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“Discursos docentes sobre Cultura, Língua de Sinais e Identidade Surda em uma escola bilíngue”

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CENTRO DE EDUCAÇÃO - CE

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO – PPGE

DISCURSOS DOS DOCENTES OUVINTES DE SURDOS SOBRE CULTURA, LÍNGUA DE SINAIS E IDENTIDADE SURDA EM UMA ESCOLA BILÍNGUE

FRANCISCO DAS CHAGAS FERNANDES ALVES

JOÃO PESSOA 2016

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DISCURSOS DOS DOCENTES OUVINTES DE SURDOS SOBRE CULTURA, LÍNGUA DE SINAIS E IDENTIDADE SURDA EM UMA ESCOLA BILÍNGUE

JOÃO PESSOA 2016

Dissertação submetida à avaliação de banca de defesa, realizada no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba, como exigência para obtenção do título de Mestre.

Orientadora: Profª. Drª. Ana Dorziat B. de Mélo

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FRANCISCO DAS CHAGAS FERNANDES ALVES

“Discursos docentes sobre Cultura, Língua de Sinais e Identidade Surda em uma escola bilíngue”

BANCA EXAMINADORA

João Pessoa, 29 de fevereiro de 2016

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Dedico este trabalho à minha Maria. Ela que é o meu amor maior; a melhor parte (dentro e fora) de mim.

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AGRADECIMENTOS

Senhor, “Tú és o meu refúgio e a minha fortaleza.”

À Minha Maria, este momento é mais seu do que meu. Pode ter certeza disso. Te Amo.

À minha família. Como é bom sonhar, sofrer, chorar, sorrir e conquistar com vocês.

Este momento é nosso.

Aos meus amigos de perto e de longe; presentes e ausentes. Vocês que sempre me acolhem, me apoiam e me abrem as portas, que doam seu tempo, paciência e intimidade – como aproveito toda essa doação, né, Francisco Forte e seus “doze olhinhos”, enxergando onde eu levaria séculos para ver, mais que resultados, registrou amor.

Obrigado, meu amigo/irmão; Chiquita, como sempre “minha muleta e pau pra toda obra - da minha obra”; Leleda e Bebel vocês não me abriram apenas as portas da sua

“pensão”, mas todo o coração e contaram “estórias para eu dormir”; Silmara e os cuidados preciosos e precisos quando estava por perto, ainda sinto o cheiro e a maciez do “amarelinho”; Fábio Rolin, obrigado por me ceder seu tempo e “suas línguas”,

ABSTRACT” compreensões e expandindo afeto no melhor PORTUGUÊS; Angélica Batista - minha amiga e “irmã caçula”, você é e foi pra lá de dez nesse processo.

Aos amigos da turma 34 que vieram pra ficar: Adriana, Anna Luzia, Ellaila, Ivanilson, e Rejanira, quantos (des)sabores juntos.

À professora e pesquisadora Dra. Ana Dorziat B. de Mélo: obrigado por ter me escolhido. Sou muito grato por todos os ensinamentos. Todos mesmo!

Aos professores Doutores/a da banca examinadora que, sem “titubear”, disseram: sim, eu topo. Fechado! Como vocês foram e são valiosos pra mim: Fernando Cézar Bezerra de Andrade – “chega a doer” de tão sabido; Mateus da Cruz e Zica – o “saber local” nos

“reinventou”; Niédja Maria Ferreira de Lima, dispenso qualquer palavra, pois só o afeto nos basta. Beijos!

Obrigado meus “irMAUzinhos” de orientação: Filippe e Joani – nós entendemos e sintonizamos tudo; melhor fraternidade não poderia ter sido e tido. Tinha que ser com vocês esse processo. Beijos no coração.

Eleny e Shirley, aquele beijo, aquele abraço, aquele respeito e admiração. Vocês são marcas positivas no meu coração. Ângela Ramalho, tem muito de você aqui, viu? Sua sementinha germinou.

Aos profissionais que foram sujeitos da Pesquisa, nunca terei como pagar a disponibilidade de vocês e o respeito que me encararam. Só tenho gratidão a e para

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vocês. Diretora, como foi bom adentrar aquele espaço educacional aberto para mim pela senhora, obrigado!

Aos professores do PPGE: quanta sorte eu tive...e felicidade também. Sabedoria em abundância faz bem - e acoplada à humildade não há processo de aprendizagem melhor.

Valeu! Nesse “barco” vieram, especialmente Samuel e Glória, como, também, Professor Severino e Professora Aline, mais que coordenadores e técnicos administrativos:

PARCEIROS do programa, nosso, meu.

Por fim, meus mais sincero agradecimento a todxs. Esse trabalho foi/é plural.

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RESUMO

Esta pesquisa de mestrado teve como objetivo analisar os discursos dos/as professores/as ouvintes de Surdos sobre as categorias: Cultura, Língua de Sinais e Identidade Surda, sob a perspectiva bilíngue. Ela foi realizada na Escola Estadual de Audiocomunicação “Demóstenes da Cunha Lima” – EDAC, localizada na cidade de Campina Grande- PB, escola que atendia a um total de 189 alunos/as Surdos, oriundos da cidade de Campina Grande/PB e outros municípios paraibanos circunvizinhos, distribuídos em um total de 21 turmas em todos os anos a Educação Básica, nos três turnos. Quanto aos sujeitos da pesquisa, foram selecionados cinco professores/as dos 17 entrevistados. Foram estipulados como objeto de análise os discursos desses profissionais sobre Língua de Sinais, Cultura e Identidade Surda, expressos por meio de entrevista semiestruturada, a qual teve seu roteiro dividido em três blocos temáticos, com um total de 17 tópicos, que abrangiam as categorias chave da pesquisa. Tendo por base seu caráter qualitativo, a Análise do Discurso Francesa (ADF - criada por Michel Pêcheux, no final dos anos 60) foi o método escolhido para tratar os dados. De posse dos dados das entrevistas, foi feita sua transcrição, transformando o discurso oral em texto escrito. A análise dos discursos de professores/as ouvintes de Surdos de uma escola bilíngue específica para Surdos implicou em um processo conflituoso e delicado, devido a minha constituição de pessoa ouvinte e pesquisador. Para desenvolver essas análises, foi necessário estar atento a uma consistente base teórica, estabelecendo uma articulação entre os Estudos Culturais, os Estudos Surdos e a Pedagogia Surda, que entendem as categorias da cultura-língua (sinais) e identidade surda, a partir de uma perspectiva ideológica-política-histórica-relacional entre os sujeitos que compõem o corpo social, Surdos ou não. Os dados mostraram que a escola parece promover o conflito necessário às desestabilizações e ambivalências que são próprias dos grupos que dialogam a partir das diferenças e entendem o outro em suas especificidades culturais/linguísticas e identitárias. Um espaço educacional em que, embora o diálogo seja tenso, marcado por relações sociais assimétricas, diferente do passado, os Surdos parecem ter voz. Seu corpo não é apenas e tão somente um conjunto anatômico incompleto, marcado pela ausência da audição e, consequentemente, sem fala oral. Os depoimentos dos participantes da pesquisa mostraram que os Surdos assumem, na escola bilíngue, status de sujeito, que, como os demais, fala, se impõe, duvida, nega, renega, aceita, exclui, escolhe e opina, por meio da sua língua materna, natural: a Língua de Sinais, a Libras.

Palavras-chaves: Educação Bilíngue de Surdos; Professores/as ouvintes; Cultura;

Língua de Sinais; Identidade Surda.

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ABSTRACT

This masters research aimed to analyze the speeches of teachers of the deaf listeners about the categories: culture, sign language and Deaf Identity, bilingual perspective. She was held at the State School of Audiocomunicação "Demosthenes da Cunha Lima"- EDAC, located in the city of Campina Grande-PB, school which served a total of 189 deaf students from the city of Campina Grande - PB and other surrounding Brazilian municipalities, distributed in a total of 21 classes in every year to basic education, in three shifts. As for the subject of the research, we selected five teachers of the 17 respondents. It was established as the object of analysis the speeches of these professionals about sign language, Deaf culture and identity, expressed through semi- structured interview, which had its script divided into three thematic blocks, with a total of 17 topics, covering the key categories of research. Based on its qualitative character, the French discourse analysis (ADF-created by Michel Pêcheux, in the late 60) was the chosen method to process the data. The data from the interviews, transcription was made, turning the oral speech in written text. The analysis of the discourse of teachers of the deaf of listeners a bilingual school for deaf people involved in a confrontational and delicate process, due to my creation of listener person and researcher. To develop these analyses, it was necessary to be aware of a consistent theoretical basis, establishing a link between the cultural studies, Deaf Studies and Deaf Education, who understand the categories of culture-language (signs) and deaf identity, from an ideological-political-historical perspective-relational between subjects that make up the social body, Deaf or not. The data showed that the school seems to promote the natural and necessary conflict to destabilization and ambivalence that are own dialogue groups from the differences and understand each other in their linguistic and cultural specificities of identity. An educational space in which, although the dialogue is tense, marked by asymmetrical social relations, different from the past, the deaf seem to have voice. Your body is not only and so only a set of anatomical incomplete, marked by the absence of hearing and, consequently, speechless. The testimony of the participants of the survey showed that deaf people assume, on bilingual school, status of subject, which, like other talk, doubt, deny, deny, accepts, deletes, selects and suggests, through their mother tongue, natural: the language of signs, the Pounds.

Keywords: Bilingual Deaf Education; Teachers listeners; Culture; Sign language; Deaf Identity.

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SUMÁRIO

RESUMO ABSTRACT

1 APRESENTAÇÃO: quando, como e o porquê do “deslocamento cultural” ... 5

2 DELINEAMENTO DAS PARTES: escolhas feitas, caminhos cruzados e percorridos – a velha e boa metodologia ... 13

3 CONFIGURAÇÕES DE UMA PRÁXIS BILÍNGUE: discursos, teorias e reflexões 21 3.1 CULTURA, CULTURAS E CULTURA SURDA ... 43

3.2 LINGUAGEM, LÍNGUA E LÍNGUA DE SINAIS ... 55

3.3 IDENTIDADE, IDENTIDADES E IDENTIDADES SURDAS ... 60

4 E PARA FINALIZAR... ... 69

REFERÊNCIAS ... 76

APÊNDICES...82

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1 APRESENTAÇÃO: quando, como e o porquê do “deslocamento cultural”

Lembro-me com precisão, quando, ainda na infância, era exibida uma telenovela, na qual um dos seus personagens principais era um Surdo, que “falava” com as mãos e o corpo. Aquele jogo gestual realizado entre ele e outra personagem da trama provocava em mim sensações contraditórias de inquietações, fascínio e angústia. Eu ficava pensando sobre as situações expostas na telenovela, e assisti-la tornou-se parte da minha rotina semanal.

Com o passar do tempo, entendi o que acontecia com os personagens citados:

era uma forma de comunicação por meio das mãos. Nesse processo, remeti-me a um

“mudo”1 especificamente, percebendo que havia algo de diferente entre ele e o personagem Surdo: o primeiro tinha um gestual aleatório, desorganizado, recorria a objetos, desenhos para se fazer entender; já o segundo fazia uma comunicação com mãos, corpo e rosto, conjuntamente, de forma harmônica, coerente e interligada.

Tempos depois, por meio das entrevistas dadas pelo ator que interpretava o personagem Surdo, entendi que os gestos feitos por ele se tratavam de uma língua, mas a minha compreensão teórica e prática só aconteceu anos mais tarde, na minha formação acadêmica e com a interação com os Surdos.

Esta breve ilustração representa o início de meu processo de descoberta e vivência no mundo dos Surdos, da Cultura Surda, da Língua dos Surdos e da minha formação referente à Educação de Surdos. Depois dessa observação esporádica, a primeira consciência que tive em relação ao mundo dos Surdos foi a de que o “jogo das mãos e do corpo” não se tratava apenas de mímicas ou gestos, mas de uma língua tão genuína e tão completa em sua estrutura linguística quanto às orais-auditivas, só que essa era na modalidade gesto-visual. Ao falar sobre isso, reporto-me a como Gesser (2009, p.21-22) aponta que

a língua de sinais tem todas as características linguísticas de qualquer língua humana natural. É necessário que nós, indivíduos de uma cultura de língua oral, entendamos que o canal comunicativo diferente (visual-gestual) que o surdo usa para se comunicar não anula a existência de uma língua tão natural, complexa e genuína como a língua de sinais.

1 Era dessa forma que me referia ao surdo da minha cidade, que interagia conosco usando o corpo, gesticulando.

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Essas reminiscências que agora são evocadas me mostraram que, muitas vezes, não basta a exposição passiva às informações. O que faz com que seja dado sentido aos fatos que envolvem aspectos diferentes do nosso cotidiano é a necessidade de imersão na vivência teórico-prática com o outro. É essa interação com o outro que nos possibilitará significar e ressinificar o processo sócio-histórico de forma verdadeira.

Foi a partir das experiências com outros ouvintes imersos nos Estudos Surdos, como aluno do curso de Pedagogia, que me veio o contato com a educação de/dos Surdos, e todos os seus aspectos educacionais, históricos, linguísticos, culturais e identitários, em constante processo de ressignificação do que significa ser Surdo.

Pelo fato de o curso de Pedagogia ser um curso de licenciatura, e, como tal, ter a Libras (Língua Brasileira de Sinais) como disciplina obrigatória, pude aprender as nuances dessa língua visoespacial, capaz de promover a comunicação e a interação entre sujeitos, fossem eles surdos e/ou ouvintes. As aulas eram ministradas por um instrutor Surdo que prestava serviço à instituição federal de ensino, apoiado por professoras ouvintes, estudiosas do assunto.

Nesse período, tive conhecimento da existência de uma escola específica para Surdos, localizada na cidade de Campina Grande – Paraíba, onde eram ministrados cursos de Libras para a comunidade em geral. Fui à procura de aprofundar esse conhecimento, mas a forma como o instrutor Surdo ministrava as aulas desestimulou- me a continuar. A meu ver, a repetição de palavra-sinal, sinal-palavra, não contribuía para o processo de aprendizagem dessa outra língua, fosse como segunda língua ou como língua estrangeira.

A metodologia utilizada não correspondia ao princípio formador que atribui às interações pessoais peso considerável, como aponta a citação a seguir:

A prática educativa em sua intencionalidade como elemento definidor de saberes implicados na sua formação e, por conseguinte, no desenvolvimento do trabalho do professor. Ao fazê-lo, alerta para o fato de que o professor não trabalha com matéria inerte, mas, sim, que ele atua sobre e com pessoas. Seu trabalho é constituído de relações humanas, e se caracteriza por sua natureza interativa e simbólica (Saviano apud farias ET.AL.,2011, P.74).

Assim, com o estímulo recebido na disciplina Libras, resolvi me matricular na segunda habilitação oferecida pelo curso na época: Habilitação em Deficientes da Audiocomunicação. Essa habilitação foi criada no início dos anos 80 e extinta na última

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reforma curricular do curso de Pedagogia da Universidade Federal de Campina Grande - UFCG.

Durante o período da habilitação, foram discutidos vários assuntos referentes aos processos educacionais dos Surdos, desenvolvidos ao longo da história. Havia reflexões sobre língua de sinais, conceito de Surdo, Surdez, metodologias de trabalho, ensino de língua, conceitos de cultura, identidade, diferença e outros temas que envolviam e envolvem o processo educacional direcionado aos Surdos. As discussões partiam do entendimento de que, como em qualquer processo de ensino, era preciso desenvolver alguns pressupostos que “balizam nosso entendimento sobre a docência como um trabalho que requer saberes especializados” (FARIAS et al., 2011, p.74).

Além dos estudos teóricos, a participação em projetos foi fundamental para a compreensão da temática. Logo no primeiro ano da habilitação em Educação de Surdos, participei de um projeto de extensão que tinha como objetivo a formação de instrutores Surdos, profissional responsável pelo ensino da Libras, língua natural dos Surdos.

Na qualidade de bolsista desse projeto, juntamente com os demais participantes – instrutores/as Surdos (alunos/as) e professores/as ouvintes – aprofundamos e refletimos sobre língua de sinais: o que é, para que serve, qual a funcionalidade social, pessoal, os aspectos culturais, linguísticos, estruturais, sintaxe, semântica e ensino de língua; conceitos linguísticos e diferenciações sobre o que era língua materna, natural, estrangeira, segunda língua; história da educação de Surdo; metodologias de trabalho para o ensino de Libras etc. Pude constatar a importância desses estudos para além dos processos comunicativos, assim como coloca Dorziat (2013, p.30):

Com os estudos linguísticos, psicológicos, sociológicos atuais que apontam para a importância da linguagem natural, para a vida e para o desenvolvimento pleno de qualquer ser humano, algumas instituições de ensino passaram a adotar a língua de sinais na comunicação com os alunos. Contudo, não basta usar a língua como instrumento, mas torná-la símbolo de uma cultura diferente. Nem pior, nem pior, apenas diferente.

Com esse projeto, passei a ter consciência de que o trabalho com o ensino de Libras, desenvolvido pelos/as instrutores/as Surdos, deveria apresentar a Libras, superando as questões meramente linguísticas em direção a um fazer pedagógico com qualidade, estudando a língua com tudo que ela representa.

Essa conclusão foi mais significativa por ser produto da experiência. Enquanto bolsista daquele projeto de extensão, com a convivência direta com as pessoas Surdas –

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aproximadamente 15-, pude senti-los/as de fato em seus aspectos emocionais, afetivos, cognitivos. Apesar de ser um espaço acadêmico de discussões práticas, teóricas e metodológicas para o ensino de língua, tive oportunidade de realizar trocas significativas, percebendo as pessoas Surdas de forma direta, duradoura e real, colocando em evidência nossas diferenças linguísticas, sociais, educacionais e culturais.

Pude perceber que, apesar dessas diferenças, os grupos não eram homogêneos, ou seja, as diferenças não eram só entre Surdos e ouvintes, mas entre Surdos e Surdos, como aponta Skliar (2013, p.11):

‘o ser surdo’ não supõe a identidade de uma existência surda única e essencial a ser revelada a partir de alguns traços comuns e universais.

As representações sobre identidades mudam com o passar do tempo, nos diferentes grupos culturais, no espaço geográfico, nos momentos históricos e nos sujeitos. Neste sentido é necessário ver a comunidade surda de uma forma ostensivamente plural.

Essa percepção foi possível, porque, nesse espaço de discussão, reflexão e estudo, as pessoas Surdas traziam questões pessoais comuns a todas elas, mas também questões individuais, colocando à mostra particularidades, semelhanças e diferenças. A característica de ser Surdo se delineava, então, como uma composição de seres únicos, diferentes entre si em personalidade, gênero, raça, classe, religião, ideologias, enfim, eles partilhavam uma língua, mas apresentavam singularidades, assim como os ouvintes.

Por isso, acredito que é preciso ver a cultura Surda de forma descentrada, embora concorde com Silveira e Rezende (2008, p.62), ao utilizarem-se de Perlin no tocante à diferença cultural entre surdos e ouvintes, quando afirma: “Percebe-se que o sujeito surdo está descentrado de uma cultura e possui uma outra cultura. Percebe-se o surdo em seu deslocamento da cultura ouvinte ou cultura universal e emergente na problemática da diferença cultural própria” (2004, p. 76).

Essas diferenças foram observadas nos encontros promovidos pelo projeto, que aconteciam nas segundas e quartas (um grupo de instrutores Surdos), terças e quintas (outro grupo). Aos sábados, todos os sujeitos envolvidos no projeto de extensão reuniam-se para discutir juntos sobre as temáticas trabalhadas durante a semana e traçarem as atividades da semana seguinte.

As diferenças entre as pessoas Surdas eram evidentes na forma como elas se colocavam em relação ao mundo, às outras pessoas, à educação, às percepções de si, do outro Surdo e do ouvinte. Embora sem estudos aprofundados, suas experiências sociais,

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religiosas, familiares, linguísticas e profissionais deixavam clara a singularidade de cada um, e o que cada um deles almejava perante a vida e os outros, mediante a sua condição Surda. Destacava-se sua necessidade de autonomia e reconhecimento enquanto Sujeito capaz, além de independência perante os ouvintes.

O caráter crítico-reflexivo presente nos encontros apontava para a busca de empoderamento, como afirma Foucault (2006, p. 10): “o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que, pelo que se luta, o poder do qual nos queremos apoderar”.

A experiência nesse projeto diretamente com o grupo de instrutores/as Surdos foi bastante significativa não só para reconfigurar-me, enquanto aluno da segunda habilitação do curso de Pedagogia que refletia com meus pares ouvintes (também diferentes entre si) sobre todas as questões já evidenciadas, mas para o meu encaminhamento para a prática de Estágio Supervisionado na escola específica para Surdos. Nele, pude pensar, planejar e vivenciar um processo didático-metodológico que envolvia metodologias específicas e demandava de mim uma percepção mais aguçada sobre a diferença que existia entre os alunos Surdos e eu, estagiário ouvinte.

Ao concluir o projeto e a habilitação, distanciei-me da convivência direta e diária que vinha mantendo com as pessoas Surdas. Entretanto, não deixei de refletir, pensar, estudar e ler sobre a educação delas. Na especialização que fiz em Educação Profissional – EJA, pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB – polo Campina Grande), discuti sobre a formação profissional desses sujeitos, baseado nos depoimentos dos alunos Surdos do curso de formação de instrutores do qual fui bolsista. Como o curso de especialização se tratava da profissionalização em EJA, achei oportuno retomar essa experiência ímpar.

A ideia de rememorar a formação do sujeito Surdo – referente à experiência que já foi exposta com os/as alunos/as instrutores se deu ao participar, no curso de especialização, de um componente curricular que discutia o multiculturalismo. Ela me proporcionou pensar sobre as questões que envolviam a condição Surda a partir das discussões sobre cultura, identidade, língua e demais conceitos, levantados nas reflexões sobre a diversidade cultural e seus elementos, atrelando-os à educação profissional de jovens e adultos, que era a questão chave do curso.

A partir daí, comecei a visualizar meu projeto de pesquisa de mestrado, com o acréscimo de conhecimentos de outras áreas: antropologia, pedagogia, filosofia,

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sociologia, linguística. As questões culturais foram decisivas para toda essa experiência de pesquisa acadêmica neste mestrado em educação.

Atualmente, procuro aprofundar cada vez mais meus conhecimentos no assunto, desenvolvendo reflexões do processo educacional de Surdos numa perspectiva dos Estudos Culturais. Busco, como aponta Perlin (2006, p. 80), “propor a construção de alternativas pedagógicas que se constituam em abordagens apropriadas a este espaço educacional”.

Essa proposta passa necessariamente pela possibilidade de autonomia dos Surdos por meio do viés da educação, na tentativa de superar uma história de dependência dos ouvintes e em busca de seu empedramento, já que esses

viviam na dependência do ouvinte, fosse ele sua família, sua professora, seu patrão ou seu líder religioso. Na família, na escola, no mundo suas vidas eram decididas por outros, sua comunicação natural era apenas possível de ser exercida, quando tinham a sorte de conhecer outro surdo ou, nos centros maiores, em suas sociedades (STUMPF, 2008, p.16).

Hoje, a realidade é outra. A organização da comunidade Surda tem contribuído para o direcionamento da inclusão dos sujeitos Surdos nos espaços regulares de aprendizagem, porque tem desmistificado o discurso arbitrário subjacente, no tocante ao que venha ser igualdade e respeito às diferenças. Em termos teóricos, esses aspectos encontram espaço de problematização nos teóricos do paradigma pós-crítico que embasam os Estudos Culturais. Stumpf (2008, p. 18) afirma que uma das grandes preocupações dos Surdos é a não existência de assuntos da Cultura Surda, o que a autora denomina de “Pedagogia Surda”, na estrutura curricular das escolas regulares inclusivas.

Apesar de muitas das compreensões da relação prático-discursiva de educação dos Surdos serem realizadas praticamente por ouvintes, a escola específica de Surdos de Campina Grande (Escola Estadual Demóstenes Cunha Lima - EDAC) tem conseguido construir um espaço educacional para Surdos, como local político, de resistência e articulação da comunidade Surda, face às lógicas de inclusão postas.

Essa escola vem desenvolvendo um trabalho de valorização do sujeito Surdo em relação aos aspectos: teóricos, prático-pedagógicos, metodológicos e curriculares. A partir da especificidade dessa instituição de ensino – escola bilíngue, seus professores ouvintes tentam vivenciar uma práxis que englobe as necessidades e especificidades dos

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seus/suas alunos/as Surdos, como também trazem para o processo questões fundamentais referentes à cultura, Língua de Sinais e Identidade Surda.

A preocupação com esses aspectos específicos, centrais na EDAC, colocam em questão a homogeneização do modelo ouvinte de educação (dominante na formação inicial de professores), pouco discutida nas Instituições Superiores de Ensino: quando o debate sobre essa hegemonia acontece, dá-se de forma superficial e incipiente em um ou outro componente curricular.

Ao adentrar um espaço educacional que propõe e traz para o centro de sua filosofia de ensino a Pedagogia Surda, provoca-se, no mínimo, uma cisão entre as verdades empíricas e de senso comum sobre si e o outro (neste novo caso o Surdo), podendo promover um deslocamento identitário e cultural em meio aos paradoxos e ambivalências que o estar junto, ocasiona a ouvintes e Surdos.

Diante dessa conjuntura, considero importante tomar como objeto de pesquisa os discursos dos/as docentes da escola específica para Surdos, sobre as categorias:

Cultura, Língua de Sinais e Identidade Surda, conectando os temas à nova conjuntura sócio-político-educacional-cultural e econômica. Assim, reafirmo a necessidade de se fazer pesquisas sobre o tipo de educação oferecida aos Surdos e os elementos discutidos na escola, por seus professores ouvintes, considerando o que diz Stumpf (2008, p.25):

As experiências comunicativas frustrantes são sentidas por ambas as partes, porém as dificuldades geradas por questões metodológicas ou curriculares são mais difíceis de serem percebidas pelo professor e o surdo, muitas vezes, fica excluído tentando disfarçar seu estado de abandono. Se os professores agora se angustiam com a falta de uma língua comum com seus alunos, outras necessidades ainda não são percebidas.

Para tomar consciência dessas e outras necessidades, como afirma Stumpf, é necessário perceber como os/as professores ouvintes de Surdos que atuam na escola e/ou na educação dos Surdos articulam (ou não) a prática pedagógica com as questões relativas à Cultura, Língua e Identidade Surda. Segundo essa mesma autora:

O avanço em direção a um paradigma de maior qualidade exige desenvolver um trabalho enfocando a questão das representações sobre os surdos e a questão da identidade construindo uma pedagogia surda que apresenta a surdez como uma experiência visual (STUMPF, 2008, p.26).

Para desenvolver esta pesquisa, foi delineado como objetivo: analisar os discursos de professores/as ouvintes de Surdos, de uma escola específica para Surdos,

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sobre Cultura, Língua de Sinais e Identidade Surda, considerando a proposta educacional bilíngue como elementos norteadores.

Em termos organizacionais, esta dissertação foi dividida em quatro partes.

Denominei a presente parte de Apresentação: quando, como e o porquê do

“deslocamento cultural”.

Na segunda parte, chamada de Delineamento das partes: escolhas feitas, caminhos cruzados e percorridos – a velha e boa metodologia, estão apresentados o tipo de pesquisa, os dados dos sujeitos pesquisados, as categorias de análises eleitas, os instrumentos utilizados para coleta dos dados e o corpus da pesquisa, incluindo as características do campo da pesquisa.

Na terceira parte, na qual estabeleço o diálogo entre a teoria, estão colocados o discurso dos/as professores/as e minhas colocações. Intitulei-a de Configurações de uma práxis bilíngue: resultados e reflexões. Nela, expus também o resultado do desafio de articular, de forma coerente e contínua, os dados empíricos e as questões teóricas, explicitando, a partir dos primeiros, o meu olhar de pesquisador. Entendi que, tendo como ponto de partida os discursos dos/as professores, as análises propriamente ditas, que supõem a busca teórico-conceitual, ficariam mais significativas.

Sendo assim, os/as teóricos, os discursos dos/as professores e minhas concepções dialogam diretamente, tendo como parâmetro as categorias principais desse estudo: Cultura, Língua de Sinais e Identidade Surda. Lembro, ainda, que esse estudo não tem um caráter definidor, solucionador, mas reflexivo; que seu intuito maior é promover a reflexão, desestabilizar, provocar as certezas nossas de cada dia.

Encerro com as considerações finais, intitulada de: E para finalizar. Nela, faço um resumo sobre as discussões travadas ao longo do texto, a partir das análises apresentadas durante o trabalho referente às categorias abordadas: Cultura, Língua de Sinais e Identidade Surda, expostas através dos discursos selecionados, objetos de minhas reflexões.

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2 DELINEAMENTO DAS PARTES: escolhas feitas, caminhos cruzados e percorridos – a velha e boa metodologia

Aqui, apresento o desenvolvimento da pesquisa, colocando em foco o objeto de pesquisa, as categorias de análise, a caracterização do campo da pesquisa, os sujeitos da pesquisa e seus perfis, a abordagem metodológica que a fundamenta, os instrumentos utilizados na investigação e, ainda, as etapas vivenciadas que levaram à organização e análise dos dados do estudo proposto.

Mediante o exposto, precisei pensar. Para pensar, necessitei observar, entender, compreender e agir num movimento constante de ação e reação, de ir e vir, construir e reconstruir, significar e ressignificar, ou seja, provocar, insistir e desacomodar. Essa é a função de pesquisador, que age na pesquisa, deixando transbordar a fala, o pensamento, as ações, o conhecimento e o autoconhecimento dos pesquisados.

Nesse processo, tivemos como objeto de pesquisa os discursos dos/as professores/as ouvintes de Surdos sobre as categorias: Cultura, Língua de Sinais e Identidade Surda, da Escola Estadual de Audiocomunicação “Demóstenes da Cunha Lima” – EDAC, localizada na cidade de Campina Grande, Paraíba, no bairro do Catolé.

Durante o período da pesquisa, as aulas estavam sendo ministradas em um imóvel localizado à Rua Sergipe, no bairro da Liberdade, na cidade de Campina Grande, devido ao processo de reforma pelo qual passava o prédio oficial da escola.

A EDAC2 foi fundada em março de 1983, por um grupo de professoras, e de alunas estagiárias da Habilitação em Educação de Deficientes da Audiocomunicação, do Curso de Pedagogia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), com a finalidade de suprir a inexistência de escolas para pessoas Surdas no município e atender à necessidade urgente de um campo de estágio para a referida habilitação. Assim, por força do Decreto Estadual nº 10.288 de 16 de julho de 1984, oficializou-se a criação da escola, sob a denominação de Escola Estadual de Audiocomunicação de Campina Grande. Em seguida, firmou-se convênio de parceria entre a Secretaria de Educação do

2 As informações sobre a fundação e as propostas educacionais da EDAC foram retiradas da tese de doutorado, intitulada “Professores Surdos de Libras: a centralidade de ambientes bilíngues em sua formação”, de Eleny Gianini, uma das professoras fundadoras da EDAC. A referida tese foi defendida em março de 2012 no Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

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Estado, a Secretaria de Educação do Município de Campina Grande e a UFPB, atualmente UFCG, para sua manutenção. Parceria que se mantém até os dias atuais.

Até o início da década de 1990, a abordagem adotada era a oralista, por se acreditar, à época, que a educação das crianças Surdas deveria centrar-se na aprendizagem da linguagem oral, uma vez que essas crianças eram vistas como suscetíveis de serem normalizadas, e que as oralizando, elas poderiam agir como as crianças ditas normais. A EDAC conformava-se aos parâmetros das escolas, baseadas em uma visão de que os alunos Surdos são sujeitos deficientes, assumindo uma função mais terapêutica do que educativa.

À procura de respostas para o fracasso escolar dos Surdos, pois já havia a compreensão de que o mesmo não era uma questão inerente à condição Surda, a escola adotou, a partir de 1991, apoiada nas ideias da Comunicação Total, o português sinalizado (Bimodalismo) como recurso no processo de ensino e aprendizagem.

Baseada nestes e em outros estudos, a EDAC reformulou sua maneira de ver as pessoas Surdas e sua metodologia de trabalho, assumindo, em 1995, o Bilinguismo em seu Projeto Pedagógico.

Por ser a EDAC uma escola específica para pessoas Surdas e por adotar, hoje, uma filosofia de trabalho educacional bilíngue, seus/suas professores/as foram escolhidos para serem os sujeitos do presente estudo. Ao escolhê-los/las, foram levadas em consideração sua importância social nesse processo, sua função e significação na sala de aula, principalmente no que diz respeito à representação desses/as na vida dos/as seus/suas alunos/as, no tocante ao seu processo de construção de Sujeitos. A influência do/a docente sobre seus/suas discentes pode se dar por dois caminhos: sendo o reprodutor de posições estáticas ou sendo agente de inquietação, à medida que traz seu/sua aluno/a para o estágio de questionamentos, de posicionamentos, de lutas políticas, culturais, sociais, ideológicas, identitárias e científicas.

No período da pesquisa, a EDAC tinha matriculados um total de 189 alunos/as, todos/a Surdos. Em termos clínicos, estes haviam sido diagnosticados com diferentes graus de surdez, e alguns alunos/as Surdos com autismo e deficiência mental associados. Estavam distribuídos em 21 turmas de Educação Básica, que funcionavam nos três turnos. Esses/as alunos/as eram oriundos da cidade de Campina Grande/PB e outros municípios paraibanos circunvizinhos: Queimadas, Pocinhos, Lagoa Seca, Massaranduba, dentre outros.

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O quadro dos/as professores/as no período no qual foram realizadas as entrevistas (maio, junho e julho de 2015) era composto por 29 profissionais. Destes, apenas 24 estavam na ativa, pois um havia se aposentado, outra havia tirado licença maternidade e três encontravam-se afastados das funções por outras razões.

Devido ao convênio de parceria firmado entre o governo do estado da Paraíba e o município de Campina Grande, mantido até a data das minhas visitas à escola, os/as docentes da escola eram mantidos/as por ambos os vínculos empregatícios. Existiam também os prestadores/as, mesclados entre os efetivos/as. Quase todas/os as/os professoras/es eram licenciados/as em suas respectivas disciplinas de atuação na escola, com exceção de duas professoras, como também possuíam pós-graduação (muitas delas voltadas para a educação de Surdos).

Desse total de professores/as, realizei dezessete entrevistas. O roteiro foi dividido em três blocos temáticos, com um total de 17 tópicos, que abrangiam as categorias chave da pesquisa. Tais tópicos permitiram que os entrevistados discorressem livremente, dando fluência ao diálogo entre o entrevistado, o roteiro temático e o pesquisador. De acordo com Gil (2006, p. 119):

as entrevistas mais estruturadas são aquelas que predeterminam em maior grau as respostas a serem obtidas, (...) e as menos estruturadas são desenvolvidas de forma mais espontânea, sem que estejam sujeitas a um modelo pré-estabelecido de interrogação.

Com intuito de alcançar o objetivo traçado, os dados oriundos das entrevistas foram catalogados em categorias e grupos, com o cuidado de não incorrer na artificialidade. Procurei, com isso, perseguir a ideia de Bauer e Gaskell (2014, p.68) que consideram que a “finalidade real da pesquisa qualitativa não é contar opiniões ou pessoas, mas ao contrário, explorar o espectro de opiniões, as diferentes representações sobre o assunto em questão”.

Acredito que a entrevista se constituiu para além de um instrumento de coleta de dados, favorecedora de reflexões dos/as professores/as ouvintes de Surdos sobre as temáticas propostas, que foram apresentadas em tópicos. Esse tipo de apresentação de questões visou obter respostas as mais pessoais possíveis, que pudessem remeter às lembranças, compreensões e entendimentos acerca do que era levantado. A ideia não era buscar verdades absolutas, mas captar elementos suficientes que me permitissem mergulhar nas concepções expressas pelos sujeitos. Afinal,

o emprego da entrevista qualitativa para mapear e compreender o mundo da vida dos respondentes é o ponto de entrada para o cientista

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social que introduz, então, esquemas de interpretativos para compreender as narrativas dos atores em termos de mais conceptuais e abstratos, muitas vezes em relação a outras observações. A entrevista qualitativa, pois, fornece os dados básicos para o desenvolvimento e a compreensão das relações entre atores sociais e sua situação. O objetivo é uma compreensão detalhadas [detalhada das] crenças, atitudes, valores e motivações, em relação aos comportamentos das pessoas em contextos sociais específicos (GASKELL, 2014, p.65).

Algumas questões referentes à incompatibilidade de horários entre mim, no papel de pesquisador, e o entrevistado no espaço escolar – indisponibilidade de horários externos devido às ações cotidianas de ambos e questões emocionais e abstenções (houve docente que não quis participar) – desestabilizaram um pouco o processo de coleta de dados, porém, não o neutralizou, nem trouxe sérios problemas.

Após ouvir várias vezes o material coletado, selecionei os discursos que seriam objeto de análise. Como eles estavam muito próximos uns dos outros, no sentido de compreensão das categorias chaves – a formação e as histórias de vida profissional confundiam-se no tocante à trajetória na educação de Surdos e a entrada e permanência na EDAC, resguardando algumas proporções de tempo de serviço – adotei o critério do sorteio para escolher cinco professores/as, que teriam seus discursos analisados neste trabalho. Porém, optei por docentes concursados, já que estes faziam parte do quadro permanente dos governos estaduais e municipais, mantenedores da unidade de ensino.

A seguir, apresento o perfil dos profissionais selecionados e, para manter preservada a identidade desses profissionais, usei nomes fictícios e omiti o tipo de formação inicial e continuada dos participantes.

Tabela: Dados dos sujeitos da pesquisa NOME FORMAÇÃO GRAU DE

INSTRUÇÃO

VÍNCULO EMPREGATÍCIO

TEMPO DE MAGISTÉRIO

TEMPO DE SERVIÇO NA EDAC

DATA E TEMPO DE DURAÇÃO

DA ENTREVISTA Consuelo Licenciatura Pós-graduação Efetiva 14 anos 07 anos 13/05/2015

34:30seg.

Edgar Licenciatura Pós-graduação Efetivo 10 anos 04 anos 08/07/2015 27:59seg.

Indira Licenciatura Pós-graduação Efetiva 10 anos 10 anos 12/06/2015 32:30seg.

Patrocínia Licenciatura Pós-graduação Efetiva 02 anos 02 anos 08/07/2015 01:01:46 seg.

Safira Licenciatura Pós-graduação Efetiva 24 anos 24 anos 14/05/2015 25:38seg.

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Esta pesquisa originou-se da necessidade de conhecimento, que move os seres humanos como um todo, em busca de respostas/explicações para as inquietações que surgem ao longo da existência. Para responder às inquietações e validá-las cientificamente, ou seja, torná-las verdade para aceitação ou contestação nos discursos, os sujeitos construíram abordagens científicas com cunho qualitativo ou quantitativo, ou mesmo ambos. O método escolhido deve estar consentâneo com o(s) objetivo(s) proposto(s). Mas, para se pesquisar, é necessário ter clareza do que se pretende alcançar e, para tanto, quem pesquisa tem que fazer escolhas teórico-metodológicas, que possam buscar compreender a realidade questionada.

Hoje, na área das ciências humanas e sociais, como na da educação, existe uma predominância da pesquisa qualitativa, a qual “evita números, lida com interpretações das realidades sociais” (BAUER; GASKELL; ALLUM, 2014, p.23). Mais do que generalizar, o pesquisador procura interpretar a realidade, buscando compreender as subjetivações que se apresentam no universo das relações sociais, culturais, econômicas, educacionais etc.

Em meio à complexidade que é fazer pesquisa qualitativa, já que esta se ancora nas questões relacionais dos sujeitos - consigo, com os outros e com o meio no qual está inserido -, em suas perspectivas físicas, comportamentais e/ou simbólicas, foi necessário encontrar explicações a partir do que foi (com)partilhado com o pesquisador. Para Minayo (2002, s/p), trata-se de um “universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis”.

No campo da pesquisa sobre Educação de Surdos não é diferente, já que essa se constitui por seres humanos, com histórias de vida partilhadas socialmente com outros sujeitos. A importância de se estudar, pesquisar, entender a Educação de Surdos e, mais especificamente, o que pensam seus professores ouvintes de Surdos sobre essa minoria, perpassa o campo das representações que aqueles têm sobre esta.

Mediante discussões dos Estudos Surdos, amparados na perspectiva dos Estudos Culturais, trouxe o elemento cultura como desencadeador de toda discussão sobre as diferenças nos mais variados campos: sociais, culturais, históricos e científicos. Dessa forma, busquei conhecer e compreender como os professores ouvintes de Surdos entendem elementos importantes que constituem o Sujeito Surdo: Língua de Sinais, Cultura Surda e Identidade Surda. Levei em consideração também a forma como esses

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elementos foram vistos, entendidos e tratados ao longo da história pelas correntes filosóficas que embasaram o processo educacional e a prática pedagógica dos professores ouvintes dos Surdos.

Assim, esta pesquisa tem um caráter qualitativo, justificada pela discussão dos teóricos anteriormente mencionados no que se refere a essa modalidade de pesquisa, e tem como sujeitos os/as professores/as ouvintes de Surdos. Estipulei como objeto de análise os discursos desses profissionais sobre Língua de Sinais, Cultura e Identidade Surda, pois, de acordo com Orlandi (2005, p.86), “o discurso é o lugar de observação do contato entre a língua e a ideologia, sendo a materialidade específica da ideologia o discurso e a materialidade específica do discurso, a língua”.

De posse das entrevistas, passei para a transcrição, transformando o discurso oral em textos escritos ou “unidades de análises”, como afirma Orlandi (2005, p.64). Essa passagem para unidades físicas sintáticas/semânticas, como distinguiu Krippendorff (1980, apud BAUER 2014, p.198), permitiu uma organização das falas, de modo a facilitar a análise futura das estruturas sintáticas e semânticas que a compunham, mantendo a fidelidade do que foi dito pelos/as professores/as ouvintes sobre os eixos temáticos da pesquisa, as categorias centrais de análise: Identidade, Cultura e Língua de Sinais.

O momento de análise demandou várias leituras, a partir das quais foi feita uma filtragem das informações que interessavam, e das quais surgiram problematizações sobre o papel da escola em meio ao processo de construção/formação da identidade Surda; a influência que exercem nos discentes os/as professores/as ouvintes de Surdos a partir de suas representações de Cultura, Língua de Sinais e Identidade Surda; se percebem, quais os possíveis efeitos dessas representações sobre suas vidas e nas vidas de seus/suas alunos/as Surdos; a perspectiva bilíngue presente nos discursos dos/as professores/as ouvintes mediando o processo pedagógico educacional.

Os elementos norteadores desse estudo - Cultura, Identidade e Língua (neste caso Língua de Sinais) - dialogam diretamente com os estudos de Currículo, expressos por meio das escolhas teóricas, metodológicas e conceituais dos/as professores/as, presentes nos seus discursos. Essa premissa vai ao encontro do que diz Padilha (2004, p.134): “teorizar o currículo deve, antes de tudo, significar a reflexão sobre as ações educativas desenvolvidas na escola de forma a avançar em relação aos diferentes e múltiplos contextos nos quais são produzidos.”. Dessa maneira, as categorias centrais

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deste trabalho poderão ter maior espaço, visibilidade e funcionalidade na relação prático-discursiva dos/as professores/as no espaço escolar.

Essa perspectiva metodológica foi amparada nas teorias pós-críticas, referentes aos Estudos Culturais da/na Educação, entendendo metodologia da mesma forma que Paraíso e Meyer (2014, p.18):

Entendemos metodologia como um certo modo de perguntar, de interrogar, de formular questões, de construir problemas de pesquisa que é articulado a um conjunto de procedimentos de coleta de informações – que, em congruência com a própria teorização, preferimos chamar de “produção” de informação – e de estratégias de descrição e análise.

A proposta da pesquisa foi de problematizar a realidade posta, em busca de melhores condições educacionais para as pessoas Surdas, que compõem as minorias e têm seu alicerce nas diferenças. Busquei seguir os passos de Paraíso e Meyer (2014, p.

18), segundo as quais “afastamo-nos daquilo que é rígido, das essências, das convicções, dos universais, da tarefa de prescrever e de todos os conceitos e pensamentos que não nos ajudam a construir imagens de pensamentos potentes para interrogar e descrever-analisar nosso objeto”.

Tendo em vista que a pesquisa se centra nos discursos dos/as professores/as sobre Língua, Identidade e Cultura Surda, numa perspectiva escolar de educação dos Surdos, e que esses elementos transitam pelas áreas com as quais os Estudos Culturais dialogam, considerei coerente recorrer a algumas estratégias apontadas por Gill (2014, p.247... 250), que podem ser utilizadas quando se faz uso da análise do discurso. São elas:

É proveitoso pensar a análise de discurso como tendo quatro temas principais: uma preocupação com o discurso em si mesmo: o tema

“discurso” é empregado para se referir a todas as formas de fala e texto; uma visão da linguagem como construtiva (criadora) e construída: o discurso é construído a partir de recursos linguísticos preexistentes que implica escolhas ou seleção de um número de possibilidades...; uma ênfase no discurso como uma forma de ação:

não ocorre em um vácuo social, é contextual e circunstancial; e uma convicção na organização retórica do discurso: vê a vida social como sendo caracterizada por conflitos de vários tipos...pensar a maneira de como todo discurso é organizado a fim de se tornar persuasivo...

É necessário também entender que a análise do discurso está amparada por várias áreas das ciências sociais e por diferentes tradições teóricas, se apresentado de várias formas, o que a faz ter vários estilos e enfoque diferentes para o texto – oral ou escrito. O que a análise do discurso tem em comum nesses diferentes estilos e enfoques

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é o entendimento da não neutralidade da língua. Assim, ao fazer uso dela - negando, afirmando, refletindo, questionando, descrevendo, concordando, silenciando, etc. - o sujeito está constituído de escolhas, conscientes ou não.

Por isso é entendido que o discurso tem uma relevância pontual e determinante nas relações sociais (pré) estabelecidas entre os diferentes atores sociais. Tomando por base a análise do discurso, é possível captar pistas analíticas essenciais sobre a fala/texto do outro, a fim de investigá-las para desnudá-las.

A escolha da Análise de Discurso Francesa (ADF - criada por Michel Pêcheux, no final dos anos 60) como instrumento de reflexão dos discursos dos/as professores/as ouvintes de Surdos, se deu pela compreensão direta da relação entre ideologia e linguagem: a segunda se materializa na primeira, que, por conseguinte, manifesta-se na segunda. Essa relação entre ambas faz com que o discurso seja um espaço de efeito de sentidos no qual ideologia e linguagem se materializam e se manifestam e vice-versa.

Através do entendimento de como o discurso funciona é possível explicar a conjuntura das partes do processo de significação de sentidos e de discursividade que o envolve, sempre numa perspectiva histórica, ideológica e contextual.

O discurso é um local marcado constantemente por escolhas, que geram conflitos, que expressam valores, que apresentam ideias, concepções e entendimentos acerca de mim, do outro e do mundo. Aliado às reflexões teóricas do campo dos Estudos Culturais, considerando suas posições epistemológicas e o objetivo deste trabalho, optei por trabalhar com essa corrente de pensamento, porque penso que, por meio dela, é possível estabelecer com mais coerência a relação teoria e prática (num movimento dialético) e o cientificismo presente nos Estudos Culturais, necessário à problematização dos dados apresentados.

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3 CONFIGURAÇÕES DE UMA PRÁXIS BILÍNGUE: resultados e reflexões

Epistemologicamente, a educação é marcada pelo conhecimento científico que se constrói sobre e acerca dela, tomando como princípios os paradigmas aos quais vincula-se, o(s) objetivo(s) que a enquadra(m) e a(s) concepção(ões) que norteará(ão) o trabalho desenvolvido pelos profissionais que nela atuam. Também não podemos esquecer à relação que se dá entre Educação e Sociedade que, independentemente da época, mudam-se apenas as bases epistemológicas que a respaldam e os objetivos e funções que a embasam.

A escola, por meio do processo educacional que oferece, passou a ser a instituição legal, responsável direta pela formação de sujeitos letrados e cultos, pois ela é quem os atesta como aptos e inaptos para os diferentes campos sociais e profissionais.

Esse processo se dá através dos direcionamentos que são apontados durante o percurso educacional de cada sujeito, inserindo-os na conjuntura macro e micro social, do coletivo para o individual e vice-versa, hierarquizando-os, homogeneizando-os, independentemente de suas características físicas, motoras, cognitivas, espaciais, temporais etc.

A Educação hoje se constitui não apenas como um direito, mas como um dever do Estado e da Sociedade (em todos os seus seguimentos). Para alcançar o(s) seu(s) objetivo(s) - preparar os sujeitos para uma vida social e profissional -, ela deve buscar atingir a todos os cidadãos. Sobre isso, Libâneo (2013, p.22) coloca:

Nesse sentido, a educação é instituição social que se ordena no sistema educacional de um país, em um determinado momento histórico; é um produto, significando os resultados obtidos da ação educativa conforme propósitos sociais e políticos pretendidos; é processo por consistir de transformações sucessivas, tanto no sentido histórico quanto no desenvolvimento da personalidade.

Devido ao caráter formacional que a educação assume, a mesma não pode e não deve apenas se relacionar com as questões do conhecimento validado ao longo da história pelas ciências, mas também deve dialogar com os saberes adquiridos pelos sujeitos ao longo do seu processo sócio histórico, nos trânsitos das outras esferas

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sociais, as quais a escola costuma desconsiderar, não reconhecendo esses sujeitos no seu processo de formação e constituição.

Esse pensamento sobre os processos educacionais está inserido numa postura crítico-reflexiva, que toma como referência teóricos das diversas áreas da ciência.

Estudos na área da Didática, da Linguística, da Sociologia e tantas outras se fizerem necessários para o enfrentamento dos problemas que permeiam o debate educacional.

A partir delas, procurei desenvolver reflexões sobre as questões educacionais tomando-as como uma teia, constituída pelo que denominei Conjunto Moderno da Educação Formal (CMEF) 3, numa relação processual, relacional, na qual configura-se o jogo, o figuracional de Elias (2006)4. Esse conjunto de fatores acontece na educação formal dos sujeitos e valida o conhecimento e os saberes, além de qualificar e quantificar os sujeitos, atestando-os para o mundo social e do trabalho, ou melhor, classificando-os socialmente.

Busquei, dessa forma, desenvolver pensamentos, atrelando-os a autores e paradigmas educacionais que compactuem com as reflexões teóricas aqui delineadas, em teorias que enxerguem com mais complexidade os discursos dos/as professores/as, construindo argumentos teórico-reflexivos nos EC.

O apoio nos Estudos Culturais deixa claras as nuances pós-modernas e, consequentemente, a tendência do paradigma epistemológico imbuído nas linhas textuais que seguem. A pretensão é buscar subsídios nesse campo para superar visões deterministas, tentando imprimir uma base dialógica com as ciências sociais, humanas e naturais, numa bricolagem teórica que ajude a direcionar a função formadora do sujeito.

Acredito que os EC têm potencial para realizar a bricolagem teórica necessária para essa (re) flexão. Concordo, assim, Wachowicz (2002), quando afirma:

O recurso à epistemologia para dizer o que é a educação, hoje, para mim, é claramente um esforço para definir o objeto da Educação a

3 Denominei de Conjunto Moderno da Educação Formal (CMEF) todos os elementos que configuram o processo de formação do sujeito na perspectiva formal de educação: o espaço escolar, profissionais da educação, procedimentos e práticas pedagógicas, o currículo e os instrumentos pedagógicos. Entendo que, independente da base epistemológica ou teoria educacional assumida no processo educacional, todas elas terão que ser constituídas por esses elementos para que a formação aconteça, além de serem intrínsecos ao processo e interdependentes entre si.

4 Figuração, na perspectiva Eliasiana, é o jogo de interdependência que acontece entre os sujeitos em uma dada situação, renovando-se constantemente. Na educação, haverá sempre o jogo da interdependência no CMEF, independente da base epistemológica, pois haverá sempre uma relação/interdependência de sujeitos nesse jogo educacional, fazendo com que as figurações aconteçam.

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partir de uma construção teórica que, não sendo neutra vai influir no resultado dessa busca, a ponto de tornar diferentes os objetos segundo a perspectiva teórica pela qual são vistas (p.56).

É por não acreditar, ou comungar, com uma visão ingênua ou neutra de educação, no contexto de seu CMEF, que me apoio numa perspectiva pós-critica, representada por autores que, independentemente de rotulações, têm contribuições importantes para nossas reflexões. Concordo com Boaventura de Sousa Santos (apud WACHOVICZ, 2002, p.57), que “o que está valendo é o paradigma de um conhecimento prudente para uma vida decente”. É esse princípio que busco, enquanto peça do conjunto que compõe a educação, para respaldar as reflexões aqui contidas.

Dentro da vastidão e amplitude do fenômeno educacional, em que existem várias modalidades – Educação Profissional, Educação de Jovens e Adultos e tantas outras –, meu foco foi a Educação Especial, especificamente a problemática da Educação de Surdos e sua relação com os EC, já que estes surgem para problematizar, colocando no centro da discussão as minorias sociais.

Para entender os princípios contidos no EC, remeto-me ao ano de 1964, quando, na universidade de Birmingham, os EC começam a se desenvolver com intuito de deslocar métodos e instrumentos da crítica textual e literária clássica para as produções culturais de massa existentes nas camadas populares e expressas em suas práticas culturais (MATTELART; NEVEU, 2004).

Até os dias atuais, os EC passaram por momentos difíceis, sendo considerados como uma área de estudo com menos valia científica. Esse quadro foi mudando com a crise instalada pela nova configuração social mundial, e seus efeitos, haja vista que os EC, agregando-se à necessidade de compreensão dos novos contextos sociais que se inter-relacionavam, viabilizaram estudos mais adequados à contemporaneidade, consolidando a crise do paradigma da modernidade.

Assim, os EC e a Educação se complementam, tendo em vista a configuração desse espaço formativo, como um excelente locus de pesquisa para se desenvolver reflexões com foco na pedagogia crítica, abolindo as filosofias de caráter tradicional, que só contribuíram para a reprodução e manutenção do status quo social (REIS- TOZONI, s/a). Os EC aparecem para direcionar o olhar para as minorias, refletindo e questionando a modernidade sólida, pronta e acabada, consolidada por meio do capital, da tecnologia e do individualismo no século passado.

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Nessa perspectiva, dada a sua importância, é preciso desenvolver uma reflexão vigorosa sobre os processos educacionais, como diz Teixeira (1957 apud FORACCI e PEREIRA, 1966):

A educação escolar é uma necessidade em nosso novo tipo de civilização, por que não há nível de vida em que dela não precisamos para fazer bem, o que de qualquer modo, teremos sempre de fazer.

Deste modo, a sua função é primeiro a de nos permitir viver eficientemente em nosso nível de vida e somente em segundo lugar, a de nos permitir atingir um novo nível, se a nossa capacidade assim permitir (p.397).

Desse modo, o sistema educacional deve propor aos sujeitos as condições necessárias para desenvolverem as habilidades de entendimento de seu espaço, e poder modificá-lo (caso queiram). A educação favorável ao sujeito é a que dá condições para a transformação social, para a superação de limites.

Nesse sentido, é preciso entender o processo pelo qual passou a Educação Especial.

A Educação Especial passou por vários momentos, como aponta Sassaki (1997):

movimento educacional de exclusão, segregação institucional, integração e inclusão.

Cada um desses momentos, embora tivesse características e bases filosóficas, sociológicas, antropológicas, religiosas que sustentavam e direcionavam suas práticas pedagógicas, teve marcas em comum, dentre elas, o de negação pedagógica ao diferente, à minoria.

Nesse contexto da Educação Especial, as pessoas Surdas não tiveram atendimento educacional adequado, ocasionando numa geração de ineficientes em termos de escolarização. Diante do fracasso educacional dos Surdos apresentado pelos estudos e pesquisas científicas, tanto quantitativas como qualitativos, os instrumentos de avaliação utilizados por diversos órgãos (governamentais ou não) apontam para a necessidade de se buscar uma nova maneira de se pensar e fazer educação de Surdos.

Isso demanda pensar a educação de uma forma geral, de forma sistêmica, não só a especial. Envolve um novo olhar dos/as professores/as sobre as práticas pedagógicas, sobre o(s) currículo(s), enfim, sobre todo o CMEF. Para se pensar a partir da perspectiva política da diferença, especificamente a do Sujeito Surdo, e não de uma normalidade ouvinte, é preciso desconstruir e ressignificar o instituído. Nesse sentido, os ECE podem contribuir, como afirmam Costa, Silveira e Sommer (2003, p.54):

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Se pensarmos o quanto a educação, a partir das contribuições da teoria crítica, vem se configurando como uma área de militância de atuação política, vê-se quase como inevitável esta aproximação com os Estudos Culturais, já que estes também, em sua constituição e desenvolvimentos, têm uma face histórica de imbricações com a atividade política.

Ainda sobre essa relação dialógica entre EC, suas conexões e interfaces com e para a realidade social, estas autoras e autor dizem:

De certa maneira, pode-se dizer que os ECE constituem uma ressignificação e/ou uma forma de abordagem do campo pedagógico em que questões como cultura, identidade, discurso e representação passam a ocupar, de forma articulada, o primeiro plano da cena pedagógica (COSTA; SILVEIRA; SOMMER, 2003, p.54.).

Para essa compreensão, atrelada aos EC, é preciso considerar os elementos descritos pelas autoras anteriormente. Esses novos elementos ganham visibilidade e destaque no pensar e discutir o processo prático-pedagógico, com vistas a mudar a realidade de aprendizagem dos Surdos. Para isso, os EC precisam desestabilizar as verdades hegemônicas que se arrastam há séculos, reguladoras e mantenedoras do status quo.

Cabe aqui, então, perguntar: o que faz dos EC tornarem-se uma área teórica que muito tem e pode contribuir com o CMEF?

Se a escola, enquanto instituição responsável pela formação crítico-social, é o espaço que deve formar as pessoas Surdas, essas pessoas devem ser vistas também como fazendo parte de uma diversidade cultural e minoritária que está interligada perfeitamente com a Teoria Viajante, como classificou Heloísa Buarque de Holanda (apud COSTA, SILVEIRA e SOMMER, 2003). Segundo estas autoras,

Os EC não pretendem ser uma disciplina acadêmica tradicional... Ao contrário os que o tem caracterizado é serem um conjunto de abordagens, problematizações e reflexões situadas na confluência de vários campos já estabelecidos, é buscarem inspiração em diferentes teorias, é romperem certas lógicas cristalizadas e hibridizarem concepções consagradas (p.40).

Como é possível perceber, os Estudos Culturais vêm desestruturar o que a modernidade consolidou, colocando em discussão os absolutismos das teorias modernas; mas sem excluir ou descartar totalmente os benefícios que esse período proporcionou ao homem através das Ciências Naturais, Sociais e Humanas.

É em meio a esse contexto de (des)construção das teorias modernas e dos apontamentos da pós-modernidade que se posicionam os Estudos Culturais da

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