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Princípio da função social da propriedade nas constituições brasileiras

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Princípio da função social da propriedade nas constituições brasileiras

Maria Therezinha RODRIGUES1 Michele Cristina Montenegro Schio CECCATTO2

Resumo: Este artigo tem como objetivo conceituar propriedade em diversos momentos da nossa história, bem como trazer à luz a sua função social, mostrando que, na sua evolução histórica, a propriedade deixou no passado seu caráter individualista e passou a enfatizar interesses da coletividade, trazendo à tona algumas contribuições doutrinárias e filosóficas, tanto a respeito da propriedade como de sua função social, por conseguinte, busca-se compreender o sentido de propriedade entre os teóricos e legisladores ao longo dos séculos, entendendo brevemente o sentido e alcance da Constituição de 1988, analisando a propriedade, sua função social e finalidade nos diversos artigos da Constituição Federal de 1988.

Palavras-chave: Propriedade. Função Social. Constituição Federal de 1988.

1 Maria Therezinha Rodrigues. Especialista em Psicopedagogia pela Faculdade de Educação São Luís. Especialista em Ensino Superior pela Uniararas-Fundação H. Ometto. Licenciada em História pelas Faculdades Associadas do Ipiranga (FAI). Licenciada em Pedagogia pela Faculdade de Pinhais (Fapi). Bacharelanda de Direito pelo Claretiano – Centro Universitário.

E-mail: <thereza.historia@gmail.com>.

2 Michele Cristina Montenegro Schio Ceccatto. Mestra em Direito Civil pela Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep). Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de São Carlos (Fadisc).

Professora do Curso de Direito do Claretiano – Centro Universitário e tutora nos cursos de pós- graduação da mesma instituição. E-mail: <michele-montenegro@uol.com.br>.

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Principle of the social function of property in Brazilian constitutions

Maria Therezinha RODRIGUES Michele Cristina Montenegro Schio CECCATTO

Abstract: This article is relevant because it aims to conceptualize property at various moments in our history, as well as to bring to light its social function. To show that, in its historical evolution, property has in the past left its individualistic character and begins to emphasize collective interests, to bring forth some doctrinal and philosophical contributions regarding property and its social function. Understand the sense of ownership between theorists and legislators over the centuries. To understand briefly the meaning of the 1988 Constitution.

To analyze property, its social function and purpose in the various articles of our Federal Constitution of 1988.

Keywords: Property. Social Function. Federal Constitution of 1988.

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1. INTRODUÇÃO

A propriedade apesar de se “projetar como um dos fatos mais relevantes, pois permite a satisfação de necessidades primárias e complementares do ser humano, favorece o desenvolvimento da cultura e do progresso, além de apresentar profundas implicações com a questão social” (NADER, 2016, p. 91), nem sempre possuiu essa forma de organização, vez que, alguns povos sequer conhe- ceram a propriedade com as características que lhe são peculiares.

Conforme dispõe Miguel Reale (apud DINIZ, 2008, p. 108)

“[...] a propriedade é como Janus bifronte: tem uma face voltada para o indivíduo e outra para a sociedade. Sua função é individual e social”.

Quanto a função social da propriedade, será abordada a Cons- tituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) especificamente em seu artigo 5º, tratando dos direitos e garantias individuais, resguardan- do às diferenças de cada período histórico e suas circunstâncias.

Desse modo, surge uma nova concepção de sociedade, que impõe a prevalência de valores coletivos sobre os individuais, res- peita os direitos fundamentais da pessoa humana e deixa no passa- do um código civil individualista.

2. PROCESSO HISTÓRICO

Conforme mencionado na introdução desse trabalho, alguns povos não tiveram acesso a propriedade com as características que lhes são peculiares na atualidade, exemplo disso, abstraímos da ci- tação do autor (NADER, 2016 p. 91), vejamos:

Enquanto os tártaros a admitiam em relação ao rebanho, não quanto ao solo, entre os antigos germanos simples- mente inexistia. As tribos distribuíam as terras, para o seu cultivo, sem que se estabelecesse vínculo de domínio e, anualmente, os membros trocavam de terras. A proprieda- de limitava-se aos frutos das colheitas.

No Império Romano, preponderava o direito absoluto. Para Aristóteles, a propriedade ia além dos interesses privados dos pro-

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prietários, tendo em vista o interesse comum. Com a elaboração do conjunto de leis denominado Lei das Doze Tábuas, o objetivo era a diminuição das injustiças. Na Idade Média, a concentração do poder ficava nas mãos de poucos, mas com fortes laços políticos e econômicos. A Igreja católica, com base nos ensinamentos de Santo Agostinho, reafirmava o pensamento da função social da proprie- dade.

No Brasil, desde as primeiras constituições, havia preocupa- ção em proteger a propriedade. Apenas a partir de 1946, o texto constitucional introduziu a desapropriação por interesse social. Tar- tuce (2014) definiu propriedade como sendo um bem determinado, mas que deve atender a sua função social.

O conceito de propriedade não foi elaborado durante o Impé- rio Romano, mas era considerado um direito absoluto, sem conti- nuidade, sem fronteiras, facultando ao seu titular o poder de usar, gozar e dispor da coisa, como esclarece Gonçalves (2014, p. 229):

[...] o direito de propriedade é aquele que uma pessoa sin- gular ou coletiva efetivamente exerce numa coisa deter- minada em regra perpetuamente, de modo normalmente absoluto, sempre exclusivo, e que todas as outras pessoas são obrigadas a respeitar.

Poder esse que detinham os cidadãos romanos livres, sui iu- ris, o pater famílias, possibilitando a unidade patrimonial, mas que, com os passar do tempo, foi se alterando em diversos momentos da história.

A propriedade era constituída pelas seguintes características:

usus, poder de utilizar-se da coisa; fructus, o poder de perceber fru- tos ou produtos do bem; e abusus, o poder de consumir ou alienar a coisa.

De acordo com Diniz (2008 p. 105):

[...] na era romana preponderava um sentido individualista de propriedade, apesar de ter havido duas formas de pro- priedade coletiva: a gens e a da família. Nos primórdios da cultura romana propriedade era da cidade ou gens, pos- suindo cada indivíduo uma restrita porção de terra (1/2 hectare).

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Por volta do ano 460 a.C., foi elaborado um conjunto de leis denominado Lei das Doze Tábuas, com o objetivo de diminuir as injustiças cometidas pelos juízes romanos, pois as leis eram fre- quentemente manipuladas a favor dos patrícios. O declínio do Im- pério Romano do Ocidente se deu em meados do século IV d.C. por razões advindas desde o século III, invasões bárbaras, crise econô- mica, entre outras. Do ponto de vista econômico, favoreceu tal der- rocada o colapso do sistema escravista, substituído pelo sistema de colonato, em que grandes proprietários de terra contratavam pesso- as em condições precárias de subsistência e, em troca, oferecia-lhes terra para trabalho e proteção.

A Idade Média chegou concentrando terras nas mãos de pou- cos, mas com fortes laços políticos e econômicos para a sustentação do poder. Dessa forma, Diniz (2008, p. 106) afirma:

Na Idade Média, a propriedade sobre as terras teve papel preponderante, prevalecendo o brocardo nulle terre sans seigneur.3 Inicialmente, os feudos foram dados como usu- fruto condicional a certos beneficiários que se comprome- tiam a prestar serviços, inclusive militares. Com o tempo, a propriedade sobre tais feudos passou a ser perpétua e transmissível apenas pela linha masculina.

Com a decadência do Império Romano, o Cristianismo as- cendeu e a Igreja católica se destacou. Além de grande proprietária de terras, defensora dos fracos e oprimidos, difundiu seus pensa- mentos, por meio de suas escolas e contando com a contribuição e influência de filósofos como Tomás de Aquino e Santo Agostinho.

O período medieval e o feudalismo trouxeram consigo um conceito individualista de propriedade privada que se encerrou com o advento da Revolução Francesa, e foi consolidado a partir da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789. As grandes transformações tecnológicas que ocorreram no final século XVIII no sistema produtivo europeu foram atribuídas à aplicação dos avanços científicos, com novas invenções, a fatores naturais, à disponibilidade de matérias-primas para indústria e ao excesso de mão de obra disponível nas cidades. A industrialização gerou uma grande massa de trabalhadores assalariados, que pouco recebia pelo

3 Tradução: “nenhuma terra sem senhor”.

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muito que trabalhava, além da exploração do trabalho infantil, o inchaço nos grandes centros urbanos e a pobreza no campo.

Diante desse cenário, a Igreja católica, teóricos e pensadores da época se posicionaram. Com base nos ensinamentos de Santo Agostinho, a Igreja católica reafirmou o pensamento da função social da propriedade. Em sua obra Confissões (AGOSTINHO, 2002), há várias passagens a respeito da propriedade privada e sua função produtiva. Nela, ele mantém uma conversa com Deus, como se vê em: “[...] abençoas os homens, Senhor, para que eles cresçam se multipliquem e encham a terra” (AGOSTINHO, 2002, p. 337).

Para o filósofo, a terra deve pertencer a todos e estar voltada ao atendimento das necessidades humanas. Mesmo não usando a ex- pressão função social da propriedade, mostra preocupação com a terra e o seu caráter produtivo.

Aristóteles, em sua obra Política, refere-se à propriedade pri- vada como o que vai além dos interesses privados dos proprietá- rios e prevê também a utilização da propriedade privada tendo em vista o interesse comum. Assim, ela reúne características da pro- priedade privada e da comum, ou seja, o domínio é privado, mas o uso que dela se faz deve dar-se como se fosse comum. Portanto, a propriedade privada, para Aristóteles, tem uma destinação comum e deve se ajustar aos interesses da comunidade. É traço marcante da concepção de Justiça de Aristóteles a noção de meio-termo, ou seja, o justo é considerado como meio-termo entre o público e o privado. Trata também de questões importantes para a Ciência Jurí- dica, como a propriedade privada vinculada a um destino social: “A propriedade é uma parte do governo doméstico, e a arte de adquirir bens é uma parte da economia, pois nenhum homem pode viver bem, ou mesmo simplesmente viver, sem estar provido do necessá- rio” (ARISTÓTELES, 2007, p. 58).

Rousseau, filósofo iluminista, viveu entre 1712 a 1778, inspi- rou e influenciou movimentos sociais, políticos e econômicos que culminaram na Revolução Francesa, período em que a burguesia conquistou liberdade econômica e alcançou liberdade e igualdade política. Tinha uma visão negativa sobre a origem da propriedade

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privada. Segundo ele, a expressão, “isto é, meu”, trouxe ao mundo social a sua deterioração.

O primeiro que, tendo cercado um terreno, se lembrou de dizer “Isto é meu” e encontrou pessoas bastante simples para acreditá-lo foi o verdadeiro fundador da sociedade ci- vil. Quantos crimes, guerras, assassinatos, misérias e hor- rores não teriam sido poupados ao gênero humano àque- le que, arrancando as estacas ou tapando o fosso, tivesse gritado a seus semelhantes: “Não escutem esse impostor!

Vocês estarão perdidos se esquecerem de que os frutos são de todos e que a terra não é de ninguém!” (ROSSEAU, [s.d.], p. 57).

Em sua obra, Rousseau estabeleceu um pacto social que in- fluenciou a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1789, na qual se encontra a ideia de liberdade e igualdade como direitos naturais que o homem gozava no estado de natureza.

Não basta ter o direito de propriedade, há necessidade de fa- zer valer sua função social, como entende Locke, em sua obra Se- gundo tratado sobre o governo civil:

Antes da apropriação da terra, aquele que colhia todos os frutos silvestres, que matava, caçava ou domesticava todos os animais selvagens que podia; aquele que aplicava sua atividade aos produtos espontâneos da natureza e modi- ficava de uma maneira qualquer o estado em que ela os havia criado, colocando neles o seu trabalho, adquiria as- sim a propriedade sobre eles. Mas se esses bens viessem a perecer em sua propriedade sem o devido uso; se os frutos apodrecessem ou a caça ficasse putrefata antes de poder ser consumida, ele infringia a lei comum da natureza e era passível de punição: ele estaria invadindo a terra de seu vizinho, pois seu direito cessava com a necessidade de utilizar estes bens e a possibilidade de deles retirar os bens para sua vida (LOCKE, [s.d.], p. 45).

A partir de 1530, a coroa portuguesa coloca em prática o acordo assinado em 1494 entre Portugal e Espanha, denominado Tratado de Tordesilhas, como descreve Fausto (2009, p. 42):

[...] A posse da nova terra foi contestada por Portugal, daí resultando uma série de negociações que desembocaram no Tratado de Tordesilhas (1494), nome de uma cidade es-

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panhola onde se deu sua assinatura. O mundo foi dividido em dois hemisférios, separado por uma linha que imagi- nariamente passava a 370 léguas a oeste das Ilhas de Cabo Verde. As terras descobertas a oeste pertenceriam à Espa- nha; as que se situassem a leste caberiam a Portugal.

O objetivo era de garantir a posse do território brasileiro, pro- mover a ocupação definitiva das terras sem apresentar custos para os cofres portugueses, e defender o território principalmente dos in- vasores franceses, já que “[...] a França não reconhecia os tratados de partilha do mundo, sustentando a princípio de que era possuidor de uma área quem efetivamente a ocupasse” (FAUSTO, 2009, p.

43).

Após as expedições de Cabral em terras brasileiras em 1500, Portugal não tinha como manter sua colônia, que fora resultado de um acordo assinado em 1494, o Tratado de Tordesilhas, que esta- belecia a divisão do território brasileiro em faixas de terras (capita- nias), localizadas do litoral até os limites do tratado:

[...] Dom João III decidiu-se pela criação das capitanias he- reditárias. O Brasil foi dividido em quinze quinhões, por uma série de linhas paralelas ao equador que iam do litoral ao meridiano de Tordesilhas, sendo os quinhões entregues aos chamados capitães-donatários (FAUSTO, 2009, p. 44).

Os donatários escolhidos eram pertencentes a uma baixa no- breza portuguesa, comerciantes e com ligações em comum com a Coroa. Como não era o dono das terras, apenas representaria a autoridade máxima e deveria desenvolver com recursos próprios a capitania recebida, com todas as responsabilidades econômicas, para controle, proteção e desenvolvimento:

Os donatários receberam uma doação da Coroa, pela qual se tornavam possuidores, mas não proprietários da ter- ra. Isso significava, entre outras coisas, que não podiam vender ou dividir a capitania, cabendo ao rei o direito de modificá-la ou mesmo extingui-la. A posse dava aos dona- tários extensos poderes tanto na esfera econômica (arreca- dação de tributos) como na esfera administrativa (FAUS- TO, 2009, p. 44).

Essa transferência da autoridade portuguesa para o donatário era feita através de dois documentos: carta de doação, a partir da

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qual o donatário poderia transmitir seus lotes de terras aos seus filhos, mas não as poderia vender; e o foral, legislação que regula- mentava a administração das terras conquistadas.

No Brasil, os primeiros registros de terras ocorreram por volta de 1534 por ocasião do estabelecimento das capitanias hereditárias, com doações de sesmarias. Tais registros revelam que foram os pri- meiros a se estabelecer em terras brasileiras. Os registros públicos eram realizados junto às igrejas locais como forma de legitimar as sesmarias e as posses, e desenvolver assim os registros ou as escri- turas de propriedades. Essas escriturações das terras nos mostram o processo de aproveitamento e doações de terras.

Medindo aproximadamente 6.500 m2, as sesmarias eram uma subdivisão das capitanias hereditárias para melhor aproveitamento das terras. As sesmarias têm origem portuguesa, e em Portugal o regime das sesmarias era chamado de como Communalia, costume pelo qual as terras eram divididas de acordo com o número de habi- tantes do município e sorteadas entre a comunidade a fim de serem cultivadas. O sistema de capitanias e sesmarias tinha como objetivo incentivar a ocupação das terras e estimular a vinda de colonos ao Brasil.

A atribuição de doar sesmarias é importante, pois deu origem à formação de vastos latifúndios. A sesmaria foi conceituada no Brasil como uma extensão de terra virgem cuja propriedade era doada a um sesmeiro, com a obriga- ção – raramente cumprida – de cultivá-la no prazo de cinco anos e de pagar o tributo devido à Coroa (FAUSTO, 2009, p. 44-45).

As constituições anteriores à de 1988 nem sempre deixaram claro o princípio da função social da propriedade. Diniz (2008) vin- cula o direito de propriedade não só com a produtividade, mas tam- bém com a justiça social:

A função social da propriedade é imprescindível para que se tenha um mínimo de condições para a convivência social. A CF, no art. 5º, XXII, garante o direito de pro- priedade, mas requer, como vimos, que ele seja exercido atendendo a sua função social. Com isso, a função social da propriedade a vincula não só à produtividade do bem, como também aos reclamos da justiça social, visto que

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deve ser exercida em prol da coletividade. Fácil é perceber que os bens, que constituem objeto do direito de proprie- dade, devem ter uma utilização voltada à sua destinação socioeconômica. O princípio da função social da proprie- dade está atrelado, portanto, ao exercício e não ao direito de propriedade (DINIZ, 2008, p. 107).

As Constituições de 1824 (BRASIL, 1824), art. 179, e de 1891 (BRASIL, 1981), art. 72, garantiam o direito de proprieda- de, com exceção na hipótese de desapropriação por necessidade ou utilidades para fins sociais. Vale destacar a importância do artigo 179 da CF/1824 (BRASIL, 1824), já que representa o teor liberal característico da Constituição de 1824.

Em 1937, foi outorgada a primeira Constituição republicana autoritária que atendia aos interesses de grupos políticos e não aos interesses sociais ou à função social da propriedade.

Ao findar a Segunda Guerra Mundial, em agosto de 1945, tivemos a deposição do então presidente Getúlio Vargas (em outu- bro) e novas eleições constituintes foram realizadas em dezembro do mesmo ano. Ao ficar pronta, a Constituição de 1946 instaurou uma democracia liberal e reproduziu, em vários aspectos, disposi- ções das constituições anteriores, mas em seu art. 141, parágrafo 16, introduziu a desapropriação por interesse social, inspirada no conceito de propriedade como função social (BRASIL, 1946).

Em seguida, no art. 147, a Constituição condicionou a pro- priedade ao bem-estar social para fazer valer o reconhecimento do princípio da função social da propriedade, ficando assim, a partir de então, autorizada a intervenção do Estado no bem privado para beneficiar toda a sociedade, condicionando o direito de propriedade a um fim social (BRASIL, 1946).

Durante a década de 1950, agricultores brasileiros começa- ram a se organizar por meio de sindicatos rurais, influenciados por movimentos que reivindicavam a reforma agrária na América Lati- na, pela ala progressista da Igreja Católica e pelo Partido Comunis- ta Brasileiro. Essa movimentação ganhou grandes proporções nos primeiros anos da década de 1960.

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A Constituição de 1969, no art. 153, parágrafo 22, reprodu- ziu quase literalmente a Constituição de 1946, com referência à garantia do direito de propriedade. O seu art. 160 conduziu a uma evolução no que tange ao reconhecimento da função social da pro- priedade. Pressupõe ainda a desapropriação da propriedade territo- rial rural, mediante intervenção no domínio econômico (BRASIL, 1969).

A Constituição Federal de 1988 traz no seu artigo 5º os di- reitos e garantias individuais, resguardadas as diferenças de cada período histórico e suas circunstâncias. No art. 156, I, parágrafo 1º, o texto constitucional traz outra situação em que, a princípio, a fun- ção social da propriedade incumbe aos municípios a competência de instituir impostos (BRASIL, 1988).

Pelo texto constitucional de 1988, a função social ocorre quando a propriedade rural atende às exigências tais como estabe- lece a lei através do art. 186. Consagrou-se o direito de propriedade condicionado ao exercício de sua função social, especialmente pe- las previsões do Art. 5°, XXII, XXIII:

A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exi- gência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:

I - Aproveitamento racional e adequado;

II - Utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;

III - observância das disposições que regulam as relações de trabalho;

IV - Exploração que favoreça o bem-estar dos proprietá- rios e dos trabalhadores (BRASIL, 1988, [n.p.]).

O art. 170, incisos II, III e VI, trata da ordem econômica ele- gendo seus princípios e destaca a propriedade privada, a função social da propriedade e, de forma inédita, a defesa do meio am- biente como princípios da ordem econômica. O art.170, inciso III (BRASIL, 1988), assegura a função social, no âmbito dos direitos e garantias fundamentais do cidadão, não como direito absoluto, mas sim limitado à sua função social, não satisfazendo apenas o titular de direito, e sim condicionada à destinação social da propriedade.

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À União compete a desapropriação por interesses sociais, para fins de reforma agrária, a propriedade rural que não estiver cumprindo com sua função social, mediante prévia e justa indeni- zação da dívida agrária (BRASIL, 1988).

No que se refere à política urbana, o art. 182 da CF/88 (BRA- SIL, 1988) traz dispositivos constitucionais para ordenar a expan- são urbana, com normas e diretrizes que visam o desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana, bem como a garantia do bem-estar de seus habitantes.

A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Po- der Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes (BRASIL, 1988, [n.p.]).

Para tal desenvolvimento, o mesmo artigo 182, traz no §1º importante instrumento denominado como plano diretor: “O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da polí- tica de desenvolvimento e de expansão urbana” (BRASIL, 1988, [n.p.]).

A propriedade urbana cumpre sua função quando as exigên- cias fundamentais de ordenação da cidade são atendidas por meio do plano diretor, submetendo-se ao ordenamento federal pelo Esta- tuto da Cidade – Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001 (BRASIL, 2001).

À União compete a desapropriação por interesses sociais, para fins de reforma agrária, a propriedade rural que não estiver cumprindo com sua função social, mediante prévia e justa indeni- zação da dívida agrária (BRASIL, 1988).

Nos artigos 185 e 186, temos o direito da propriedade agrega- do ao dever jurídico de agir em prol do interesse coletivo (BRASIL, 1988). Assim, o direito subjetivo do proprietário privado fica sub- metido ao interesse da coletividade.

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3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A ideia de função social ultrapassou o tempo, superou con- cepções e converteu-se em poder-dever com destino a transcender o interesse do proprietário, satisfazendo as necessidades da coleti- vidade. Assim, o conceito de direito de propriedade deixou de se condicionar à individualidade do proprietário, passando a atender a comunidade.

Diante do princípio da função social e suas regras, ditados pelo art. 5º/CF (BRASIL, 1988), no sistema jurídico moderno, sal- vo as formas definidas como propriedade-direito fundamental, a função social deverá ser cumprida, caso contrário caberão medidas através do Poder Público para concretizar os princípios fundamen- tais e assegurar a legitimidade dos direitos assegurados na Consti- tuição.

É incontestável a importância da propriedade privada, princi- palmente para a afirmação da liberdade individual, e sua democra- tização torna-se um instrumento da dignidade da pessoa humana.

REFERÊNCIAS

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