progressivamente adotando uma perspectiva multidisciplinar, com contribuições
importantes dos teóricos organizacionais e comportamentais, fato que se acentua na
década de 1960 quando há uma grande insatisfação com a visão teórica tradicional da
de que a forma como a empresa se organiza para realizar suas atividades de adição de
valor é por si só ingrediente importante de sua capacidade competitiva.
Enfim, a teoria neoclássica que explicava as opções de uma empresa
preponderantemente pelo diferencial de remuneração e/ou custo do capital, não dava
mais conta de alguns paradoxos evidentes no movimento de internacionalização de
empresas. O primeiro deles se referia ao investimento externo cruzado de empresas de
dois ou mais países, inclusive de um mesmo setor econômico: por exemplo, uma
empresa têxtil americana cria uma subsidiária na Grã-Bretanha e uma empresa têxtil
britânica cria uma subsidiária nos Estados Unidos. O segundo paradoxo era a
preferência das empresas pelo investimento externo direto. O terceiro era o uso comum
de financiamento através de capitais locais e finalmente, o quarto paradoxo, era a
própria vantagem competitiva das empresas multinacionais sobre as empresa locais.
2.2.2 – Stephen Hymer e o Rompimento com a Escola Neoclássica
Os estudos neoclássicos sobre o investimento direto estrangeiro (IDE)
concentravam sua análise na economia do país, esta parece ser a origem de algumas
das dificuldades da teoria em explicar as escolhas das empresas em sua
internacionalização. A realidade mostrava que a simples diferença de remuneração
e/ou custo de capital entre dois países não explicava as opções feitas pelas empresas
ao investirem no exterior. Nesta seção, será analisada a contribuição de Hymer (1976).
Segundo Casson (1987), Hymer foi o pioneiro da teoria moderna de internacionalização
da empresa, pois seu trabalho foi o primeiro a questionar as explicações da escola
neoclássica para o IDE e a propor novas hipóteses para se entender a escolha das
empresas ao se instalar em outros países.
Em termos metodológicos, as duas grandes inovações iniciais da análise de
Hymer foram, primeiramente, a mudança do próprio objeto de análise ao desviar o foco
do país para a análise da empresa em si (HENNART, 2001); em segundo lugar, o
do IDE e a adoção de uma visão de organização da economia industrial (DUNNING,
2003). Em ambas, tem-se, portanto, a substituição da perspectiva macroeconômica
pela perspectiva microeconômica.
Na revisão dos postulados aceitos até então, Hymer levantou algumas
inconsistências nas hipóteses da teoria neoclássica para explicar o IDE. A primeira
delas era, considerando que os investimentos diretos externos são causados pela
diferença nas taxas de remuneração do capital entre os países, o fato de estes
investimentos serem realizados por empresas e com parcelas altas de investimento
para manter o controle do ativo no exterior e não por bancos que são intermediários
muito mais eficientes que as empresas e que poderiam fazê-lo com menor risco, já que
com apostas menores, sem a necessidade de manter o controle, e mais líquidas
(HENNART, 2001). Uma segunda inconsistência encontrada por Hymer foi o fato de um
país ser ao mesmo tempo exportador e importador de capital em relação a um outro
país, o que está completamente em desacordo com a teoria do fluxo de capitais
estimulado pelas diferenças de remuneração (HENNART, 2001). Segundo Hosseini
(2005), há duas outras inconsistências apontadas por Hymer no modelo neoclássico, a
primeira é o fato das empresas multinacionais quase sempre financiarem suas
operações no exterior com recursos tomados no mercado de capitais do próprio país da
operação e a segunda é a existência de uma substancial concentração de IDE e de
empresa multinacionais em alguns países e também em alguns setores.
Com as hipóteses neoclássicas refutadas, Hymer propõe explicações mais
plausíveis para as empresas realizarem o IDE e aponta basicamente duas causas
principais: a primeira é a tendência das empresas em procurar eliminar os concorrentes
do seu mercado, pois, na sua visão, o controle direto da produção no exterior pode de,
alguma maneira, reduzir a competição e aumentar o poder de mercado, também
aumentando muito as imperfeições do mercado. A segunda causa é o fato das
empresas internacionalizarem suas operações visando a aumentar seu lucro na
exploração de suas vantagens específicas, cuja origem poder vir do poder de mercado
de seu produto, das técnicas superiores de produção, da exploração mais eficiente de
num determinado mercado. São essas vantagens que permitem à multinacional entrar
num novo mercado e competir com as empresas locais, apesar de seus custos serem
inicialmente maiores devido ao seu desconhecimento deste mercado (TEECE, 2006).
Tanto em sua tese quanto em publicações posteriores, conforme Dunning (2003)
e Teece (2006), Hymer trabalha com o conceito de custos de transação e com a idéia
de internalização de custos e mercados pelas empresas, ou seja, com a visão de
Coase (1937) de que a empresa substitui (internaliza) os mercados nos quais as
transações podem ser organizadas mais eficientemente dentro da própria empresa do
que no mercado. Em relação a isso, Hymer (1976, p.48) escreve:
“A empresa é um instrumento institucional prático que substitui o mercado. A
empresa internaliza ou suplanta o mercado. Uma abordagem fecunda de
nosso problema é perguntar por que o mercado é um método inferior de
exploração das vantagens, isto é, examinarmos as imperfeições do mercado”.
Neste sentido, Hymer antecipou futuros estudos que deram origem à teoria de
internalização para explicar a internacionalização das empresas.
2.2.3 – Raymond Vernon e o Ciclo de Vida do Produto
Para Vernon (1966), o segundo pioneiro da moderna teoria das empresas
multinacionais, a mudança de localização da atividade produtiva de uma firma depende
das diferentes fases em que estiver o produto dentro de seu ciclo de vida. Conforme
Almor, Hashai e Hirsch (2006), para Vernon os produtos passam por diversas fases de
um ciclo, começando pela introdução, passando depois para o crescimento e,
finalmente, chegando à maturação. A localização da produção de um novo produto é
influenciada pela proximidade entre os inovadores e os consumidores de seu país. Na
fase de introdução, quando os produtos ainda não estão padronizados, os inovadores
empresa é muito mais fácil e rápida. Já na fase de crescimento, a demanda pelo
produto se expande para novos mercados e, com o tempo, os inovadores transferem a
produção para perto dos consumidores destes novos mercados no exterior. Com a
maturação progressiva, o produto fica cada vez mais padronizado, de maneira que as
vantagens de ser o primeiro entrante no mercado vão se dissipando e os custos de
produção tornam-se um fator crítico para a sua competitividade; por isso, na fase de
maturação avançada, a produção tende a ser transferida para outros países que
apresentam vantagens de custos de produção em relação ao país de origem da
empresa. Curiosamente, nesta etapa final, muitas vezes o mercado consumidor do país
de origem do produto passa a ser servido pela produção de outros países.
Ainda segundo Almor, Hashai e Hirsch (2006), o modelo de ciclo de vida do
produto foi muito criticado por ser extremamente determinista. Entretanto, ele pode ser
aplicado a produtos específicos e mesmo a setores industriais, embora seja mais
limitado na aplicação às empresas. Ainda assim, o trabalho de Vernon tinha conceitos
originais que permanecem vitais para os estudos das multinacionais e, sobretudo, de
sua competitividade como “era o caso do tripé da competitividade: (i) inovação no
produto (desenvolvimento do produto, capacidade de transferência de tecnologia e
competência na transmissão internacional), (ii) proximidade com o mercado (estratégias
locais, diferenciação e adaptação de produtos e geração de receita) e (iii) competição
baseada em custos (produção global, padronização e eficiência visando à redução de
custo). Estes imperativos se tornaram o tripé essencial da estratégia internacional”
(BUCKLEY, 1999, p. IV).
2.2.4 – A Teoria da Internalização
Na década de 1970, alguns economistas desenvolveram uma nova abordagem
que retomava certos conceitos apresentados por Hymer (1976), porém com a diferença
de que tinha uma aplicação muito mais ampla (CASSON, 1987). Com base nas idéias
de Coase (1937) e de Williamson (1975), estes economistas desenvolveram uma
para chegarem a um novo arcabouço teórico que explicasse o fenômeno da
internacionalização das empresas. Para Dunning (2003) e Teece (2006), o marco inicial
dessa nova visão da internacionalização, conhecida como Teoria da Internalização, foi
o trabalho de Buckley e Casson (1976).
Em seu trabalho, Coase (1937) mostrou que no mundo real o mercado não
correspondia ao ideal neoclássico, pois havia empecilhos para que ele funcionasse
perfeitamente, tais como a existência de monopólios e de incertezas e dificuldades na
determinação dos preços. É por isso que uma empresa, ao realizar uma transação,
precisa se precaver para que essas imperfeições do mercado não resultem em perdas;
mas, esta precaução tem custos adicionais referentes aos trabalhos de projeção, de
negociação, de monitoramento e de execução de um grande número de cláusulas
contratuais com direitos e obrigações de ambas as partes. Esses são, de maneira
resumida, os chamados custos de transação, maiores ou menores conforme as
imperfeições de cada mercado. Segundo Hill e Kim (1988), para Coase muitas vezes as
imperfeições do mercado são tantas que os custos de transação se tornam de tal
maneira elevados que é mais eficiente para as empresas criar e usar mercados
internos a ter que arcar com os custos de transação proibitivos do mercado externo.
É esse arrazoado baseado nos custos de transação que constituiu a base da
Teoria de Internalização. Segundo seus preceitos, são as imperfeições mercadológicas
que vão determinar a escolha da empresa entre constituir uma operação integral no
exterior ou optar por um contrato de licenciamento. Se não houver imperfeições a firma
sempre vai preferir o licenciamento em detrimento da subsidiária, pois o licenciamento
implica em custos menores para entrar no novo mercado. No entanto, o licenciamento,
além de apresentar custos elevados de elaboração de contratos pelas inúmeras
contingências envolvidas, tem altos custos relativos aos riscos de disseminação do
know-how específico da empresa. A teoria de internalização dá grande destaque ao
papel do know-how tecnológico na decisão da empresa pela internacionalização, pois
se trata de um ativo intangível da empresa e, como tal, é de difícil precificação pelos
mecanismos de mercado. Tais dificuldades, associadas ao alto risco de disseminação
empresa, fazem com que a maioria das multinacionais seja composta por empresas
intensivas em pesquisa e desenvolvimento, fatores essenciais para a criação de
vantagens específicas da empresa e, por conseqüência, de sua própria
competitividade. Desse modo, quanto maior o risco de disseminação do know-how
maior as chances da empresa optar pela internalização do mercado através da criação
de subsidiárias (HILL e KIM, 1988).
Para os inúmeros casos de multinacionais dos setores de consumo e de
serviços, nas quais a tecnologia exerce papel secundário, a explicação da Teoria de
Internalização centra-se também no risco da disseminação do know-how da empresa,
só que de outra natureza. Nestes setores, o fator determinante para a escolha de
instalação de subsidiárias é o know-how em marketing. Além de ser o fator que permite
à empresa criar uma forte identidade de marca e conquistar mais clientes pelo menor
risco associado à qualidade da marca, o know-how em marketing é também um ativo
intangível da empresa e, a exemplo do know-how tecnológico, difícil de ser precificado
pelos mecanismos de mercado, o que leva a maioria das empresas destes setores a
também optar pelas subsidiárias em detrimento do licenciamento (HILL e KIM, 1988).
Finalmente, cabe ressaltar que estudiosos da internacionalização apontam
algumas deficiências na Teoria da Internalização: a primeira delas é a de empregar
uma análise mais estática que dinâmica e, por isso, não explorar o impacto das
mudanças no ambiente e em fatores específicos da empresa nas escolhas de sua
governança; em segundo lugar, a de dar pouca atenção ao impacto dos custos de
controle interno da multinacional na escolha do modelo de governança (HILL e KIM,
1988).
2.2.5 – John Dunning e o Paradigma Eclético
O Paradigma Eclético como teoria da internacionalização das empresas foi
proposto por John Dunning em dois trabalhos na segunda metade da década de 1970
clara referência ao fato de Dunning ter usado três diferentes abordagens teóricas em
seu modelo de internacionalização. O Paradigma Eclético também é conhecido como
Paradigma OLI, sigla cujas letras indicam os três subparadigmas que servem como
base para sua teoria.
O primeiro subparadigma, identificado pela letra “O” de ownership, é o das
vantagens específicas ou próprias da empresa (Ownership-specific Advantages). O
conceito básico desta abordagem da internacionalização é que uma empresa ao optar
por entrar num mercado estrangeiro precisa, relativamente aos seus futuros
competidores nesse mercado, possuir algum tipo de vantagem, ou conjunto de
vantagens, que seja exclusiva e sustentável. Essas vantagens, também chamadas de
competitivas ou monopolísticas, precisam ser suficientes para compensar os custos
adicionais de montar e operar uma linha produtiva num mercado estrangeiro
competindo com os produtores locais (DUNNING, 1988 e 2000). É clara a influência do
trabalho de Stephen Hymer neste componente do Paradigma Eclético.
O segundo subparadigma, identificado pela letra “L” de location, é aquele
relacionado às vantagens de localização do investimento direto externo da empresa
(Location-specific advantages). As empresas vão se decidir pela produção em outro
país sempre que perceberem ser vantajoso combinar a transferência da produção de
certos produtos intermediários com a existência de alguns atributos intransferíveis ou
mesmo outros produtos intermediários disponíveis neste país. Esta formulação de
Dunning sobre a distribuição espacial tem raízes, entre outros, na Teoria do Ciclo de
Vida do Produto de Raymond Vernon e, seguramente, ela representa a maior inovação
do Paradigma Eclético em relação às teorias anteriores. Com este subparadigma,
Dunning alerta para a necessidade de os estudiosos darem maior atenção à localização
como uma variável importante para a competitividade global das empresas. Pois, para
ele, a distribuição geográfica da empresa pode se constituir numa de suas vantagens
de caráter “O” (Ownership-specific advantages), já que ela pode afetar a maneira como
O terceiro subparadigma, identificado pela letra “I” de internalization, é aquele
relacionado às vantagens de internalização dos mercados da empresa ( Internalization-specific advantages). A empresa, frente a custos de transação e de coordenação do
uso de mecanismos de mercado para realizar a troca de produtos intermediários, de
informação, de tecnologia e de conhecimento de marketing maiores que os custos de
uso da estrutura interna, prefere realizar o IDE a fechar um acordo de licença ou outro
tipo de contrato com produtores estrangeiros. Aqui, Dunning segue claramente a
tradição teórica iniciada por Coase (1937), seguida por Hymer (1976) e Williamson
(1975) e, finalmente, por Buckley e Casson (1976) na década de 1970.
Alguns críticos do Paradigma Eclético consideram que ele apenas juntou teorias
separadas e que pouco acrescentou aos estudos da internacionalização. Em resposta,
Dunning argumenta que essas teorias sobre a internacionalização das empresas são
complementares e uma não pressupõe a invalidação das outras. Para ele, as
contribuições da associação das três teorias são superiores à soma das contribuições
de cada uma delas tomadas independentemente, o que sugere haver
interdependências entre elas que justifique uma nova perspectiva integrada que
“internalize” tais externalidades (DUNNING, 2000).
2.2.6 – A Escola Nórdica de Internacionalização
As linhas teóricas de internacionalização apresentadas até aqui se baseiam num
enfoque essencialmente econômico da empresa para explicar o processo pelo qual a
empresa ultrapassa as fronteiras nacionais para entrar nos mercados de outros países.
Na década de 1970, uma série de estudos sobre a internacionalização de empresas
suecas acabou por formar uma nova base teórica sobre a internacionalização de
empresas, cuja síntese foi realizada por Johanson e Vahlne (1977). No entanto, esta
nova linha teórica, que ficou conhecida como Escola de Uppsala ou Escola Nórdica de
Internacionalização, tinha como enfoque não mais a teoria econômica da firma e, sim, a
teoria comportamental da firma, cujas origens remontam ao trabalho de Cyert e March
Grosso modo, pode-se dizer que as teorias de internacionalização de base
preponderantemente econômica tomaram o ambiente externo como a principal
determinante da internacionalização da empresa, que é considerada uma organização
que reage aos estímulos gerados pelas imperfeições do mercado visando reduzir seus
custos de transação. Por seu lado, a escola nórdica, graças à influência da teoria
comportamental da firma, deu mais ênfase à relação entre o ambiente interno da
empresa e seu ambiente externo, constituindo-se, por isso, numa teoria dinâmica que
ressaltou o papel do comprometimento da gestão, dos recursos disponíveis e das
capacidades organizacionais no processo de internacionalização (STEEN e LIESCH,
2007).
O modelo de internacionalização de Uppsala parte do conceito de empresa como
uma organização que empreende um esforço contínuo para aumentar seu lucro no
longo prazo, ou seja, ela está sempre procurando crescer; no entanto, ao mesmo
tempo, ela também procura manter os riscos deste esforço em níveis baixos
(JOHANSON e VAHLNE, 1977). Essa conceituação da empresa é fundamental para se
entender o modelo de internacionalização proposto, pois a expansão internacional é
vista como a extensão aos mercados estrangeiros do esforço de crescimento da
empresa, sempre permeada pela necessidade de assumir baixos riscos. A necessidade
de crescer com baixo risco parece ser a origem de duas idéias centrais do modelo, a
primeira delas é o conceito de processo incremental de expansão internacional da
empresa, a segunda é o conceito de distância psíquica como importante fator de
escolha da localização das subsidiárias.
O modelo considera a internacionalização como um processo de crescimento
gradativo da empresa no exterior pela qual as operações externas vão crescendo tanto
em tamanho quanto em complexidade. Os autores propõem uma seqüência seguida
pelas empresas em sua internacionalização: o início quase sempre é a exportação
inconstante para um mercado estrangeiro; em seguida, é fechado um acordo com um
representante independente presente naquele mercado; mais tarde, decide-se pela
abertura de uma subsidiária comercial; e, finalmente, a subsidiária comercial