• Nenhum resultado encontrado

Questões prejudiciais heterogêneas facultativas no processo penal

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2018

Share "Questões prejudiciais heterogêneas facultativas no processo penal"

Copied!
61
0
0

Texto

(1)

FACULDADE DE DIREITO

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

RENATA GREYCIE CALIXTO MARTINS

QUESTÕES PREJUDICIAIS HETEROGÊNEAS FACULTATIVAS NO PROCESSO PENAL

(2)

QUESTÕES PREJUDICIAIS HETEROGÊNEAS FACULTATIVAS NO PROCESSO PENAL

Trabalho de Conclusão de Curso na área de Direito Processual Penal, submetido à Coordenação do Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Ms. Daniel Maia.

(3)

QUESTÕES PREJUDICIAIS HETEROGÊNEAS FACULTATIVAS NO PROCESSO PENAL

Trabalho de Conclusão de Curso na área de Direito Processual Penal, submetido à Coordenação do Curso de Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Aprovada em: 27/12/2012.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________________ Prof. Ms. Daniel Maia (Orientador)

Universidade Federal do Ceará (UFC)

________________________________________________ Profª. Ms. Fernanda Cláudia Araújo da Silva

Universidade Federal do Ceará (UFC)

________________________________________________ Prof. Ms. William Paiva Marques Júnior

(4)

A Deus, que me concedeu o dom da vida e me deu forças para prosseguir nessa longa jornada.

À minha mãe, por ser a melhor mãe que alguém poderia ter. Ao meu pai, por acreditar em mim.

Aos meus amigos, especialmente a Inaê, Ivna, Lilian, Luis Neto, Nágela e Thalita, por estarem ao meu lado há tantos anos, me apoiando e me ajudando quando preciso.

À Elizabete, que sempre cuidou de mim com carinho.

Ao Juiz Federal da 10ª Vara da Seção Judiciária do Ceará, Dr. Alcides Saldanha Lima, por ter contribuído com a realização das pesquisas.

(5)

“De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.”

(6)

Esta monografia cuida da possibilidade de conflito entre jurisdições, quando o juiz criminal resolve decidir uma questão prejudicial heterogênea facultativa que surge no processo penal, e, posteriormente, o juiz cível profere sentença que decide a mesma controvérsia de modo contrário. Faz uma análise do art. 93 do Código de Processo Penal brasileiro, buscando explicar os conceitos necessários à compreensão da norma, estudando, inclusive, os princípios e critérios a serem observados no momento de sua aplicação. Utiliza alguns precedentes jurisprudenciais para aprofundar certos aspectos que pouco são tratados pela doutrina. Constata a viabilidade de utilização do habeas corpus e da revisão criminal

– a depender do caso –, a fim de fazer prevalecer a decisão cível nas hipóteses em que há contradição entre ela e a sentença proferida na ação penal, quando esta chega a uma conclusão contrária aos interesses do réu e aquela resolve em seu favor. O presente trabalho desenvolve-se a partir de dois tipos de pesquisa: bibliográfica-doutrinária e jurisprudencial.

Palavras-chave: Questões prejudiciais. Processo penal. Habeas corpus. Revisão

(7)

Esta monografía se ocupa de la posibilidad de un conflicto entre las jurisdicciones, cuando el juez penal resuelve decidir una cuestión perjudicial facultativa heterogénea que surge en el proceso penal, y más tarde un juez civil decide la misma controversia de modo contrario. Analiza el art. 93 del Código de Proceso Penal brasileño, tratando de explicar los conceptos necesarios para la comprensión de la norma, incluso estudiando los principios y criterios que han de observarse en el momento de su aplicación. Utiliza algunos precedentes para profundizar en determinados aspectos que casi no son tratados por la doctrina. Constata la viabilidad del uso de habeas corpus y de la revisión criminal - según el caso - con el

fin de hacer prevalecer la decisión civil en los casos en que hay contradicción entre ella y la sentencia en el procedimiento penal, cuando esta concluye de manera contraria a los intereses de la parte demandada y aquella resuelve en su favor. El presente trabajo se desarrolla a partir de dos tipos de pesquisa: doctrinal y jurisprudencial.

Palabras clave: Cuestiones perjudiciales. Proceso penal. Habeas corpus. Revisión

(8)

INTRODUÇÃO... 09

1 DAS QUESTÕES PREJUDICIAIS... 10

1.1 Escorço histórico... 10

1.1.1 Período romano... 10

1.1.2 Período medieval... 10

1.1.3 Período moderno... 11

1.1.4 Evolução da prejudicialidade no Brasil... 11

1.2 Conceito... 12

1.3 Natureza jurídica... 13

1.4 Características... 13

1.5 Questões prejudiciais e questões preliminares... 14

1.6 Sistemas de solução... 15

1.7 Classificação... 17

1.8 O art. 93 do CPP... 19

1.9 Direito comparado... 21

2 PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS... 26

2.1 Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº. 30.675/AM... 26

2.2 Recurso Criminal nº. 3.973/MG... 28

2.3 Da (im)possibilidade de suspensão do inquérito policial... 30

2.3.1 Habeas Corpus nº. 2009.02.01.011519-4/RJ... 30

2.3.2 Habeas Corpus nº. 2001.02.01.033915-2/RJ... 31

2.4 Recurso Criminal nº. 2010.077880-5/Joinville (SC)... 33

2.5 Apelação Criminal nº. 1999.71.05.003756-0/RS... 35

3 DA POSSIBILIDADE DE CONFLITO ENTRE JURISDIÇÕES... 38

3.1 Princípios relevantes... 38

3.1.1 Princípio da independência das instâncias... 38

3.1.2 Princípio da celeridade processual... 39

3.1.3 Princípio da segurança jurídica... 40

3.2 Da suspensão do processo... 41

3.3 Medidas combativas à execução penal... 44

3.3.1 Habeas Corpus...... 44

(9)

3.3.1.4 Cabimento...... 47

3.3.2 Revisão criminal... 48

3.3.2.1 Conceito, natureza jurídica, prazo e objeto...... 48

3.3.2.2 Revisão pro reo X revisão pro societate...... 49

3.3.2.3 Princípios...... 50

3.3.2.4 Legitimação...... 50

3.3.2.5 Cabimento...... 50

3.4 O conflito de decisões: soluções propostas... 51

3.5 As questões prejudiciais heterogêneas facultativas no novo CPP... 53

CONSIDERAÇÕES FINAIS... 54

(10)

INTRODUÇÃO

As questões prejudiciais foram tratadas de modo superficial pelo Código de Processo Penal, que cuidou apenas de estabelecer o procedimento a ser adotado no momento em que se verificar a presença do fenômeno da prejudicialidade em uma ação penal.

A escolha do tema do presente trabalho deu-se pela constatação dos problemas de ordem prática que poderão advir quando, existente uma questão prejudicial heterogênea facultativa no processo, o magistrado opta pela não suspensão do feito, em face da disposição do art. 93 do CPP.

Destarte, o objetivo desta pesquisa é investigar qual deverá ser a medida utilizada nas hipóteses em que coexistirem duas decisões conflitantes, quais sejam, uma prolatada pelo juiz criminal e outra exarada pelo juiz cível. Tal fato poderá ocorrer nas ocasiões em que o juízo penal não suspende o processo, chamando para si a solução da prejudicial, e, posteriormente, sobrevém sentença cível que resolveu a controvérsia em sentido diverso.

No primeiro capítulo, far-se-á uma abordagem histórica do assunto, bem como uma análise acerca da natureza jurídica das questões prejudiciais, passando pela definição de alguns conceitos e incursionando na seara do direito comparado.

No segundo capítulo, serão estudados alguns precedentes jurisprudenciais que, de certa maneira, contribuem para a compreensão do instituto da prejudicialidade.

(11)

1 DAS QUESTÕES PREJUDICIAIS

Inicialmente, discorreremos, de maneira geral, sobre o instituto da prejudicialidade no processo penal, para, após, focarmos nosso estudo nas questões prejudiciais heterogêneas facultativas.

1.1 Escorço histórico1

1.1.1 Período romano

A contribuição romana foi de grande valia para o desenvolvimento do tema da prejudicialidade. Apesar de os romanos não haverem tido uma preocupação em definir conceitos determinados, esforçavam-se por apresentarem soluções para as questões prejudiciais que surgiam no processo.

Com eles foi feita, pela primeira vez, a distinção entre as questões que são apreciadas incidentalmente no processo (iudicium) – cuja decisão, por isso mesmo,

não condicionaria os julgamentos posteriores – e as questões principais (cognitio) –

cujo julgamento, por ser feito de forma definitiva, poderia influenciar outras decisões. Aliás, nessa época, foram reconhecidos os praeiudicia, embriões da conhecida ação

declaratória, destacando-se que a decisão sobre eles proferida também influiria,

diretamente, em juízos futuros.

É importante ressaltar que não se estabeleceu, no Direito Romano, um

sistema de prejudicialidade. Não obstante, foram os romanos quem concluíram pela

suspensão do processo em caso de prejudicialidade, especialmente caso se estivesse diante de uma questão de estado, a qual era considerada como o maior exemplo de questão prejudicial.

1.1.2 Período medieval

No período medieval, deu-se mais relevância aos efeitos da prejudicialidade do que à própria natureza desta. Por esse motivo, as questões prejudiciais foram vistas como um verdadeiro obstáculo ao trâmite normal do processo.

1

(12)

A partir daí, passou-se a diferenciar as questões prejudiciais obrigatórias e facultativas. Além disso, devido ao fato de que a suspensão do processo era considerada o fator principal no exame da prejudicialidade, foram ampliadas as hipóteses em que tal suspensão ocorreria.

Outrossim, ganhou importância o estudo das questões prejudiciais como elemento provocador da interferência entre jurisdições, motivo pelo qual voltaram-se as atenções à análise da prejudicialidade heterogênea.

1.1.3 Período moderno

A prejudicialidade heterogênea, com ou sem suspensão do processo, continuou sendo o foco nos sistemas legislativos que tratavam sobre o assunto. A classificação de tais sistemas, em relação à prejudicialidade, passou a ser feita de acordo com o modo pelo qual regulavam a suspensão do processo.

Doravante, surgiram cada vez mais doutrinadores que escreveriam sobre o tema, embora a maioria dos juristas ainda continuasse adstrita à noção da prejudicialidade como interferência entre jurisdições.

Começou-se a discutir sobre a possibilidade da adoção de um sistema de prejudicialidade, fosse ele obrigatório, facultativo ou misto. Enquanto alguns entendiam que era necessária a manifestação da parte para que a questão prejudicial pudesse surgir, outros acreditavam que a prejudicial deveria ser, inevitavelmente, apreciada antes da questão principal, independentemente de provocação, por constituir aquela antecedente lógico desta.

Foi, exatamente, neste período que surgiu o entendimento de que, para a caracterização da questão prejudicial, dever-se-ia perquirir se ela poderia compor o objeto principal de um processo autônomo.

1.1.4 Evolução da prejudicialidade no Brasil

(13)

Aos poucos, a doutrina sobre o tema foi evoluindo, chegando-se a uma diferença mais consistente entre as prejudiciais e as preliminares. Contudo, continuou-se a discutir sobre a necessidade de a questão prejudicial constituir objeto de processo autônomo para que pudesse ser conceituada como tal.

Na época em que vigorava o regime imperial no Brasil, por não haver tratamento legislativo da matéria, a jurisprudência orientou-se no sentido de que o juiz penal teria competência para apreciar, de forma incidental, as questões prejudiciais civis, e, apenas excepcionalmente, era admitida a suspensão do processo penal para que as prejudiciais civis fossem decididas, em separado, pelo juiz competente.

Os Códigos dos estados do Paraná, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte, Paraíba e do antigo Distrito Federal, bem como o Decreto nº. 16.273, de 20 de dezembro de 1923, chegaram a versar sobre a prejudicialidade. Já o Código de Processo Penal de 1941, atualmente em vigor em nosso país, contém normas expressas sobre essa temática. De um lado, o art. 76, inciso III, permite-nos concluir que se cuida de prejudicialidade homogênea; de outro, a prejudicialidade heterogênea vem, categoricamente, referida nos arts. 92, 93 e 94 do diploma legal.

1.2 Conceito

Para melhor compreensão do instituto, faz-se necessária a explicação etimológica do termo prejudicial. Ensina Antônio Scarance Fernandes (1988, p. 31):

O vocábulo prejudicial é de origem latina, derivando do termo praeiudicium, composto do prefixo prae e da palavra iudicium. O prefixo prae traz em si a idéia de algo que vem antes, de algo que é anterior. A palavra iudicium significava o julgamento da questão principal de forma definitiva, ou ainda o próprio processo. Assim, prejudicial significaria etimologicamente o que é decidido antes do julgamento definitivo, ou aquele processo que é resolvido antes de outro processo.

(14)

1.3 Natureza jurídica

Não há um consenso doutrinário a respeito da natureza jurídica das questões prejudiciais. Enquanto uns entendem que elas são espécies de ação ou de exceção, como João Pereira Monteiro2, outros, a exemplo dos romanos, afirmam que elas

são, na verdade, precedentes jurisprudenciais. Outrossim, há doutrinadores os quais, seguindo o raciocínio de De Marsico e T. Delogu3, consideram-nas uma condição de procedibilidade, e alguns defendem a ideia de que são pressupostos processuais4. Existe, ainda, quem acredite sejam elas condições da ação, conforme Paulo Lúcio Nogueira5.

Scarance Fernandes (1988, p. 75) sustenta que a prejudicialidade é uma forma de conexão, no que é seguido por Julio Fabbrini Mirabete (2006, p. 195). Preleciona aquele autor que:

A prejudicialidade, como vem sendo acentuado, se caracteriza por ser uma relação entre duas figuras, a prejudicial e a prejudicada, sendo que esta depende logica (sic) e necessariamente daquela. Há entre elas um nexo necessário. Uma está geneticamente ligada à outra. Esse vínculo entre as duas figuras, que representa prejudicialidade, é uma forma de conexão.

Parece-nos, inclusive, ser esse o entendimento mais acertado.

1.4 Características

Para que se possa considerar uma determinada questão como prejudicial, ela

deve apresentar alguns elementos essenciais, quais sejam:

a) anterioridade lógica: a questão prejudicada possui uma dependência lógica da prejudicial, porque esta condiciona, diretamente, o julgamento do mérito daquela;

b) anterioridade necessária: é corolário da anterioridade lógica. Significa que o juiz criminal está atrelado à decisão da prejudicial para que possa concluir sobre a tipicidade da conduta do agente, réu no processo penal;

c) autonomia: uma dada controvérsia só será prejudicial à demanda principal

se puder constituir o objeto de um processo autônomo, ou seja, de outra ação. No

2

apud MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 194. 3

apud TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 34. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, v. 2., p. 659.

4BATTAGLINI

apud TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, loc. cit. 5

(15)

entanto, como pontua Fernando da Costa Tourinho Filho (2012, v. 2, p. 636), é de se observar que, aparecendo com autonomia, ela já não se revestirá mais do caráter de prejudicialidade, “mas esse característico é interessante para diferenciar a questão prejudicial da questão preliminar.”

Fernando Capez (2011, p. 457) elenca, ainda, outro elemento: a competência na apreciação, isto é, o fato de as questões prejudiciais serem julgadas pelo próprio juiz penal e, excepcionalmente, pelo juiz cível. Também Tourinho Filho (2012, v. 2, p. 636) acrescenta uma particularidade: o fato de a questão prejudicial ocasionar, por vezes, a suspensão do processo principal. Contudo, não entendemos ser esse último aspecto uma característica da prejudicialidade, e sim uma consequência desta que poderá ou não ocorrer, a depender do caso concreto.

1.5 Questões prejudiciais e questões preliminares

Tanto as questões prejudiciais como as questões preliminares (ou prévias) devem ser solucionadas antes do julgamento do mérito da causa principal. Todavia, são institutos que não se confundem, uma vez que possuem diferenças significativas.

Enquanto as questões preliminares se referem a aspectos puramente processuais e sempre serão resolvidas pelo juiz criminal, as questões prejudiciais são de direito material e podem ser decididas nas esferas penal e extrapenal, a depender do caso concreto e do tipo de prejudicialidade. Ademais, enquanto estas condicionam o julgamento da questão prejudicada e, como já foi dito, podem constituir o objeto de um processo autônomo, aquelas são sempre dependentes e, se acolhidas, possuem o efeito de impedir a análise do mérito da lide.

Por último, as questões prejudiciais versam sobre um acontecimento anterior à infração sub judice, mas que configura um elemento integrante desta,

característica que não se verifica nas preliminares.

Não obstante as distinções, Vicente Greco Filho (2012, p. 188) aduz, de maneira apropriada, que:

(16)

acusado tiver, em virtude dela, prerrogativa de função, colocando-se, portanto, também como preliminar de incompetência.

Como exemplo de questões preliminares, podemos citar as exceções de suspeição, de impedimento ou de incompetência do juízo, bem como as alegações de nulidades, coisa julgada, litispendência, ilegitimidade de parte e conflito de jurisdição. Em relação às prejudiciais, elas serão mais bem detalhadas neste capítulo.

1.6 Sistemas de solução

São conhecidos, basicamente, quatro sistemas de solução da prejudicialidade, quais sejam: sistema do predomínio da jurisdição penal (ou da cognição incidental), sistema da separação jurisdicional absoluta (ou da prejudicialidade obrigatória), sistema da prejudicialidade facultativa (ou da remessa facultativa ao juiz especializado) e sistema eclético (ou misto).

De acordo com o primeiro, quem conhece da ação conhece também da

exceção. Portanto, a competência para decidir a questão prejudicial é do juiz penal,

não importando o fato de se tratar de prejudicialidade homogênea ou heterogênea. Argumentam os defensores deste sistema que, cabendo àquele juízo solucionar a questão principal (ou prejudicada), ele deverá, por essa razão, resolver todas as controvérsias que apareçam de maneira incidental no processo, e isso porque, agindo dessa forma, estaria garantindo e, sobretudo, efetivando os princípios da celeridade e economia processuais, considerando que as prejudiciais possuem caráter apenas acessório.

Os que sustentam que este seria o melhor sistema a ser adotado afirmam, ainda, que o juiz penal não estaria “usurpando” a competência alheia, tendo em vista que o julgamento prolatado (a respeito da prejudicial) não seria definitivo, mas, ao contrário, serviria, unicamente, para possibilitar a solução da causa principal. Destarte, seu fim seria, estritamente, processual penal, o que não significaria, pois, que o juiz extrapenal devesse chegar àquela mesma conclusão sobre a prejudicial.

(17)

evidentemente, sobre a mesma matéria, estar-se-ia, logicamente, admitindo a possibilidade de coexistência de duas decisões em sentidos opostos, e, se isso ocorresse, gerar-se-ia uma grande insegurança jurídica. Em segundo lugar, a opção por este sistema afrontaria as leis de organização judiciária que separam a competência penal da cível.

Por sua vez, o sistema da separação jurisdicional absoluta (ou da prejudicialidade obrigatória) preceitua que a competência para decidir as prejudiciais será do juízo que seria, originariamente, competente para resolver esses assuntos, caso tais questões não constituíssem prejudiciais ao processo principal. Em outras palavras, o juiz penal só julgaria a questão prejudicial se fosse ela de natureza penal, uma vez que a simples circunstância de existência de conexão entre a prejudicial e a prejudicada não deveria revelar-se apta a transgredir as regras sobre competência absoluta.

Assim, seriam evitadas, por óbvio, as decisões contraditórias. Em compensação, seria, praticamente, ignorado o respeito aos princípios da celeridade e economia processuais, visto que a ação principal ficaria paralisada até a resolução da prejudicial. Ademais, o livre convencimento do juiz criminal restaria comprometido, trazendo inevitáveis prejuízos ao réu, na medida em que a cognição, neste juízo, é ampla, enquanto que, no juízo cível, há várias restrições atinentes à prova. Da mesma forma, Tourinho Filho (2012, v. 2, p. 645) acrescenta:

Por derradeiro, a instrução se fragmentaria, com graves danos para os interesses da Justiça, em tantas partes quantas fossem as questões levantadas, distribuindo-se entre as várias jurisdições a apreciação dos elementos constitutivos do delito, que convinha, ao contrário, fossem examinadas por um só julgador.

Já o sistema da prejudicialidade facultativa (ou da remessa facultativa ao juiz especializado) dispõe que, prevalecendo os caracteres penais na prejudicial suscitada, ao juiz penal competirá decidi-la; porém, preponderando os caracteres extrapenais, a prejudicial deverá ser remetida ao juízo extrapenal, para que este possa resolvê-la. Nessa esteira, o juiz criminal deverá examinar o caso concreto e proceder da maneira que lhe pareça mais vantajosa.

(18)

A falha, segundo se sustenta, deste sistema, está em se afirmar que as questões prejudiciais se encontram em uma zona neutra, o que não permite o estabelecimento de critérios absolutos. Cria-se, assim, uma estrutura insegura, duvidosa, incerta, enquanto a identificação das prejudiciais é certa e induvidosa, devendo estas ser submetidas a um critério rígido de tratamento.

Todavia, o sistema adotado pelo legislador brasileiro foi o eclético (ou misto), segundo o qual tanto o juiz penal quanto o juiz cível poderão solucionar a prejudicial, dependendo do que determina a lei. A prejudicialidade obrigatória está disciplinada no art. 92 do CPP, enquanto o art. 93 tratou da prejudicialidade facultativa.

1.7 Classificação

Doutrinariamente, as questões prejudiciais podem ser classificadas de diferentes maneiras. A classificação feita no presente estudo será feita, patentemente, sob o ponto de vista do direito processual penal.

Quanto ao grau de influência sobre a questão principal, as prejudiciais poderão ser totais – se condicionarem a própria existência do crime – ou parciais

se disserem respeito a uma ou mais circunstâncias do delito, tais como qualificadoras, agravantes, atenuantes, causas de aumento ou de diminuição de pena.

Em relação à sua natureza, podem ser homogêneas (comuns ou imperfeitas)

ou heterogêneas (jurisdicionais ou perfeitas). Questões prejudiciais homogêneas são

aquelas pertencentes ao mesmo ramo do direito ao qual está inserida a questão prejudicada. Logo, serão sempre de matéria penal. Exemplo disso é a hipótese de o magistrado ter de verificar a ocorrência de roubo (art. 157, CP) para concluir se resta configurada a receptação (art. 180, CP).

Serão, entretanto, prejudiciais heterogêneas as questões que se encontram vinculadas a outras áreas do direito, diferentes, portanto, daquela da questão prejudicada. Dessa forma, podem pertencer à esfera cível, tributária, trabalhista, comercial, etc. Cite-se, como exemplo, a análise acerca da propriedade da “coisa móvel”, a fim de que se possa caracterizar o furto (art. 155, CP).

Fernando da Costa Tourinho Filho (2012, v. 2, p. 640), contudo, salienta que:

(19)

sempre de Direito extrapenal, prejudiciais heterogêneas, portanto, não havendo, pois, prejudicialidade homogênea.

Entretanto, concordamos com o posicionamento daquele autor quando afirma que tal entendimento não deve prevalecer, em face da própria definição de prejudicialidade adotada neste trabalho (vide tópico 2.2).

No que se concerne aos efeitos, as questões prejudiciais são obrigatórias

(necessárias ou em sentido estrito) ou facultativas (ou em sentido amplo). Antônio

Scarance Fernandes (1988, p. 16) deixa claro que “na realidade, obrigatória ou facultativa é a suspensão”, o que, de fato, é verdade, já que as prejudiciais obrigatórias impõem a suspensão do processo criminal para que a controvérsia – a qual, surgindo de modo incidental, sempre se referirá ao estado civil das pessoas – seja dirimida no juízo competente.

Importa destacar, todavia, que dita suspensão, a qual poderá ser por tempo indeterminado e prescindirá do prévio ajuizamento da ação cível, só deverá ocorrer se o juiz considerar a controvérsia séria, fundada e relevante, nos termos do art. 92,

caput, do CPP6. O exemplo mais citado pela doutrina é o caso em que se discute a

(in)validade do casamento anterior para a comprovação do crime de bigamia (art. 235, CP).

Por sua vez, as prejudiciais facultativas são aquelas que se referem a assunto diverso do estado civil das pessoas, motivo pelo qual é mera faculdade do juiz suspender o processo penal, o que fará de acordo com o seu prudente critério. Delas cuida o art. 93 do Código de Processo Penal, o qual será devidamente explicado no próximo tópico.

De notar-se, pelo exposto, que essa última classificação só será aplicável às questões prejudiciais heterogêneas, uma vez que, em se tratando de prejudiciais homogêneas, não haverá justificativa plausível para que o juiz criminal suspenda a ação em trâmite.

Em relação ao juízo competente, as prejudiciais são classificadas em não

devolutivas – cuja competência será sempre do juiz penal, encaixando-se neste

conceito as prejudiciais homogêneas –, devolutivas absolutas – que são apreciadas,

obrigatoriamente, pelo juízo cível, sendo, assim, as prejudiciais heterogêneas

6

(20)

obrigatórias – e devolutivas relativas – as quais podem ser solucionadas tanto pelo

juiz extrapenal quanto pelo juiz criminal; são, desta forma, as heterogêneas facultativas.

1.8 O art. 93 do CPP

Com vistas à melhor compreensão do tema proposto, é fundamental que se faça um minucioso exame acerca do caput do art. 93 do Código de Processo Penal.

Teceremos algumas considerações sobre os parágrafos do referido dispositivo no terceiro e último capítulo deste trabalho.

Reza o mencionado artigo:

Art. 93. Se o reconhecimento da existência da infração penal depender de decisão sobre questão diversa da prevista no artigo anterior, da competência do juízo cível, e se neste houver sido proposta ação para resolvê-la, o juiz criminal poderá, desde que essa questão seja de difícil solução e não verse sobre direito cuja prova a lei civil limite, suspender o curso do processo, após a inquirição das testemunhas e realização das outras provas de natureza urgente.

[...]

De sua leitura infere-se que a matéria suscitada deverá, necessariamente, afetar “a qualificação jurídico-penal do fato objeto do processo”, como expõe Tourinho Filho (2012, v. 2, p. 655). Sem essa característica, logicamente, não se estará diante de uma questão prejudicial. Além disso, não poderá versar sobre o estado civil das pessoas, pois, se isso acontecer, a regra a ser aplicada será a do art. 92 do CPP.

Estado civil das pessoas é o conjunto das qualidades de um indivíduo que se

refiram à ordem política, à ordem privada ou à ordem física relativa à idade. Aí estão englobados, por conseguinte, os aspectos que dizem respeito à família (solteiro, casado, viúvo, etc.), à cidadania (brasileiro nato ou naturalizado e estrangeiro), às relações de natureza privada (possuidor, proprietário, etc.) e à capacidade etária (maiores e menores). Entendemos que não poderão ser relativas à capacidade mental da pessoa – apesar de alguns doutrinadores defenderem o contrário7 –, uma vez que ela poderá ser arguída através do incidente de insanidade mental do acusado, previsto no art. 149 e ss. do CPP, que sequer pode ser considerado uma

7

(21)

questão prejudicial. Ora, a (in)sanidade mental do réu não constitui elemento integrante de nenhum crime, mas, ao contrário, é uma mera condição pessoal. Portanto, não deve, obrigatoriamente, ser solucionado antes de julgado o mérito da causa principal, até porque tal comprometimento poderá aparecer apenas em momento muito posterior à propositura da ação. Nesse diapasão, poderá ser reconhecida a existência do fato típico independentemente de ser o agente inimputável (por essa razão) ou não, isto é, o reconhecimento de tal inimputabilidade gerará apenas o efeito de isentar de pena o autor da conduta delituosa, devendo ser aplicada, se for o caso, uma medida de segurança. Ao revés, acreditamos que a capacidade etária é, sim, uma prejudicial, haja vista que apenas maiores de idade cometem crimes, ao passo que os menores praticam atos infracionais, sujeitos, portanto, a medidas socioeducativas, reguladas pelo art. 112 da Lei nº. 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente).

Outrossim, a questão prejudicial aventada deverá ser da competência do juízo cível, e a ação para resolvê-la deverá ter sido anteriormente proposta nessa esfera. No entanto, se esse último requisito não se verificar, o juiz penal deliberará, ele mesmo, sobre a prejudicial, tendo em vista que não está autorizado a remeter as partes àquele juízo.

Quanto a esse ponto, é essencial que façamos a seguinte observação: o legislador pátrio utilizou a expressão juízo cível em sentido lato, já que, como visto,

as prejudiciais heterogêneas poderão ser de distintas naturezas. Apenas para ilustrar, cite-se a controvérsia sobre o abandono coletivo do trabalho, que, sendo prejudicial à configuração do tipo do art. 201 do Código Penal (paralisação de trabalho de interesse coletivo), sua decisão caberá ao juízo trabalhista.

Por outro lado, para os fins do art. 93 do CPP, a questão prejudicial deverá ser de difícil solução; contudo, somente o juiz criminal, avaliando o seu grau de dificuldade, é quem deverá dizer se ela o é ou não. Ademais, não poderá ela versar sobre direito cuja prova a lei civil limite.

(22)

apresentação de testemunhas, por mais idôneas que sejam. Por isso, Fernando da Costa Tourinho Filho (2012, v. 2, p. 656) afirma que:

[...] não seria justo que o Juiz penal remetesse a questão ao seu colega do cível, sabendo, de antemão, que as partes não poderiam produzir as provas que entendessem e quisessem com aquela mesma liberdade que teriam na sede penal. E não é só: seria coarctar o Juiz penal no seu livre convencimento e, ao mesmo tempo, haveria lesão ao princípio da verdade real que rege o Processo Penal. Assim, quando a questão suscitada meter-se a rol entre aquelas cuja prova a lei civil limita, o Juiz penal, mesmo querendo suspender o curso da ação penal, não poderá fazê-lo.

Ressalte-se que, mesmo estando presentes todos os requisitos, é mera faculdade do juiz suspender o processo criminal; a lei não o obriga a fazê-lo. Com efeito, o magistrado pode acreditar que a causa já esteja madura e que ele tem, pois, perfeitas condições para julgá-la. Sem embargo, ausente um só pressuposto, a suspensão não será possível.

Finalmente, a ação só poderá ser suspensa finda a sua fase instrutória, visto que o comando legal estatui que só poderá ser determinada a suspensão depois de ouvidas as testemunhas e realizadas outras provas urgentes.

1.9 Direito comparado

Não só o Código de Processo Penal brasileiro, mas também várias legislações estrangeiras cuidaram de regulamentar a matéria atinente às questões prejudiciais.

Na América Latina, o Código de Processo Penal chileno, por exemplo, adotou o sistema da separação jurisdicional absoluta (ou da prejudicialidade obrigatória), ao dispor, em seu art. 171, que o processo criminal ficará suspenso até que a questão prejudicial civil seja solucionada pelo juízo competente e que tal decisão transite em julgado. O mencionado dispositivo ressalva, porém, que, mesmo durante a suspensão, deverão ser realizadas as medidas de caráter emergente, as quais sejam estritamente necessárias para conferir proteção à vítima ou às testemunhas, ou, ainda, para estabelecer as circunstâncias que comprovem os fatos ou a participação do acusado e que possam desaparecer.

(23)

seja decidida a prejudicial. Confira-se, por oportuno, a redação original do art. 171 do Código Procesal Penal Chileno:

Art. 171. Cuestiones prejudiciales civiles. Siempre que para el juzgamiento criminal se requiriere la resolución previa de una cuestión civil de que debiere conocer, conforme a la ley, un tribunal que no ejerciere jurisdicción en lo penal, se suspenderá el procedimiento criminal hasta que dicha cuestión se resolviere por sentencia firme. Esta suspensión no impedirá que se verifiquen actuaciones urgentes y estrictamente necesarias para conferir protección a la víctima o a testigos o para establecer circunstancias que comprobaren los hechos o la participación del imputado y que pudieren desaparecer. Cuando se tratare de un delito de acción penal pública, el ministerio público deberá promover la iniciación de la causa civil previa e intervendrá en ella hasta su término, instando por su pronta conclusión.

Já na Europa, muitas legislações trataram do assunto de modo análogo. Os códigos de processo penal italiano e português, bem como a lei espanhola, a exemplo do Brasil, também adotaram o sistema eclético (ou misto) de solução da prejudicialidade. Inclusive, o nº. 1 do art. 3º do Codice di Procedura Penale Italiano

apresenta um texto bastante semelhante ao do art. 93 do CPP brasileiro, ao afirmar que, quando a decisão depender da resolução de uma controvérsia sobre estado de família ou de cidadania, o juiz poderá suspender o processo penal até o trânsito em julgado da sentença que definir a questão, desde que esta seja séria e que já tenha sido proposta a ação cível.

Aqui, também, a suspensão não terá o condão de impedir a tomada de medidas urgentes. Além disso, é importante frisar que a decisão final do juízo cível terá força de coisa julgada no procedimento criminal, o que demonstra uma clara tentativa, por parte do direito italiano, de evitar decisões contraditórias. Igualmente, cumpre-nos transcrever o dispositivo na íntegra:

Art. 3. Questioni pregiudiziali.

1. Quando la decisione dipende dalla risoluzione di una controversia sullo stato di famiglia o di cittadinanza, il giudice, se la questione è seria e se l'azione a norma delle leggi civili è già in corso, può sospendere il processo fino al passaggio in giudicato della sentenza che definisce la questione. 2. La sospensione è disposta con ordinanza soggetta a ricorso per cassazione.

La corte decide in camera di consiglio.

3. La sospensione del processo non impedisce il compimento degli atti urgenti .

(24)

A Ley de Enjuiciamiento Criminal de España, por sua vez, dedicou,

basicamente, quatro artigos à regulamentação das questões prejudiciais, os quais estão inseridos no Capítulo II do Título I do Livro I (“Das disposições gerais”):

Artículo 3.

Por regla general, la competencia de los Tribunales encargados de la justicia penal se extiende a resolver, para sólo el efecto de la represión, las cuestiones civiles y administrativas prejudiciales propuestas con motivo de los hechos perseguidos, cuando tales cuestiones aparezcan tan íntimamente ligadas al hecho punible que sea racionalmente imposible su separación.

Artículo 4.

Sin embargo, si la cuestión prejudicial fuese determinante de la culpabilidad o de la inocencia, el Tribunal de lo criminal suspenderá el procedimiento hasta la resolución de aquélla por quien corresponda; pero puede fijar un plazo, que no exceda de dos meses, para que las partes acudan al Juez o Tribunal civil o contencioso-administrativo competente.

Pasado el plazo sin que el interesado acredite haberlo utilizado, el Secretario judicial, mediante diligencia, alzará la suspensión y continuará el procedimiento.

En estos juicios será parte el Ministerio Fiscal. Artículo 5.

No obstante lo dispuesto en los dos artículos anteriores, las cuestiones civiles prejudiciales, referentes a la validez de un matrimonio o a la supresión de estado civil, se deferirán siempre al Juez o Tribunal que deba entender de las mismas, y su decisión servirá de base a la del Tribunal de lo Criminal.

Artículo 6.

Si la cuestión civil prejudicial se refiere al derecho de propiedad sobre un inmueble o a otro derecho real, el Tribunal de lo Criminal podrá resolver acerca de ella cuando tales derechos aparezcan fundados en un título auténtico o en actos indubitados de posesión.

Assim, o tribunal penal só poderá resolver as questões prejudiciais cíveis e administrativas quando elas estejam tão intimamente ligadas ao fato punível que se torne impossível a separação de jurisdições, ou, ainda, nas hipóteses em que a prejudicial cível se referir ao direito de propriedade sobre imóvel ou a outro direito real, caso tais direitos apareçam fundados em título autêntico ou em atos indubitáveis de posse.

(25)

De mais a mais, sempre que a prejudicial versar sobre validade de casamento ou suspensão de estado civil, ela será resolvida pelo juiz ou tribunal que delas, originariamente, deveria conhecer, devendo a decisão do tribunal criminal vincular-se àquela.

Por sua vez, o Código de Processo Penal português faculta ao juiz criminal suspender o processo se a prejudicial não puder ser, convenientemente, resolvida nessa esfera. Mais uma vez, a realização das medidas urgentes referentes à prova não restará comprometida pela suspensão do feito criminal, cujo prazo poderá ser de até um ano, a depender do caso em análise. Todavia, expirado tal prazo sem que a prejudicial tenha sido solucionada, ou se a ação cível não houver sido proposta no prazo máximo de um mês, o juiz criminal será o responsável pela sua resolução. Assim preceitua o art. 7º:

Artigo 7.º Suficiência do processo penal

1 - O processo penal é promovido independentemente de qualquer outro e nele se resolvem todas as questões que interessarem à decisão da causa. 2 - Quando, para se conhecer da existência de um crime, for necessário julgar qualquer questão não penal que não possa ser convenientemente resolvida no processo penal, pode o tribunal suspender o processo para que se decida esta questão no tribunal competente.

3 - A suspensão pode ser requerida, após a acusação ou o requerimento para abertura da instrução, pelo Ministério Público, pelo assistente ou pelo arguido, ou ser ordenada oficiosamente pelo tribunal. A suspensão não pode, porém, prejudicar a realização de diligências urgentes de prova. 4 - O tribunal marca o prazo da suspensão, que pode ser prorrogado até um ano se a demora na decisão não for imputável ao assistente ou ao arguido. O Ministério Público pode sempre intervir no processo não penal para promover o seu rápido andamento e informar o tribunal penal. Esgotado o prazo sem que a questão prejudicial tenha sido resolvida, ou se a acção não tiver sido proposta no prazo máximo de um mês, a questão é decidida no processo penal.

Não obstante a tendência de adoção do sistema eclético pelas legislações mais modernas, o Código de Processo Penal francês optou pelo sistema do predomínio da jurisdição penal (ou da cognição incidental). É essa a conclusão que se pode extrair do seu art. 384, segundo o qual:

Article 384.

Le tribunal saisi de l'action publique est compétent pour statuer sur toutes exceptions proposées par le prévenu pour sa défense, à moins que la loi n'en dispose autrement, ou que le prévenu n'excipe d'un droit réel immobilier.

Complementa-o a norma do art. 386:

(26)

L'exception préjudicielle est présentée avant toute défense au fond.

Elle n'est recevable que si elle est de nature à retirer au fait qui sert de base à la poursuite le caractère d'une infraction.

Elle n'est admise que si elle s'appuie sur des faits ou sur des titres donnant un fondement à la prétention du prévenu.

Si l'exception est admissible, le tribunal impartit un délai dans lequel le prévenu doit saisir la juridiction compétente. Faute par le prévenu d'avoir introduit l'instance dans ce délai et de justifier de ses diligences, il est passé outre à l'exception.

Si l'exception n'est pas admise, les débats sont continués.

Dessa forma, no regime francês, em regra, o juiz da ação será o juiz da

exceção, a não ser que a lei disponha em sentido contrário ou que o acusado

(27)

2 PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS

O problema das questões prejudiciais, especialmente no que se refere às prejudiciais heterogêneas facultativas, não vem sendo tratado de modo uniforme pela jurisprudência. Por isso, faz-se necessário o estudo dos precedentes a seguir.

2.1 Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº. 30.675/AM

Cuida-se de ação em que um indígena, pertencente à etnia Kokama, havia sido denunciado por ter, supostamente, praticado o delito tipificado no art. 33 da Lei nº. 11.343/06, uma vez que fora encontrado na posse de substância entorpecente (cocaína), o que ocasionou sua prisão em flagrante.

Considerando a realização de exame antropológico, o qual atestava a condição de indígena do réu, a Procuradoria da FUNAI requereu a intervenção no feito como assistente, o que, no entanto, fora negado sob o argumento de que o acusado já se encontrava integrado à sociedade.

Ao mesmo tempo em que a FUNAI impetrou Mandado de Segurança, impetrou também habeas corpus, visando à obtenção da liberdade provisória do

indígena, bem como à autorização para intervenção em favor do réu, que, até então, não havia sido apreciada pela 2ª Câmara Criminal.

Como o Tribunal de Justiça do Amazonas denegara a ordem, alegando, igualmente, que o indígena estaria integrado à sociedade e que, portanto, faltaria legitimidade à FUNAI para assisti-lo ou representá-lo judicialmente, o órgão interpôs Recurso Ordinário – dirigido ao STJ –, sustentando que, por se tratar de ação envolvendo indígena, cabe legalmente à FUNAI sua representação, independentemente de estar ele integrado e/ou adaptado à sociedade.

(28)

No julgamento do Recurso, o Ministro Relator Gilson Dipp reconheceu a nulidade do processo penal (desde o recebimento da denúncia), da sentença condenatória e do acórdão da Câmara Criminal revisora, vislumbrando “erro manifesto”. Em trecho do voto, ficou consignado que:

[...] cabe apenas à jurisdição civil (estadual ou federal) a definição da condição de desenvolvimento ou capacidade social e de estado das pessoas quando isso se revela questão processual na ação penal.

É que ao Juiz criminal está vedada a aferição da condição civil das pessoas, em particular quando dependente de complexa apuração de variados fatores, ou, como está na lei processual, de “questão de difícil solução”, sendo claro que aí é preciso recorrer-se à jurisdição própria.

No processo penal, a questão prejudicial heterogênea (art. 93, §§ CPP) assim verificada pela prévia necessidade de definir se o réu é indígena ou não -- eis que daí resultam consequências importantes tanto para o prosseguimento da ação penal quanto, e sobretudo, para a eventual aplicação de penalidade uma vez que a lei estatutária do índio prevê inclusive modo próprio à condição indígena de cumprimento de pena -- obriga o juiz a suspender o andamento processual até sua resolução ou durante o prazo fixado.

O que não pode ser admitido, como ocorreu, é que o Juiz criminal avance sobre jurisdição civil que não detém para resolver questão que está fora de sua competência.

De fato, não se pode negar que a condição de indígena é questão prejudicial à ação penal. Entretanto, é uma prejudicial heterogênea obrigatória, haja vista referir-se ao estado civil das pessoas. Por essa razão, o voto do Min. Gilson Dipp laborou em equívoco ao mencionar o art. 93 do CPP quando, na verdade, o dispositivo a ser aplicado seria o art. 92 (e seu parágrafo único) do mesmo diploma legal, já que aquele regula as prejudiciais facultativas.

Com efeito, a nova ordem constitucional não exige a ausência de integração à sociedade como requisito para que alguém seja considerado indígena, bastando, para isso, que o indivíduo se identifique e se comporte como tal. Nesse caso, dever-se-á aplicar o Estatuto do Índio (Lei nº. 6.001/73), cujo art. 56 reza:

Art. 56. No caso de condenação de índio por infração penal, a pena deverá ser atenuada e na sua aplicação o Juiz atenderá também ao grau de integração do silvícola.

Parágrafo único. As penas de reclusão e de detenção serão cumpridas, se possível, em regime especial de semiliberdade, no local de funcionamento do órgão federal de assistência aos índios mais próximos da habitação do condenado.

(29)

é uma questão prejudicial heterogênea obrigatória parcial, tendo em vista que está relacionada a uma circunstância do crime. Dessa forma, o processo penal deverá, necessariamente, ficar suspenso até que se resolva aquela controvérsia no juízo competente.

2.2 Recurso Criminal nº. 3.973/MG

O Ministério Público Federal interpôs recurso em sentido estrito contra decisão, exarada pela Juíza Federal da Subseção Judiciária de Uberlândia/MG, que determinara o sobrestamento ab initio do processo criminal, com fundamento no art.

93 do Código de Processo Penal, uma vez que existia ação cível anulatória em andamento e a qual havia sido proposta em momento anterior.

Quatro pessoas foram denunciadas pela suposta prática do delito previsto no art. 1º, I e II, da Lei nº. 8.137/90 (crime contra a ordem tributária) c/c art. 71 do Código Penal. Os réus não teriam recolhido ao INSS as contribuições previdenciárias descontadas do salário dos empregados da Fundação de Apoio Universitário – FAU no período de 05/95 a 05/99.

Acontece que, sendo procedente a ação anulatória previamente ajuizada, já não subsistiria a prova da materialidade do fato, e, por conseguinte, estaria elidida a justa causa, elemento indispensável à propositura da ação penal. O parquet, porém,

alegava, em sede de recurso, que não havia, nos autos do processo penal, qualquer questão de difícil solução, razão pela qual não se justificaria a suspensão daquele.

(30)

Todavia, o recurso do Ministério Público foi parcialmente provido, sendo reformada a sentença apenas na parte referente ao momento do sobrestamento do processo criminal, isto é, ele deveria prosseguir até o encerramento da fase instrutória, quando, só então, seria suspenso até o trânsito em julgado da sentença da ação cível. Destarte, agiu acertadamente a Terceira Turma do TRF da 1ª Região, pois restou cumprida a regra do art. 93 do CPP, o qual, conforme foi dito, autoriza a suspensão do processo criminal somente “após a inquirição das testemunhas e realização das outras provas de natureza urgente”, também como forma de atender ao princípio da celeridade processual. O acórdão ficou assim ementado:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. PROPOSITURA DE AÇÃO PENAL QUANDO JÁ EXISTENTE PROCESSO DE NATUREZA CÍVEL. ART. 93 DO CPP. SOBRESTAMENTO. POSSIBILIDADE.

I – Proposta ação anulatória visando discussão acerca da natureza do vínculo existente entre a Fundação de Apoio Universitário e alguns servidores do INSS e julgado procedente o pedido em primeiro grau, é aconselhável a suspensão da ação criminal, uma vez que sua confirmação ao final, poderá acarretar a perda de objeto da ação penal.

II – O sobrestamento do processo criminal, entretanto, só deverá ocorrer após o encerramento da fase instrutória, nos termos do art. 93,

in fine, do CPP. (grifou-se)

III – Recurso do Ministério Público Federal parcialmente provido, determinando-se o retorno dos autos à origem para prosseguimento do feito até o encerramento da fase instrutória.8

A suspensão do processo penal, do modo como havia sido feita, ou seja, desde o princípio, poderia trazer graves consequências aos réus, especialmente se transitasse em julgado a sentença de procedência da ação anulatória. Neste caso, o débito fiscal seria anulado, ocasionando a perda do objeto da ação criminal. Contudo, se este processo estivesse sobrestado desde o seu início, com o trânsito em julgado da decisão cível, ele deveria seguir o seu andamento normal (embora se soubesse que os acusados seriam considerados inocentes) até que sobreviesse a sentença de extinção do processo por ausência de justa causa.

Ora, o simples fato de ser réu em processo penal, por si só, gera danos irreversíveis à vida de uma pessoa, sobretudo pela forma como o cidadão passa a ser tratado pela sociedade, a qual, inevitavelmente, atribui-lhe a pecha de criminoso,

ainda que o faça de maneira inconsciente. Pior seria se, tendo a certeza de que seria absolvido, o réu precisasse aguardar todo o demorado trâmite do processo

(31)

penal – o qual estava suspenso (desde o começo) apenas porque corria uma ação em outro juízo – pelo menos até a prolação de uma sentença que o declarasse inocente.

2.3 Da (im)possibilidade de suspensão do inquérito policial

2.3.1 Habeas Corpus nº. 2009.02.01.011519-4/RJ

O Habeas Corpus nº. 2009.02.01.011519-4 foi impetrado com o objetivo de

trancar o inquérito policial que havia sido instaurado para apurar possível prática do crime de sonegação de contribuição previdenciária por parte dos pacientes. Afirmava o impetrante que estaria quitada a maioria dos créditos sobre os quais se discutia, exceto um, em relação ao qual os pacientes haviam obtido sentença favorável em Mandado de Segurança. Reconhecia o decisum a decadência do

direito de lançamento do tributo pelo INSS, tornando desarrazoada a cobrança dos créditos previdenciários. Logo, não existiria justa causa para a instauração do inquérito policial.

Por maioria, a ordem foi parcialmente concedida pela Segunda Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, a fim de determinar a suspensão do inquérito policial até o trânsito em julgado da sentença do Mandado de Segurança.

O relator do Habeas Corpus, Desembargador Federal Messod Azulay Neto,

ao concluir pela sustação do inquérito, argumentou que havia uma enorme possibilidade de que fosse constatada a atipicidade do fato imputado aos pacientes, diante da inexigibilidade dos aludidos créditos. Dessa forma, segundo ele, o caso concreto não envolvia um problema de dependência entre as instâncias penal e administrativa, mas continha uma questão prejudicial. Por isso, dever-se-ia evitar decisões conflitantes. Segue a ementa do acórdão:

(32)

II Presença de questão prejudicial facultativa, que enseja a

suspensão do inquérito policial, nos termos do art.93 do CPP; (grifou-se)

III – A suspensão do inquérito não impede que o Ministério Público Federal requeira seu arquivamento, se assim entender cabível.

IV – Ordem parcialmente concedida.9

No entanto, é essencial que se conheça o teor do voto vencido, de lavra do Desembargador Federal André Fontes. Para este magistrado, a ordem deveria ser denegada, visto que a decisão do Mandado de Segurança não configuraria questão prejudicial à solução do Habeas Corpus, não podendo, pois, impedir eventual

investigação ou mesmo o início da persecução criminal. O relator destacou, outrossim, que não haveria previsão ex lege de efeito secundário penal da sentença

cível, apesar de esta poder constituir, por exemplo, uma condição suspensiva de exigibilidade do crédito tributário.

2.3.2 Habeas Corpus nº. 2001.02.01.033915-2/RJ

Enquanto a Segunda Turma Especializada do TRF da 2ª Região adotou a orientação de que seria possível a suspensão do inquérito policial por força da presença de uma prejudicial, a Primeira Turma Especializada do mesmo Tribunal entendeu de modo contrário. Confira-se o acórdão abaixo:

I – PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DE INQUÉRITOS. II – AGRAVO INTERNO. IMPROVIMENTO. III – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO E OBSCURIDADE CONFIGURADAS. EMBARGOS PROVIDOS. ACÓRDÃO MODIFICADO. I – As questões tratadas no agravo interno já foram apreciadas na decisão agravada, posto que se referem aos argumentos deduzidos no pedido de redistribuição. Decisão mantida em consonância com as disposições normativas internas (arts. 1º, inc. III; 4º; e 7º, da Resolução n° 36, de 25/11/2004, e Resolução nº 7, de 21/03/ 2006, ambas Resoluções da Presidência desta Corte). Agravo interno improvido.

II – Em caso de prejudicial heterogênea facultativa, é necessário o trânsito em julgado da decisão proferida no Juízo cível para vincular a instância penal, e mesmo assim, se este último assim o reputar. Precedentes citados.

III – Os efeitos de decisão proferida na esfera cível não se aplicam a inquérito policial, posto que as questões prejudiciais dizem respeito à suspensão do curso de processo, de modo que se referem a questões a serem examinadas no curso de ação penal (arts. 92 e 93 do CPP).

(grifou-se)

IV – A sentença proferida na esfera cível declarou a nulidade do ato administrativo referente à revogação de autorização para operar no mercado de câmbio de taxas flutuantes. Portanto, não poderia servir de fundamento para sustação de investigações relativas à apuração de outras

(33)

irregularidades em operações de câmbio não relacionadas à operação em mercado de câmbio por empresa descredenciada.

V – Configurada a excepcional hipótese em que, sanadas a omissão e obscuridade apontadas, impõe-se modificação do acórdão embargado, sob pena de restar configurada manifesta incoerência entre os fundamentos adotados e o resultado do julgamento anterior.

VI – Acórdão modificado para determinar o prosseguimento das investigações nos inquéritos policiais nºs 1340/98 (autos nº 98.0063934-9) e 1567/98 (autos nº 98.0064186-6), com urgência.

VII – Embargos providos.10

Dita decisão foi proferida no julgamento dos Embargos de Declaração opostos em face de sentença proferida no Habeas Corpus nº. 2001.02.01.033915-2,

o qual concedera a ordem para trancar dois inquéritos que apuraram supostas irregularidades em uma empresa, relacionadas à prática de operações de câmbio não autorizadas e de evasão de divisas.

Alegavam os impetrantes que os pedidos formulados em uma medida cautelar e em uma ação ordinária haviam sido julgados procedentes – conquanto as sentenças não houvessem transitado em julgado. O objeto de ambas era a declaração de nulidade do ato administrativo formulado pelo Banco Central, o qual teria revogado a autorização concedida à empresa supracitada, para que esta pudesse operar no mercado de câmbio de taxas flutuantes. Por sua vez, a Turma achara por bem acatar o pleito dos impetrantes, acolhendo a tese de que, como o

decisum prolatado pelo juízo cível tem força vinculante, o conteúdo dos

procedimentos investigatórios restaria esvaziado, devido à manifesta irregularidade da cassação da autorização da empresa – fator que eliminaria a tipicidade da conduta da paciente.

Pois bem, da sentença do Habeas Corpus foram opostos Embargos de

Declaração, aos quais foi negado provimento. O Superior Tribunal de Justiça, todavia, ordenou que fosse proferida nova decisão sobre tais Embargos. A Primeira Turma do TRF, então, deu provimento aos Embargos de Declaração para, conferindo-lhe efeitos infringentes, determinar o prosseguimento dos inquéritos policiais, sob o fundamento de que os comandos insculpidos nos arts. 92 e 93 do CPP reportam-se à suspensão de ação penal já instaurada, o que permite depreender que a decisão do juízo cível não pode legitimar a sustação de investigações, tendo em vista que:

(34)

[...] o inquérito policial não é processo no sentido técnico, mas sim procedimento administrativo informativo e preparatório, destinado a reunir os elementos necessários à apuração da prática de uma infração penal e sua autoria, que poderá ou não servir de base ao oferecimento de denúncia.

Realmente, de acordo com a doutrina e com a jurisprudência majoritárias, respaldadas pelos textos dos arts. 92 e 93 do Código de Processo Penal, não há que se falar em suspensão do inquérito policial por conta do aparecimento de questão prejudicial. Aliás, Fernando Capez (2011, p. 460) defende que sequer há prejudicial em inquérito, haja vista que um dos seus pressupostos é a existência de processo criminal.

Com efeito, o inquérito policial é um procedimento pré-processual, realizado em âmbito administrativo, que nem ao menos abre espaço para o exercício da ampla defesa e do contraditório, possuindo, nesse diapasão, caráter eminentemente inquisitório. Daí infere-se que lhe são inaplicáveis as disposições dos arts. 92 e 93 do CPP.

2.4 Recurso Criminal nº. 2010.077880-5/Joinville (SC)

O recurso nº. 2010.077880-5 foi interposto pelo Ministério Público do Estado de Santa Catarina em face de decisão que determinara o sobrestamento de ação penal instaurada com o escopo de apurar a suposta prática do crime previsto no art. 1º, II, da Lei nº. 8.137/90 c/c arts. 29 e 71 do Código Penal (já que tal delito teria sido cometido 1.443 vezes). O motivo de tal suspensão foi o deferimento da antecipação dos efeitos da tutela no autos da ação anulatória de débito fiscal proposta na esfera cível.

Aduziu o parquet que a existência de processo cível não impediria o

ajuizamento da ação criminal em decorrência do princípio da independência das instâncias, acrescentando, outrossim, que, como o crédito tributário estava constituído, foi preenchida a condição objetiva de punibilidade, necessária à propositura do processo penal.

(35)

dessas áreas influenciará na análise a ser prolatada por outra –, o que seria, de per

si, suficiente para conduzir à conclusão de que não haveria justificativa para a

sustação do processo penal. Em segundo lugar, o preceito do art. 93 do Código de Processo Penal não teria o condão de criar uma condição objetiva de punibilidade que não fora objeto de regulamentação legal, considerando que o Pleno do Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência de condição objetiva de punibilidade para o ajuizamento de ações penais envolvendo crimes materiais contra a ordem tributária somente quanto à constituição definitiva do crédito tributário na esfera administrativa. Abaixo, a ementa do acórdão:

PROCESSO PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO (CPP, ART. 581, XVI). AÇÃO PENAL CRIME MATERIAL CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA (ART. 1º, II DA LEI 8.137/1990 POR 1443 VEZES NA FORMA DO ART. 29 C/C ART. 71, AMBOS DO CÓDIGO PENAL). QUESTÃO PREJUDICIAL HETEROGÊNEA FACULTATIVA (CPP, ART. 93). IMPOSSIBILIDADE DE SUSPENSÃO DO PROCESSO ATÉ RESOLUÇÃO DA DEMANDA PROPOSTA NA ESFERA CÍVEL. INDEPENDÊNCIA ENTRE AS INSTÂNCIAS. INEXISTÊNCIA DE CONDIÇÃO OBJETIVA DE PUNIBILIDADE. DECISÃO REFORMADA.

- A independência entre as esferas civil e penal autoriza o prosseguimento da ação penal contra os denunciados pela prática de crime contra a ordem tributária.

- A condição objetiva de punibilidade reconhecida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no HC 81.611/DF limita-se à constituição definitiva do crédito tributário na esfera administrativa.

- A faculdade da suspensão do processo pela existência de questão prejudicial heterogênea facultativa prevista no art. 93 do Código de Processo Penal não cria condição objetiva de punibilidade não prevista em lei. (grifou-se)

- Parecer da PGJ pelo conhecimento e provimento do recurso. - Recurso conhecido e provido.11

No que concerne a esse último ponto, é essencial que sejam feitas algumas reflexões. Inicialmente, vale esclarecer que condições objetivas de punibilidade são circunstâncias que, embora não façam parte dos conceitos de tipicidade, culpabilidade e antijuridicidade, são requisitos indispensáveis ao ajuizamento da ação penal. Ausente uma condição objetiva de punibilidade, o processo será nulo desde o oferecimento da denúncia, por falta de justa causa.

Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal, consagrando o entendimento de que se deveria exaurir a via administrativa para restarem configurados os crimes materiais contra a ordem tributária, editou a Súmula Vinculante nº. 24, cujo texto é: “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a

(36)

IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.” Ainda de acordo com o STF, não correria o prazo prescricional enquanto não fosse constituído o crédito. No entanto, Eugênio Pacelli de Oliveira e Douglas Fischer (2011, p. 214) sustentam que tal medida só seria possível se fosse dado à matéria o mesmo tratamento conferido às questões prejudiciais, tendo em vista a inexistência de previsão legal para a suspensão da prescrição nessa hipótese.

Destarte, examinando-se as ilações do STF e aplicando-as ao caso concreto, em verdade, o art. 93 do CPP não pode, jamais, gerar uma condição objetiva de punibilidade. Todavia, acreditamos que não foi isso o que pretendeu fazer o magistrado a quo ao decidir pela suspensão do processo criminal; ele apenas agiu

dentro dos limites da lei, utilizando-se de uma faculdade que lhe foi conferida pelo próprio artigo retrorreferido. Na situação diante da qual se encontrava, ao verificar que tramitava uma ação cível na qual se discutia a higidez do crédito tributário, o juiz supôs que a melhor solução seria suspender a lide penal, até para evitar problemas que pudessem surgir futuramente.

De outro ângulo, não há por que não se considerar a controvérsia acerca da constituição do crédito tributário na seara administrativa como uma questão prejudicial. Assim como Vladimir Stasiak e Márcia Luviseti (2012, p. 579), defendemos que a admissão da prejudicialidade não deve ficar restrita às questões judiciais, podendo, perfeitamente, ocorrer nas controvérsias que porventura apareçam no âmbito administrativo. Destaque-se, ademais, que, em relação a estas, deverão ser aplicadas todas as regras atinentes às prejudiciais heterogêneas facultativas de que trata o art. 93 do CPP.

Por último, nos dizeres dos mencionados doutrinadores, “[...] é possível afirmar que as questões prejudiciais englobam todas as que, uma vez pendentes, impedem o exercício da justiça criminal com a clareza que lhe é necessária, consubstanciando-se em possibilidades de promoção de injustiças.”

2.5 Apelação Criminal nº. 1999.71.05.003756-0/RS

Trata-se de ação em que os réus foram condenados por haverem cometido o delito tipificado no art. 171, caput e § 3º, do Código Penal, uma vez que teriam

(37)

Entretanto, um dos réus, inconformado com o cancelamento da aposentadoria que vinha recebendo, já propusera ação cível, visando obter provimento jurisdicional que lhe assegurasse o direito de ter o seu benefício restabelecido. A sentença, exarada no dia 7 de outubro de 2002, julgou procedente o pleito autoral, e, por esse motivo, apelou o INSS à Corte superior (Tribunal Regional Federal da 4ª Região).

Devido à existência dessa ação civil, foi prolatada, no processo criminal, decisão que determinou o sobrestamento deste pelo prazo de seis meses, caso não fosse proferida sentença definitiva no juízo cível antes do término de tal lapso temporal. Assim, o precedente que ora se analisa refere-se ao agravo regimental interposto pelo Ministério Público Federal em face desse decisum. Alegava o parquet que as instâncias cível e criminal eram independentes e que, possivelmente,

a pretensão punitiva estatal ficaria inviabilizada, levando-se em conta que a suspensão em apreço não obstaria o curso do prazo prescricional.

A Oitava Turma do TRF da 4ª Região, por unanimidade, deu parcial provimento ao agravo regimental, somente para declarar suspensa a prescrição enquanto perdurasse o sobrestamento do feito. Veja-se a ementa do acórdão:

PENAL. QUESTÃO PREJUDICIAL. CPP, ART. 93. EXISTÊNCIA DE CONTROVÉRSIA JURÍDICA DE NATUREZA NÃO-PENAL. SUSPENSÃO DA AÇÃO PENAL E DO CURSO DO PRAZO PRESCRICIONAL. - Em que pese a jurisdição cível seja distinta da criminal, o direito, como sistema, é unitário. Desse modo, dependendo a existência do delito imputado aos réus de solução a ser dada a controvérsia não-penal, o magistrado deve aplicar a faculdade prevista no art. 93 do CPP, determinando o sobrestamento da ação penal por determinado prazo, razoavelmente arbitrado, ficando suspenso, durante tal lapso temporal, o curso da prescricão da pretensão punitiva, a teor do regramento contido no art. 116, I, do CP.12

O Desembargador Federal Paulo Afonso Brum Vaz, relator do agravo, esclareceu, em suma, que, in casu, era preciso que a ação penal permanecesse

suspensa durante aquele determinado prazo, haja vista que a controvérsia, a qual encontrava-se pendente de julgamento na esfera cível, era relativa a elementos constitutivos do crime de estelionato, quais sejam, o recebimento de vantagem ilícita e o prejuízo a outrem. Salientou, inclusive, que, apesar de os juízos cível e penal serem distintos e, em princípio, autônomos, o propósito do legislador, ao redigir os arts. 92 e 93 do Código de Processo Penal, foi o de evitar que essas duas

(38)

jurisdições entrassem em conflito ou incorressem em grandes contradições. Finalmente, registrou que:

[...] no embate travado entre o exercício do jus persequendi estatal e o direito dos acusados de debaterem perante o juízo cível a regularidade da aposentadoria concedida, há que se buscar um ponto de equilíbrio onde restem preservadas as duas pretensões, o que se faz através do reconhecimento de que a ação penal pode ser iniciada, no entanto, ficando sobrestado seu curso, bem como a respectiva prescrição, inclusive com a possibilidade de juízo penal chegar, posteriormente, a uma conclusão diversa da definida na esfera cível.

Referências

Documentos relacionados

Com tal intuito, o presente texto apresenta dados sobre a história da teledramaturgia; relata o que Ismael Fernandes (1997) chama de cinco estágios na produção

Primeiramente, através de uma carteira contendo opções 15 , faremos exemplo para uma carteira contendo todas as posições ativas e outro contendo posições passivas, com a

Este trabalho buscou, através de pesquisa de campo, estudar o efeito de diferentes alternativas de adubações de cobertura, quanto ao tipo de adubo e época de

Controlador de alto nível (por ex.: PLC) Cabo da válvula Tubo de alimentação do ar de 4 mm Pr essão do fluido Regulador de pressão de precisão Regulador de pressão de

17 CORTE IDH. Caso Castañeda Gutman vs.. restrição ao lançamento de uma candidatura a cargo político pode demandar o enfrentamento de temas de ordem histórica, social e política

Ainda que das carnes mais consumidas nesta altura em Portugal, tanto os caprinos como os galináceos estão re- presentados apenas por um elemento, o que nos pode dar a indicação que

Estudos sobre privação de sono sugerem que neurônios da área pré-óptica lateral e do núcleo pré-óptico lateral se- jam também responsáveis pelos mecanismos que regulam o

A Figura 4.17 mostra os valores obtidos através das medidas de condutividade elétrica realizadas nas amostras sinterizadas à 1100 ºC, em função da pressão de compactação e do