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Ritos genéticos de uma escritura

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RITOS GENÉTICOS DE UMA ESCRITURA INDISCIPLlNADAl

MLKJIHGFEDCBA

C e llin a R o d r ig u e s M u n izzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA Mestre em Lingüística e Doutoranda em Educação Brasileira pela Faculdade

de Educação da Universidade Federal do Ceará; Bolsista FUNCAP/CAPES e

Professora Substituta do Curso de Letras na Universidade Estadual do Ceará. E-mail: cellina.muniz@bol.com.br

Resum o

jihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

E s te a r tig o fa z a lg u m a s r e tle x õ e s s o b r ezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAa e m e r g ê n c ia d a e s c r itu r a d e fa n z i-n e s /r e v is ta s a lte r n a tiv a s d e um g r u p o p a r tic u la r d e s u je ito s fr e q ü e n ta d o r e s

d o b a ir r o B e n fic a e d o e n to r n o d a U n iv e r s id a d e F e d e r a l d o C e a r á , n a c a p ita l c e a r e n s e , n o s a n o s 2 0 0 0 , ap a r tir d o q u e sec o m p r e e n d e como r ito s g e n é tic o s

in d is c ip lin ad o s .

85

Palavras-Chave: Ritos genéticos indisciplinados; Fanzines/revistas

alternati-vas; Benfica.

Abstract

T h is a r tic le r e tle c ts th e a r is in g o f fa n z in e s /a lte r n a tiv e m a g a z in e s b y ap a r tic u la r

g r o u p o f B e n iic e 's to w n a tte n d in g p e r s o n s , n e a r to F e d e r a l U n iv e r s ity o f C e a r á , in F o r ta le z a , C e a r á , d u r in g th e y e a r o f 2 0 0 0 , w h ic h is u n d e r s to o d as ag e n e tic u n d is c ip lin e d r itu a l.

Key-Words: Genetic undisciplined ritual; Fanzines/alternative magazines;

Benfica.

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Cellina Rodrigues MunizIHGFEDCBA

Introduçõo

86

o

que há de comum entre um bode que se transporta no tempo

e uma grande turma de homens e mulheres (ou nem tanto) que bebem

vinho e fumam maconha atrás da biblioteca de uma universidade? Tão

problemático quanto querer estabelecer uma ligação imediata entre

es-ses elementos é a pretensão de dar uma definição precisa para um

con-junto particular de práticas de escrita, tema deste artigo.

Mas assumo os riscos e apresento aqui a minha interpretação.

Atra-vés de entrevistas e pesquisa bibl iográfica, tento resgatar a emergência

das práticas de escrita de alguns fanzines e de uma revista alternativa/

por um "grupo de afinidades", no bairro fortalezense do Benfica, nos

primeiros anos da década de 2000. Utilizando também esses escritos,

postulo que essas práticas específicas emergem a partir dejihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAr ito s g e n é tic o s

in d is c ip lin a r e s .

Pensar em indisciplina remete, necessariamente, a Michel

Fou-cault e seu estudo sobre as técnicas disciplinares. Meu objetivo, com

este trabalho, é tentar estabelecer relações entre o conceito foucaultiano,

rapidamente aqui esboçado, e a emergência da escritura em questão.

De acordo com o que assinala Machado (1990, p. 182), a respeito

da definição de Deleuze, Foucault pode ser compreendido, ao mesmo

tempo, c o m o a r q u iv is tJ , c e r to g r e to e to p o lo g is te . Trata-se de

compreen-der sua obra a partir de três eixos, ou três épocas, obviamente tratadas

não como limites cronologicamente estanques, mas sim como tentativa

didática de descrição de regularidades teóricas, cujos aspectos, como se

sabe a r q u e o lo g ic a m e n te , encontram-se d is p e r s e s ' ao longo de seus

inú-meros trabalhos. Segundo Gregolin (2004, p. 55), essas épocas

revela-riam focos de atenção mais ou menos distintos, porém, todos marcados

pelo projeto de delineamento da produção histórica de subjetividades:

Primeiramente, a fase de o b je tiv a ç ã o d o s u je ito , em que se trata

de in v e s tig a r o s s a b e r e s q u e e m b a s a m a c u ltu r a o c id e n ta l, momento de

elaboração do chamado método arqueológico, representado

principal-mente pelos trabalhos A s p a la v r a s e a s c o is a s eA r q u e o lo g ia d o s a b e r . Em

seguida, a fase das té c n ic a s d is c ip lin a r e s e d a a r tic u la ç ã o e n tr e s a b e r e s

e p o d e r e s , marcada basicamente pela idéia de que o p o d e r s e p u lv e r iz a

n a s o c ie d a d e em in ú m e r o sMLKJIHGFEDCBAm ic r o - p o d e r e s , representada por trabalhos

como V ig ia r e p u n ir e M ic r o fís ic a d o p o d e r . E, finalmente, a fase da

(3)

Ritos Genéticos de Uma Escritura IndisciplinadajihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

v e m e m e n te b ilid e d ezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAe té c n ic a s d e s i, em que, através principalmente da H is tó r ia d a s e x u a lid a d e , o autor tenta buscar a c o n s titu iç ã o h is tó r ic a d e

u m a é tic a ee s té tic a d e s i.

Interessa aqui particularmente o Foucault cartógrafo, preocupado

com as relações de poder ria sociedade de controle que emerge a partir

do século XVIII e os dispositivos de legitimação e manutenção política

em diversas instâncias.

No caso deste trabalho, conforme já aludi, a instância a que me refiro

é a do campo discursivo literário, mais especificamente relativo ao circuito

de produção e circulação de textos divulgados em alguns fanzines e em

uma revista alternativa, criados e difundidos por um grupo de sujeitos

fre-qüentadores do bairro Benfica e, particularmente, do Campus do Benfica da

Universidade Federal do Ceará, nos primeiros dos anos 2000.4

Acredito que a emergência das práticas rie escrita desse grupo

par-ticular de sujeitos integra uma conjuntura de relações de força junto a

outras instituições: especificamente a própria direção da Universidade e

seus aparelhos de "segurança", ou ainda, de modo mais amplo, o

mer-cado editorial, a indústria cultural, os espaços oficiais de letramento.

87

A realização da escritura desses sujeitos tem sua gênese em variadas

relações de poder, procurando, em alguma medida, romper com as té c

-n ic a s d is c ip li-n a r e s impostas por essas instituições e apresentam-se, como pretendo mostrar, com\> uma escritura indisciplinada."IHGFEDCBA

As Técnicas Disciplinares em Foucault

Como assinala Deleuze (2005), em V ig ia r e p u n ir Foucault institui

uma nova perspectiva de abordagem teórica do poder, abandonando

antigos postulados: as perspectivas que encaravam o poder como uma

propriedade; como localizável unicamente nos aparelhos do Estado;

como necessariamente subordinado a ele; como uma essência; como

um exercício de violência ou ideologia; e ainda como parte da crença

na entidade da Lei. (cf. DELEUZE, 2005, p. 34-40).

Desse livro, responsável, assim, por apresentar um " n o v o cartógrafo" ou "algo de n o v o depois de Marx." (DELEUZE, 2005), interessa aqui, particu-larmente, a seção intitulada D is c ip lin a , que se distribui através de três capítu-los:MLKJIHGFEDCBAC O I p O S d ó c e is , O s r e c u r s o s p a r a o b o m a d e s tr a m e n to e O p a n o p tis m o .

(4)

Cellino Rodrigues Muniz

88

Inicialmente, Foucault apresenta a emergência, gradativa, de uma

outra mentalidade de controle e utilização dos indivíduos e o

desenvol-vimento de novas tecnologias e exercícios de poder que, ainda que

atu-ando diretamente sobre o corpo, diferenciam-se das punições e suplícios

praticados até o século XVIII. Trata-se do que Foucault nomeia como

técnicasjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAd is c ip lin a r e s e o seu momento histórico

é

zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

(...] o momento em que nasce a arte do corpo humano, que visa não unicamente o aumento de suas habilidades, nem tampouco aprofundar sua sujeição, mas a formação de uma relação que no

mesmo mecanismo o torna tanto mais obediente quanto émais útil,

e inversamente. (FOUCAULT, 1987, p. 127).

Essa mentalidade consiste na fabricação da chamada "docilidade",

a simultaneidade na invenção de um corpo analisável e manipulável,

desenvolvendo, assim, toda uma a n a to m ia p o lític a d o d e ta lh e .

Diferente-mente da prática de suplício (em que a tortura pública era utilizada a fim

de legitimar o poder soberano) ou ainda da prática de punição (que

emer-giu com a reforma do direito criminal e baseava-se na teoria do Contrato

Social), a "doci/idade" se manifesta como uma outra fase na história das

formas de poder (O.FONSECA, 1995" p. 40-41). Como assinala Foucault

a respeito dessa mentalidade que institui um novo objeto e alvo de poder:

"É dócil o corpo que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que

pode ser transformado e aperfeiçoado." (FOUCAUL T, 1987, p. 126).

Foucault ressalta que, embora o corpo, em qualquer época e

so-ciedade, esteja necessariamente preso a limitações, proibições e

obri-gações, a novidade da "docilidade" a partir do século XVIII consiste,

basicamente, em três novos aspectos de atuação sobre o corpo: a e s c a la

d e c o n tr o le , em que se trata de atuar sobre o corpo não como uma massa

uniforme, e sim tr a b a lh á -Ia d e ta lh a d a m e n te ; o o b je to d e c o n tr o le , não o

corpo em si, mas ae fic á c ia d o s m o v im e n to s ; e finalmente a modalidade

de controle, exerci da através de uma c o e r ç ã oMLKJIHGFEDCBAin in t e r r u p t e , c o n s ta n te .

Diferenciando-se, assim, de outros processos disciplinares existentes até

então (a escravidão, a domesticidade, a vassalidade e o ascetismo), a

disciplina em Foucault é compreendida, então, como o conjunto de

mé-todos que "permitem o controle minucioso das operações do corpo, que

realizam a sujeição constante de suas forças e Ihes impõem uma relação

de docilidade-utilidade." (FOUCAUL T, 1987, p. 126).

(5)

Ritos Genéticos de Uma Escritura Indisciplinada

A partir de então, o autor tenta estabelecer uma regularidade no

uso desses métodos ou técnicas disciplinares através do exercício

singu-lar das grandesjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAm a q u in a r ia s d e p o d e r (escolas primárias, colégios,

es-paços hospitalares e organizações militares), responsáveis, assim, pela

difusão generalizada dessas técnicas. Foucault discorre, assim, acerca

dos principais aspectos de que consistem as técnicas disciplinares.

O primeiro aspecto se relaciona à distribuição dos indivíduos no

espaço. Através do imperativo "cada indivíduo no seu lugar; e em cada

lugar, um indivíduo" (FOUCAUL T, 1987, p. 131), as sociedades

discipli-nares desenvolveram técnicas (algumas de inspiração monástica) como a

c e r c a , o q u a d r ic u la m e n to , a s lo c a liz a ç õ e s fu n c io n a is , a fila ,gerando uma

distribuição complexa de indivíduos em espaços configurados em sua

arquitetura, funcionalidade e hierarquia. (FOUCAULT, 1987, p. 135).

O segundo aspecto diz respeito ao controle da atividade através

do tempo medido. O controle, nesse aspecto, se dá através de

"ma-nobras" que permitam, simultaneamente, um q u a d r ic u la m e n to c e r r a d o

d o te m p o , a garantia da q u a lid a d e d o te m p o e m p r e g a d o , a elaboração

de um e s q u e m a a n á to m o -c r o n o ló g ic o que permita o ajuste do c o r p o a

im p e r a tiv o s te m p o r a is ,zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAa r e la ç ã o e n tr e um g e s to e a a titu d e g lo b a l d o

8 9

c o r p o , a articulação c o r p o -o b je to e a u tiliz a ç ã o e x a u s tiv a pelo princípio

da não-ociosidade. (FOUCAULT, 1987, p. 137-140).

O terceiro aspecto é o que Foucault chama de o r g a n iz a ç ã o d a s g ê

-n e s e s . Trata-se da formulação de um sistema que, baseado na

aprendiza-gem corporativa (que se firma, por sua vez, na relação de dependência

individual e total entre mestre e aprendiz), permita uma utilização

ren-tável do tempo. Em outras palavras: a disciplina, nesse caso, é exercida

como "aparelhos para adicionar e capitalizar o tempo" (FOUCAULT,

1987, p. 142-143). Dessa forma seria possível reger as relações de

tem-po, dos corpos e das forças, realizar uma acumulação da duração e

in-verter o tempo em lucro/utilidade.

O quarto aspecto é o da c o m p o s iç ã o d a s fo r ç a s ,em que o corpo é

tratado como um segmento dentro de uma máquina maior, um conjunto

com o qual é articulado (FOUCAULT, 1987, p. 148). Para a inserção

desse c o r p o -s e g m e n to dentro dessa estrutura maior, é preciso extrair

suas forças, diferenciá-Io e combiná-Io junto a outros. Nessa

composi-ção, através de uma r e la ç ã o d e s in a liz a ç ã o , em que um simples sinal dá

todo um comando, aplica-se uma "moral da obediência" (FOUCAULT,

1987, p. 149).

(6)

Cellino Rodrigues Muniz

As técnicas disciplinares, portanto, constroem quadros, prescrevem

manobras, impõe exercícios e organizam táticas (FOUCAUL T, 1987, p.

150). Atuando sobre os corpos e restringindo as liberdades individuais de

maneira escamoteada, através de recursos corno a vigilância, a sanção

normalizadora ou o exame (Cf. FOUCAUL T, 1987, p. 153-172), a

disci-plina permeia toda e qualquer prática social das sociedades modernas.

As práticas de escrita também são e têm sido alvo de um controle

especfíico." Além das próprias imposições relacionadas aosMLKJIHGFEDCBAf a s c is m o s da

língua, como diria Barthes (2000) - imposições de ordem lexical,

gra-matical, além de outras de caráter ortográfico, de gênero textual, ete. - ,

como já afirmava Foucault, ainda na "fase arqueológica", qualquer uso

da linguagem se determina a partir de mecanismos particulares de

orde-nação, e, assim, "não se pode falar de qualquer coisa em qualquer

épo-ca" (FOUCAULT, 1995, p. 51). Assim é que qualquer prática discursiva

90

ézyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAao mesmo tempo controlada, selecionada, organizada e redis-tribuícla por certo número de procedimentos que têm por função

conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento

ale-atório, esquivar sua pesada e temível materialidade. (FOUCAUL T,

2001, p. Yl.

Ou seja, toda e qualquer prática discursiva segue um conjunto de

coerções ditadas historicamente e de ordem institucional.

Ainda assim, as práticas implicadas na escritura de fanzines/revista

alternativas - meios que se desenvolveram às margens do sistema oficial

de produção e circulação de textos impressos? -, especificamente as do

grupo de sujeitos em questão, estabelecem relações de poder junto a

ou-tros dispositivos e domínios enunciativos, tentando firmar suas próprias

vontades e verdades ao excluir e rejeitar determinados saberes/dizeres,

em contraposição a determinadas técnicas disciplinares.IHGFEDCBA

U m a

Escritura Indisciplinada no Benfica dos Anos 2000

Michel de Certeau, dedicando-se às o p e r a ç õ e s d o s u s u á r io s (de

vivências relacionadas, por exemplo, ao sistema urbanístico ou à leitura)

através das quais, segundo ele, "o cotidiano se inventa com mil maneiras

(7)

Ritos Genéticos de Uma Escrituro Indisciplinodo

de caça não autorizada" (CERTEAU, 2002, p. 38), lança uma

provoca-ção a partir da anál ise de Foucault sobre as sociedades de controle:zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

Se é verdade que por toda a parte se estende e se precisa a rede

de vigilância, mais urgente ainda édescobrir como éque uma

so-ciedade inteira não se reduz a ela: que procedimentos populares

(também minúsculos e cotidianos) jogam com os mecanismos da

disciplina e não se conformam com ela, a não ser para alterá-Ios.

tCERTEAU, 2002, p. 41).

É nesse sentido que concebo a escritura de fanzines/revistas

alter-nativas desse grupo de sujeitos como um desses "procedimentos

popula-res", ou seja, como práticas que emergem a partir de relações de poder

contra diversos modos de operar do sistema de controle.

O próprio fanzine, encarado como umjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAd is p o s itiv o e n u n c ie tiv o "

tem na sua genealogia" um caráter transgressor: de um lado, os

aficiona-dos por revistas de histórias em quadrinhos (marginalizadas, por

exem-plo, pela "política macarthinista") encontraram nesses "boletins" um

91

meio de publicar por conta própria suas histórias, não se restringindo

ao lugar de leitores, e sim se assumindo como autores. (GUIMARÃES,

2000). Por outro lado, punks e anarquistas fizeram do fanzine o

porta-voz das suas principais idéias, sem se calar diante do poderio dos

gran-des meios de comunicação!". [ames (1993), ao abordar o fanzine como

uma das principais práticas culturais do movimento punk nos Estados

Unidos, nos anos 70, destaca esse aspecto:

o

grande valor dos fanzines, sem sombra de dúvida, éque eles não

tentam apropriar-se da produção social. Sua autoria distribui-se pela

subcultura em geral; eles derivam dela, emMLKJIHGFEDCBAv e z de serem produzidos

por profissionais para consumo de massa. (JAMES, 1993, p. 224).

Mas, especificamente a respeito das práticas de escrita de

fanzi-nes/revistas alternativas aqui abordadas, atitudes indisciplinadas estão

relacionadas aos " r ito s g e n é tic o s " (MAINCUENEAU, 2001) vivenciados

e experimentados pelos sujeitos do grupo.

Para compreender o que são os ritos genéticos, é preciso

pressu-por que qualquer prática discursiva se fundamenta numa relação radical

(8)

92

zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

Cellina Rodrigues Muniz

entre enunciados e cenários de enunciação, o que implica a

impossibili-dade de cisão entre organização dos grupos sociais e suas produções de

linguagem. (MAINGUENEAU, 1997). Assim, os ritos genéticos

(MAIN-GUENEAU, 2001, p. 48) estão ligados a um conjunto regular de hábitos

e costumes que fazem com que umjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAm o d o d e v id a (seja) c a p a z d e to m a r

p o s s ív e l u m a o b r a s in g u la r . Assim, esses ritos têm um duplo estatuto: o

de r e a lid a d e h is tó r ic a e o de s in to m a d e p r o p o s iç õ e s e s té tic a s .

(MAIN-GUENEAU, 2001, p.49):

A obra só se constitui implicando os ritos, as normas, as relações

de força das instituições literárias. Ela só pode dizer algo do

mun-do inscrevenmun-do o funcionamento do lugar que a tornou possível,

colocando em jogo, em sua enunciação, os problemas colocados pela inscrição social de sua própria enunciação. (MAINGUENEAU,

2001, p. 30).

Primeiramente, essas práticas emergem de uma certa ruptura com a

regulação dos espaços arquiteturais, funcionais e hierárquicos,

redimensio-nando seus usos e atribuindo-Ihes uma outra complexidade. O circuito de

produção e circulação desses fanzines pode ser considerado todo o

bair-ro fortalezense do Benfica, com suas ruas, praças e bares de modo geral,

mas se relaciona particularmente aos equipamentos formais do Campus

Universitário do Benfica, com o Centro de Humanidades e a Faculdade de

Educação, num território composto por alguns prédios e construções que

mantiveram os traços arquitetõnicos originais das décadas de quarenta e

cinqüenta, como também por um conjunto de árvores quase centenárias

(mangueiras, sapotizeiros, juazeiros, pitombeiras etc).

Nos primeiros anos de 2000, esses sujeitos, freqüentadores

regu-lares dos espaços ao redor da Universidade - com a qual têm ou não

laços formais, isto é, não são exclusivamente alunos e/ou professores

-encontravam-se por vários lugares: atrás da Biblioteca de Humanidades,

nos jardins das Casas de Cultura e especialmente no chamado B o s q u e ,

o território que abrange os Centros Acadêmicos dos cursos de

Pedago-gia e Educação Física, uma quadra de esportes e o estacionamento da

Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará. Assim, esses

indivíduos constituem-se como grupo não só pela freqüência assídua,

durante determinada época, a certos espaços (no que se incluem ainda

as Praças João Gentil e da Gentilândia, além de bares como o bar do

Re-ggae, do Assis ou o Pitombeira), mas também pelas trocas de

(9)

Ritos Genéticos de Uma Escritura Indisciplinada

dência (em que as cartas dão lugar aos e-mails), pelos encontros, pela

semelhança nos modos de vida (Cf. MAINGUENEAU, 2001, p. 31).zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAÉ o

que se vê, por exemplo, na mensagem eletrônica publicada na sétima

edição dojihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAP a /a v r a O e s o r d e m , em que se reproduzem alguns dos e-mails

trocados entre os sujeitos. Num desses e-mails, de Alex Fedox para

Ale-xandre Gomes, discute-se a respeito de um projeto de um festival

"anti-arte", como proposta alternativa a um festival artístico promovido por

um dos grandes jornais da cidade:

E aí moçada, quando é q a gente vai se reunir p/ conversar sobre o festival anti-arte q a gente vai promover em janeiro. já tem gente dizendo que vai durar Lima semana de atividades ... ps.::: pode ser

na sexta-feira? Finzinho de tarde no boske ... até lá. (ZineMLKJIHGFEDCBAP a la v r a

-D e s o r d e m I , número 7).

o

uso particular desse território, inclusive, rendeu uma nomeação

toda particular a esses sujeitos que o freqüentavam e que o designavam

como Bosque: 11 os b o s q u e a n o s . Éo que se vê nos estudos etnográficos de

Alcântara (2005), que, ao fazer uma pesquisa sobre consumo de substâncias

psicoativas, também estabeleceu contato com o lugar e com alguns desses

93

sujeitos, assim aludindo a eles/elas, numa poética descrição para explicar

sua monografia sendo composta por:

[...] um pouco do que vi e ouvi dos bosqueanos. que poderiam,

simbolicamente, ser elfos e gnomos, mas são gente, humanos, que

por um tempo, tardes, semanas, anos, povoam esse bosque como se fossem essas entidades e que de alguma forma prezam por esse

lugar de onde se sentem nativos (ALCÂNT ARA, 2005, p. 10).

As ocasiões em que tais sujeitos se encontravam também eram

di-versas: depois ou nos intervalos de aulas, antes de se dirigir aos inúmeros

bares do bairro ou eventos diversos, como calouradas ou lançamentos

de livros, por exemplo. Nesses encontros, entre outras tantas práticas de

sociabilidade e trocas intersubjetivas, esses sujeitos, na condição

tam-bém de usuários de c a n n a b is s a tiv a , 12 indispunham-se com a regulação

da Universidade (direção, segurança), ao fazer circular seus "baseados",

em rodas das quais foram desdobrados diversos "causos" - reflexões

pessoais, poesias-coletivas, contos, ilustrações, colagens ete.

compila-dos em fanzines e em uma revista alternativa, lançados entre 2001 e

2004. (ver Figura 1).

(10)

Cellino Rodrigues MunizzyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

.~

, '11'

':

..•.

MLKJIHGFEDCBA

IIHGFEDCBA

I D A IB A

Figura 1 - Capas de alguns dosexemplares daescritura dessegrt'lXJmdisciplinado:jihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAS a rra b u io de T e rtú lia(n, 1,de 20(3) eP a la v ra D e so rd e m (n, 7,de 20(4) c daR e v ista P in d a íh a (de2003).

o

P e le v r e ir e s o r d e m (com 11 edições), foi editado por Alexandre

Gomes, que também participou da edição de outros fanzines como U m

Z in e p a r a E s p ír ito s L iv r e s , S e x o x e s eC u a r á Z in e . OS a r r a b u io d e T e r tú lia

(com 3 edições), foi editado por Augusto Azevedo. A R e v is ta P in d a íb a ,

94

uma publicação mais elaborada e de maiores custos e tiragem, foi

edi-tada por André Dias, desenhista; Manoel Carlos, professor de História

da Universidade Estadual; e Augusto Nascimento Filho, estudante de

Comunicação Social na Un.iversidade Federal do Ceará. Esses três

edito-res da revista também participaram dos fanzines como autores, além de

outros muitos nomes.

Foi como consagração da convivência entre esses sujeitos que

es-ses escritos vieram à tona. É o que se evidencia, a esse respeito, no

de-poimento de Alexandre Gomes, autor-editor do zine P a la v r a O e s o r d e m :

o

Zine P e le v r e ô e s o r d e m nasceu em 2002 com a proposta de criar

meios próprios de divulgação e agrupar o maior número possível de manifestações, ou seja, com o intuito de organizar nossa produ-ção artística e literária, para que estanão se perdesse por falta de

meios de publ icização/social ização. corno écomum entre grupos

de jovens artistas e escritores. 1...10sentimento de identidade para com o bairro Benfica, bem corno o desejo de cantar o universal pelo local são notórios em nossa literatura 1... 1

Mas, se é a partir da convivência entre esses sujeitos que surge sua

escritura, é preciso ressaltar, como reflete Maingueneau (2001, p. 46),

(11)

Ritos Genélicos de Umo Emilura Indisciplinada

BCH-PER/OD/CC

zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

que não se trata de uma transposição simples e mecânica de um espaço

de vivência para um espaço de narrativa:

Na realidade, a obra não está fora de seu contexto biográfico, não é o belo reflexo de eventos independentes dela. Da mesma forma que a literatura participa da sociedade que ela supostamente repre-senta, a obra participa da vida do escritor. O que se deve levar em consideração não é a obra fora da vida, nem a vida fora da obra, mas sua difícil união.

Essa relação indissociável entre enunciados e enunciação, isto é,

entre os escritos produzidos e as condições dessa produção, revela-se,

por exemplo, no depoimento de Augusto Azevedo, o autor-editor do

zineMLKJIHGFEDCBAS a r r a b u io d e T e r t ú lia . Ao ser indagado sobre as principais

influên-cias de sua escrita, revela que

As produções literárias da galera do Benfica até hoje me influen-ciaram muito e posso afirmar que a nossa estética tem algo de

sin-gular e todas as minhas produções não se fecharam a uma decisão

95

minha isolada, todo mundo dava pitaco. gerando, por exemplo, os 3 números do Sarrabuio de Tertúlia.

Assim éque os espaços de convivência coletiva são redimensionados

como c e n á r io lit e r á r io (MAINGUENEAU, 2001) a partir de um uso particular

que o grupo faz dele, ou seja, de palco de vivências cotidianas

transforma-se em c e n o g r a f ia s d e e n u n c ia ç ã o (MAINCUENEAU, 2006)13, notadamente

como espaço narrativo de seus escritos. Um exemplo desse

redimensio-namento espacial indisciplinar pode ser ilustrado com o seguinte trecho,

retirado do conto O B o s q u e S a g r a d o , de Amanay Parangaba:

Os dois vão atrás dos outros colegas que saíram das outras aulas. Juntam-se no pátio da universidade e de lá se dirigem ao seu des-tino: o bom e velho Bosque, fazer o que eles tão bem sabem (e gostam!). Apesar desse bosque já não ser mais tão bosque, afinal, apenas algumas poucas árvores milenares testemunham e provam

a existência deste, ontem e hoje. (E a administração ainda quer

derrubá-Ias para "otirnizar" o espaço. Traduzindo: fazer estacio-namentos) ( P a la v r a O e s o r d e m , nº 1) .

(12)

Cellina Rodrigues Muniz

Esse uso particular dos espaços da Universidade por esse grupo de sujeitos, assim, instaura o que de Certeau chama de "maneiras de fazer o cotidiano: mil práticas pelas quais os usuários se reapropriam do

espaço organizado pelas técnicas de produçãozyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAsócio-cultural." (2002, p. 41) Desse modo, além das atividades previstas no território

institucio-nal da universidade, ubiquamente, as práticas de escrita desses sujeitos rompem com osjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAp r o c e s s o s d e r e p a r tiç ã o disciplinares, desarticulando seus aspectos funcionais e hierárquicos originais (O. FOUCAULT, 1987, p. 135), além de questionar a autoridade da direção da Faculdade de Educação da UFC.

Outro exemplo em que se registra, por parte desse grupo, uma postura indisciplinar diante dos quadriculamentos oficiais e novamente pela crítica à direção da faculdade pode ser vista no seguinte trecho, extraído da seção intitulada T õ P u to , da R e v is ta P in d a íb a :

Eutô puto com o tiranojacques que até há pouco tempo dirigiu a

faculdade de educação como se fosse o quintal da sua casa,

in-tervindo no espaço físico ela Universidade, limitando os locais de

socialização da comunidade universitária (como se aprendizado só se adquirisse no templo sagrado da sala de aula, cortando árvores, pondo cadeado em portões e levantando muros como um senhor ieudal [... 1(R e v is ta P in d a íb a ).

Nesse trecho, o grupo registra o descontentamento e a insatisfação com a direção da Faculdade de Educação à época, contra a qual alguns sujeitos se indispuseram diretamente, bem como contra agentes unifor-mizados encarregados da "segurança" da Universidade (O. ALCÂNTA-RA, 2005, p. 64-67). A simples presença desses agentes funcionava (e ainda funciona) como mecanismo que "ao mesmo tempo garante uma intensidade nas formas de conhecimento e controle, garante também uma maior discrição" (FONSECA, 1995, p. 53), atuando, efetivamente, como r e c u r s o d e v ig ilâ n c ia h ie r a r q u iz a d a , no modelo apontado por Fou-cault (1987, p. 153).

Através do apelo ao riso, este trecho evidencia sua atitude indisci-plinar. Além da mistura de linguagens (em que norma culta, expressa em termos como "intervindo", "comunidade universitária" e "socialização", mescla-se a termos mais coloquiais, como o próprio título da seção, "Eu tô puto"), este texto evidencia um riso de zombaria, em que o grupo trata

(13)

Ritos Genéticos de Umo Escrituro Indisciplinodo

a direção como um objeto de escárnio, apontando uma relação em que "onde um ri, outro não ri." (PROPP, 1992, p. 31) e manifestando uma atitude polêmica junto à direção da Faculdade de Educação da Univer-sidade Federal do Ceará, na gestão 1999-2002, representada pelo Prof. Dr. lacques Therrien. AMLKJIHGFEDCBAc o n d e n s a ç ã o aí operada - em que a junção de "tirano" e "Jacques" dá forma a um substituto chistoso -, o que, aliás, é mais comum em se tratando de nomes próprios (FREUD, 1987, p. 28), possibilita a ridicularização da pessoa do diretor, com quem muitos su-jeitos do grupo vivenciaram ostensivas relações de enfrentamento, num riso que afirma um triunfo sobre o "inimigo".

As práticas de escrita desse grupo também implicam indisciplina na medida em que rompem com o controle disciplinar do tempo, ao contrariar a máxima de que "nada deve ficar ocioso ou inútil" (FOU-CAUL T, 1987, p. 138): durante seus encontros, quando consomem c e n -n a b is s a t iv a - que, conforme se sabe, altera a percepção de tempo - e

ivenciam/contam suas próprias histórias, formalizadas através de seus escritos (desconsiderados como mercadoria, posto que não participam de um circuito de compra e venda), esses sujeitos se colocam contra a

c a p it a liz a ç ã o d o t e m p o , própria de um sistema baseado no "princípio dazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

97

não-ociosidade" (Cf. FOUCAUL T, 1987, p. 140-143).

Para finalizar, cabe ressaltar que a escritura desses sujeitos se apre-senta como uma estratégia indisciplinar através da assunção de posicio-namentos tradicionalmente excluídos pelos discursos oficiais e de maior visibilidade: uso de "drogas", manifestações explícitas de sexualidade, apologia ao caos, críticas ao sistema capital ista em geral e referências a personagens malditos e marginais da história local são recorrentes e atu-am na tentativa de uma expressão autônoma, cuja materialização atra-vés de fanzines/revistas alternativas (idealizados, custeados e efetivados pelos próprios sujeitos do grupo, sem apoio institucional) por si só opera LIma posição contrária à aprendizagem corporativa, baseada na

dornesti-cidade e na simples transferência de conteúdo dos sistemas de controle. (FOUCAUL T, 1987, p. 142).

Éo que se vê, por exemplo, em textos que fazem uma apologia a uma pessoa/personagem da história do Benfica e do Bosque: o Gonçalves.

Em uma entrevista oral.!" concedida no ano de 2002, Gonçalves, também conhecido popularmente como p r í n c ip e lo ir o d o B e n f ic a , con-tou que chegou a Fortaleza em 1979, tendo estudado sempre em escola pública e participado da criação da UMES (União Metropolitana de

(14)

(ellíno Radrigues Muniz

dantes Secundaristas). Estudou também na antiga Escola Técnica e teve

passagem no curso de Direito da UFC.

Além desse relato, sabe-se que Gonçalves foi dono de uma banca

de livros usados no Centro de Humanidades do Campus do Benfica da

UFC, até se indispor com o poder oficial: através da direção do Centro

de Humanidades, na pessoa da Profa. Ora. Maria Elias, perdeu o direito

de ter sua banca ali; e através da direção da Faculdade de Educação, na

pessoa do Prof. Dr. Iacques Therrien, foi proibido de circular no

territó-rio da Faculdade (ver Figura 2).

Sem a banca e enfrentando problemas familiares, ao longo de um

processo, Gonçalves foi se tornando cada vez mais bêbado, maltrapilho

e vagabundo, com um comportamento extremado que atraía tanto

sim-patizantes quanto desafetos. Em linhas bem gerais, Gonçalves foi

inter-nado numa clínica para desintoxicação, com a ajuda da sensibilidade

da Profa. Ângela Linhares, também da Faculdade de Educação da UFC,

e, depois que ele saiu, desapareceu, sem que se saiba ao certo o que lhe

aconteceu. Virou uma espécie de mito do bairro, elaborado em torno de

múltiplos boatos e textos que transitam dispersivamente no Benfica.

98

MINlSlERt()zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAo~EOUCAÇAO E 00 DESPORTO UtllVERSIOAOE FfOERAL 00 CEARA

rAWLOADE DE EDUCA{.40

OIpr,t)~I"'OA ""CUlO.e~ ot: EOUCAÇAO

Ot leiojihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAH '"2$Ot()O I FACEOIUFC

'.. ",,,\,tlt, •••,:••• ,.

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• "".c.Il."f\;.Io~;'Io;W••'311 Mta

AIlIoflr"i'In, ••••

JAr!}I!! STtlf n~!( N

ntJ.lt ".H Figura 2 - Ofício 250/00, assinado

pelo então diretor da FACED/UFC,

autorizando a empresa terceirizada

encarregada da segurança - SERVAL - "a retirar dos ambientes internos e externos da FACED o senhor

Francis-co Gorçalves Cavalcante", em 4 de

dezembro de2000.

• • . . • ." t . h •.••.l(l .~f"Yj or'.t!' ""

$14 " ,~,-1-»flIG"1eP':w-w,et"'"er-fr,1 -..çc e ~lrf,'· ~,,: .••, PiANO'-'

(15)

Ritos Genéticos de Uma Escritura Indisciplinada

Exemplos desses textos são o artigojihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAG o n ç a lv e s e o o b tu s o ,

assina-do por Felipe Neto e publicaassina-do na sexta edição do P a la v r a O e s o r d e m , e o

conto O b o d e e o b o n d e d o B e n fic a /5, assinado por Amanay Parangaba,

publicado na R e v is ta P in d a íb a . Gonçalves é reverenciado por aqueles

que conviveram com ele durante algum tempo e transformado em tema

de apologia, contrariamente à exclusão dos dizeres dominantes, pelo

eu exemplo de indisciplina:zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

Levar para a abstração uma questão como a do Gonçalves é pura rnasturbação da qual não participo. Fiz o lembrete justamente por entender que a situação dele e de várias outras como o corte de verbas para setores essenciais do país como saúde, educação, se-gurança e transportes urge soluções concretas e mais do que isso tornar públicas uma série de realidades que fingimos não insistir e o Gonçalves, pra quem não entendeu, foi um exemplo usado para aludir ao pior tipo de coerção e violência exercida ao e pelo ser hu-mano, qual seja, a silenciosa, a sutil, aquela mesma que exercemos e pela qual somos exercidos: a opressão do cotidiano (Gonçalves e o obtuso. Publicado emP a la v r a O e s o r d e m , n. 6).

99

IHGFEDCBA

C

onsiderações Finais

Por todos os lados, manobras de controle parecem ser uma

condi-ção, manipulando, oprimindo, articulando o nosso "real". Mesmo assim,

no dia-a-dia, buscamos brechas, pontos de fuga, e através de pequenos

gestos, tentamos escapar a esse peso, exercitando o poder

efetivamen-te como relação e não apenas como dominação. Tentando se esquivar

para além das visões fatalistas ou românticas, este artigo se apresentou

como parte de uma pesquisa que pretende seguir um projeto de, como

preconizou o pensador francês, fazer vir à tona saberes até então

"do-minados, não qualificados, locais e singulares" (FOUCAUL T, 1996b).

Saberes, enfim, que, de algum modo, são indisciplinados.

Através de sua escritura, para além da sala de aula e dos

organis-mos e rotinas de uso da escrita consagrados pelos discursos e instâncias

oficiais, esses sujeitos indisciplinados se dizem c r ia d o r e s , tal como a

fi-gura preconizada pelo Zaratustra de Nietzsche (2001, p. 33): aquele que

procura não cadáveres, rebanhos ou crentes, mas sim companheiros. No

(16)

100

zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

Cellina Rodrigues Muniz

caso, companheiros que fazem de seus escritos suas foices, diante de tantas formas de sujeição:

Contra o autorilarismo, a hierarquia, a repressão, o preconceito

e aexploração!'! A favor das liberdades individuais e coletivas,

o respeito às diferenças e à livre expressão (Um zine para espí-ritos livres).IHGFEDCBA

Bibliografia

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(17)

Ritos Genénros de Umo Escrituro Indisciplinodo

BCH-PER/OO/COS

zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

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(18)

Ritos Genéticos de Uma Escritura IndisciplinadazyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

não-verbais (fotocolagens, i lustrações, desenhos, gravuras etc.), mas,

principalmente, quero remontar ao conceito atribuído por Barthes

(2000, p. 21):jihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAo n d e a s p a la v r a s tê m s a b o r .

O que não implica que não tenha havido e haja formas de

resistên-cia. Chartier (2002), por exemplo, amparado nos estudos de Petrucci

sobre empregos de escrita pública ou exposta entre os séculos XVI

e XIX, registra: R e d ig id a s em lín g u a v u lg a r , m is tu r a n d o m a iú s c u la s

e m in ú s c u la s , ig n o r a n d o a s r e g r a s im p o s ta s p e lo s p r o fis s io n a is d a

e s c r ita (m e s tr e s , e s c r ito r e s , e s c r ib a s d e c h a n c e la r ia s , c a líg r a fo s e r u

-d ito s ) ta is in s c r iç õ e s " s e m q u a lid a d e sMLKJIHGFEDCBA1 1 [ . • • ) traduzem as aspirações

de uma população semialfabetizada que disputa com os grandes

e poderosos seus monopólios sobre a escrita visível. (CHARTIER,

2002, p. 80-81).

Segundo Andraus (2006), a epigênese dos fanzines remonta às

"gazetas-cartas" medievais, manuscritos de textos que, excluídos pela censura

monárquica e clerical exercida sobre as primeiras tipografias

(desti-nadas à impressão de livros nobres), circulavam manualmente como

meio de difusão de assuntos diversos.

8 Segundo Zavam (2006), o fanzine compreendido como dispositivo

enunciativo implica não só as noções gerais de gênero textual (como

estruturas lingüísticas, suporte, rotinas sócio-comunicativas etc.), mas

também aspectos como códigos de linguagem e ethos, de dimensão

mais pragrnátrca do que propriamente lingüística.

9 Genealogia compreendida como um método que, em oposição à

historiografia linearizante que busca uma verdade original, trata da

"memória dos combates." (FOUCAULT, 1996a, p. 171).

10 A esse respeito, ver, por exemplo, o primeiro fanzine punk de que se

tem registro, o S n iffin g C lu e (Cheirando Cola), lançado em setembro

de 1976, na Inglaterra, foi considerado porta-voz do movimento,

con-clamando seus leitores a uma atitude não-passiva e de questionamento

(BIVAR, 1982). É o que se pode ver na escrita de Mark Perry, o jovem

de 19 anos que, após ouvir um disco da banda Ramones, decidiu

editar um fanzine, no qual se lê, numa' de suas edições: "Todos vocês,

garotos que lêem o SG, não se satisfaçam com o que nós escrevemos.

Saiam e comecem seus próprios fanzines, ou mandem suas críticas

para a imprensa do Sistema, vamos pegá-Ios pelos nervos e inundar o

mercado com a escrita punk" (a p u d BIVAR, 1982, p. 55-56).

p.85 0104 Educoçõo em Debate' Fortaleza' Y.1 eY.2, n. 53 e 54, ano 29 • 2007

(19)

104

zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

(elline Rodrigues Muniz

11 É preciso ressaltar que esse espaço da Universidade já apresentava

uma tradição de palco dejihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAa s tú c ia s , como diria de Certeau (2002): nos

anos 90, um grupo de pessoas que freqüentavam o lugar, "instituíram"

ali a A M U F C - A s s o c ia ç ã o d o s M a lu c o s (o u M a c o n h e ir o s ) d a U F C .

12 AC a n n a b is S a tiv a é o nome dado à erva extraída do Cânhamo, planta

cujos primeiros usos remontam ao período neolítico, na Ásia Central.

Além da confecção de materiais com a fibra da planta (tecido, papel

etc.), o cânhamo também tem finalidade terapêutica e ritualística, por

causa da substância química psicoativa chamada Tetra-hidrocanabinol

(THC). (ROBINSON, 1999, p. 64).

13 Segundo o autor, toda prática discursiva se constitui a partir das c e n a s

d e sua e n u n c ia ç ã o , a saber: uma c e n a e n g lo b a n te , relativa ao estatuto

pragmático da prática (publicitário, filosófico, administrativo etc.); uma

c e n a g e n é r ic a , relativa ao gênero ou subgênero discursivo/textual da

prática (anúncio, aforismo, relatório etc.) e, por fim, uma c e n o g r a fia :

a c e n a d e fa la q u e o d is c u r s o p r e s s u p õ e p a r a p o d e r s e r e n u n c ia d o e

q u e , p o r s u a v e z , d e v e v a lid a r a tr a v é s d e s u a p r ó p r ia e n u n c ia ç ã o " [ ... 1

A cenografia não é, pois, um quadro, um ambiente, como se o discurso

ocorresse em um espaço já construído e independente do discurso,

mas aquilo que a enunciação instaura progressivamente como seu

próprio dispositivo de fala (...) A cenografia é, assim, ao mesmo tempo,

aquilo de onde vem o discurso e aquilo que esse discurso engendra"

(MAINGUENEAU, 2006, p. 67-68).

14 Agradeço a Francisco José Calixto e José Gerardo, os realizadores da

entrevista, pelo material cedido.

15 Neste conto, o personagem Bode loiô, figura emblemática da história

de molecagem cearense, transporta-se no tempo e encontra um grupo

de rapazes "atormentados" do século XXI: os próprios autores,

trans-formados assim em personagens de sua escritura.

Enviado poro publicaçõo: 04. 05. 2007 Aceito poro publicaçõo: 10. 10. 2007

Imagem

Figura 1 - Capas de alguns dos exemplares da escritura desse grt'lXJ mdisciplinado: jihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA S a rra b u io de T e rtú lia (n, 1, de 20(3) e P a la v ra D e so rd e m (n, 7, de 20(4) c da R e v ista P in d a íh a (de 2003).

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