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CAPÍTULO 02: COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA

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Academic year: 2021

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Este trabalho tem como objetivo a análise de uma experiência prática de comunicação comunitária desenvolvida na região metropolitana de Belo Horizonte. A proposta do nosso estudo foi a de entender o processo e as possibilidades da comunicação comunitária como fator de mobilização social a favor da cidadania. O interesse por este tema surgiu quando atuei como bolsista na Assessoria, Capacitação e Formação de jovens e adultos em jornal e rádio comunitários nos municípios de Caparaó e Alto Caparaó – Minas Gerais, no período de 2001 a 2003, em uma iniciativa do Projeto de Educação Ambiental em Caparaó: proposta de construção de uma Comunidade de Aprendizagem, sob o financiamento da Fundação W.K. Kellogg e em parceria com o IIPE- Unesco. Durante esse período, pude estudar, observar e tentar compreender as especificidades deste tipo de comunicação e as possibilidades que apresenta para o desenvolvimento local e a instauração de espaços democráticos de discussão.

Com base nessa experiência, desenvolvi a monografia "Jornal Comunidade de Aprendizagem: possibilidade de construção de espaços públicos locais nos municípios de Caparaó e Alto Caparaó", apresentada como trabalho de conclusão do curso de graduação em Comunicação Social em 2002. Foi a minha primeira tentativa formal de reflexão acerca do papel deste tipo de comunicação em contextos locais1.

A continuidade do trabalho nesta área, sobretudo no Projeto de Apoio, Capacitação e Melhoria das Mídias Comunitárias da Região Metropolitana de Belo Horizonte, do Departamento de Comunicação Social da UFMG, possibilitou-me

1 Parte desse trabalho já havia sido apresentado no I Congresso Brasileiro de Extensão Universitária, realizado em João Pessoa – Paraíba, em novembro de 2002, em sessão de comunicação oral.

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desenvolver novos projetos de mobilização capacitação e formação de comunidades e participar de fóruns, debates e reflexões sobre o campo da comunicação comunitária. A reflexão e a observação dos desdobramentos deste tipo de iniciativa na sociedade levantaram questões maiores e mais complexas sobre a problemática da mobilização cidadã através da comunicação comunitária cuja direção aponta para a tentativa de responder até que ponto as práticas comunicativas comunitárias podem influenciar o processo de mobilização e luta pela cidadania em contextos públicos locais.

Assim posto, optou-se no percurso inicial da pesquisa para esta dissertação por analisar duas experiências de comunicação comunitária. No entanto, após um levantamento inicial de dados durante a pesquisa sobre os objetos escolhidos, apresentou-se a impossibilidade de realizar uma análise e reflexão aprofundada sobre o tema com dois objetos tão amplos, dada a natureza complexa do tema, o tempo necessário para conclusão da pesquisa e particularidades e complexidades de cada um.

Por isso optei pela redução do nosso universo de análise a uma experiência de comunicação comunitária2.

O objeto escolhido3 para análise foi o Centro de Comunicação e Cultura da Juventude – CUCO, desenvolvido pela Associação Imagem Comunitária – AIC, que trabalha a proposta de “comunicação comunitária, cidadania e protagonismo estudantil”

desde 2004 com jovens das nove regionais de Belo Horizonte, através de uma metodologia participativa de construção de conhecimento, unindo as discussões sobre cidadania, mobilização, protagonismo com o aprendizado das técnicas de produção comunicativa para que exerçam o direito de acesso público aos meios de comunicação e atuem como multiplicadores dessa prática.

Em se tratando de uma atividade ainda recente no campo da comunicação – as primeiras experiências de rádios comunitárias remontam à década de 70- e, por vezes,

2No processo de seleção dos objetos de análise chamou-nos a atenção o fato de haver na experiência escolhida a presença e participação de jovens estudantes, o que indica inicialmente uma ampliação da rede inclusiva que o processo de comunicação comunitária pressupõe.

3 O objeto que compõe o universo analítico deste trabalho será apresentado com mais detalhes no capítulo 3.

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considerada marginal, as amplas participações dos atores sociais e coletivos oferecem importantes elementos de análise. A experiência de comunicação comunitária escolhida para análise trabalha com um elemento que a diferencia das demais práticas: a presença do protagonismo juvenil numa atividade de comunicação comunitária em uma organização não-governamental.

O estudo demandou o aprofundamento e reflexão sobre comunicação comunitária e cidadania, o que demandou a realização de levantamento bibliográfico sobre o tema e entrevista com os atores envolvidos nessa prática. Alguns autores foram importantes para a construção deste percurso como Peruzzo (1998), Gohn (1997), Paiva (2003), Toro (2000), Cogo (2003), entre outros.

A justificativa desse estudo está relacionada à crescente multiplicidade de milhares de experiências que diferentes atores e entidades desenvolvem diariamente no subcampo da comunicação comunitária com diferentes finalidades e resultados, configurando-se como um sub-campo emergente no campo das mídias e carentes de explicações conceituais ou teóricas. Isso suscitou em nós a seguinte questão: de que maneira as práticas comunicativas comunitárias podem ser consideradas como fatores de potencialização da cidadania? Tomando como base esse questionamento, o presente trabalho tem como objetivo geral analisar o papel da comunicação comunitária nas organizações não-governamentais ou movimentos sociais, e como objetivos específicos:

discutir o conceito de comunicação comunitária à luz da experiência concreta do CUCO/AIC e perscrutar a percepção dos atores sociais de Movimentos Sociais sobre a comunicação comunitária.

A nossa hipótese principal foi a de que, nas últimas décadas, as manifestações e experiências das mídias comunitárias vêm revelando a existência de uma prática comunicativa voltada para os interesses e as necessidades dos próprios grupos a que pertencem e/ou para movimentos comprometidos com interesses sociais mais amplos,

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potencializando a construção da cidadania4. Assim, pareceu-nos, à primeira vista, que a participação em processos comunicativos comunitários e a mobilização para uma luta por cidadania estão entrelaçadas.

Metodologicamente levamos em consideração a advertência de Élson Faxina de que as hipóteses de um trabalho de pesquisa não emergem em conjunto num momento de inspiração excepcional. Ao contrário, as hipóteses tendem a surgir espontaneamente e se tornam mais claras na medida em que se realiza a revisão teórica e até mesmo durante a elaboração dos instrumentos de pesquisa (FAXINA, 2001: 198).

Diante desta perspectiva de trabalho, a primeira constatação que se apresenta é a de que tratar da questão da comunicação comunitária sempre foi uma tarefa árida no campo da comunicação, em função das dificuldades conceituais e empíricas que envolvem o assunto. Uma breve revisão bibliográfica aponta ao pesquisador, de imediato, uma profusão de conceitos e de formas de comunicação que envolvem o chamado subcampo da comunicação comunitária. E se o relacionarmos com práticas comunitárias gestadas em diferentes coletividades (favelas, bairros, municípios) ou com os movimentos sociais, logo deduziremos que o que tem sido designado por uns de comunicação comunitária, recebe outras denominações, como comunicação alternativa ou comunicação popular, principalmente ao longo da história recente das sociedades latino- americanas, e muito particularmente nas últimas duas décadas. Essas dificuldades aumentam mais ainda quando se constata que os estudos sobre este tipo de prática tendem, em sua maioria, a enfocar ou analisar experiências isoladas, com ênfase em procedimentos metodológicos descritivos, sem, contudo, relacioná-las com uma perspectiva teórica mais abrangente que mostre a natureza dessas práticas dentro do contexto social.

Além dessas dificuldades, não há dúvida também que a complexidade e a abrangência das organizações que invocam a comunicação comunitária como uma

4 PERUZZO, Cicília M.K. "Comunicação e Educação para a Cidadania". Disponível em http://www.eca.usp.br/nucleos/nce. Acesso em 18/09/2003.

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metodologia ou uma ferramenta de ação também dificultam o trabalho do pesquisador.

Neste universo podemos perceber ainda que organizações não - governamentais (ONGs), instituições privadas e públicas criam ou estimulam a criação de processos comunicacionais capazes de incentivar a participação mais ativa dos cidadãos nos processos de mobilização popular a favor da cidadania ou dos direitos sociais.

Lamentavelmente, o registro deficiente, puramente descritivo e sem contextualização mais ampla dos estudos de caso das experiências de comunicação comunitária transformam-se em um grande desafio para o pesquisador da área, não obstante a importância que têm para a sociedade brasileira e milhares de comunidades, pessoas e instituições com elas envolvidas.

Por isso julgamos fundamental entender estas experiências e o significado que elas têm para diferentes atores sociais e de que maneira estas experiências respondem aos desafios da comunicação a favor da cidadania. Pois as questões apresentadas pelas experiências, do nosso ponto de vista, ganham relevância se entendermos a utilização da comunicação como processo para reivindicação ou consolidação dos direitos sociais, políticos e civis de segmentos sociais populares.

Acreditamos que a experiência de comunicação comunitária analisada co-existe com o modelo massivo de comunicação podendo constituir-se em espaços permanentes de realização coletiva e pessoal dos indivíduos e grupos sociais a partir de uma concepção de cidadania que incorpore o reconhecimento do direito à comunicação. Essa questão, por si só, parte de uma percepção de que a comunicação comunitária favorece uma educação para a cidadania, ao mobilizar, entrelaçar e indicar formas de participação dos indivíduos e dos grupos nos processos comunicacionais.

Para o entendimento dessas questões, este trabalho foi dividido em duas partes.

A primeira parte é formada por dois capítulos e compreende a fundamentação teórica do trabalho. A segunda parte abarca o capítulo dedicado à pesquisa empírica com a apresentação dos resultados da pesquisa e suas contribuições para o campo da

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comunicação.

Assim, o primeiro capítulo traz o que se entende aqui sobre comunicação comunitária, a partir da análise crítica de sua evolução conceitual, em busca de compreender sua importância para a sociedade e para as pessoas que deles participam.

Já no segundo capítulo, procurou-se buscar uma conceituação sobre democracia, mobilização social e cidadania que desse conta de entender a relação entre o desafio de uma participação mais ativa no processo comunicativo e as novas formas de mobilização e reconhecimento dos direitos de cidadania. Enquanto o terceiro capítulo traz baseado na análise documental, entrevistas, observações e anotações do diário de campo, como a experiência do CUCO foi iniciada, os atores envolvidos e as premissas de trabalho, bem como a análise da relação entre comunicação comunitária, cidadania e mobilização social, seguindo os critérios metodológicos desenvolvidos para análise deste tipo de prática comunicativa.

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CAPÍTULO 01: METODOLOGIA

Buscando atingir os objetivos da pesquisa, propomos desenvolver uma pesquisa do tipo qualitativa, a partir do estudo das atividades do Projeto Centros de Cultura e Comunicação da Juventude – CUCO/ AIC, no período compreendido entre janeiro de 2004 e outubro de 2005. O projeto analisado insere-se em uma proposta de educação para a mídia e a cidadania, pois o CUCO/AIC nasceu justamente com a preocupação de possibilitar oportunidades que favorecessem a ação das pessoas. Assim, poder-se-ia resolver primeiramente a questão da garantia de um acesso mais plural e democrático no cenário comunicativo e conseqüentemente a conscientização das pessoas a respeito de direitos e exercício de cidadania.

Posto isso, cabe-nos esclarecer que as opções metodológicas desta pesquisa foram escolhidas levando-se em consideração o universo dos atores envolvidos nas práticas comunicativas comunitárias, bem como o pressuposto da dinâmica de participação ativa -pólos de produção e recepção ocupados simultaneamente pelos indivíduos – para assim observarmos as contribuições e implicações desta prática nas relações sociais e na consciência de cidadania.

O primeiro passo dado para a realização da pesquisa foi o levantamento teórico ou pesquisa bibliográfica sobre a questão da comunicação comunitária, mobilização e cidadania. Este procedimento foi realizado para levantar o universo conceitual já constituído sobre a temática comunitária na comunicação e que se configurou em uma das ferramentas norteadoras da investigação proposta.

O segundo passo constituiu-se em uma pesquisa documental para o levantamento do histórico das experiências analisadas, a partir de sua concepção até o período analisado, destacando todos os aspectos fundamentais para uma abordagem qualitativa do problema. Foram levantados: propostas de atividades, projetos, trabalhos acadêmicos sobre a AIC/CUCO; reportagens feitas sobre as experiências; relatórios,

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artigos e roteiros. Para Spink (2000:126),

Os documentos são produtos em tempo e componentes significativos do cotidiano; complementam, completam e competem com a narrativa e a memória (...) e em que estão à disposição, simultaneamente traços de ação social e a própria ação social.

Nesse sentido, a análise dos documentos serviu num primeiro momento para fornecer informações sobre as atividades desenvolvidas ou projetos implementados, incluindo-se as questões, dificuldades, particularidades e as relações constituídas durante o processo de concepção, desenvolvimento e conclusão. Ou seja, usar documentos, especialmente os seriados, como relatórios semanais, mensais ou semestrais, mostrou-se “um excelente caminho para a compreensão da gradativa emergência, consolidação e reformulação dos saberes e fazeres” (SPINK, 2000:146) aplicados e que permitiram a identificação da processualidade da prática comunicativa comunitária.

Além disso, Faxina nos aponta que os documentos utilizados na análise constituíram-se na melhor alternativa para reconstituição de época ou no apontamento de elementos presentes nas atividades no período anterior à pesquisa e que ajudam no entendimento da prática atualmente. “Nessa etapa da pesquisa, tornou-se primordial não apenas buscar elementos que estivessem de acordo com os objetivos da pesquisa, mas estar alerta para elementos extras e que poderiam complementar a busca (FAXINA, 2002)”.

Assim sendo, passamos a utilizar também as entrevistas que, na acepção de Fontana (1998:37), se revelam como um dos instrumentos mais poderosos para compreender as ações humanas. “Entrevista, entendida como prática discursiva, ou seja, entendendo – a como ação (interação) situada e contextualizada, por meio da qual se produzem sentidos e se constroem versões da realidade”(SPINK, 2000:186).

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Para esta pesquisa, escolhemos realizar a entrevista do tipo semi-estruturada, definida por Lakatos e Marconi (1999:96), como aquelas em que o “entrevistador tem liberdade para desenvolver cada situação em qualquer direção que considere adequada (podendo) explorar amplamente a questão”.

“Preparamos então um roteiro de entrevista (em anexo), com o teor das perguntas variando conforme informações específicas que necessitávamos dos diversos entrevistados. Apesar disso, todos os entrevistados – dependendo da categoria em que se inscreveram – responderam à mesma sequência de perguntas. Sem possibilidades, no entanto, de entrevistar todos os sujeitos envolvidos, a estratégia adotada foi a de obter, junto a cada categoria, o número suficiente de entrevistados que desse conta do objetivo proposto no trabalho (FAXINA, 2002)” e representasse, de alguma maneira, a entidade.

Os questionários foram construídos apenas com perguntas abertas, ou seja, aquelas que solicitam que o entrevistado dê suas próprias respostas, segundo a concepção de Babbie (1999). Contudo, para verificar a pertinência das questões e a efetiva contribuição para a pesquisa, realizamos um pré-teste do questionário. A ideia era observar os cuidados com a elaboração de questões apontadas por Babbie tais como, questões duplas, claridade dos itens, competência dos entrevistados, relevância das questões e a presença de itens tendenciosos. Essa observação se torna fundamental para a condução da pesquisa.

A primeira etapa de entrevistas foi realizada, entre os dias 01 e 30 de junho e o questionário compunha-se de 27 questões, sendo que algumas foram aplicadas aos coordenadores e outras somente aos participantes. A entrevista com os coordenadores foi realizada com a intenção de averiguar “como eles vêem as ações da entidade, os benefícios trazidos ao conjunto da sociedade, a capacidade de articulação com os interesses dos indivíduos participantes e a comunidade e o grau de satisfação e atendimento aos objetivos propostos (FAXINA, 2001:142)”.

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De acordo com Pinheiro (2000: 184), as entrevistas oferecem a oportunidade de observar e registrar os diversos personagens (pluralidade de vozes) evocados pelo entrevistado e que “conferem certa consistência e coerência a história e argumentos apresentados, criando condições para perceber as alterações sutis que ocorrem no posicionamento das pessoas em sua interação”.

Pinheiro (2000) aponta ainda que a entrevista possibilita a apreensão dos sentidos das questões ou temas levantados pelos entrevistados, tal como emergiram em sua fala, sem precisar capturá-los em categorias definidas a priori. As perguntas também visam apurar as possíveis mudanças ocorridas na vida dessas pessoas, seja no plano pessoal como no âmbito de sua comunidade e o reconhecimento das questões sociais que estariam em jogo nesta participação em práticas de comunicação comunitária, envolvendo especialmente a possível mobilização, o reconhecimento e luta por cidadania.

Este tipo de inserção nas entidades denomina-se método da observação participante, que pressupõe a integração do investigador ao grupo estudado, não como simples observador dos acontecimentos, mas como parte ativa deles. E para que a observação seja participativa, é essencial que essa integração do pesquisador seja aceita e reconhecida pelos demais membros do grupo ou comunidade. Adler e Adler (1998:80) ressaltam que “a observação, ao contrário do que se pensa, não é só visual, mas envolve e mobiliza todos os sentidos: o olfato; a audição; o tato e o gosto (...). Consiste, portanto, em coletar impressões a sua volta”. Isto significa que, durante a observação, nós pudemos reparar nas pessoas em interação umas com as outras, o conteúdo e as consequências desta interação e principalmente, pudemos registrar e acompanhar a ocorrência dos conflitos que foram explicitados nas entrevistas.

Becker (1999:118) aponta que “a observação dá acesso a uma ampla gama de dados, inclusive os tipos de dados cuja existência o investigador pode não ter previsto no momento em que começou a estudar”. Nesse sentido, a observação participante, ao

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contrário, é natural em sua essência. Ocorre no contexto natural de ocorrência onde os atores vivem naturalmente seu dia-a-dia. Para Adler (1998:81), a observação não pré- determina categorias; elas são concebidas no aparecimento de significados produzidos pelos sujeitos

A observação deve abranger os seguintes apontamentos: referência dos participantes, relato das interações, das rotinas, dos rituais, dos elementos temporais, das interpretações e da organização social, segundo Adler (1998). Mas, para Becker (1999), é igualmente importante relatar as interações e suas conseqüências conteúdos/linguagem, as avaliações das relações, os conflitos e os mapas de significação.

O observador não se limita à observação apenas. Ele pode também entrevistar membros do grupo, seja isoladamente ou em grupos. No primeiro caso, ele pode examinar as origens sociais e as experiências anteriores de um participante, assim como suas opiniões particulares sobre questões correntes. No último, ele está, com efeito “penetrando”

nos tipos habituais de comunicação correntes num grupo, vendo o que os membros dirão quando na companhia de outros membros. A diferença entre opinião particular e comunicação pública pode fornecer indicações importantes das normas do grupo (BECKER, 1999:122).

Este papel desempenhado pelo observador permitiu, assim, estabelecer e dirigir o “foco de observação”, na acepção de Adler (1998), para partes dos integrantes do grupo observado, dos comportamentos, sentimentos; estruturas e processos. A observação permitiu-nos também visualizar não somente o consenso, mas também a apreensão dos diferentes pontos de vista sobre o assunto. Este método permite a identificação das possíveis forças e da dinâmica pertinente às práticas desenvolvidas na rotina de trabalho da AIC (ONG).

Por isso, para a tentativa de cumprir os objetivos propostos para a compreensão do problema desta pesquisa, optamos por trabalhar com os seguintes operadores conceituais: horizontalidade no processo e potencial de audiência ativa, que se

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relacionam diretamente com o grau de participação dos sujeitos no processo comunicativo, ou seja, se inserem tanto no pólo da recepção quanto no pólo da produção, constituindo-se numa característica intrínseca à prática comunicativa comunitária. A essas variáveis se somam o grau de inserção/intervenção das práticas comunicativas comunitárias no cotidiano dos indivíduos e das comunidades, procurando entender como podem exercer influência na formação de opiniões, na tomada de decisão e na percepção de direitos ou mudança da compreensão do papel do indivíduo como cidadão dotado de direitos e deveres; e finalmente a tipologia da prática comunicativa comunitária (feita para a comunidade ou feita com a comunidade).

Concluindo, buscamos cumprir a tarefa de explicitar os procedimentos metodológicos que foram utilizados para a coleta e análise de dados necessários para a realização da pesquisa. Os procedimentos iniciais (pesquisa bibliográfica e pesquisa documental) abriram-nos para o entendimento da comunicação comunitária e cidadania, bem como o conhecimento do histórico da experiência analisada.

Para a análise dos dados levantados optamos por trabalhar com uma metodologia de avaliação de projetos de intervenção em comunidades (anexo 1), desenvolvido pelo professor Mestre Adson Resende do Colégio Técnico da UFMG, para avaliação de um Projeto de Extensão dentro das diretrizes propostas pelo Fórum Nacional de Pró-Reitores de Extensão das Universidades Públicas. A proposta básica de análise seguiu as seguintes diretrizes: observações com olhar externo, no sentido de reconhecer os avanços e retrocessos no entendimento do significado e o papel da comunicação comunitária nos projetos analisados, a partir da proposta inicial e das intenções relatadas nos projetos iniciais de cada um (descrição da ação, de seu âmbito e dos atores sociais envolvidos); levantamento de dados concretos junto às experiências envolvidas para permitir uma visão institucional do trabalho dos projetos (as etapas e os meios); definição da situação de referência para comparação com a situação atual; análise das ações e a tentativa de verificar quais as modificações ocorridas nos níveis das atividades cotidianas

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dos envolvidos nos projetos. Para isso, utilizamos como parâmetro de análise os operadores conceituais que definem a prática comunicativa comunitária como discutido nos capítulos anteriores:

1) Potencial de audiência ativa (atuação dos sujeitos como pólos receptores e produtores) = grau de horizontalidade do processo de produção dos produtos midiáticos;

2) Grau de intervenção das práticas comunicativas comunitárias no cotidiano dos sujeitos e das comunidades; influência na formação de opiniões e tomada de decisões; mudança na percepção de direitos e na compreensão do papel do sujeito enquanto cidadão.

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CAPÍTULO 02: COMUNICAÇÃO COMUNITÁRIA

Neste segundo capítulo apresentamos uma discussão sobre as características da comunicação comunitária e a sua evolução conceitual. Ressaltamos que há uma grande variedade de conceitos que tentam explicar e definir esta prática, ainda que represente um campo ainda insipiente de reflexão.

John Downing, em seu livro Mídia Radical, considera a comunicação comunitária como uma prática radical, que em formas variedades e objetivos diferentes,

“expressa uma visão alternativa às políticas, prioridades e perspectivas hegemônicas”

(DOWNING, 2002:21). Desta forma, podemos considerá-la uma prática comunicativa voltada para a luta e conscientização dos indivíduos em torno de seus direitos, deveres e reivindicações. Além de uma forte ligação com a sua realidade social.

Com base em alguns estudos, podemos identificar a comunicação comunitária como instrumento de incentivo à formação de novos modelos de sociabilidade, novas formas de lidar publica e midiaticamente com as questões cotidianas da comunidade.

Mas, além do caráter de construção de formas novas de sociabilidade, Dorneles (2004) alerta para o fato de que o entendimento do que é o comunitário na comunicação implica obrigatoriamente na compreensão do que seja comunidade.

Valdir de Castro Oliveira (2000) aponta que o conceito de comunidade implica o seu entendimento “como um lócus de compartilhamento de experiências e de valores identitários e coletivos abrigando diferentes tipos de interesses que podem ultrapassar o espaço geográfico”. Trata-se também de entender a comunidade como uma identidade coletiva, tal como nos aponta Marcos Palácios (1997:36), para quem ela é a maneira de

“dizer quem somos nós”. “A questão é saber como se formam esses retratos de identidade coletiva, e quais são os instrumentos que as pessoas usam para forjar um sentido de quem somos nós” (PALÁCIOS, 1997:36).

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Desta forma, percebemos uma tendência à formação de grupos de identidade coletiva, em que os sujeitos se reúnem em torno dos mesmos interesses, crenças, valores, lutas e dramas. Paiva (2004) fala então da possibilidade de emergência de um sentimento comum de pertencimento. Isto é, os indivíduos pertencem a todas as comunidades instituídas coletivamente nas relações que estabelecem em diferentes tempos e espaços, favorecendo o desenvolvimento de formas coletivas de comunicação.

“Uma relação social deve ser definida como comunitária se, na disposição do agir social, apoia-se – em um único aspecto, em alguma medida ou de maneira geral – sobre um sentimento comum de pertencimento (afetivo ou tradicional) dos indivíduos que a ela pertencem” (WEBER, citado por Paiva, 1968).

Sob esta questão, Raquel Paiva (2003) observa que as práticas comunicativas comunitárias podem e devem ser possibilitar um diálogo mais aberto, franco e público sobre as problemáticas da comunidade. Neste processo é que se destaca a importância das formas experiências comunicativas de movimentos sociais, populares, associações de bairro, ONGs e escolas como uma forma de garantir um processo comunicativo mais aberto e plural procurando, sobretudo, aumentar o envolvimento dos diversos atores sociais em todas as suas instâncias, o que poderia contribuir para a efetivação de uma forma de participação ampliada na produção de mensagens ou produtos midiáticos.

Contudo, Cicília Peruzzo nos alerta para o fato de que:

“Questão da participação limitada dos indivíduos, seja no processo de produção das mensagens midiáticas, seja no campo político, tem suas raízes culturais e históricas nas sociedades latino-americanas que, por um lado, geraram certa apatia e um sentimento de inferioridade diante dos centros ou camadas dominantes da sociedade e, por outro, uma tendência a delegar o poder, uma espécie de consenso e cumplicidade em relação a ideologias conservadoras e práticas autoritárias”

(PERUZZO, 1998).

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Por isso, a possibilidade de ampliar esse nível de participação aparece como um desafio ao campo da comunicação comunitária, pois Peruzzo5 aponta que é a tipologia de participação desenvolvida no processo comunicativo comunitário que corresponde à sua característica fundamental. Para a autora, “a participação na comunicação é um mecanismo facilitador da ampliação da cidadania, uma vez que possibilita a pessoa tornar-se sujeito de atividades de ação comunitária e dos meios de comunicação ali forjados” (PERUZZO, 2003). Isso significa que a pessoa inserida nesse processo tende a mudar o seu modo de ver o mundo e de relacionar-se com ele.

Mas, ainda de acordo com PERUZZO (2000:23), uma pesquisa mais atenta sobre o tema permitirá constatar que o campo da comunicação comunitária é ainda pouco estudado porque “ainda não foi suficientemente compreendido” e valorizado pelos comunicadores e pelas Universidades, talvez pelo fato de não compreenderem ou perceberem a amplitude do seu potencial de mobilização. Mas apesar da escassez de trabalhos sobre o assunto, alguns autores têm feito esforços para estudar e analisar esta modalidade de comunicação.

Os estudos latino-americanos e brasileiros já realizados sobre o tema possibilitam observar que o campo da comunicação comunitária pode ser definido exatamente por sua natureza complexa, configurada tanto pelas possibilidades de apropriação dos meios pelos grupos sociais excluídos, movimentos sociais e/ou organizações não- governamentais, proporcionadas pelo desenvolvimento de novas tecnologias, quanto pelas formas de aplicação, entendimento e importância de sua prática em contextos históricos e sociais diferentes. Assim, é comum aparecerem denominações diversas6 para esse tipo de prática, tais como comunicação comunitária, ou livre, ou popular, ou radical, ou participativa, ou alternativa, ou dialógica, ou horizontal. Embora

5PERUZZO aponta esta característica em um trabalho denominado “Comunicação comunitária e educação para a cidadania”, PCLA - Volume 4 - número 1:outubro / novembro / dezembro 2002, em que discute as inter-relações entre comunicação e educação no âmbito da comunicação comunitária.

6As diversas denominações ou conceituações de práticas de comunicação de cunho “comunitário” serão discutidas mais aprofundadamente no tópico de baixo, com exceção do termo “livre” que por suas características histórias não se encaixa na proposta de discussão deste trabalho.

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necessariamente imbricados, esses esforços de compreensão de tipos de prática possuem algumas especificidades e ambigüidades próprias que não possibilitam estabelecer uma rígida distinção entre as classificações que aparecem na literatura, como veremos a seguir.

2.1. Comunicação Comunitária, popular, alternativa e dialógica

Nem os estudiosos, nem aqueles que trabalham com comunicação comunitária chegaram a um consenso sobre a melhor denominação para este tipo de mídia, pois as práticas estudadas possuem especificidades e ambigüidades que tornam difícil a escolha de apenas um e a posterior delimitação do fenômeno.

Entretanto, a comunicação comunitária é o que mais nos remete à idéia de participação ampliada e ativa dos sujeitos, espaço público e contexto local de comunicação. Ao analisarmos as experiências históricas de comunicação desenvolvidas no âmbito dos movimentos populares, sindicais, sociais ou comunitários, notamos que elas estavam sempre ligadas à percepção de uma certa dicotomia entre o processo de comunicação de massa vigente e o grau de participação do público receptor. Nesse contexto, percebe-se uma espécie de cisão ou grande diferenciação entre os componentes do processo de produção midiática – recepção e produção-, que veio a influenciar diretamente na maneira como os modelos de comunicação de cunho popular/

comunitário se posicionavam ou atuavam perante o modelo dos meios massivos. Denise Cogo (1998) afirma que essa ideia de contraposição de modelos e a idéia de exclusão de certos atores do processo comunicativo “marcou profundamente grande parte das práticas comunicativas e mesmo as interpretações teóricas acerca do tema”, e que isto está diretamente relacionado ao contexto histórico e político em que foram gestadas e desenvolvidas.

Surge daí o entendimento/afirmação superficial ou equivocado da existência de

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uma relação de oposição entre os dois modelos comunicacionais, em que os meios comunitários eram considerados instrumentos utilizados para despertar e desenvolver a inserção dos indivíduos no cenário público, mas principalmente fazer com que discutissem e buscassem soluções para os problemas que se apresentavam em diversas esferas da sociedade. Certo é que a realidade histórico-social e econômica da América Latina, permeada essencialmente de grandes tensões sociais, possibilitou o desenvolvimento da comunicação popular, alternativa e comunitária.

Contudo, a luta por uma comunicação livre e democrática, apresenta-se repleta de paradoxos e marcada por um constante tensionamento no entrelaçamento entre os interesses da elite dominante e o das classes populares e de seus representantes.

Assim, apresentaremos a seguir alguns dos modelos de comunicação mais significativos desenvolvidos no Brasil, tentando trabalhar as suas especificidades, suas confluências e realizar um trabalho comparativo.

2.1.1. O modelo alternativo

A comunicação alternativa no Brasil tem maior destaque durante o regime militar e surge com a chamada imprensa alternativa da década de 70, em reação ao regime político ditatorial da época. Embora as experiências de imprensa alternativa buscassem criar uma cultura de crítica ao regime militar, não foram capazes de obter ampla penetração na sociedade e garantir a mobilização dos indivíduos, sobretudo na luta por uma mídia mais ativa e compromissada com o público. Podemos acrescentar a esta afirmação o fato de que essas manifestações ocorriam, segundo Festa e Silva (citados por Cogo, 1986) “no nível médio da sociedade civil – sobretudo no âmbito dos movimentos sociais - e envolvendo articulações em torno de projetos históricos de caráter nacional”, nos quais a maior parte da população não tomava parte. A contestação e a busca de espaços ficavam restritas a poucos atores que, muitas vezes, agiam em causa

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própria, ou seja, sem a preocupação de incluir ou incentivar uma participação ampliada das camadas mais baixas da sociedade nas discussões midiáticas.

Alguns autores atestam a importância deste tipo de comunicação justamente por considerá-la como o mecanismo mais eficiente de inserção do discurso e demandas advindos das camadas mais baixas na sociedade, visto que “os meios de comunicação de massa não atendiam às suas necessidades de comunicação”, (MOTA, citado por COGO, 1998)”. Apesar disso, o entendimento de que os meios de comunicação não atendiam à necessidade de comunicação das massas deve ser analisado cuidadosamente. Isto porque, como corretamente aponta Denise Cogo (1998), essa abordagem errônea sobre a relação entre os modelos desviou consideravelmente a finalidade das práticas de comunicação alternativa ou popular, pois provocou um distanciamento dos valores culturais, históricos e sociais dos grupos e contextos em que estavam inseridos, trazendo uma sensação de não-identificação entre as práticas e o público envolvido.

Numa época em que os meios massivos de comunicação eram vistos como manipuladores e enquadrados em um processo comunicativo vertical, a imprensa alternativa era vista como uma opção de leitura crítica em relação à grande imprensa, editorialmente enquadrada nas regras da censura imposta pelo regime militar, mas confortavelmente assentada na condição de monopólio informativo (PERUZZO, 1998).

Ressalta-se que a questão principal que perpassa toda a discussão seria justamente a existência de uma negação do caráter massivo que também deve estar presente nas práticas alternativas de comunicação, pois ambos estão intrinsecamente ligados. Desta forma, Nestor Garcia Canclini observa que “o massivo é a forma que assumem estruturalmente as relações sociais em um tempo em que tudo se massificou”.

Não se trata de realizar uma defesa dos meios de comunicação de massa ou justificar a sua forma de atuação, de modo a diminuir a importância das práticas de comunicação

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alternativa ou popular; mas trata-se, sim, de enfatizar que ambos os modelos de comunicação devem ser reconhecidos tanto por suas ambigüidades quanto por seus conflitos. A diferença entre os dois modelos de comunicação reside precisamente nos objetivos que encerram. Enquanto uma é de fato política e mobilizadora, a outra apenas engendra processos políticos tornando-se ambígua e passível de contestação por diversos atores sociais.

Este último apontamento possibilita-nos entender que a proposta de comunicação alternativa era justamente a possibilidade de promover o apoio e a mobilização no sentido “de dar visibilidade, promover e sensibilizar as pessoas” para determinadas causas ou problemas como, por exemplo, as ações promovidas pelo Greenpeace para chamar a atenção para questões ambientais”. Tal iniciativa foi de encontro a uma das premissas principais do alternativo na comunicação que seria de fazer circular a informação e gerar o debate na sociedade.

Outros pontos a serem considerados sobre o alternativo, na acepção de Maria da Glória Gohn,

são as duas características dos processos comunicacionais desenvolvidos no âmbito dos movimentos de contestação política, econômica e social: a efemeridade e a marginalidade. A condição de efêmero reside na situação de exclusão ou pouca participação nos processos de comunicação instituídos na sociedade (televisão, rádio ou mídia impressa); e a de marginal refere-se a um possível enquadramento ao modo de funcionamento dos meios de comunicação de massa.

No final dos anos 70 e na década de 80, as manifestações de comunicação de atores coletivos (movimentos sociais, grupos populares, sindicatos, entre outros) e individuais “se concretizaram enquanto uma comunicação alternativa, no tocante ao conteúdo e aos canais utilizados em relação aos meios de comunicação de massa”

(PERUZZO 1999:152).

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Nesse sentido, segundo os autores desta linha, a configuração do caráter

“alternativo” da comunicação extrapola a separação feita pelos estudiosos entre, de um lado, o conteúdo e o suporte e, por outro, a tipologia da relação estabelecida com a sociedade. Escolher entre uma ou outra característica significaria optar por correr o risco de retratar parcialmente o fenômeno e deixar de considerar a complexidade de fatores que o influenciam. O “alternativo” na comunicação configura-se exatamente na união destas duas modalidades de práticas e dos fatores externos e internos que a influenciam, ou seja, em um processo comunicativo que conjugue a utilização de conteúdos e suportes diferentes, mas não opostos aos habituais e a possibilidade de emergência de novos temas, discursos e atores no cenário midiático da sociedade. Tal visão pressupõe, entretanto, a compreensão da dinâmica interna de atuação destes movimentos ou grupos.

O que nos interessa aqui é mostrar que, no sentido de garantir a participação igualitária dos atores no cenário midiático, a dinâmica de produção dos meios alternativos possibilitou a percepção de uma preocupação essencial com as necessidades comunicacionais e políticas dos segmentos populares que ainda hoje está presente nas práticas comunitárias de comunicação.

2.1.2. Os modelos horizontal e dialógico

Nos anos 70, desenvolveu-se uma outra proposta de comunicação que influenciou os estudos e as práticas da comunicação popular e comunitária, a chamada comunicação dialógica. Paulo Freire foi o pioneiro nesse tipo de estudo com seu livro Extensão ou Comunicação (1977), em que refletia criticamente sobre a questão da comunicação.

Segundo LIMA (2001:69), Freire desenvolve um modelo de comunicação que pressupõe que “a comunicação implica um diálogo entre os sujeitos mediados pelo objeto de conhecimento que por sua vez decorre da experiência e do trabalho cotidiano”, ou seja,

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para Freire, a comunicação é, por princípio, essencialmente dialógica. Apesar desta premissa estar presente em todas as propostas subseqüentes de comunicação mais participativa, Freire foi o primeiro estudioso no Brasil que se propôs a entender e apontar a dinâmica relacional no processo comunicativo, ressaltando o seu papel na produção de conhecimento e na mobilização popular tendo em vista a mudança social.

A comunicação dialógica pressupõe uma ação educativa dos indivíduos, na medida em que o saber é algo construído na relação. E esta educação deve compreender um processo de aprendizado sobre o direito de fazer-se ouvir, o direito de comunicar, pois somente em comunicação é que a vida social adquire significação (FREIRE, 2001).

Nesse sentido, ressalta-se a importância da dimensão política da comunicação, que juntamente com a participação e a reciprocidade, compõe um modelo de comunicação mais democrático e educativo. Por sua proposta dialógica, este modelo apenas buscou entender a comunicação sempre pelo viés da horizontalidade, sem se preocupar com o fato de que a comunicação midiática tem particularidades verticais, que não a transformam necessariamente em uma forma vertical de poder.

Seguindo o princípio da comunicação dialógica, Luís Beltran desenvolveu um modelo de comunicação de cunho participativo, dialógico e comunitário, tendo a horizontalidade como eixo condutor.

Para BELTRAN (1981:25), “a comunicação horizontal implica em múltiplas finalidades de comunicação, especialmente os direitos de comunicação (acesso, diálogo e participação); mais viável no caso de modelos interpessoais (indivíduos e em grupos) do que no caso de modelos impessoais”. O chamado modelo horizontal representa uma tentativa de superar a verticalização do processo rotineiro de comunicação na sociedade, ao procurar incluir os atores em todas as etapas de produção de mensagens, desde a

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administração até o produto final, numa iniciativa desenvolvida com a pretensão de oferecer acesso livre e igualitário, diálogo e participação.

Com base nesta premissa, Diaz Bordenave (1987) desenvolveu um modelo de comunicação participativa, que pressupõe que todos os “interlocutores exerçam seu direito à auto-expressão, gerem e troquem temas e mensagens próprias, compartilhem conhecimento e saber; adquiram poder coletivo e resolvam problemas comuns” (apud WENDHAUSEN, 2003:38). Na realidade, este modelo não se constitui numa nova proposta de comunicação, mas apenas uma sistematização das proposições dos modelos que o antecederam, tais como o dialógico, o horizontal e o alternativo. A única novidade está na proposta de reforçar a importância de uma participação mais ativa e ampliada dos atores “excluídos” no processo comunicativo, o modelo de comunicação participativa, entretanto, não apresenta uma reflexão mais aprofundada sobre a questão.

Na análise de Raquel Paiva (2003), este modelo de comunicação começa a se configurar no momento em que os grupos dos “excluídos” ou das classes subalternas da sociedade começaram a trabalhar em um modelo próprio de comunicação. Por outro lado, pouco discutido e apontado é o fato de que a tentativa de inserção dos meios tradicionais não foi totalmente fracassada para alguns grupos (Movimento dos Sem-Terra ou da Reforma Agrária) que conseguiram levar os seus problemas para serem discutidos, também, nos meios de comunicação de massa, especialmente após a abertura política e o fim da ditadura militar.

Estes grupos conseguiram trabalhar simultaneamente com os dois modelos de comunicação, o que reforça a necessidade de entender que tanto o modelo o modelo horizontal quanto o dialógico não devem ser vistos apenas como mecanismos de oposição aos meios de comunicação de massa, mas como uma prática de comunicação onde os interlocutores exercem mais livremente o direito à uma comunicação e trabalham as suas próprias mensagens e discursos.

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2.1.3. O Modelo da Comunicação Popular

Presente em praticamente todos os modelos de comunicação já apresentados está a questão da participação popular, isto é, das camadas populares representadas seja individualmente, seja em formas organizativas (movimentos sociais, sindicatos e outros). Essa questão foi estudada, em particular, pela pesquisadora Cicília Peruzzo em sua obra “Comunicação nos Movimentos Populares”, de 1998, na qual apontava que a comunicação popular pode ser entendida de maneiras diferentes. Para Peruzzo,

ela pode ser tomada enquanto manifestação do popular - folclórico, abarcando as manifestações culturais tradicionais e genuínas do “povo”, presentes em manifestações folclóricas tais como danças, festas, objetos etc. e também como popular – massivo, o qual pode manifestar-se em quatro dimensões: a) apropriação e incorporação das linguagens, da religiosidade, costumes e outras características da cultura do “povo”

pelos meios de comunicação de massa; b) popularesco, é o caso de determinados programas, ou até mesmo alguns veículos de comunicação serem entendidos como populares pelo fato de terem grandes audiências e aceitação, principalmente, por parte dos segmentos sociais mais pobres e com pouca instrução (programas de auditório, novelas etc.); c) utilidade pública, programas no rádio ou na televisão, ou páginas em jornais, destinados a tratar de problemáticas de interesse de comunidades, de bairros, de organizações coletivas etc., também costumam ser concebidos como populares; d)pode ser entendida como popular – alternativo, onde o popular situa-se no universo dos movimentos sociais populares (PERUZZO, 1998).

A comunicação dita “popular”, para ser mais bem entendida, demanda uma reflexão sobre o contexto e as circunstâncias que promoveram ou incitaram a inclusão das temáticas populares nos meios de comunicação de massa e/ou a utilização destes pelas massas populares.

O processo de redemocratização da sociedade brasileira, iniciado na década de 80, colocou a ação de sujeitos individuais e coletivos como

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protagonista principal da construção coletiva dos direitos de cidadania, abrindo espaço para o reconhecimento público das carências e necessidades produzidas pelas estruturas sociais dominantes e hegemônicas. Junto com o processo de abertura política ocorrida no Brasil emergiram diversos movimentos pela democratização da comunicação (CARMO, 2004:07).

Essas novas possibilidades de inserção no cenário comunicativo podem ser mais bem entendidas de acordo com Peruzzo se subdivididos em duas linhas de pensamento:

a primeira, surgida logo no início dos anos 80, que concebe a comunicação popular como libertadora, revolucionária, portadora de conteúdos críticos e reivindicativos capazes de conduzir à transformação social. A segunda, que apareceu no início dos anos 90, em função das reelaborações ocorridas no âmbito da sociedade civil, que passa a ter uma postura mais dialética e mais flexível, possibilitando o surgimento de uma pluralidade de vozes e de temáticas no espaço público da sociedade.

Evidentemente, essas características da comunicação popular são marcantes e ajudam a entendê-la, mas a questão que se apresenta é de que forma essas experiências se constituíram como reais representantes dos interesses e demandas do povo. Enquanto espaço de expressão livre e democrática, a comunicação popular possibilitou a abertura de novos canais de circulação de discursos para setores da sociedade que não tinham qualquer tipo de acesso às instâncias produtivas da mídia massiva e, portanto não discutia publicamente as suas questões. Dessa forma, a comunicação popular carrega um caráter mais democrático do que os meios massivos por transmitir informações de baixo para cima.

Na prática, porém, os meios de comunicação popular e os meios massivos são complementares, pois são fundamentais para garantir a circulação de mensagens e discursos na sociedade. É interessante apontar que a “grande mídia” contribui muito para a sociedade, ao divulgar campanhas de utilidade pública, informação e entretenimento. Além disso, há uma forte presença do popular e da cultura que perpassa

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o processo de criação, produção e veiculação de seus produtos, “o que colabora para incorporá-los no cotidiano e para que agreguem valores do povo em sua programação”

(PERUZZO, 1998:131). Ambos os modelos de comunicação tendem a considerar em seus conteúdos, formatos e linguagens, as características do universo cultural do público receptor.

Entendemos, assim, que a interação entre a comunicação popular e a comunicação massiva se dá de forma dialética, pois se estabelece como um jogo de forças em que ora julgam-se atendidos os interesses da primeira e ora a segunda se apresenta inconformada com os produtos/mensagens. Isto acontece, porque as pessoas têm valores, opiniões, atitudes e interesses que algumas vezes não conseguem ser tratados em sua totalidade pela grande mídia. Contudo, deve-se ressaltar que essa insatisfação reside também no fato de que a maior parte da sociedade não tem conhecimento da lógica de produção dos meios de comunicação que, apesar das inovações tecnológicas e das atuações num campo altamente complexo e globalizado, não conseguem atender ou noticiar todos os acontecimentos.

Em consequência disso, na tentativa de produzir programas/produtos com características ou conteúdos diferentes dos meios de comunicação de massa, os meios de comunicação popular tratados nesse tópico, apesar de se proporem a lutar por conscientização/mobilização/ transformação da sociedade, acabam por negar, em parte, suas características e as mediações do contexto. Segundo COGO (1998:48), as mediações do contexto tornam-se importantes porque é preciso pensar a comunicação popular “a partir dos critérios e valores dos grupos populares ligados a seu ambiente”, ou seja, das questões e sentidos articulados nas relações do cotidiano.

Nessa perspectiva, revela-se a pertinência dos estudos de Martin-Barbero (citado por Denise Cogo, 1998) sobre as mediações; pois, para o autor, é no cotidiano que as mediações do contexto (culturais, sociais e políticas) são construídas e reveladas e são elas que atribuem significados aos campos da recepção e produção da

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comunicação popular. Portanto, a análise da comunicação popular deve também contemplar o universo das mediações e entender que não interessa apenas representar, em seus produtos, a realidade da comunidade ou dos grupos em que se insere, mas que é preciso também possibilitar a construção efetiva e conjunta de conteúdo simbólico pela comunidade.

A maneira como se organiza o processo de produção das mensagens e o modo de utilização destas na luta dos movimentos populares permitem que se destaque o fato de que o que mais interessa é o objetivo da entidade ou das pessoas responsáveis pela experiência em detrimento das questões de interesse da coletividade. Denise Cogo (1998:45) aponta para o perigo do entendimento distorcido do fenômeno da comunicação popular que “impede que a própria comunicação alternativa e popular penetre e entenda verdadeiramente o universo dos grupos populares, deixando, por isso, de interessar e conquistar públicos mais amplos”. Neste momento é que se apresenta a necessidade de analisar e trabalhar criticamente os elementos da produção da mídia de massa que podem “agregar sentido e valor à produção dos meios populares, especialmente no que se refere ao imaginário, mobilização e penetração nas massas populares”.

Tal iniciativa dentro da comunicação popular poderia contribuir para romper a dicotomia entre emissor e receptor e também entre o massivo e o popular. Ao abordar temas locais ou específicos, os conteúdos e os personagens passam a ter relação mais direta com os receptores, que começam a se sentir parte da comunicação. Com isso, a comunicação popular ganha maior possibilidade de despertar o interesse por parte da audiência e de ampliar os níveis de participação, ao proporcionar que os indivíduos assumam o papel de emissor e, coletivamente, reelaborem valores simbólicos condizentes com o exercício da cidadania, diz PERUZZO (2003)7, enfatizando que assim a comunicação popular contribui para a democratização da sociedade e a conquista da cidadania.

7 Conferir também PERRUZO, Cicília Maria Krohling. Comunicação nos movimentos populares: a participação na construção da cidadania. Petrópolis, Vozes, 1997.

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A tentativa de reduzir a dicotomia emissor-receptor, aliada a uma proposta de democratização da sociedade e de cidadania começa a conferir nova configuração à comunicação popular, principalmente quando alguns estudos apontam que, com as mudanças políticas no país com o fim do regime militar, especialmente nos anos 90, houve um certo avanço na compreensão do papel social da mídia (PERUZZO: 1998, 2001; OLIVEIRA:2001, 2003,COGO:2003).

Para alguns autores da linha da comunicação popular, é durante o processo de redemocratização que se verifica a mudança da terminologia para comunicação comunitária, que já havia sido cunhada em 1979 por José Marques de Melo, em um artigo denominado ”Imprensa Comunitária no Brasil”, em que discute os caminhos deste tipo de mídia no Brasil. O argumento principal era de que as mídias comunitárias caracterizam-se pela atuação como “meios de comunicação autênticos de uma comunidade. Isto significa dizer: produzido pela e para a comunidade” (1979: 98).

É neste momento que aparece fortemente a preocupação com a utilização de instrumentos alternativos, como, por exemplo, sistemas de alto-falantes que passaram a funcionar como rádios comunitárias. Portanto, é nos primeiros tempos que, segundo PERUZZO (2001),

a comunicação popular valeu-se de instrumentos de comunicação mais elementares, artesanais, de pequeno porte e mais baratos, e aos poucos foi apropriando-se de meios massivos como parte do processo de apropriação de linguagens e novas tecnologias de comunicação pelos movimentos populares e comunidades.

2.2. Convergências e divergências dos modelos de comunicação

Os modelos de comunicação apresentados até aqui trazem diferenças de concepção e de estratégias, contudo possuem semelhanças quanto aos objetivos de gerar a inclusão, de estabelecer a igualdade, o diálogo, de promover a educação e a

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estimular a participação dos atores para se inserir na sociedade através da comunicação.

Entretanto, tanto a linha participativa quanto a horizontal e a dialógica apenas esclarecem algumas características específicas deste tipo de comunicação “mais participativa”, não fornecendo subsídios para analisar ou explicar toda a complexidade envolvida no processo.

Essa dificuldade de análise não nos possibilitou, assim, perceber claramente nesses modelos, como os seus processos de comunicação configuram-se como espaços através dos quais os atores sociais, podem trabalhar comunitariamente para a produção, disseminação e compartilhamento de suas problemáticas ou manifestações culturais, folclóricas, políticas, entre outros aspectos.

A análise dos modelos alternativo, dialógico e popular que aponta para uma percepção da comunicação comunitária como opositora aos meios de comunicação está presente nas correntes de estudos acima apresentadas e pontuadas essencialmente por este antagonismo, que, segundo Denise Cogo (1998:43), marcou profundamente “grande parte das práticas comunicativas e mesmo as interpretações teóricas acerca do tema”.

Porém isso estava relacionado diretamente à conjuntura sócio-política da América Latina e do Brasil, como citado anteriormente.

Peruzzo (2001:155) ressalta isso ao afirmar que “dos movimentos sociais são trazidos princípios e experiências, tais como de participação e democracia que vão ajudando a configurar as novas experiências”. Nesse caso, o que se percebe é uma evolução do conceito e das práticas comunicativas para experiências de comunicação que deixam de atuar exclusivamente a serviço de uma luta visando à nova configuração da sociedade, mas realizando experiências que se preocupam com a integração, inclusão e revitalização de laços tradicionais de solidariedade ou de comunidade.

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2.3.1.1. Comunicação Comunitária

Tal como discutido anteriormente, a prática da comunicação comunitária tal como se apresenta atualmente pode ser considerada como uma evolução das práticas comunicativas desenvolvidas a partir da década de 70.

Na década de 80, Máximo Grinberg (1987) observava que o conceito de mídia comunitária reside em seu conteúdo, ou seja, na forma com a qual aborda e classifica os temas, transmitindo um discurso político baseado no questionamento à ordem vigente e atuando como prestador de serviço ao disseminar mensagens de utilidade pública.

Nessa linha um tanto utópica e ideológica, de acordo com Peruzzo (1998) as práticas ideais de comunicação comunitária deveriam ser portadoras das seguintes características: “propriedade coletiva dos meios, autogestão, audiência ativa, valorização da cultura local, discurso alternativo em relação aos grandes meios, acessibilidade, multidirecionalidade, além de se converterem em fórum constante de reunião e debate da comunidade”.

Numa primeira definição de comunicação comunitária, poderíamos conceituá-la como a prática comunicativa desenvolvida pela comunidade. Todavia, uma concepção mais abrangente entenderia este tipo de prática como aquela que envolve a comunidade em sua prática e produção, ou seja, um processo comunicativo produzido “com e para a comunidade”, funcionando, de acordo com José Marques de Melo (1999), “como meio de comunicação autêntico de uma comunidade”. Contudo, esta premissa não é suficiente para definir uma prática comunitária, visto que ela está presente indiretamente no processo produtivo dos meios massivos na figura dos critérios de seleção das notícias (jornalismo), formato dos programas que atendem ao gosto “popular”, realização de pesquisas de audiência para definição dos rumos de uma novela ou determinado programa. Apesar do distanciamento de grande parte dos indivíduos do processo massivo de produção, os seus produtos tendem a conter traços de todos os segmentos

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da sociedade.

Isso quer dizer que as experiências de comunicação comunitária iniciam-se com a proposta de promover “uma fuga de uma ditadura simbólica”, de acordo com SUZINA (2003), possibilitando o exercício do direito à comunicação para as minorias manifestarem e discutirem suas necessidades básicas no cenário midiático contemporâneo. Busca-se a participação efetiva dos indivíduos em todas as instâncias do processo comunicativo, ou seja, uma maior participação dos sujeitos na produção e na geração de discursos. Contudo, Raquel Paiva (2003) aponta que o simples acesso à produção de mensagens não é garantia de que a iniciativa seja comunitária, visto que outros fatores são necessários para uma definição mais próxima dos parâmetros ideológicos defendidos por estudiosos que levantam a bandeira de que a comunicação comunitária seja a salvação dos setores da sociedade relegados a um “silêncio” imposto e algumas vezes consentido no cenário comunicacional contemporâneo.

Entretanto, é difícil encontrar experiências que apresentem todas as características reunidas em suas práticas, como as TV’s Comunitárias, por exemplo, que, apesar da proposta comunitária de ação, apenas possuem o “atributo da propriedade coletiva dos meios”8, geralmente um grupo de universidades públicas e privadas, e não conseguem uma multidirecionalidade de audiência ou participação da população em geral porque funciona em frequência restrita (canal a cabo).

As rádios como os canais comunitários de TV despontam como espaço plural, ou seja, aberto à participação de toda e qualquer entidade representativa da sociedade, desde que não governamental e sem fins lucrativos. Essa participação se faz necessária tanto sob o ponto de vista legal, como operacional, e vem se realizando na prática, variando é claro, o grau de intensidade participativa e de representatividade, de uma experiência para outra. (PERUZZO, 1998:159).

8 Ver Paiva, Raquel. PAIVA, Raquel. O espírito comum: Comunidade, Mídia e Globalismo. Rio de Janeiro: Mauad, 2003.

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Entrementes oferecerem uma programação alternativa aos meios de comunicação de massa com um conteúdo mais educativo, crítico e reflexivo, o que não impossibilita o seu enquadramento dentro da linha da comunicação comunitária.

Nesse caso, Paiva (2003:137) aponta que o que diferencia a comunicação comunitária da convencional seria a vinculação da comunidade com os produtos do processo: “quanto mais estreita for a relação entre o veículo e os propósitos e objetivos duma comunidade, mais seus membros vão estar envolvidos em sua produção, e proporcionalmente maiores serão sua representatividade e reconhecimento como processo comunitário”. A Rádio Favela FM de Belo Horizonte constitui-se num exemplo emblemático em que houve uma vinculação da comunidade com a produção da rádio e sua proposta de atuar como sua porta-voz e representar a comunidade no espaço midiático da cidade9. Esta articulação está presente em todas as tentativas de compreensão do processo comunicativo comunitário.

John Downing (2003) também considera o conteúdo crítico de oposição ao da mídia convencional como um dos critérios para definir uma mídia radical ou comunitária – explicada pelo pesquisador como a “mídia em geral de pequena escala e sob muitas formas diferentes e que expressa uma visão alternativa às políticas, prioridades e perspectivas hegemônicas”. Entretanto, o pesquisador aponta claramente que “apesar da mídia convencional em grande parte oferecer um discurso e conteúdo formatado ou homogêneo, ela também oferece programas e produtos que questionam e criticam a ordem social vigente (Soares, 2001)”, como, por exemplo, as reportagens do programa Fantástico da Rede Globo, especialmente as que retratam a realidade do tráfico de drogas nas favelas, escândalos políticos, entre outros”.

9 A Rádio Favela foi criada por moradores do aglomerado da Serra, conjunto de favelas de Belo Horizonte onde residem cerca de 80 mil pessoas. Em mais de 20 anos de existência, a rádio foi fechada várias vezes pela polícia mas sempre esteve no ar, conquistando o apoio da gente do morro e a simpatia de outros setores da sociedade.

Em fevereiro de 99, a Rádio Favela foi tema de capa do Wall Street Journal, com extenso artigo sobre o trabalho educativo realizado pela emissora. Em 98, foi a única rádio brasileira convidada para o Congresso Mundial de Rádios Comunitárias, realizado em Milão, Itália. Por duas vezes recebeu o Prêmio Dia Mundial Sem Drogas da ONU por seu

trabalho de prevenção ao tráfico.

106,7 FM de Belo Horizonte. Esta é a freqüência oficial da Rádio Favela que, em fevereiro de 2000, foi autorizada pelo Ministério das Comunicações a operar como emissora educativa. ( Fonte: http://www2.uol.com.br/umaondanoar/filme/apresentacao_02.html) Ver também o filme “Uma onda no ar” – Helvécio Ratton

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Mas, neste caso, o que deve aparecer no horizonte da prática comunitária de comunicação é sua vinculação direta com a realidade da comunidade em suas várias instâncias. Ainda que devamos enfatizar o fato de que também esta prática sobre a interferência de outros valores culturais, políticos, sociais, educacionais ou econômicos, principalmente se o pensamos sob a ótica da globalização.

O certo é que a comunicação mediática cria, nesses contextos, uma tensão entre o local e o global permitindo, por um lado, o reforço de mecanismos e valores de sociedades tradicionais e, por outro lado, de questionamentos acerca de comportamentos ou pressões grupais derivadas desses mesmos mecanismos e valores” (OLIVEIRA, 2001).

Entretanto, a sua inserção na lógica capitalista global, serve em alguns momentos para reforçar a relevância da comunicação comunitária no processo de revalorização das identidades e valores das sociedades. Isto porque, as práticas comunicativas comunitárias são construídas “numa ação coletiva”, de acordo com a perspectiva de Alain Bourdin (2001) em que a comunidade inteira contribui para a elaboração do discurso e dos produtos simbólicos.

Por outro lado, alguns pesquisadores como Alcina Maria Cardoso10 (2001) apontam que a comunicação comunitária é configurada por sua pluralidade. Nesse sentido, enquanto porta-vozes de comunidades dinâmicas e complexas devem contemplar as manifestações culturais de todos os segmentos que compõem essas comunidades, garantem a multidirecionalidade das mensagens. De acordo com Carmo,

“a questão da pluralidade da mídia está diretamente relacionada com a liberdade de expressar opiniões e pensamentos em público, fator essencial para o bom andamento e a manutenção de uma sociedade democrática” (CARMO, 2004:13). A pluralidade de

10Ver aprofundamento da discussão em “As rádios comunitárias e as Cidadania - democratizando a palavra para democratizar a sociedade". Vozes e Diálogo-Revista do Laboratório de Mídia e Conhecimento CECHCOM/Unival, São Paulo, ano 05, agosto 2001, pp.07-12.

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