D E P A R T A M E N T O DE A N A T O M IA P A T O L Ó G IC A D ir e to r : P ro f. J)r. E u clyd es O. M artins
D E P A R T A M E N T O DE H IS T O L O G IA E E M B R IO L O G IA D ireto r. Pro/. D r. A n to n io G. K erri
TUMORES DE CÉLULAS DE SERTOLI, EM CÃES
(S E R T O L I C E L L T U M O R S IN DOGS)
As neoplasas testiculares em cães têm despertado grande inte resse entre os patólogos, não só por sua freqüência relativamente alta, mas principalmente pelos distúrbios endócrinos que alguns dêstes tumores podem ocasionar. Entre êles, os tumores de células de Sertoli têm merecido especial atenção, em virtude da sintoma tologia de hiperestrinismo que ocasionam.
COFFIN e col. (1952) descreveram como sinais clínicos mais evidentes em cães portadores dêste tipo de tumor: a atração por animais do mesmo sexo, atrofia do pênis, hipertrofia da bainha prepucial, alopecia simétrica e gínecomastia com lactação. Muitos outros autores, entre cs quais GREULICH e BURFORD (1936) IN- NES (1942), RUDDUCK e W IL L IS (1943), M U LLIG AN (1944), HUGGINS et al. (1945 a-b), D A Y K IN e SM YTHE (1949), PUG ET (1953) e DOZZA (1953) têm se preocupado com os aspectos endo- crinclógicos e anatomopatológicos dêstes tumores.
Em virtude da falta de referências a esta neoplasia na litera tura veterinária nacional, a apresentação dos casos, colecionados no Departamento de Anatomia Patológica da Faculdade de Medi cina Veterinária da Universidade de São Paulo, tem por finalidade chamar a atenção dos patologistas para tão importante problema.
Caso 1 — Cão sem raça definida, com 7 anos de idade, apre sentava o testículo esquerdo aumentado de volume, o qual foi re tirado cirurgicamente. De acôrdo com a informação do proprie tário, o tumor evoluiu em 5 meses, período em que o animal, apesar de possuir ardor genésico, não praticava o coito em virtude do au mento de sensibilidade na região escrotal. O animal foi operado há três anos e se apresenta em perfeitas condições.
AD AIR M. SALIBA Assistente
AN TO NIO G. FE R R I Prof. Catedrático
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Exame macroscópico — A peça cirúrgica, registrada neste De
partamento sob o número 3890 era constituída pelo testículo es querdo, que estava transformado em u ’a massa tumoral. Media
5 x 4 x 3,5 cm. Era de forma ovóide, consistência firme, coloração róseo avermelhada, mostrando pequenas excrescências. O tumor apresentava-se recoberto pela vaginal própria, que era lisa, bri lhante e transparente. A superfície de corte, de côr róseo acasta nhada, mostrava septos que partindo da albugínea, dividiam a mas sa tumoral em locas de tamanhos diversos, conferindo-lhe aspecto glandular sólido.
Exame microscópico — Os fragmentos do tumor foram fixa
dos em formol a 10%, sendo uns cortados em congelação e corados pelo Escarlate R e Sudan Black, e outros, incluídos em parafina e corados pela Hematoxilina-Eosina, Van Gieson, Mallory (mod. JUN Q UEIRA e M A R TIN S — 1947) Foot W ilder e Bielschowsky.
O exame a pequenos aumentos revelou ser o tumor dividido em lojas de forma e tamanho variáveis, as quais estavam ocupadas por células assentadas sôbre a membrana basilar. As células unidas umas às outras por prolongamentos, formavam verdadeiro sincí- cio e, em geral, estavam dispostas em diversas camadas conferin do à massa celular aspecto retiforme ou em paliçada. Era o tu mor de aspecto sólido, em geral, mas às vêzes, as lojas se apresen tavam com luz central, onde não raro o tecido conjuntivo forma va uma papila que era envolvida por células neoplásicas. As cé lulas tumorais, algumas vêzes, se dispunham ao redor de vasos for mando uma roseta. Estas células eram, em sua maioria, fusifor- mes, às vêzes poliédricas ou arredondadas, com citoplasma acidó- filo, freqüentemente com vacuólos de tamanhos variáveis, onde os métodos específicos revelaram gordura. Os núcleos, arredon dados ou alongados, em geral localizados no pólo apical da célu la mostravam a cromatina frouxa e tinham aspecto vesiculoso. Raras eram as figuras de mitose.
O estroma tumoral era regularmente desenvolvido e os mé todos argênticos revelaram retículo delicado e escasso.
Diagnóstico: Adenoma de células de Sertoli.
Caso 2 — Cão mestiço Lulu, com 6 anos de idade, apresenta va apenas o testículo direito na bólsa escrotal. Ao exame verifi cou-se estar o testículo esquerdo localizado na cavidade abdomi nal e aumentado de volume.
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De acôrdo com o proprietário, o animal não apresentava mo dificações de comportamento. Operado há mais de dois anos, apre senta-se em perfeitas condições.
Exame macroscópico — O tumor foi registrado neste Depar tamento sob o número 4063. Todo o testículo estava transformado em u’a massa tumoral de consistência firme, apresentando partes de consistência mole. Media 6 x 4 x 4 cm. Apresentava-se ligeira mente bocelado, revestido pela túnica vaginal própria, que era li sa, brilhante e transparente. Ao corte verificou-se ser a massa tu moral de coloração acastanhada e dividida em lojas de vários ta manhos, por septos que partiam da albugínea.
Exame microscópico — Êste material foi tratado em condições idênticas àquelas do caso anteriormente descrito. O tumor a pe quenos aumentos mostrava-se formado por lojas de tamanhos va riáveis, as quais estavam totalmente cheias de células, mas, às vê- zes deixavam ampla luz central. O tumor era bastante celular. As células tumorais eram poliédricas ou estreladas e possuiam, em geral, prolongamentos citoplasmáticos unindo-as1 entre si, o que conferiu à massa tumoral, um aspecto reticulado que se acentua va mais em virtude de grande número de vacúolos citoplasmáti cos de vários tamanhos. Nestes vacúolos, os métodos específicos revelaram gordura.
As células neoplásicas com citoplasma acidófilo ou com dis creta basofilia apresentavam os núcleos em posição central ou re chaçados para um dos cantos da célula.
Os núcleos eram arredondados, de tamanhos variáveis, com a cromatina frouxa, apresentando um aspecto vesiculoso. Existiam células corq núcleos grandes, irregulares, disformes e com a croma tina de aspecto homogênio difuso.
Figuras de mitose em várias fases de divisão eram fàcilmente evidenciáveis. Em vários pontos havia infiltração de pequenos gru pos celulares no tecido conjuntivo circunvizinho. O estroma era muito desenvolvido, com vasos cheios de sangue e os métodos ar- gênticos mostraram um retículo delicado.
Diagnóstico: Adenocarcinoma de células de Sertoli. DISCUSSÃO
P IC K (1905), pela primeira vez reconheceu um tumor testicular derivado das células de Sertoli, denominando-o “ Adenoma
tubu-622 R ev. M ed. V et. S. P a u lo — V o l. 5, fase. 4, 1956
lare testiculare ovarii” . Posteriormente, novos casos foram des critos por outros autores, que usaram nomenclatura bastante va riada, sendo as denominações de “ Tumor de células de Sertoli” e de “ Adenoma tubular” as mais correntemente encontradas na li teratura. Entretanto, a nomenclatura utilizada não exprime satis fatoriamente a natureza dos tumores posteriormente descritos na literatura.
Assim, além dos tumores benignos, encontram-se alguns ma lignos como os casos descritos por CO FFIN e col., bem como um dos casos aqui relatado. Por esta razão, parecem mais ade quadas as denominações de adenoma de células de Sertoli, e ade- nocarcinoma de células de Sertoli, respectivamente, para as' for mas benigna e maligna dos tumores originados das células de sus tentação dos espermatozóides. Estas denominações se Justificam plenamente, uma vez que está demonstrado serem as células de Sertoli de natureza epitelial e produtoras de hormônios estrogênicos.
Êstes tumores têm despertado grande interesse entre os pato logistas por ocasionarem sintomatologia de hiperestrinismo. Entre tanto, esta não é constante, faltando nos dois casos aqui referidos, o que corrobora as observações de SCULLY e COFFIN (1952), entre outros.
Parece, pois, que nem todos os tumores dêsse tipo são produ tores de hormônios estrogênicos, pelo menos em quantidade su ficiente para provocarem os distúrbios endócrinos observados por
GREULICH e BURFORD, INNES, M U LLIG AN e TE ILU M (1949) na espécie humana.
A verificação do teor hormonal poderia esclarecer êste pro blema .
Finalmente, com relação à incidência dêste tumores, INNES entre 52 tumores testiculares, encontrou 15 originados das cé lulas de Sertoli; HUGGINS e PAZOS (1945), em 64 casos ob servaram 9; SCULLY e C O FFIN estudaram 177 blastomas do testículo, dos quais 33 eram células de Sertoli.
Na coleção oncológica dêste Departamento existem 18 neo- plasias testiculares de cão e apenas duas são de células de Sertoli.
Fazendo-se um teste de homogeneidade (teste de homogeneida de 4 x 2 — Cf. Davies — 1954) com as freqüências de tumores ser- tolianos entre os blastomas testiculares referidos pelos autores aci ma citados e os da coleção dêste Departamento, não foi possível rejeitar a hipótese de que estas freqüências provinham de uma mesma população.
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Portanto a incidência aqui observada não difere significativa mente (P > 0,05) dos dados da literatura.
Essa conclusão poderá, porém, ser modificada por estudo de maior número de casos.
SUMARIO E CONCLUSÕES
No presente trabalho são descritos dois tumores de células de Sertoli, em cães, com características morfológicas; um de tumor benigno e outro de m aligno. Por esta razão foram denominados., respectivamente, adenoma e adenocarcinoma de células de Sertoli.
Os casos descritos parecem constituir os primeiros na litera tura veterinária nacional.
Em nenhum dos casos havia sintomatologia de hiperestrinismo, o que sugere não ser a mesma de observação constante.
Finalmente, discutiu-se estatisticamente o problema, da inci dência dêstes tumores, em nosso meio.
SUM M ARY AND CONCLUSIONS
Two Sertoli cell tumours in dogs are described, one benigns, the other malignant. They were therefore diagnosed as Sertoli cell adenoma and adenocarcinoma respectively.
These cases appear to be the first ones reported in the brazi- lian veterinary literature.
Both tumours failed to produce hyperestrinism, thus sugges ting that this be not a constant sym ptom .
Finally the incidence of these neoplasms is statistically dis cussed .
AGRADECIM ENTO
Os autores são gratos ao Dr. M. Rabinovitch pela análise es tatística .
B IB L IO G R A F IA
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