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PABLO CAVALCANTE E SILVA ATOS INFRACIONAIS: UMA ANÁLISE DA EXECUÇÃO DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS (SISTEMA NACIONAL DE

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

FACULDADE DE DIREITO

PABLO CAVALCANTE E SILVA

ATOS INFRACIONAIS: UMA ANÁLISE DA EXECUÇÃO DAS

MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS (SISTEMA NACIONAL DE

ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO – SINASE)

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PABLO CAVALCANTE E SILVA

ATOS INFRACIONAIS: UMA ANÁLISE DA EXECUÇÃO DAS

MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS (SISTEMA NACIONAL DE

ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO – SINASE)

Monografia submetida à Coordenação de Atividades Complementares e Monografia Jurídica, da Universidade Federal do Ceará, como requisito para obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Área de concentração: Direito da Criança e do Adolescente.

Orientador: Prof. Dr. Marcos A. Paiva Colares.

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PABLO CAVALCANTE E SILVA

ATOS INFRACIONAIS: UMA ANÁLISE DA EXECUÇÃO DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS (SISTEMA NACIONAL DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO – SINASE)

Monografia submetida à Coordenação de Atividades Complementares e Monografia Jurídica, da Universidade Federal do Ceará, como requisito para obtenção do grau de Bacharel em Direito. Área de concentração: Direito da Criança e do Adolescente.

Aprovada em ___/___/_____

BANCA EXAMINADORA

_________________________________ Prof. Marcos A. Paiva Colares (Orientador)

Universidade Federal do Ceará - UFC

_________________________________ Prof. Francisco de Araújo Macedo Filho

Universidade Federal do Ceará - UFC

_________________________________ Prof. Rafael Rocha

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“Ensina a criança no caminho em que deve andar, e, ainda quando for velho, não se desviará dele.”

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AGRADECIMENTOS

À minha mãe pela companhia constante, carinho e plena dedicação à minha formação em todo o meu caminhar.

A minha querida Diná por todo amor e carinho a mim ofertados e que me deram mais ânimo para concluir essa etapa da minha formação.

Aos colegas de classe pela espontaneidade e alegria ao me acompanharem no decorrer destes quatro anos que concorreram para minha formação enquanto pessoa.

E, finalmente, a DEUS pela oportunidade e pelo privilégio que me foram dados de poder contribuir enquanto profissional da área jurídica para a propagação da justiça e da cidadania através da minha dedicação.

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RESUMO

O estudo aborda o tema dos atos infracionais praticados por adolescentes e a regulamentação da execução das medidas socioeducativas. Através de pesquisa bibliográfica, fez-se uma abordagem histórica da situação dos direitos da infância e da juventude no Brasil e no Mundo. Assim, verificou-se uma relevante evolução nesta área, tendo sido as crianças e os adolescentes elevados à condição de sujeitos de direitos e deveres e sua proteção passado a ser dever da família, da sociedade e do Estado. No Brasil, esta mudança ocorreu através da recepção pela Constituição Federal de 1988 e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA da Doutrina da Proteção Integral, já abraçada pela Declaração Universal dos Direitos da Criança (1959). A partir do ECA, definiram-se os conceitos de ato infracional e de medida socioeducativa, ademais, contemplaram-se os aspectos que envolvem a apuração da prática de ato infracional e a responsabilização de seus autores. O fato de os adolescentes serem inimputáveis nos termos da legislação penal e responsabilizados por seus atos nos termos do ECA através das medidas socioeducativas, sanções de caráter pedagógico, pode levar a sociedade a pensar que há impunidade no tratamento aos jovens autores de atos infracionais. A veiculação, principalmente por parte da mídia, da idéia de aparente impunidade tem motivado recorrentes pedidos da sociedade pela redução da maioridade penal, embora esta não seja a solução viável para combater a violência no Brasil. No bojo da discussão sobre a execução das medidas socioeducativas no Brasil, surge o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE, fruto do Projeto de Lei nº 1627/07 da Câmara dos Deputados que dispõe sobre os sistemas de atendimento socioeducativo, regulamenta a execução das medidas destinadas ao adolescente em razão de ato infracional e altera dispositivos do ECA. Ademais, analisou-se a viabilidade do SINASE como solução para a deliquência juvenil no Brasil, usando como parâmetros a legislação vigente e como amostra dados coletados nas unidades para cumprimento de medidas socioeducativas instaladas em Fortaleza (CE).

PALAVRAS-CHAVE: ATO INFRACIONAL - MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS –

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ABSTRACT

This Study approaches the subject of the illegal acts committed by teenagers e the regulation of the execution of socioeducational measures. Through bibliographic research, we made a historical approach of the juridical infancy and youth situation in Brazil and in the World. This way, it was detected a relevant evolution in this area, having the children and the teenagers been elevated to the role of individuals of rights and duties and their protection started to be duty of their families, society and the state. In Brazil, this change happened through the reception of the complete protection doctrine by the Federal Constitution of 1988 and by the Statute of child and adolescent, already approached by the Universal Declaration on the Rights of the Child (1959). From the Statute of child and adolescent, were defined the illegal act and socioeducational measure concepts. Moreover, were contemplated the aspects that involve the investigation of the practice of illegal act and his agents liability. The fact of adolescents been non-attributable in the terms of the criminal legislation but blamed in the terms of the Statute through socioeducational measures, pedagogical sanctions, may induce the society to think that the teenagers that practice illegal acts aren’t punished. The propagation by the media of the idea of an apparent impunity has caused several requests for the anticipation of the penal age, although this isn’t the practicable solution to battle violence in Brazil. At the core of the discussion of implementation of socio-educational measures in Brazil, arises the national system of socioeducational care, product of the parliament law project nº 1627/07 that disposes about the system of socioeducational care, regulates the execution of the measures destined to adolescents that practiced illegal acts and changes Statute’s articles. Moreover, was analyzed the national system of socioeducational care viability as solution to the youth delinquency in Brazil, having as parameters the current legislation and as samples collected data at the units destined to the socioeducational measures compliance in Fortaleza (CE).

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABMP Associação Brasileira dos Magistrados e Promotores da Infância e da Juventude

CLT Consolidação das Leis Trabalhistas C NJ Conselho Nacional de Justiça

CONANDA Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente

DST Doença Sexualmente Transmissível ECA Estatuto da Criança e do Adolescente EUA Estados Unidos da América

FAT Fundo de Amparo ao Trabalhador

FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação FONACRIAD Fórum Nacional de Organizações Governamentais

de Atendimento à Criança e ao Adolescente

FORUM DCA Fórum permanente das ONG’s de defesa dos direitos da criança e do adolescente

FUNABEM Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor FUNAD Fundo Nacional Anti Drogas

FUNCI Fundação da Criança e da Família Cidadã OAB Ordem dos Advogados do Brasil

ONG Organizações Não-Governamentais ONU Organização das Nações Unidas PAS Plano de Atendimento Socioeducativo PIA Plano Individual de Atendimento

PL Projeto de Lei

PNBEM Política Nacional do Bem-Estar do Menor SAM Serviço de Assistência a Menores

SEDH/SPDCA Secretaria Especial dos Direitos Humanos/ Subsecretaria de Proteção aos Direitos da Criança e do Adolescente

SENAC Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SENAR Serviço Nacional de Aprendizagem Rural

SINASE Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo STF Supremo Tribunal Federal

SUS Sistema Único de Saúde

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...11

1 ABORDAGEM HISTÓRICA DO DIREITO DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE...13

1.1 Perspectiva Internacional...13

1.2 Perspectiva Nacional...17

2ATOINFRACIONAL E MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS...28

2.1 Atos Infracionais...34

2.1.1 Direitos Individuais...34

2.1.2 Garantias Processuais...39

2.1.2.1 Remissão...45

2.1.3 Apuração da prática de ato infracional...47

2.2 Medidas Socioeducativas...52

2.2.1 Regras Mínimas de Beijing (Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude – 1985)...54

2.2.2 Medidas Socioeducativas...55

2.2.2.1 Medidas Socioeducativas não-restritivas de liberdade...55

2.2.2.2 Medidas Socioeducativas restritivas de liberdade...56

3 SISTEMA NACIONAL DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO (SINASE) E A LEI DE EXECUÇÃO SOCIOEDUCATIVA...59

3.1 O SINASE...63

3.2 Projeto de Lei nº 1627/07 da Câmara dos Deputados...67

4 PARÂMETROS E DIRETRIZES PARA EXECUÇÃO DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS ESTABELECIDOS NO SINASE E OS CENTROS EDUCACIONAIS NO CEARÁ...78

4.1 Parâmetros e Diretrizes para execução das medidas socioeducativas estabelecidos no SINASE ...78

4.2 Centros Educacionais voltados para o cumprimento de medidas restritivas de liberdade no Ceará...83

CONSIDERAÇÕES FINAIS...87

REFERÊNCIAS...91

ANEXOS...94

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INTRODUÇÃO

A violência urbana encontra-se presente no cotidiano da quase totalidade das cidades brasileiras. No contexto deste problema social, encontra-se o que encontra-se usou chamar de delinqüência juvenil, um tema bastante polêmico, pois envolve fatores às vezes desconhecidos da maioria da população.

No contato com o senso comum observa-se que a maioria das pessoas desconhece o sistema de responsabilização dos adolescentes que cometem ato infracional previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente e, por isto, seguem acreditando que eles ficam impunes. Uma das razões desta ilusão que se difunde na sociedade advém do fato de que quando a violência é praticada por adolescentes, parte da mídia passa à opinião pública a falsa idéia de que há cada vez mais adolescentes envolvidos com a criminalidade. Destarte, a sensação de aparente impunidade contribui para que se acentue o pedido pela redução da maioridade penal.

O presente estudo foi realizado essencialmente por meio de pesquisa bibliográfica e se centrará nas diversas especificidades do Direito da Infância e da Juventude no tocante à responsabilização das crianças e dos adolescentes que praticam ato infracional.

Iniciaremos com uma análise histórica da evolução dos direitos da infância e da juventude, demonstrando o progresso que houve na proteção destes indivíduos de desenvolvimento ainda incompleto e que, por isso, quando cometem algum ato infracional merecem um tratamento diferenciado por parte da família, da sociedade e do Estado.

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Será apresentada ainda a discussão que envolve a necessidade de uma legislação que regulamente a execução das medidas socioeducativas e que implemente o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE.

Por fim, analisaremos a situação das unidades de atendimento socioeducativo do Estado do Ceará sediadas em Fortaleza, através de dados coletados em pesquisa realizada pelo Fórum Permanente de Entidades Não-governamentais de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente – Fórum DCA estadual.

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1 Abordagem histórica dos Direitos da Infância e da Juventude

As crianças têm seus Direitos Humanos fundamentais reconhecidos mundialmente, entre outros diplomas, por meio da Declaração dos Direitos da Criança proclamada pela Assembléia Geral da ONU em 1959. Este documento tem o escopo de permitir que a criança tenha uma infância feliz e possa gozar, em seu próprio benefício e no da sociedade, dos direitos e das liberdades enunciadas ao longo de dez Princípios.

Os documentos internacionais que surgiram a partir da Declaração Universal dos Direitos da Criança de 1959, vieram consagrar a Doutrina da Proteção Integral, que seria adotada por diversos países.

No âmbito de nosso país, as crianças e os adolescentes tiveram seus interesses realmente assegurados após a implementação da Doutrina da Proteção Integral, que se deu com o advento da Constituição Federal de 1988, que assegura:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

1.1 Perspectiva Internacional

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muito tempo, foram tratadas com indiferença pela sociedade, sendo vistas como adultos em miniatura e recebendo tratamento igual ao dispensado a eles.

No Império Romano, as crianças com menos de 07 anos eram consideradas seres incapazes de discernir o bem do mal, sendo inimputáveis. Aquelas que possuíssem entre 07 e 14 anos e tivessem capacidade de discernir, diante da prática de crime ou conduta análoga a esta, sofreriam a punição escolhida pelo Pretor proporcional ao grau de consciência pelo ato praticassem. Já os maiores de 14 anos que tivessem tal consciência eram punidos da mesma forma que os adultos.

Na Idade Média, as crianças ajudavam aos adultos nas tarefas do cotidiano, inclusive em serviços pesados e durante longas jornadas de trabalho. Era comum, por exemplo, a prática do aborto ser equiparada a do infanticídio e não ser tão repudiada pela sociedade.1 Esta visão acerca destes indivíduos durou até o século XVI, quando atos como abandonar ou não cuidar bem dos filhos passaram a ser socialmente mal vistos. Surgiram então expressões como “crianças corrompidas” e “vítimas de maus tratos”, começando a aparecer sinais de que a infância passaria a ser valorizada.

A partir do século XVIII, a sociedade passou a preocupar-se com as crianças que se encontravam sob a égide dos sistemas escolares da época. Houve interesse maior em acompanhar aquelas crianças que estavam à parte da educação escolar. Cresceu na Europa a idéia de que a mera repressão do jovem não solucionava a sua delinquência e de que devia ser levada em conta a individualidade do jovem em sua reeducação. A seguir, em 1896, na Noruega, foram criadas normas específicas de proteção dos direitos das crianças, que se mostraram semelhantes aos ordenamentos do século XX em alguns aspectos. Em artigo publicado na Revista virtual de Direitos Humanos do Conselho Federal da OAB, Carlos Daniel Leitão e outros afirmam acerca das referidas normas norueguesas que:

1

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[...] é tida como a mais importante, porque bastante avançada para a época, era em muitos aspectos semelhante aos ordenamentos existentes no século XX. Como característica comum, essas legislações tinham o escopo de aumentar a idade limite para responsabilidade penal; criar sanções específicas para crianças e adolescentes; e retirá-los do sistema penal adulto.2

Houve uma notável evolução destas normas editadas na Noruega quando comparadas com o modelo de proteção à infância anteriormente vigente. As medidas meramente repressivas foram sendo substituídas aos poucos por medidas de reeducação, afastando-se a idéia da repressão. Estas medidas que passaram a ser utilizadas eram variadas, mas tinham uma característica comum entre elas: a provisoriedade.

Um outro passo deste progresso na implementação dos Direitos da Infância e da Juventude foi a criação do primeiro Tribunal de Menores no estado de Illinois nos EUA, em 1899. A criação desse Tribunal de Menores Norte-americano é considerada um marco das normas protetivas às categorias da infância e da juventude. Isto se deve ao fato de haver uma clara cisão com o modelo antigo de proteção aos direitos infanto-juvenis, reconhecidamente excludente desta categoria em relação ao restante da sociedade. A partir da experiência norte-americana, outros países aderiram à criação desses Tribunais. O primeiro país da América Latina que instituiu um tribunal de menores foi o Brasil em 1924. Como se viu, tais idéias chegaram ao Brasil, passando pela América Latina, porém em nosso continente não obtiveram tanto êxito.

Em 1911, houve o 1º Congresso Internacional de Tribunais de Menores em Paris. Este acontecimento, dentre outros ocorridos na mesma época, fez surgir a idéia de assistencialismo que estava intrínseca na forma de tratamento da infância e da juventude nas décadas subseqüentes. Tal visão de proteção das crianças e dos adolescentes era marcada pela atuação do Estado através de sanções que visavam impor este modo de agir em face da fragilidade daqueles seres em desenvolvimento.

2

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No final da década de 50, sob influência do pós-guerra que levou a humanidade a intensificar a luta pela garantia dos Direitos Humanos, surge a Declaração Universal dos Direitos da Criança de 1959, uma carta de princípios que continha em seu preâmbulo o seguinte enunciado:

Visto que a humanidade deve à criança o melhor de seus esforços, assim, a Assembléia Geral proclama esta Declaração dos Direitos da Criança, visando que a criança tenha uma infância feliz e possa gozar, em seu próprio benefício e no da sociedade, os direitos e as liberdades aqui enunciados e apela a que os pais, os homens e as melhores em sua qualidade de indivíduos, e as organizações voluntárias, as autoridades locais e os Governos nacionais reconheçam estes direitos e se empenhem pela sua observância mediante medidas legislativas e de outra natureza, progressivamente instituídas, de conformidade com os seguintes princípios.

A edição desse documento internacional, aprovado unanimemente pela Assembléia Geral da ONU de 1959, significou para os países signatários a adoção da Doutrina da Proteção Integral, que configurou um novo conjunto de princípios e normas jurídicas voltados para a proteção, não de alguns, mas de todas as crianças e adolescentes, visando à efetivação dos direitos fundamentais e à garantia do pleno desenvolvimento destes seres.

Em 1979 ocorreram vários eventos com o intuito de debater o tema da Infância e da Juventude pelo mundo, tendo sido instituído o “Ano Internacional da Criança”, marcado por tentativas de se difundir as idéias de reforma dos ordenamentos vigentes, enfocando, principalmente, o tratamento sócio-jurídico da infância e da juventude.

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Passo importantíssimo para a sua defesa internacional, que obriga os países signatários a adaptar suas normas à legislação interna.3

A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança tem grande abrangência quanto ao tema, fornecendo aos países signatários elementos imprescindíveis para promover adaptações de suas legislações nacionais à ordem mundial ascendente.

1.2 Perspectiva Nacional

Segundo André Viana Custódio:

O Brasil conviveu, pelo menos até a instalação da República em 1889, com um modelo caritativo-assistencial de atenção à infância representada pelas práticas de abandono, exposição e enjeitamento de crianças que, em regra, tinham como destino o acolhimento por famílias substitutas e a institucionalização nas Rodas dos Expostos.4

De fato, tal prática consolidou-se no Brasil ao longo de 200 anos como o mais utilizado modelo de acolhimento infantil, copiando a idéia assistencialista européia.

Segundo Tiago França, “o Brasil, desde o período colonial, teve um vício histórico nos ordenamentos jurídicos que excluíam os direitos específicos referentes à criança e ao adolescente.”5 De fato os direitos destes indivíduos sempre estiveram atrelados ao Direito Familiar, sendo pacífica a idéia de que eles eram apenas um prolongamento da família, cabendo aos pais exercer o pátrio poder e garantir-lhes a defesa de seus interesses. Este vício consta desde as Ordenações Filipinas que eram o corpo normativo que vigia no Brasil colonial. Pode-se constatar a pouca relevância do tema na época pelo fato de a única

3

CHAVES, Antônio. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 2. Ed. São Paulo: LTr, 1997. p. 34.

4 CUSTÓDIO, André Viana in Espaço Jurídico. Os Novos Direitos da criança e do adolescente. Joaçaba,

v.7, n.1, jan./jun. 2006. p. 8.

5 FRANÇA, Tiago. Ato Infracional. Fortaleza, 2006. Trabalho de conclusão de curso (Graduação em Direito

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garantia destes indivíduos que constava nestas normas ser a de “redução da pena e a não aplicação da pena de morte ao ‘criminoso’ com idade inferior a 17 anos.”6

Já na vigência de nossa primeira Constituição, a Imperial, foi editado o Código Criminal do Império em 1830, que adotava a teoria do discernimento. Era garantido aos menores de 09 anos inimputabilidade penal. Aos menores de 14 anos garantia-se a não submissão a penas se não restasse comprovado o discernimento do infante em relação ao ato criminoso. Os que tivessem tal discernimento seriam recolhidos às Casas de Correção pelo tempo arbitrado pelo Juiz, não podendo ultrapassar no estabelecimento os 17 anos de idade. Já àqueles com idade entre 14 e 17 anos era aplicada a pena de cumplicidade, que era equivalente a dois terços das destinadas aos adultos. Até a instalação da República no Brasil não houve por aqui nenhuma atitude de impacto com resultados positivos no campo da garantia de direitos ou da proteção jurídica à categoria da infância.

Sob a égide do regime republicano, foi instituído o Código Penal de 1890 que seguia basicamente a mesma linha do seu antecessor: estipulou para as crianças de até 09 anos de idade a irresponsabilidade de pleno direito, previu que os menores que tivessem entre 09 e 14 anos de idade e que agissem com discernimento seriam recolhidos a um estabelecimento disciplinar industrial e obrigou a aplicação da pena de cumplicidade aos menores de 17 e maiores de 14 anos de idade.7

Estes diplomas adotaram a Doutrina do Direito Penal do Menor, que se preocupou com a delinqüência praticada pelos jovens. Tal doutrina concedia ao juiz o poder de decidir se o jovem infrator tinha capacidade de compreender o ato praticado e seu caráter ilícito, devendo para isto levar em consideração vários fatores como a vida pregressa, a linguagem e o modo de agir do impúbere para justificar sua decisão. Acerca da responsabilização do jovem infrator, Marcelo Gantus Jasmim afirma que:

6FRANÇA, Tiago. Ato Infracional. Fortaleza, 2006. Trabalho de conclusão de curso (Graduação em Direito –

Curso de Direito, Universidade Federal do Ceará, 2006). p.10.

7

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A responsabilidade penal era imputada ao menor em função de uma pesquisa de sua consciência em relação à prática da ação criminosa.8

A crescente onda de criação de Tribunais de Menores expandiu-se pelo mundo, influenciada pela criação nos EUA do primeiro Tribunal de Menores em 1899. O Brasil, em 1924, criou o primeiro Juizado de Menores que tinha como seu titular o Juiz José Cândido Albuquerque Mello Mattos. A este magistrado deve-se a criação do primeiro Código de Menores brasileiro (Decreto nº 17.943-A/27) em 1927, que ficou conhecido como o Código Mello Mattos. Tal instrumento jurídico:

Representou a abertura significativa do tratamento à criança para a época, preocupado em que fosse considerado o estado físico, moral e mental da criança, e ainda a situação social, moral e econômica dos pais.9

Este diploma legal foi a primeira regulamentação no Brasil destinada exclusivamente à categoria da infância e da adolescência e sua elaboração foi diretamente influenciada pelo contexto social da época e é “resultado da tentativa estatal de conter os problemas gerados pelo crescente processo de industrialização do início do século passado.”10.

A regulamentação da matéria atinente aos jovens deliquentes foi feita no Código Mello Mattos de tal maneira que impossibilitasse sua exposição a qualquer tipo de processo penal, característica que se mostrou precursora na época. O regime de aferição da responsabilidade dos menores seguia os seguintes critérios: os menores de 14 anos não poderiam ser processados, sendo submetidos a tratamento específico no caso de serem “pervertidos” ou “doentes”. Aqueles que tivessem entre 14 e 18 anos de idade seriam submetidos a um “processo especial” nos termos do artigo 6911 do diploma. Os maiores de 16 e menores de 18 anos, se eivados pela periculosidade, deveriam ser

8

JASMIM, Marcelo Gantus apud PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da Criança e do Adolescente: uma proposta interdisciplinar. Rio de Janeiro: Renovar, 1996. p. 20.

9

PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da Criança e do Adolescente: uma proposta interdisciplinar. Rio de Janeiro: Renovar, 1996. p. 16.

10 FRANÇA, Tiago. Ato Infracional. Fortaleza, 2006. Trabalho de conclusão de curso (Graduação em Direito

– Curso de Direito, Universidade Federal do Ceará, 2006). p. 11.

11 Art. 69. O menor indigitado autor ou cumplice de facto qualificado crime ou Contravenção, que contar

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internados num estabelecimento especial. E àqueles que tivessem entre 18 e 21 anos incidiriam apenas o atenuante de menoridade.

Acerca do que representou o Código de Menores de 1927 à época de sua edição, Alessandra Pereira e outros tecem o seguinte comentário:

Os princípios adotados por essa Lei, à época, foram considerados inovadores, posto que adotados pelos ordenamentos jurídicos mais avançados, iniciando a adoção da teoria humanitária, em detrimento da doutrina esposada no século passado, que, como se viu, era baseada no discernimento.12

A teoria adotada pelo Código Mello Mattos estendia sua abrangência a todos os menores de 18 anos e não apenas para os jovens infratores da legislação penal. Como exemplos deste maior alcance podemos citar o capítulo dedicado ao trabalho dos jovens e a instituição do Juízo privativo dos jovens.

No período compreendido entre o Código de Menores de 1927 e o de 1979, foram editadas algumas normas acerca dos Direitos Infanto-Juvenis. Estas normas não implantaram nenhuma teoria nova. Foram estas normas elaboradas de acordo com momento político-social que o país atravessava. As normas a seguir listadas foram as mais importantes dentre as editadas naquele período:

1) Decreto-lei nº 6.026/43 que implementou uma pequena reforma do Código de Menores de 1927 no tocante à prática de atos infracionais por jovens. Visava compatibilizar a legislação menorista com o Código Penal de 1940 e com a Constituição do Estado Novo de 1937.

2) Lei nº 5.258/67, diante da justificativa de dar mais eficácia à defesa da sociedade diante dos jovens delinqüentes, alterou o sistema de punição dos jovens, tornando-o mais rigoroso. O Período era marcado pelo Regime Militar, cujos governantes buscavam controlar e punir tudo que fosse considerado ameaça ao regime.

12 PEREIRA, Alessandra e outros. Aspectos da Legislação Menorista sobre o Ato Infracional. Revista virtual

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Em 1964, ano do início do regime militar no Brasil e do consequente caráter rígido e moralizador de governos implantados pelos militares, surge a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem) criada pela Lei nº 4.513/64. Tal órgão do governo tinha como finalidade executar a Política Nacional do Bem-Estar do Menor (PNBEM). Esta política visava corrigir, através de métodos correcionais excludentes e carcerários que se alinhavam à ideologia de segurança nacional então vigente, as falhas do Serviço de Assistência a Menores (SAM). Tendo surgido no Estado Novo, o SAM vinha sendo alvo de denúncias de violência e maus-tratos aos menores que integravam as suas dependências.

Em 1979, em meio a um ambiente de comemoração do Ano Internacional da Criança, foi aprovada a Lei nº 6.697/79 denominada de Código de Menores, assim como o de 1927 (Mello Mattos). Este diploma constituiu-se em uma revisão do Código de Menores de 1927, seguindo a linha repressiva do seu antecessor, mantendo a Doutrina da Situação Irregular, o que se infere da redação do artigo 1º, inciso I do referido diploma:

Art. 1º Este Código dispõe sobre assistência, proteção e vigilância a menores:

I - até dezoito anos de idade, que se encontrem em situação irregular;

[...]

Para saber do que se trata a situação irregular segundo o Código de Menores em apreço, observemos o teor do seu artigo 2º:

Art. 2º Para os efeitos deste Código, considera-se em situação irregular o menor:

I - privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de:

a) falta, ação ou omissão dos pais ou responsável;

b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsável para provê-las; II - vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou responsável;

III - em perigo moral, devido a:

a) encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes;

b) exploração em atividade contrária aos bons costumes;

IV - privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais ou responsável;

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VI - autor de infração penal.

Da leitura do dispositivo legal acima, conclui-se que os jovens que se encontravam em situação irregular eram os mais pobres e marginalizados pela sociedade, pois estes geralmente incorriam nas hipóteses elencadas no referido dispositivo. Eles integravam o conjunto de jovens que compunham a infância em perigo e, por isso, eram objeto potencial da administração da Justiça de Menores. À figura da autoridade judiciária eram conferidos poderes ilimitados quanto ao tratamento e destino dos jovens em situação irregular, como se infere do artigo 8º do Código de Menores de 1979:

Art. 8º A autoridade judiciária, além das medidas especiais previstas nesta Lei, poderá, através de portaria ou provimento, determinar outras de ordem geral, que, ao seu prudente arbítrio, se demonstrarem necessárias à assistência, proteção e vigilância ao menor, respondendo por abuso ou desvio de poder.

Destarte, ao dar-se amplos poderes à autoridade judiciária para decidir pelas medidas necessárias ao trato dos jovens em situação irregular, judicializava-se a questão social da infância em perigo.

Um exemplo deste amplo poder dado aos magistrados, encontra-se no tocante à internação dos jovens. Aqueles que praticassem infração penal ou estivessem com “desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária” poderiam ser submetidos à medida de internação.13 Ficava, então, a cargo do Juiz delimitar o que se entendia por grave inadaptação familiar e comunitária, que se utilizando de seu arbítrio, decidia se um jovem encaixava-se ou não na categoria de “menor com desvio de conduta”.

A criação de tal diploma significou um retrocesso para nosso país, visto que ele estava indo na contramão da tendência mundial que era marcada por discussões que visavam repensar a condição da infância. Enquanto o mundo caminhava rumo à implementação definitiva da Doutrina da Proteção Integral, já preconizada na Declaração Universal dos Direitos da Criança de

13 Art. 41. O menor com desvio de conduta ou autor de infração penal poderá ser internado em

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195914 e posteriormente consolidada pela Convenção Internacional dos Direitos da Criança de 198915, no Brasil era aprovada uma lei que “submetia a criança à condição de objeto, estigmatizando-a como em situação irregular, violando e restringindo seus direitos mais elementares [...]”16

O fortalecimento dos movimentos sociais, que se ascendiam contra a Doutrina da Situação Irregular e contra a situação jurídica das crianças e dos adolescentes praticamente inalterada desde 1927; a já citada tendência mundial à revisão da situação dos infantes no mundo e a proteção integral de seus direitos e interesses foram fatores que, na década de 80, permitiram ao Brasil adotar a Doutrina da Proteção Integral, ínsita no supratranscrito artigo 227 de nossa Constituição Federal de 1988.

Tamanha foi a força dos movimentos sociais que pediam maior proteção à infância que, articulados pelo Fórum Nacional Permanente de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fórum DCA), foi apresentada ao Congresso Nacional emenda com mais de 250 mil assinaturas visando incluir no texto constitucional os princípios básicos da Doutrina da Proteção Integral. Segundo Tânia Pereira, “esta mobilização nacional forneceu ao legislador constituinte subsídios para elaboração de normas de proteção à infanto-adolescência.”17

As discussões que levaram à edição da Convenção Internacional sobre Direitos da Criança, que foi aprovada novembro de 1989, somadas à já referida pressão dos movimentos sociais, influenciaram o Legislador constituinte a trazer para o ordenamento jurídico nacional a Doutrina da Proteção Integral um ano antes da aprovação da Convenção em apreço.

14

Princípio 1º: A criança gozará todos os direitos enunciados nesta Declaração. Todas as crianças, absolutamente sem qualquer exceção, serão credoras destes direitos, sem distinção ou discriminação por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição, quer sua ou de sua família.

15

Art.2: 1. Os Estados Partes respeitarão os direitos enunciados na Presente Convenção e assegurarão sua aplicação a cada criança sujeita à sua jurisdição, sem disitinção alguma, independentemente de sexo, idioma, crença, opinião política ou de outra natureza, origem nacional, étnica ou social, posição econômica, deficiências físicas, nascimento ou qualquer outra condição da criança, de seus pais ou de seus representantes legais.

16 CUSTÓDIO, André Viana in Espaço Jurídico. Os Novos Direitos da criança e do adolescente. Joaçaba,

v.7, n.1, jan./jun. 2006. p. 14.

17

(24)

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e conseqüente adoção da Doutrina da Proteção Integral, por meio do já referido artigo 227, não demorou para que fosse editada uma regulamentação específica sobre este tema. Até porque o Código de Menores de 1979 havia sido implicitamente revogado pela Carta Magna, por estar em dissonância com o espírito da nova Doutrina adotada. Em 13 de Julho de 1990, foi aprovada a Lei nº 8.069/90, o Estatuto da Criança e do Adolescente, que entrou em vigor no dia 12 de outubro daquele mesmo ano, como é sabido, dia das crianças. Mas a edição deste Estatuto foi mais do que um presente para as crianças de nosso país, representou, segundo João Batista da Costa Saraiva:

Um marco divisório extraordinário no trato da questão da infância e da juventude no Brasil. Operou-se uma mudança de referenciais e paradigmas na ação da Política Nacional, com reflexos diretos em todas as áreas, especialmente no plano do trato da questão infracional.18

Há de se ressaltar a série de mudanças que o Estatuto da Criança e do Adolescente trouxe ao universo dos direitos infanto-juvenis que passaram a ser vistos sob uma ótica diferente daquelas das legislações anteriores. A criança ou o adolescente são agora sujeitos de direito e não apenas objetos da Administração Judiciária.

Inspirado na nova Doutrina, o Estatuto da Criança e do Adolescente dirigiu-se para a universalidade dos seres que se encaixam nas categorias criança e adolescente, tendo o critério etário como único indicador da proteção, assistência e sanção, abrangendo desde o ser na fase fetal até os menores de 18 anos (excepcionalmente até os 21 anos, como na possibilidade de aplicação de medida socioeducativa àqueles que quando do cometimento do ato infracional tinham menos de 18 anos). Acerca da adoção pelo ECA da Doutrina da Proteção Integral, Amaral e Silva afirma que:

18

(25)

Este direito especializado não deve se dirigir apenas a um tipo de jovem, mas sim, a toda a juventude e a toda a infância, e sua medidas de caráter geral devem ser aplicadas a todos.19

A partir desta visão de que todas as crianças e os adolescentes merecem ser abrangidos pelos direitos fundamentais, surgiu o conceito de pessoa em condição peculiar de desenvolvimento, no qual se encaixavam estes indivíduos que não haviam ainda alcançado a plenitude de seu desenvolvimento e por isso eram mais frágeis e, portanto, merecedores de maior proteção que os adultos.

Respeitando tal condição de fragilidade destes seres e com vistas à protegê-los, o legislador infraconstitucional adotou o Princípio da Prioridade Absoluta, ínsito no artigo 4º estatutário, in verbis:

Artigo 4º: É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, COM ABSOLUTA PRIORIDADE, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (grifo nosso)

Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:

a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;

c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;

d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.

No tocante à prática de ato infracional, os menores de 18 anos passaram a ser penalmente inimputáveis, devendo ser-lhes aplicadas as medidas de proteção e socioeducativas presentes no Estatuto, de que trataremos no Capítulo 2. Às crianças que cometessem algum ato infracional, passaram a ser aplicadas medidas de proteção constantes do artigo 101 estatutário. Os adolescentes, ou seja, aqueles indivíduos com idade entre 12 e 18 anos, que cometessem ato infracional poderiam cumprir uma das medidas socioeducativas elencadas no artigo 112 estatutário ou receber a remissão.

19

(26)

Pela primeira vez foi garantido aos adolescentes que cometessem atos infracionais o direito ao devido processo legal, com contraditório e ampla defesa, conforme se infere dos artigos 110 e 111 do ECA, in verbis:

Art. 110. Nenhum adolescente será privado de sua liberdade sem o devido processo legal.

Art. 111. São asseguradas ao adolescente, entre outras, as seguintes garantias:

I - pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, mediante citação ou meio equivalente;

II - igualdade na relação processual, podendo confrontar-se com vítimas e testemunhas e produzir todas as provas necessárias à sua defesa;

III - defesa técnica por advogado;

IV - assistência judiciária gratuita e integral aos necessitados, na forma da lei;

V - direito de ser ouvido pessoalmente pela autoridade competente; VI - direito de solicitar a presença de seus pais ou responsável em qualquer fase do procedimento.

As mudanças implementadas pelo ECA repercutiram de tal forma que, conforme João Batista da Costa Saraiva:

O Estatuto da Criança e do Adolescente trouxe estes agentes da condição de “objetos do processo”, como os tratava o anterior regime, para o status de “sujeitos do processo”, consequentemente detentores de direitos e obrigações próprios do exercício da cidadania plena, observada sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento.20

Por todo o exposto, pudemos concluir que o tratamento reservado às crianças e aos adolescentes sofreu diversas alterações ao longo dos tempos. O progresso no trato aos jovens foi notável, o que mostra que a humanidade finalmente, pelo menos no âmbito teórico, passou a valorizar estes sujeitos merecedores de tratamento diferenciado em comparação com o restante dos seres humanos.

No tocante à prática de infrações penais por jovens, a forma de responsabilização e sanção de seus autores mudou significativamente quando passou a ser adotada a Teoria Humanista e não mais a Teoria do Discernimento.

20

(27)
(28)

2 Ato infracional e Medidas socioeducativas

A Doutrina da Proteção Integral da criança e do adolescente, inserida definitivamente no ordenamento jurídico brasileiro por intermédio do artigo 227 da Constituição Federal de 1988, mudou a forma de se tratar a infância e a juventude nas últimas duas décadas em nosso país, como se pôde ver no final do primeiro capítulo. Estes sujeitos passaram a ser vistos como seres em desenvolvimento e que necessitam ter seus interesses e seus direitos protegidos. Proteção esta que é de responsabilidade da família, da sociedade civil em geral e do Estado, assim como previsto logo no início do dispositivo constitucional supracitado, ao dizer que “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito...” (grifo nosso).

Como consequência da mudança operada no sistema jurídico de proteção à infância e à juventude, houve alteração na forma de apuração da prática de atos infracionais e de responsabilização dos que praticam tais atos, através das medidas socioeducativas e protetivas. Para compreendermos melhor esta mudança, faz-se mister esclarecer alguns conceitos como os de: imputabilidade, legalidade, tipicidade, ato infracional e medidas socioeducativas e protetivas.

Imputar é atribuir a alguém responsabilidade por alguma coisa. Portanto, aquele a quem se pode atribuir a responsabilidade por algum fato, chama-se imputável, ou seja, dotado de imputabilidade. Qualquer conceito de imputabilidade é de origem doutrinária, tendo em vista que, como afirma o renomado penalista Damásio de Jesus, não existe conceituação específica para tal instituto no Código Penal brasileiro.21 O referido doutrinador afirma que há a

contrario sensu o conceito de inimputabilidade que está previsto no artigo 26 do

referido diploma legal, in verbis:

Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da

21

(29)

ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Negativando o conceito ínsito no dispositivo supra, Fernando Capez define a imputabilidade como:

[...] a capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esdeterminar-se entendimento. O agente deve ter condições físicas morais e mentais de saber que está realizando um ilícito penal. Mas não é só. Além dessa capacidade plena de entendimento, deve ter totais condições de controle sobre sua vontade.22

Portanto, imputabilidade é a qualidade do sujeito que é passível de imputação. Por sua vez, esta é a atribuição de responsabilidade contra pessoa a qual se atribui a causa de ato ilícito e punível.

Para o estudo que pretendemos realizar interessa o conceito de inimputabilidade. Para isso, recorremos novamente a Damásio de Jesus que, baseando-se na conceituação constante no artigo 26 do Código Penal, assim define o sujeito inimputável:

Inimputável é, então, o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não possui, ao tempo da prática do fato, capacidade de entender o seu caráter ilícito ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.23

Segundo Capez, as crianças e os adolescentes são inimputáveis por estarem inseridos na categoria de sujeitos com desenvolvimento mental incompleto, que “é o desenvolvimento que ainda não se concluiu, devido à recente idade cronológica do agente ou à sua falta de convivência em sociedade, ocasionando imaturidade mental e emocional.” (Grifo nosso)24

No tocante à inimputabilidade das crianças e dos adolescentes, diversos dispositivos a preveem. A legislação penal em vigor traz tal previsão no artigo 27 do Código Penal que reza que “os menores de 18 anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas em legislação especial.”

22

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal. Vol. 1. 9ª Ed.São Paulo: Saraiva, 2005. p. 306.

23

JESUS, Damásio Evangelista. Direito Penal. Vol. 1. 10ª Ed.São Paulo: Saraiva, 1985. p. 407.

24

(30)

Atualmente a legislação especial a qual se refere o supracitado artigo do Código Penal é o Estatuto da Criança e do Adolescente que também prevê a inimputabilidade dos menores de 18 anos, nos termos do seu artigo 104, que consigna que “são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei.”

Ainda tratando da inimputabilidade das crianças e dos adolescentes, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 228, consigna que “são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.”

Consolidado o conceito de inimputabilidade, passemos a tratar da legalidade. O princípio da estrita legalidade tem previsão constitucional no artigo 5º, inciso XXXIX:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.

O referido princípio tem também previsão infraconstitucional, nos termos do artigo 1º do Código Penal, onde “não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.”

Ao tratar do princípio da estrita legalidade Damásio de Jesus afirma que ”o Estado não pode castigar um comportamento que não seja descrito em suas leis, nem punir o cidadão quando inexistente a sanctio juris cominada ao delito.”25. Tal princípio evidencia-se na seguinte expressão latina: nullum crimen,

nulla poena sine lege.

No tocante à tipicidade, esta é definida por Júlio F. Mirabete como sendo “a correspondência exata, a adequação perfeita entre o fato natural,

25

(31)

concreto e a descrição contida na lei”.26 O fato natural ao qual se refere Mirabete é a conduta ativa ou omissiva proibida em lei. Tal conduta humana deve ser descrita em seus pormenores pela lei penal, correspondendo a um fato criminoso. Assim, o tipo é um fato descrito pela lei que corresponde a um crime, contendo todos seus elementos. Deste modo, aqueles que cometerem uma conduta idêntica à que consta no molde legal estarão cometendo um crime.

Apresentados os conceitos de imputabilidade, legalidade e tipicidade passaremos a tratar do ato infracional que é definido no artigo 103 do ECA da seguinte maneira:

Art. 103. Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal.

Do dispositivo legal acima infere-se que o conceito de ato infracional deriva da legislação penal. No ordenamento jurídico nacional, crime ou delito e contravenção penal são espécies do gênero infração penal. A legislação penal vigente prevê que aqueles que cometem infração penal, seja qual for a espécie, incorrem numa respectiva sanção, que somente é atribuída para efeitos de pena aos imputáveis. Neste aspecto, o Estatuto da Criança e do Adolescente trouxe importante inovação ao se aproximar do principio da tipicidade, visto que na legislação anteriormente vigente havia o critério incerto do “desvio de conduta” para aferir a situação irregular do “menor”, enquanto que agora só há ato infracional se houver a prática de uma conduta semelhante a uma figura penal tipificada em lei.

O legislador utilizou outra linguagem para denominar a prática de uma infração penal por inimputáveis, intitulando tal conduta de ato infracional. Tal denominação foi escolhida tendo em vista que se trata de outra realidade, com indivíduos em condição peculiar de desenvolvimento e merecedores de proteção integral. Ou seja, embora os adultos e adolescentes cometam os mesmos fatos típicos, estes recebem denominação diferente pelos motivos expostos acima. Napoleão X. Amarante retrata bem esta diferença, sugerindo que:

26

(32)

Quando a ação ou omissão venha a ter perfil de um daqueles ilícitos, atribuível, entretanto, à criança ou ao adolescente, são estes autores de ato infracional com conseqüências para a sociedade, igual ao crime e à contravenção, mas, mesmo assim, com contornos diversos, diante do aspecto da inimputabilidade e das medidas a lhes serem aplicadas, por não se assemelharem estas com as várias espécies de reprimendas.27

Neste diapasão, os menores de 18 anos (adolescentes e crianças) cometem ato infracional quando praticam alguma conduta semelhante à crime ou contravenção. E por serem sujeitos em condição peculiar de desenvolvimento e inimputáveis não lhes são aplicadas as penas que cabem aos adultos, de caráter punitivo, e sim as medidas socioeducativas. Tais medidas, além do caráter de ressocialização e de reinserção dos adolescentes no convívio social apresentam também, diferentemente das penas aplicadas aos adultos, o caráter pedagógico.

As medidas acima mencionadas estão elencadas no artigo 112 do ECA, in verbis:

Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I - advertência;

II - obrigação de reparar o dano;

III - prestação de serviços à comunidade; IV - liberdade assistida;

V - inserção em regime de semi-liberdade; VI - internação em estabelecimento educacional; VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.

§ 1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração. § 2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado.

§ 3º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições.

O ECA adotou como meio de responsabilização do adolescente autor de ato infracional a aplicação das supracitadas medidas socioeducativas, que correspondem às medidas de proteção e assistência do Código de Menores de 1979. Quanto às crianças, pessoas de “até doze anos de idade incompletos” nos termos do artigo 2º estatutário, são aplicadas as medidas previstas no artigo

27

(33)

101, incisos I a VI, do ECA, denominadas medidas de proteção. Caso comprovada a prática do ato infracional pelo adolescente, este será responsabilizado pela sua conduta e receberá a imposição das medidas socioeducativas, como visto no dispositivo estatutário acima, que vão desde a advertência, passando pela obrigação de reparar o dano, a prestação de serviços à comunidade, a liberdade assistida, a inserção em regime de semiliberdade, até a internação em estabelecimento educacional.

Portanto, no contexto da proteção integral as medidas socioeducativas são entendidas como providências judiciais que têm como fim precípuo responsabilizar os adolescentes pelos atos infracionais por eles praticados, possibilitando um pleno e sadio desenvolvimento destes seres no meio social em que vivem, no qual serão reinseridos com auxílio de uma dessas medidas. Vale repetir que estas medidas não tem caráter punitivo, visando reeducar e ressocializar os adolescentes, demonstrando um intuito pedagógico, embora alguns doutrinadores divirjam deste posicionamento:

Não deve prevalecer, pois, a simples nomenclatura, mas o âmago da imposição estatal. [...] A medida socioeducativa, pois, também é punitiva. [...] Caso contrário estaria desvirtuando a vontade do legislador, que é dar uma resposta ao adolescente infrator.28

Expostos os conceitos de tipicidade, legalidade, inimputabilidade, ato infracional e medida socioeducativa trataremos dos aspectos que cercam o ato infracional para, posteriormente, tratar de cada uma das medidas socioeducativas elencadas no artigo 112 do ECA.

28

(34)

2.1 Atos Infracionais

2.1.1 Direitos Individuais

O Estatuto da Criança e do Adolescente, ao tratar dos atos infracionais no seu Título III, enumera uma série de garantias e direitos individuais inerentes aos adolescentes quando da suspeita da prática de ato infracional. Tais direitos estão elencados nos artigos 106 a 109 estatutários e são garantias constitucionais individuais especiais que tutelam a liberdade pessoal destes seres em desenvolvimento.

O artigo 106 estatutário prevê que “nenhum adolescente será privado de sua liberdade senão em flagrante de ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente.” Ao se referir somente ao adolescente, o dispositivo acima confirma a regra do artigo 105 do ECA que prevê que quando uma criança praticar ato infracional ser-lhe-ão aplicadas as medidas previstas no art. 101, quais sejam, as medidas de proteção, entre as quais não há nenhuma que possibilite apreensão ou privação de liberdade.

As previsões constantes nos incisos LII e LXI do artigo 5º da Constituição Federal de 1988 correspondem a do supracitado dispositivo estatutário ao dispor sobre o princípio do juiz natural (inc. LIII) e a impossibilidade de prisão “senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente” (inc. LXI). A previsão do caput do artigo 106 é uma adaptação do dispositivo constitucional acima transcrito, como afirma Péricles Prade:

(35)

cinge ao ato físico de simples apreensão (ECA, art. 107), decorrente da inimputabilidade.29

A autoridade competente para escrever e fundamentar tal ordem é, observada a lei de organização judiciária local, o Juiz da Infância e da Juventude, nos termos do artigo 146 estatutário A desobediência de qualquer uma das previsões do caput do artigo 106 do ECA consiste em crime apenado com detenção de seis meses a dois anos previsto no artigo 230 também estatutário.

O parágrafo único do artigo 106 do ECA nos remete aos incisos LXIII e LXIV do artigo 5º da Constituição Cidadã:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;

LXIV - o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial.

Tal previsão de identificação dos responsáveis pela apreensão visa coibir abusos contra o adolescente. Porém, errou o legislador infraconstitucional ao retirar a frase “ou por seu interrogatório policial”. Tal retirada dá a “impressão da desnecessidade de identificação do responsável pela ouvida do adolescente, seja autoridade judiciária ou policial”30. Mesmo com esta eliminação, “é fundamental a identificação, destarte, não só com referência aos responsáveis pela apreensão, mas alcançando, também, aquele que ouviu o adolescente[...]”31.

Prosseguindo com a análise dos direitos individuais dos adolescentes quando da suspeita de prática de ato infracional, o artigo 107 está relacionado com a vedação de incomunicabilidade e com a possibilidade de “liberação

29

PRADES, Péricles apud CURY, Munir. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 7ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p. 351.

30 Ibidem, p. 353. 31

(36)

imediata” do adolescente apreendido, presentes nos incisos LXII e LXV do artigo 5º da CF/88, in verbis:

Art. 5º

[...]

LXII - a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada;

[...]

LXV - a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária.

A apreensão de adolescente por suspeita de prática de ato infracional, como se infere do caput do dispositivo estatutário em questão, deve ser comunicada ao Juiz da Infância e da Juventude (observado o artigo 146 do ECA), à família do apreendido ou à pessoa por ele indicada. Ao utilizar o termo “incontinenti” no lugar de “imediatamente”, o legislador teve o intuito de transmitir uma idéia de maior imperatividade, significando que a comunicação deve ser feita sem atrasos. Acerca do assunto, José Celso de Mello Filho afirma o seguinte:

A comunicação há de ser feita com a máxima celeridade, a fim de não se prolongar coação eventualmente injusta do estado de liberdade do indivíduo.32

O motivo da imediata comunicação da apreensão do adolescente às pessoas referidas no texto legal deve-se ao fato da “tutela minorista exigir que assim o seja para coibir a constrição por tempo dilargado e de molde a causar traumas de toda ordem e às vezes irreversíveis.”33

Quanto ao parágrafo único do artigo 107, a possibilidade de liberação imediata deve ser examinada, atentando-se para a ocorrência de alguma ilegalidade na apreensão, que pode se configurar caso haja desobediência aos requisitos legais que autorizam a privação de liberdade presentes no Código de Processo Penal e no Estatuto da Criança e do Adolescente. Ocorrendo a apreensão ilegal, por se tratar de constrangimento ilegal, caberá “habeas

32

MELLO FILHO, José Celso de apud PRADES, Péricles apud CURY, Munir. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 7ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p. 356.

33

(37)

corpus” caso não seja o adolescente liberado imediatamente. Ademais, o exame da liberação incumbe à autoridade policial, ao Ministério Público ou à autoridade judiciária competente.

O artigo 108 estatutário trata da possibilidade de aplicação da medida socioeducativa de internação provisoriamente in verbis:

Art. 108. A internação, antes da sentença, pode ser determinada pelo prazo máximo de quarenta e cinco dias.

Parágrafo único. A decisão deverá ser fundamentada e basear-se em indícios suficientes de autoria e materialidade, demonstrada a necessidade imperiosa da medida.

A internação provisória do adolescente pelo prazo máximo de 45 dias referido no supracitado dispositivo legal deve ter caráter cautelar e ser determinada por ordem judiciária fundamentada. Conforme o parágrafo único do artigo 108, a autoridade deve demonstrar a “necessidade imperiosa” desta medida e a fundamentação deve basear-se em “indícios suficientes de autoria e materialidade”. Tal medida apresenta também como fim manter protegida a integridade física do adolescente.

O termo inicial de contagem do prazo máximo de internação provisória é a data da apreensão do adolescente. A autoridade que descumprir esse prazo estará cometendo crime previsto no artigo 235 estatutário, in verbis:

Art. 235. Descumprir, injustificadamente, prazo fixado nesta Lei em benefício de adolescente privado de liberdade:

Pena - detenção de seis meses a dois anos.

Como foi dito, o adolescente deve permanecer interno por no máximo 45 dias enquanto a autoridade competente para julgá-lo conclui o procedimento de apuração da prática de ato infracional. Embora não seja entendimento pacífico, em alguns casos especiais este prazo pode ser ultrapassado, por exemplo, quando o adolescente for incapaz de se reinserir no meio social, bem ainda quando o ato infracional for muito grave. Neste sentido, vide o entendimento de nossos tribunais:

(38)

transcurso do prazo de 45 dias previsto em lei quando se trata de jovem que praticou delito grave e o processo está tramitando regularmente. Ordem denegada. (HABEAS CORPUS Nº 70008295321, SÉTIMA CÂMARA CÍVEL, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: JOSÉ CARLOS TEIXEIRA GIORGIS, JULGADO EM 14/04/2004)

O último dos artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente concernentes aos direitos individuais dos adolescentes sob suspeita de prática de ato infracional é o 109 que reza que:

Art. 109. O adolescente civilmente identificado não será submetido a identificação compulsória pelos órgãos policiais, de proteção e judiciais, salvo para efeito de confrontação, havendo dúvida fundada.

Tal dispositivo visa evitar constrangimento ilegal do adolescente ao dispensar a identificação criminal caso seja ele identificado civilmente.

Antes da legislação atualmente em vigor, o Estatuto da Criança e do Adolescente, contrariando a doutrina majoritária, o posicionamento de nossa Suprema Corte acerca do tema era pela inexistência de constrangimento ilegal quando realizada a identificação criminal mesmo que tenha sido o acusado identificado civilmente, conforme súmula nº 568 do STF:

Súmula 568: A identificação criminal não constitui constrangimento ilegal, ainda que o indiciado já tenha sido identificado civilmente.

Tal súmula foi superada com a promulgação da Constituição Federal de 1988, quando o legislador constituinte inseriu no artigo 5º, inciso LVIII o direito fundamental da não-submissão do civilmente identificado à identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei.

A regra estatutária em análise e que protege o adolescente de provável constrangimento ilegal “ressaltou uma dessas hipóteses, admitindo a identificação criminal (através do processo datiloscópico ou outro de natureza técnica com os mesmos objetivos) mesmo se o adolescente já tenha sido civilmente identificado”.34 Tal hipótese configura-se "para efeito de confrontação, havendo dúvida fundada". Ou seja, quando há dúvida fundada da autoria do ato infracional entre dois ou mais adolescentes, mesmo sendo eles civilmente

34

(39)

identificados, deve proceder-se a identificação criminal. A dúvida baseia-se em “evidências ostensivas e para evitar erro policial e/ou judiciário”35.

Péricles Prade comenta que é de se lamentar “que o Estatuto da Criança e do Adolescente, justamente, tenha inaugurado o rol das possíveis exceções à regra geral, previsto na parte final do inc. LVIII do art. 5° da CF.”36.

É questionável a exigência da humilhante identificação criminal se já tiver ocorrido a identificação civil. O mesmo doutrinador supracitado afirma ainda que é “desnecessária aquela (a identificação criminal) ainda que haja dúvida, fundada ou não, acerca da identidade civil, ferindo-se, inconfutavelmente, o princípio universal da presunção de inocência...”37. Mesmo com essa previsão legal que fere a dignidade do adolescente resta a este a seguinte proteção:

Se houver identificação criminal, mesmo no caso de identificação civil anterior, ou, então, se ocorrer aquela compulsoriamente, sob o argumento de existência de dúvida fundada, para efeito de confrontação, sem que tais hipóteses tenham ocorrido, configurar-se-á o crime tipificado pelo art. 232 (ECA).38

2.1.2 Garantias Processuais

Os adolescentes suspeitos de terem praticado ato infracional tem, como explicitado no item anterior, direitos individuais. Estas pessoas em estágio de desenvolvimento apresentam também garantias processuais que devem ser observadas quando da apuração da prática de um ato infracional assim como as inerentes aos adultos. Tais garantias encontram-se enumeradas nos artigos 110 e 111 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

35 PRADES, Péricles apud CURY, Munir.

Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 7ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2005. p. 363.

36

Ibidem, p.363.

37 Ibidem, p.363-364. 38

(40)

Inicialmente, consta no artigo 110 a garantia do devido processo legal. Tal garantia integra a base do Estado Democrático de Direito e vem expresso também no artigo 5º, inciso LIV de nossa Constituição Federal:

Art. 5º

[...]

LIV – Ninguém será privado de liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.

Como se pode ver, o artigo 110 do Estatuto da Criança e do Adolescente trouxe para o esfera do Direito da Criança e do Adolescente a previsão do dispositivo constitucional supracitado:

Art. 110. Nenhum adolescente será privado de sua liberdade sem o devido processo legal.

Este dispositivo tem fundamento no âmbito do Direito Internacional na regra mínima nº 14.1 de Beijing que consigna que:

Todo jovem infrator, cujo caso não tenha sido objeto de remissão (de acordo com a regra será apresentado à autoridade competente Juizado, tribunal, junta, conselho etc.), que decidirá de acordo com os princípios de um processo imparcial e justo.

Pinto Ferreira afirma que a garantia do devido processo legal aos adolescentes suspeitos de praticar ato infracional consiste em diversos direitos, dentre eles:

a) o direito à citação, pois ninguém pode ser acusado sem ter conhecimento da acusação; b) o direito de arrolamento de testemunhas, que deverão ser intimadas para comparecer perante a Justiça; c) o direito ao procedimento contraditório; d) o direito de não ser processado por leis ex post facto; e) o direito de igualdade com a acusação; f) o direito de ser julgado mediante provas e evidência legal legitimamente obtidas; g) o direito ao juiz natural; h) o privilégio contra a auto-incriminação; i) a indeclinabilidade da prestação jurisdicional, quando solicitada; j) o direito aos recursos; l) o direito à decisão com eficácia de coisa julgada.39

O artigo 111 do Estatuto da Criança e do Adolescente enumera algumas garantias “asseguradas aos adolescentes” pelo legislador estatutário e que decorrem do princípio constitucional do devido processo legal ínsito no

39

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Tabela 1 – Capacidade das Unidades de Internação 65

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