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Mídia, deficiência e inclusão: o caso do Programa Radiofônico Todos os Sentidos

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Academic year: 2018

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IARA GOMES DE MOURA

Mídia, deficiência e inclusão: o caso do programa radiofônico

Todos os Sentidos

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IARA GOMES DE MOURA

Mídia, deficiência e inclusão: o caso do programa radiofônico

Todos os Sentidos

Monografia apresentada ao curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará como requisito para a obtenção do grau de Bacharel em Comunicação Social, habilitação em Jornalismo, sob a orientação da Professora Mestre Andrea Pinheiro.

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3 IARA GOMES DE MOURA

Mídia, deficiência e inclusão: o caso do programa radiofônico Todos os Sentidos

Esta monografia foi submetida ao Curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará como requisito parcial para a obtenção do titulo de Bacharel. A citação de qualquer trecho desta monografia é permitida desde que feita de acordo com as normas da ética cientifica.

Monografia apresentada à Banca Examinadora:

_________________________________________ Profa. Ms. Andrea Pinheiro (Orientadora)

Universidade Federal do Ceará

_________________________________________ Profa. Dra. Inês Silva Vitorino (Membro)

Universidade Federal do Ceará

_________________________________________ Prof. Ms. Raimundo Nonato Lima (Membro)

Universidade Federal do Ceará

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DEDICATÓRIA

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AGRADECIMENTOS

Sou grata à vida pelos encontros que me proporcionou. Tudo o que sou é fruto do caminhar partilhado com outros tantos.

Agradeço à minha mãe, Sônia Gomes, meu primeiro e decisivo encontro. Pelo amor incondicional e convivência tão bela que construímos. Mais que isso, por ser meu alicerce, minha amiga, com licença ao clichê, o sol das minhas manhãs. Lembro das primeiras letras desenhadas à noite quando chegava do dia estafante de trabalho.

Ao meu pai, Epitácio Macário, leitor inaugural destas linhas. Entusiasta das minhas pretensões acadêmicas, profissionais, literárias, e todas as outras. Suspeito por completo da sua avaliação tão orgulhosa de tudo o que faço. Talvez assim o seja por uma vaidade escondida de se saber parte de tudo isso. Pelas tantas conversas, confidências e risos que compartilhamos. Pela presença forte nos momentos decisivos. Pelos pitacos de economia política neste trabalho.

Ao Ronivaldo Maia, que também faz parte da minha vida de maneira decisiva. Como a rotina muitas vezes nos rouba os momentos de afeto, documento aqui meu amor e, sobretudo, minha admiração. Pelo homem vermelho que és. Incansável entusiasta de um mundo novo.

À Socorro Maciel, pelo carinho, paciência, atenção e, claro, pelas leituras emprestadas para este trabalho.

Aos meus irmãos, Ianni e Victor, por encherem minha vida de graça e doçura.

Aos meus avós, tios, tias e primos. A família sertaneja e indígena espalhada pelo mundo estas páginas não podem abarcar, mas fica registrado meu afeto.

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6 ensaiado como “vai dar tudo certo”, mas sempre oferecer ajuda pra continuar. Agradeço à vida pelo nosso encontro e pelo teu riso diário que me ilumina.

Agradeço imensamente ao mestre-poeta Henrique Beltrão, que me acolheu no “Todos os Sentidos” e dividiu cotidianamente as alegrias de minhas descobertas distraídas. Em nome dele, grande amigo, agradeço a todos que fazem a Rádio Universitária FM ganhar os ares.

À Lorena Alves, a Lóris, por ter sempre uma boa piada pra contar. Por dividir comigo as angústias e sonhos da vocação que levamos. Pelas tantas horas à toa na UFC, pelas lições de vida nunca levadas a sério, mas sempre marcantes, pelos bons momentos que ainda compartilhamos. À Cleisyane Quintino, por sua doçura agridoce e seus planos malucos. Pela auto-descoberta que forjamos juntas pelos caminhos da vida. Somos um trio completo.

Às amigas sempre presentes, Aby e Aline, agradeço pelo companheirismo que me fortalece.

À Joana Vidal, a quem prometo diariamente dar umas aulas de bom comportamento. Pela amizade sincera que construímos e por ser mais gasguita do que eu.

Ao “pessoal do D.A.T.A.”: Roger, Tássia, Dora, João, Geimison, Darwin, Pezeta e Gabriel, agradeço pela descoberta conjunta de que não levamos muito jeito pra essa “tal política” e, principalmente, por não nos conformamos e seguirmos tentando, cada um ao seu modo, construir um mundo novo. Tenho saudades das noites de quarta-feira e manhãs de sábado que passamos juntos trilhando um caminho de “Múltiplas Vozes”. Em nome deles, agradeço a todos com quem compartilhei mesas de bares, ônibus, alojamentos, reuniões... Grata pelas tantas histórias pra contar para os netos.

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Epígrafe

“Quando é verdadeira, quando nasce da necessidade de dizer, a voz humana não encontra quem a detenha. Se lhe negam a boca, ela fala pelas mãos, ou pelos olhos, ou pelos poros, ou por onde for. Porque todos, todos, temos algo a dizer aos outros, alguma coisa, alguma palavra que merece ser celebrada ou perdoada pelos demais”. (Eduardo Galeano)

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RESUMO

A presente pesquisa busca compreender como o processo de exclusão/inclusão das pessoas com deficiência se reproduz nos meios de comunicação de massa. Compreendemos que a mídia tem papel central na mediação e construção dos repertórios culturais e identitários na contemporaneidade e, partindo desse pressuposto, encaramos a esfera midiática como o “lugar” por excelência do florescimento das tensões que determinam a inclusão / exclusão das Pessoas com deficiência no seio social. Neste trabalho, partimos da análise do programa de rádio Todos os Sentidos, veiculado semanalmente pela Rádio Universitária FM 107,9, para empreender uma discussão teórica acerca da relação da mídia e as Pessoas com Deficiência. Utilizamos a discussão Habermasiana sobre o conceito de esfera pública e a ela acrescentamos as atualizações propostas por Iris Marion Young e Nancy Fraser para estabelecermos a relação existente entre Comunicação e Democracia e nesse espaço de debate localizamos o nosso objeto. Apresentamos o programa “Todos os Sentidos” em seu aspecto mais geral, trazendo à tona os elementos que o compõem: música, entrevista, notícias e divulgações. Junto a isso, buscamos discutir o papel do rádio como meio de comunicação capaz de promover a inclusão e a educação.

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9 SUMÁRIO

1. Resumo... 8

2. Introdução...10

3. Dos encontros com o diferente...15

3.1. Em busca de uma genealogia da alteridade...16

3.2. Inclusão e exclusão: conceitos difusos...25

4. Nada sobre nós sem nós: a centralidade da mídia no processo de inclusão das pessoas com deficiência...31

4.1. Dos cafés às páginas de jornal: a emergência de uma esfera pública mediatizada...36

4.2. Condições de visibilidade e desigualdade deliberativa: limites para o estabelecimento de esferas públicas plurais nos mass media ......41

4.3. Esfera pública comunicativa e para além do reconhecimento: as análises de Iris Marion Young e Nancy Fraser...44

4.4. Afinal, o papel da mídia...49

5. Todos os Sentidos, no ar para dar voz às Pessoas com Deficiência...52

5.1. Diversas vozes no rádio: formar, informar, inconformar...54

5.2. Todos os Sentidos: espaço de formação e participação cidadã...61

5.3. “Com o coração em serena festa, de corp’alma cheios de gratidão”: está no ar o Todos os Sentidos...66

5.3.1. “Todos os Sentidos divulga” e “Notícias em Todos os Sentidos”...69

5.3.2. Com a palavra, as pessoas com deficiência...74

6. Considerações finais...79

7. Referências bibliográficas...81

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Introdução

Todo percurso de pesquisa nasce de uma inquietação. Com este trabalho não foi diferente. As reflexões aqui reunidas já vinham sendo semeadas há algum tempo, desde que passamos a compor a equipe de produção do programa “Todos os Sentidos”. Costumamos dizer que nosso aprendizado neste período girou em torno de dois eixos fundamentais: a convivência com as Pessoas com Deficiência e a descoberta da importância do rádio como veículo de comunicação de massa.

Os encontros semanais com as Pessoas com Deficiência trouxeram à tona sujeitos e histórias de vida até então invisíveis para nós. Preparar o estúdio da rádio para receber uma pessoa com mobilidade reduzida ou escrever os roteiros com as perguntas destinadas a um entrevistado com síndrome de Down, surdo, com paralisia cerebral ou autista... Cada programa trazia um desafio diferente. Aos poucos, fomos aprendendo a respeitar os limites sem negligenciar as potencialidades e descobrindo, a cada encontro, formas diferentes de viver.

Por outro lado, destacamos a descoberta do veículo rádio. Assim como as pessoas com deficiência, observamos uma tendência, que sai das ruas e reverbera na academia, de “invisibilizar” o rádio. Tamanho foi o nosso susto a cada ligação do ouvinte: as ondas do rádio seguem irradiando com uma força surpreendente. O rádio informa, educa, apaixona...

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11 A perspectiva é ampla e não cabe, é claro, num trabalho monográfico. Estas inquietações nos servem no momento para ilustrar o caminho percorrido até a delimitação do objeto desta pesquisa e ainda para pontuar os prováveis caminhos decorrentes dela. Este trabalho monográfico é uma tentativa de delimitar um corpus mais específico no campo de pesquisa crescente que envolve a mídia e as pessoas com deficiência no Brasil.

Deteremo-nos na análise do programa de rádio “Todos os Sentidos”, veiculado pela Rádio Universitária FM com sede em Fortaleza, Ceará. A escolha do objeto responde a um desejo oriundo do trabalho diário como produtora do programa. Durante dois anos (quase metade do período do curso), atuamos como bolsista de extensão na Rádio Universitária FM estando vinculados mais especificamente ao programa em questão. Da nossa experiência enquanto produtora do programa colhemos as inquietações que deram fôlego ao trabalho, por isso, não achamos lógico abandonar nossas impressões pessoais colhidas desta época em nome de uma objetividade científica um tanto artificial.

Ao invés de encararmos esta relação com o objeto como prejudicial ao exercício científico, destacamos que a vivência cotidiana com o programa nos concedeu um olhar privilegiado, próximo, participativo que nos permitiu levantar hipóteses aqui demonstradas e relacionar conceitos reunidos neste trabalho sem necessariamente perder o rigor científico. Haguete nos diz:

Neste sentido, o aspecto mais chocante aos olhos do pesquisador tradicional, a interferência deliberada do sujeito junto ao objeto da pesquisa - a quebra de objetividade

– se justifica, porque não é a captação do real em determinado momento que interessa e que representa o objetivo da pesquisa participante e da pesquisa-ação, mas um conhecimento em processo que se estabelece. Isto não significa que toda geração de conhecimento científico deva necessariamente tomar esta forma. (HAGUETE, 1997, p.149, 150)

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É o tipo de pesquisa que privilegia um caso particular, uma unidade significativa, considerada suficiente para a análise de um fenômeno. É importante destacar que, no geral, o estudo de caso, ao realizar um exame minucioso de uma experiência, objetiva colaborar na tomada de decisões sobre o problema estudado, indicando as possibilidades para a sua modificação. (GONSALVES, 2003, p.67)

Antes de adentrarmos propriamente o corpus da pesquisa, faz-se necessário justificar o emprego do termo “pessoas com deficiência” no texto deste trabalho. Até os anos 80, eram utilizados indistintamente os termos “aleijado”, “incapacitado” ou “inválido”. Como resultado do “Ano internacional das pessoas deficientes”, celebrado em 1981, passou-se a adotar o termo “pessoa deficiente”. Este foi sendo substituído gradativamente por “pessoas portadoras de deficiência” ou somente “portadores de deficiência”. A partir da metade da década de 90, o Movimento das Pessoas com Deficiência (MPcD) passa a questionar a expressão “portador”, uma vez que a deficiência não é algo externo a elas como um objeto que carregam. Desde então, convencionou-se o uso da terminologia que adotamos neste trabalho, “pessoas com deficiência”, e sua sigla, PcD. Romeu Sassaki justifica a escolha:

Pessoas com deficiência vêm ponderando que elas não portam deficiência; que a deficiência que elas têm não é como coisas que às vezes portamos e às vezes não portamos (por exemplo, um documento de identidade, um guarda-chuva). O termo preferido passou a ser pessoa com deficiência. Aprovados após debate mundial, os

termos “pessoa com deficiência” e “pessoas com deficiência” são utilizados no texto da

Convenção Internacional de Proteção e Promoção dos Direitos e da Dignidade das Pessoas com Deficiência, em fase final de elaboração pelo Comitê Especial da ONU. (SASSAKI, 2003, p.160)

O programa radiofônico Todos os Sentidos – projeto de Extensão da Universidade Federal do Ceará (UFC), vinculado ao Departamento de Letras Estrangeiras – nasceu em 2003 e visa a dar voz às pessoas com deficiência (PcD), tratando-as como cidadãos e cidadãs. Ele vai ao ar pela Rádio Universitária FM 107, 9, às quartas-feiras, de 14 às 15 horas. Os convidados são as PcD, familiares, artistas, especialistas e pesquisadores; estes conversam ao vivo com o apresentador e com o ouvinte, que pode participar por telefone ou pelo e-mail: sentidos@radiouniversitariafm.com.br. A programação ao vivo da rádio também pode ser acompanhada pelo site da emissora: www.radiouniversitariafm.com.br.

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13 irá determinar que produtos, serviços e informações estarão disponíveis para estes sujeitos é a mesma dentro e fora do contexto comunicativo. Daí compreender o papel que um programa de rádio feito com as pessoas com deficiência adquire como lócus privilegiado de florescimento destas tensões.

Achamos necessário recorrer a uma bibliografia que tenta dar conta do movimento dialético de inclusão e exclusão das pessoas com deficiência no contexto social e histórico. É importante frisar que a bibliografia neste campo ainda é muito espaçada: na área das Ciências Humanas, encontramos uma vasta bibliografia direcionada à Educação Inclusiva e algumas obras que tentam explicar o lugar das PcD na sociedade sob a ótica da Psicologia Social. Por outro lado, temos nas Ciências Biológicas uma tentativa de explicar as causas e buscar possibilidades de reabilitação ou cura destas pessoas. Temos ainda um grande número de pesquisadores que se esforçam para fazer evoluir os instrumentos tecnológicos que viriam compensar as deficiências e oferecer uma vida mais produtiva e independente a estas pessoas. Todas estas linhas de pesquisa possuem pontos vitais de encontro, mas o diálogo ainda é raro.

Construímos a bibliografia deste trabalho pincelando estes caminhos. Privilegiando, claro, as áreas de Comunicação, Ciências Sociais e Psicologia Social. A primeira tenta dar conta da relação destas pessoas com os meios de comunicação de massa, sobretudo, com o objeto em questão - o programa radiofônico Todos os Sentidos. As outras duas nos ajudam a delimitar os processo de inclusão e exclusão das PcD num contexto social específico.

No primeiro capítulo, que trata “Dos encontros com o diferente”, buscamos compreender como as formações sociais vão moldando historicamente a maneira com que a sociedade lida com as deficiências. Ainda nele, nos debruçamos sobre os conceitos de inclusão e exclusão social de maneira a delimitar a linha teórica que nos serve com base. A partir do entendimento de que os mass media assumem papel central na constituição destes processos, sobretudo após o substancioso aumento das trocas simbólicas engendrado pela globalização, discutimos no capítulo 2 o papel deles enquanto arena de discussão.

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14 ótica que encara com desconfiança o critério de paridade e racionalidade proposto pelo filósofo germânico, Iris Marion Young (2000) e Nancy Fraser (2007) vão nos fornecer importantes substratos para a compreensão da relação entre identidades, democracia, comunicação e esfera pública. Cada uma à sua maneira trazem ideias fundamentais para a delimitação teórica do objeto desta pesquisa.

Nesse sentido, chegamos ao capítulo 3 munidos de uma carga teórica que nos permite levantar com mais propriedade algumas questões sobre o programa “Todos os Sentidos”. Em primeiro lugar, buscamos construir um diagnóstico, embora não se pretenda absoluto como os dos médicos, da situação do rádio diante do que se tornou comum chamar de “sociedade da imagem”. Ancoramo-nos em um conjunto de autores que se empenham em defender a importância do meio contrariando algumas teses correntes que atestam a substituição deste pela TV. Ainda no capítulo 3, apresentamos o programa, seus elementos, forma e concepção no intuito de construir associações entre teoria e prática que se aproximem da resolução das questões que lançamos.

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Capítulo 1: Dos encontros com o diferente

Aprendemos desde cedo a tratar as pessoas com deficiência como invisíveis. Se olharmos fixamente, apontarmos e fizermos perguntas, lá estão nossos pais prontos para nos recriminar. Educados são os que fingem não ver, mantém-se em silêncio e alheios ao diferente. O exemplo é útil para explicitar a relação de estranhamento que mantemos com as deficiências.

Compreendemos que tal relação não advém somente de sentimentos individuais e subjetivos, mas carrega as marcas da organização social da época e, por isso mesmo, muda ao longo dos anos. Daí a necessidade de recorrermos a uma análise, ainda que breve, do passado para, a partir disso, localizarmos o nosso objeto no contexto atual na mesma perspectiva que aponta a pesquisadora Lília Ferreira Lobo em sua obra “Os infames da história: pobres, escravos e deficientes no Brasil”:

Pesquisar a genealogia da preocupação com os indivíduos considerados deficientes, as táticas que os individualizaram a partir de suas diferenças, não no sentido de julgar-lhes a cientificidade, mas de promover a visibilidade de um novo tipo de poder que elas representam. Trabalhar o passado, seguir a trilha das antigas proveniências, articular pontos de emergência das atuais formações é pretender a crítica do presente; dos mecanismos normalizadores de dominação das deficiências que por extensão se

deslocam por toda a sociedade”. (LOBO, 2008, p.20)

Alguns esforços têm sido empreendidos no sentido de tentar localizar as relações de preconceito, exclusão e pobreza construídas historicamente em torno de grupos sociais dados: grupos étnicos, de gays, de imigrantes etc. Quanto às pessoas com deficiência, há uma dificuldade de fazer esse levantamento histórico justificada pela construção identitária múltipla dos sujeitos que compõe o grupo. As inúmeras subdivisões acabam dificultando a emergência de uma identidade grupal mais consistente. O que se vê a partir disso é que as pesquisas relacionadas ao modo como as sociedades se relacionam com as deficiências se fazem de maneira recorrente em nome das instituições de ensino, atendimento médico ou pesquisa, em detrimento de um olhar mais aguçado sobre a vida e o ponto de vista dos próprios sujeitos.

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16 presente trabalho. Porém, distanciamo-nos desta tendência para lançar olhar sobre os próprios sujeitos e sua visão de si.

No primeiro tópico deste capítulo, traçaremos com a ajuda de alguns teóricos uma linha histórica/ genealógica da instituição1 deficiência. Para, a partir de então, avançarmos no sentido

de localizar o nosso objeto de pesquisa no contexto social atual. Antes, é importante destacar que tal análise não se propõe a constituir um patamar evolutivo do conceito deficiência, porque, na verdade, segundo a pesquisadora Lilia Ferreira Lobo: “A deficiência atravessando os tempos não existe, somente estruturas sucessivas das quais cada uma tem a sua própria gênese. A história não tem continuidade evolutiva, mas múltiplas e impuras proveniências”. (2008, p.23). Em seguida, abriremos espaço para a discussão dos conceitos de exclusão e inclusão.

1.1 Em busca de uma genealogia da alteridade

A história do tratamento dispensado pelas sociedades às pessoas com deficiência pode, de maneira geral, ser dividida em três momentos: o movimento de segregação, o de integração e o de inclusão. (VIVARTA, 2003, p.17). A segregação diz respeito às práticas de exclusão no sentido radical da palavra. Caracterizou várias sociedades e ainda está presente em inúmeras situações e atitudes da vida social contemporânea. Ocorre quando o indivíduo com deficiência é visto como algo estranho e até ameaçador ao corpo social. Desta forma, as PcD devem ser separadas da sociedade dita normal através de mecanismos de controle e eugenia social.

Segundo esta perspectiva de categorização, apesar de serem muitas vezes usados indistintamente, os conceitos de integração e de inclusão norteiam duas práticas políticas distintas e até confrontantes:

Num contexto integrativo, o máximo feito pela sociedade para colaborar com as pessoas com deficiência neste processo de inserção seriam pequenos ajustes como adaptar uma calçada, um banheiro ou até receber uma criança com deficiência mental na sala de aula,

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mas só se ela pudesse “acompanhar a turma”. Como raramente crianças com deficiência

mental podem ter o mesmo ritmo de aprendizagem dos alunos sem deficiência mental, era certo que em breve, no máximo em dois ou três anos, aquele aluno seria sumariamente devolvido para a família. (VIVARTA, 2003, p.20)

Sassaki (2006) complementa:

No modelo integrativo, a sociedade praticamente de braços cruzados, aceita receber pessoas com deficiência desde que estas sejam capazes de: moldar-se aos requisitos dos serviços especiais separados (classe especial, escola especial e etc); acompanhar os procedimentos tradicionais (de trabalho, escolarização, convivência social e etc); contornar os obstáculos existentes no meio físico (espaço urbano, edifícios, transporte e etc); lidar com as atitudes discriminatórias da sociedade resultante de estereótipos, preconceitos e estigmas e desempenhar papeis sociais individuais (aluno, trabalhador, usuário, pai, mãe, consumidor e etc) com autonomia, mas não necessariamente com independência. (SASSAKI, 2006, p.34)

A inclusão, por sua vez, aponta para uma perspectiva que supera os formatos assistencialistas e encara como direito humano o direito das Pessoas com Deficiência. Neste caso, a sociedade é que tem que estar apta a receber as PcD e não o contrário:

A inclusão, ao contrário, nos aponta para um novo caminho. Como filosofia, incluir é a crença de que todos têm direito de participar ativamente da sociedade.(...) Como ideologia, a inclusão vem para quebrar barreiras cristalizadas em torno de grupos estigmatizados. A inclusão é para todos porque somos diferentes (VIVARTA, 2003, p.20)

Podemos classificar cada momento da história da humanidade a partir destes três pólos de análise, porém, é preciso compreender que os conceitos são fluidos e muitas vezes coexistem na prática social em uma dada época.

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18 sedentarizado. Esta situação difere por completo de todas as outras que observaremos posteriormente.

A partir do surgimento das sociedades de classes e da religião como instituição, o homem encontra um lugar para depositar suas inquietações. Os mitos gregos trazem à tona deuses imperfeitos como os homens, mas virtuosos e poderosos. Nasce o sentido do belo e a extinção dos “incapacitados” passa a ser legítima. Os aleijados, miseráveis, enfermos e fracos assim o eram por não terem recebido a benção dos deuses. A sociedade espartana relegava à morte as crianças que nascessem com qualquer deficiência, pois estas não estavam aptas ao serviço militar. A Idade Média traz consigo algumas mudanças no que diz respeito à aceitação social das pessoas com deficiência. A ideia de Deus como pai de todos introduz os princípios da caridade, da irmandade. A partir daí, as pessoas com deficiência teriam assegurado seu direito de sobreviver. Porém, a relação com estas pessoas é ambígua nesse período. Ao mesmo tempo em que introduz princípios morais e cristãos que garantem sua vivência social, a Igreja autoriza perseguições e exorcismos dos loucos. Além disso, as PcD eram utilizadas como objetos de zombaria em festas e circo. Daí provém a clássica figura medieval do bobo da corte.

Apesar de a história oficial divulgar por muito tempo que não houve inquisição no Brasil, Lilia Ferreira Lobo (2008) corrobora com a tese de alguns historiadores de que mesmo não havendo um tribunal permanente como aconteceu nas colônias espanholas, o Brasil colônia sofreu com as perseguições, inquéritos e processos do Santo Ofício. Embora ateste alguns casos de prisão e tortura de pessoas com deficiência, Lobo afirma que este não era o destino preferencial dos inquisidores que estavam à caça na verdade de núcleos de judaísmo. A inquisição na perspectiva da autora seria o estopim de um processo eugênico que culminaria com a divulgação das teses de medicina social em meados do século XIX.

Preocupados com a organização da vida urbana e a saúde das elites, os médicos do século XIX iniciaram a caça aos degenerados, começando a elaborar as primeiras classificações dos graus de degenerescência e os diagnósticos de cura com base na causa oculta de quase todas as doenças: a heterogeneidade (LOBO, 2008, p.78)

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19 responsável por autorizar e negar casamentos, por exemplo – multiplicam-se as medidas filantrópicas e assistencialistas com a criação de ligas de misericórdias e “escolas-prisão-higienizadas” (p.317) que atendiam “crianças anormais”.

Observa-se que neste período não é feita distinção entre o tratamento dispensado às pessoas com deficiência e aqueles tidos como marginais, adeptos à vadiagem, sem domicílio próprio. Cegos, aleijados, leprosos, velhos e crianças de rua estavam todos no mesmo “saco” a constituírem peso à sociedade. A pesquisadora Vanda Magalhães Leitão, em seu livro: “Instituições, campanhas e lutas: história da educação especial no Ceará”, destaca que na passagem do século XIX para o século XX a preocupação com os ditos inválidos aqui no Ceará também era feita com vistas à eugenia urbana. Neste período, o estado passou por longos períodos de seca responsáveis pelo aumento das migrações e pelo consequente inchaço da capital. Fortaleza recebia caravanas numerosas de emigrados do campo que, ao chegar, perambulavam pelas ruas, propiciando a proliferação de pestes e doenças de toda ordem.

São famílias que, em meio ao infortúnio, dores e sofrimentos por separação e perdas (afetivas, materiais e da própria identidade), além da fome, são obrigadas a abandonar suas moradias, seus pertences e poucas terras e criações, e se deslocar para a capital

fugindo da fome e da falta d’água, em busca de melhores condições de vida. Instala-se no estado um quadro de absoluto desespero (...) (LEITÃO, 2008, p.31)

Contraditoriamente, Fortaleza era sede administrativa da província do Ceará e gozava de uma fase de crescimento econômico. Aliado a isto, havia uma preocupação do governo em embelezar a cidade.

Parte do desenvolvimento de Fortaleza se fez no sentido de troná-la formosa, de disciplinamento do espaço urbano e do reajustamento das camadas populares, na tentativa de garantir o bem-estar da elite, a segurança dos que vinham fazer negócios, bem como para assegurar as boas condições da mão-de-obra válida para a economia do Estado. Por outro lado, eram precárias as condições sanitárias, médicas e hospitalares. (LEITÃO, 2008, pp. 31 e 32)

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20 situação, começava por iniciativa própria a criar internatos e instituições para abrigar os desvalidos. Sobre este tratamento dúbio, Vanda (2008) nos oferece a seguinte reflexão:

Nessas ações iniciais identificam-se complexos mecanismos ambivalentes e ilusórios: ambivalentes porque em nome de um acolhimento, parece ser a efetivação de um desejo de isolar ou afastar para bem longe tudo o que incomoda, fere ou foge àquilo que se costumava de nominar normalidade. Segregam-se todos aqueles cujas características ou comportamentos fogem às normas vigentes. É mecanismo ilusório, na medida em que supõe solucionar um conjunto de problemas estruturais de uma sociedade preconceituosa e discriminadora, no meio da qual as desigualdades são alarmantes. (LEITÃO, 2008, p.44)

Somente no final do século XIX e início do século XX, começam a delinear-se ações mais concretas com relação ao atendimento às PcD. As pesquisas médicas sobre as deficiências motoras, intelectuais e sensoriais trazidas da Europa por pesquisadores brasileiros nortearam a criação de instituições de ensino, pesquisa e atendimento médico especializado no tema. Destacam-se entre estas instituições duas de grande importância que continuam suas atividades até os dias atuais: o “Imperial Instituto dos Meninos Cegos” e o “Instituto dos Surdos-mudos”.

O “Imperial Instituto dos Meninos Cegos” foi criado em 1854 por iniciativa do brasileiro José Álvares de Azevedo, que havia estudado em Paris no Instituto Real dos Jovens Cegos e retornou ao Brasil com a ideia de criar uma instituição semelhante aqui. A escola de Paris, criada em 1784 por Valenti Haui, já era referência no ensino às crianças e jovens com deficiência visual. Foi lá inclusive que Louis Braille desenvolveu um sistema de leitura e escrita para cegos até hoje empregado, o chamado método Braille ou escrita em pontos.

A ideia de criar o instituto no Brasil foi levada ao imperador Dom Pedro II pelo médico da família imperial, Xavier Sigaud, que era pai de uma menina cega e se tornou o primeiro diretor da casa. Com a implantação da república, a escola passou a se chamar Instituto Nacional dos Meninos Cegos e, posteriormente, em 1891, recebeu o nome de Instituto Benjamin Constant em homenagem ao professor que empreendeu uma sÉrie de reformas na instituição. Atualmente o Instituto Bejamin Constant tem sede no Rio de Janeiro e é mantido pelo Ministério da Educação.

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21 no ano seguinte criou-se o curso de Artes Plásticas com o acompanhamento da Escola Nacional de Belas Artes. Em 06 de junho de 1957, o Instituto passou a denominar-se Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES). A partir de 1993, o INES adquiriu nova personalidade com a mudança de seu regimento interno, através de ato ministerial. O Instituto passou ser um centro nacional de referência na área da surdez. Com esta nova atribuição são realizadas ações que subsidiam todo o país.2

Voltando ao Ceará, destacamos a criação, em 1942, da Sociedade de Assistência aos Cegos (SAC) cujo objetivo inicial era a prevenção à cegueira. A instituição, fundada pelo médico oftalmologista Hélio Goes Ferreira, foi no ano seguinte ampliada com a criação do Instituto dos Cegos, que além de exames médicos, oferecia serviços de educação e profissionalização para as pessoas com deficiência visual. Ainda a título de registro histórico, merece destaque a criação, em 1956, do Instituto Pestalozzi, voltado para o atendimento às crianças e jovens deficientes mentais. Estas ações eram sustentadas pela solidariedade da sociedade civil e perseverança de alguns indivíduos, não havendo nenhuma intervenção governamental no sentido de garantir a sustentabilidade dos projetos.

O controle iniciado em meados do século XIX com a criação de instituições de ensino, prisões e casas de caridade foi impulsionado ainda mais no início do século seguinte. Com o advento da sociedade industrial e do capitalismo, o corpo foi submetido a mecanismos de controle visando à produção em série e à acumulação dos bens. Neste contexto, houve uma tentativa de eliminar as distorções e falhas, adaptando o corpo humano aos padrões maquinários fabris.

Ao perigo social que os degenerados inferiores ofereciam como justificativa para retirá-los das ruas e promover a profilaxia dos corpos e das condutas, acrescentou-se aos poucos, já no século XX (com o processo de urbanização e industrialização), a pecha de fardo social – corpos inúteis para o trabalho, a pesar nas costas de toda a sociedade, daí a necessidade maior de práticas preventivas de esterilização e controle dos casamentos ou de recuperação. (LOBO, 2008, p.109)

2 Informações retiradas do endereço eletrônico: http://www.ines.gov.br/Paginas/historico.asp, acessado em

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22 No período entreguerras, a medicina avança no sentido de eliminar as deficiências ou de “compensá-las” através de próteses e equipamentos tecnológicos. Tudo isto acompanhado da emergência de valores centrados na competição e na adequação do individuo à sociedade. O advento da indústria cultural - a grande responsável pela produção e distribuição de bens simbólicos – propicia a criação de repertórios comuns centrados, desta vez, no culto aos corpos fortes, úteis e aparentemente saudáveis. A pesquisadora Luciene da Silva (2006) aprofunda o raciocínio:

Vivemos atualmente uma hiperexposição do corpo como produto, algo passível de elaboração e reconstrução, tendo como referência uma cartografia corporal com toques de sedução e negação dos traços do tempo. Sabemos que os meios de comunicação, por si sós, não determinam modelos estéticos corporais; são, porém, um poderoso braço ideológico de divulgação e convencimento dos padrões selecionados e acionados pela indústria. (LOBO, 2006, p.5)

Ao mesmo tempo em que se fixam os valores opressores para com aquele indivíduo que foge a norma, o século XX traz à tona a discussão sobre os direitos humanos. Em 1959, por exemplo, é elaborada a “Declaração dos Direitos da Criança” que enuncia a igualdade de todas as crianças independentemente da classe, etnia, língua, credo. Além disso, traz um princípio tratando especialmente das crianças com deficiência e assegurando o respeito dos seus direitos: “Princípio 5º - À criança incapacitada física, mental ou socialmente serão proporcionados o tratamento, a educação e os cuidados especiais exigidos pela sua condição peculiar”.

No âmbito da educação inclusiva, a Lei Federal no. 7.853 de 1989 estabelece normas gerais que asseguram o pleno exercício dos direitos individuais e sociais das pessoas portadoras de deficiências3 e sua efetiva integração social. O parágrafo que trata da educação traz o seguinte

texto:

I - na área da educação:

a) a inclusão, no sistema educacional, da Educação Especial como modalidade educativa que abranja a educação precoce, a pré-escolar, as de 1º e 2º graus, a supletiva, a habilitação e reabilitação profissionais, com currículos, etapas e exigências de diplomação próprios;

(23)

23

b) a inserção, no referido sistema educacional, das escolas especiais, privadas e públicas;

c) a oferta, obrigatória e gratuita, da Educação Especial em estabelecimento público de ensino;

d) o oferecimento obrigatório de programas de Educação Especial a nível pré-escolar, em unidades hospitalares e congêneres nas quais estejam internados, por prazo igual ou superior a 1 (um) ano, educandos portadores de deficiência;

e) o acesso de alunos portadores de deficiência aos benefícios conferidos aos demais educandos, inclusive material escolar, merenda escolar e bolsas de estudo;

f) a matrícula compulsória em cursos regulares de estabelecimentos públicos e particulares de pessoas portadoras de deficiência capazes de se integrarem no sistema regular de ensino;

(Texto disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7853.htm, acessado em 25/11/2010 às 14h)

Apesar de representar um avanço no que diz respeito ao acesso à educação das crianças com deficiência, nota-se que tal movimento ainda se conduz na direção das escolas de educação especial e não na rede regular de ensino. Além disso, o item “f” da lei evidencia a adoção do paradigma integrativo, uma vez que estabelece como critério para inserção da criança com deficiência na rede regular de ensino a capacidade desta em acompanhar o ritmo das outras crianças. Os próprios termos utilizados na elaboração da lei – “capazes” e “integrarem” – são demonstrativos desta relação.

Seguindo outro paradigma, a Conferência de Salamanca, realizada pela Unesco – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura – em parceria com o governo Espanhol em 1994, propõe o conceito de educação inclusiva. Segundo texto contido no prefácio da “Declaração de Salamanca – sobre princípios, políticas e práticas na área das necessidades educativas especiais”:

a Conferência adotou a Declaração de Salamanca sobre os Princípios, a Política e as Práticas na área das Necessidades Educativas Especiais e um Enquadramento da Ação. Estes documentos estão inspirados pelo princípio da inclusão e pelo reconhecimento da

necessidade de atuar com o objetivo de conseguir “escolas para todos” – instituições que incluam todas as pessoas, aceitem as diferenças, apóiem a aprendizagem e respondam às necessidades individuais. Como tal, constituem uma importante contribuição ao programa que visa a Educação para Todos e a criação de escolas com maior eficácia educativa.4

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24 Outro marco importante que introduziu as discussões sobre inclusão foi a instituição do Ano Internacional das Pessoas Deficientes pela Organização das Nações Unidas em 1981. No Ceará, o evento obteve ampla divulgação na imprensa local, propiciando um ambiente de discussão acerca dos direitos das PcD que culminaria no surgimento de associações, criadas pelas próprias PcD como instrumento de luta. A criação da Associação dos Cegos do Estado do Ceará (Acec), em 1985, é exemplar deste fenômeno. Segundo depoimento do atual presidente da instituição colhido pela pesquisadora Vanda Magalhães, a ACEC surge

com o objetivo de funcionar como uma entidade de classe mesmo, não como mais uma instituição, uma entidade assistencialista para os cegos (...). Ela é uma entidade de cegos e veio como forma de defender o interesse dos cegos do Ceará (...). A proposta da associação é fazer com que se imprima na sociedade mais respeito em relação aos interesses dos cegos, das conquistas constitucionais, pelo acesso ao mercado de trabalho, pela melhoria da educação para o cego... (LEITÃO, 2008, p.155)

No dia 21 de setembro de 1987, celebra-se pela primeira vez em Fortaleza o Dia Nacional da Luta das Pessoas Deficiente sob o lema “Para a constituição ficar perfeita precisa olhar com atenção nosso defeito”.5

Nesse evento, de significativa importância, os deficientes da visão, da audição e os deficientes físicos, à frente de suas entidades, juntamente a outras entidades especializadas, expõem para a sociedade seu potencial e expressam suas reivindicações, numa luta por uma vida digna e pelos seus direitos à cidadania (leitão, 2008, p. 163).

Nos últimos anos, a organização do Movimento das Pessoas com Deficiência em nível nacional e internacional ganhou fôlego e vem atuando na busca pela garantia desses direitos numa outra perspectiva contida no lema: “Nada sobre nós, sem nós” que reflete a passagem dos indivíduos do estado de objeto de caridade para efetivos cidadãos em busca dos seus direitos.

A partir daí multiplicaram-se as ações em torno da garantia dos direitos das PcD. O problema é que as ações, em sua maioria, ainda se situam no plano do assistencialismo e são muitas vezes fundadas em valores preconceituosos. Como os discursos piedosos veiculados pela mídia de tempos em tempos para angariar doações às Organizações Não Governamentais (ONGs)

5Sobre isto ver: LEITÃO, Vanda Magalhães. Instituições, campanhas e lutas

– história da educação especial no

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25 obscurecendo a omissão do estado. Corroboramos com Lobo (2008) quanto à conjuntura atual das políticas públicas concernentes às Pessoas com Deficiência que se manifestam na inassistência do Estado:

Liberar a assistência à iniciativa privada, incentivá-la com subsídios, manter a racionalidade do equilíbrio entre ricos e pobres, mesmo que para isso seja necessário aumentar ainda mais o fosso que os separa – eis a tática do Estado Liberal que, usando artifícios sempre mais sofisticados, se consolida no Brasil (LOBO, 2008, p.339)

Com este breve panorama sobre o tratamento dispensado às PcD em diferentes épocas e sociedades observamos que a partir dos anos 90 a busca pela adoção do paradigma inclusivo tem crescido consideravelmente. Que significado o termo inclusão assume atualmente? É esta a pergunta que guiará nossa discussão no próximo tópico.

1.2 Inclusão e exclusão: conceitos difusos

O conceito de inclusão vem sendo empregado com facilidade atualmente. Está presente nos discursos políticos, nas propagandas dos programas sociais de empresas, no trabalho desenvolvido por associações e Organizações Não Governamentais (ONGs). Parece-nos, assim, que o conceito ganha uma forma difusa no momento histórico que presenciamos.

De uma maneira geral, o que predomina é a utilização deste para descrever um movimento que se processa de alguém para outrem: “trabalhamos na inclusão das pessoas que vivem na rua” ou “nosso objetivo é incluir os jovens no mercado de trabalho”. Neste sentido, o conceito é empregado em diferentes áreas da vida social, mas processa-se no sentido de garantir a alguém (excluído) um direito que lhe é negado.

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26 contraditório porque contém em si mesmo uma potência de negação. É este último ponto que queremos chamar atenção.

Em nossa análise optamos por encarar a inclusão e a exclusão como pólos de uma mesma relação que se desenrola a partir da conformação da chamada nova questão social. O processo é dialético e não estanque.

(...) o que queremos enfatizar ao optar pela expressão dialética exclusão / inclusão é para marcar que ambas não constituem categorias em si, cujo significado é dado por qualidades específicas invariantes, contidas em cada um dos termos, mas que se constitui na própria relação. A dinâmica entre elas demonstra a capacidade de uma sociedade existir com um sistema (Sawaia apud Lavrador, 2005, p. 7)

Ou seja, a inclusão de alguns determina a exclusão de outros e vice-versa. Foucalt apud Lavrador (2005) defende que a inclusão corresponde, na verdade, a um processo de manutenção do status quo, ou seja, da própria desigualdade social. Como já discutimos anteriormente, o século XIX inaugura uma nova forma de controle dos corpos que vem sendo construída desde o século XVII, mas se institucionaliza e se consolida a partir do poder disciplinar exercido pelos Estados Modernos para adequar os indivíduos à rotina industrial.

O controle se exercia para garantir que os mecanismos de produção pudessem usar o tempo de existência dos homens, transformando esse tempo em tempo de trabalho. Não se tratava mais da mera exclusão-reclusão dos indivíduos do círculo social, mas sim de conectar os indivíduos aos mecanismos de produção, de formação, de reformação ou correção. Ou seja, uma sociedade de seqüestro que tinha como função a inclusão normalizadora que eficazmente produzia a disciplinarização e submissão dos corpos. (LAVRADOR, 2005, p. 8)

Porém, a partir do final do século XX consolida-se um novo modelo de sociedade denominado de sociedade pós-industrial, pós-moderna, da informação ou de consumo. Este novo sistema social tem como paradigma, como atesta uma de suas nomenclaturas, a tecnologia da informação e possui as seguintes características segundo Castells (2003):

(...) primeiro, a utilização da informação como matéria-prima; segundo, o poder de penetração das novas tecnologias nas atividades humanas; terceiro, a ideia de rede introduzida nos sistemas e nas relações; quarto, a extraordinária flexibilidade dos processos, organizações e instituições, que podem ser alterados ou reorganizados por

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27 Neste contexto, o antigo exército de reserva se torna estorvo porque a tecnologia diminui consideravelmente os postos de trabalho. Cresce o sentimento de insegurança pela ameaça do desemprego e da exclusão, ao mesmo tempo em que surge um novo modo de exploração do trabalho. Se, até então, o exército de reserva tinha uma funcionalidade no âmbito da reprodução do capital, sua natureza mudou, uma vez que, sob o novo padrão tecnológico, cria-se uma camada permanente de população sobrante ou inempregável. Esta parcela sobrante tem papel fundamental na regulação do preço da força de trabalho sempre pressionando-a pra baixo. Daí, as críticas feitas à própria denominação ‘exclusão’ fator que reverbera na multiplicidade de designações para o conceito. A socióloga Safira Bezerra (2003) nos diz:

Fator que embaça os parâmetros estruturantes do conceito de exclusão social é a multiplicidade de designações propostas pelos estudiosos do tema: desqualificação (Paugan, 1991), desinserção (Gaujelac e Leonetti, 1994), desfiliação (Castel, 1998), apartação (Buarque, 1993) e inclusão perversa ( Martins, 2002). (AMMANN, 2003, p.123)

Neste trabalho, empregamos a noção de exclusão não no sentido de ‘estar fora’ do sistema sócio-econômico, ao contrário, compreendemos que a falta de acesso a serviços, bens e informações a uma parcela da sociedade não ocorre por acaso. Responde, na verdade, à lógica de reprodução do sistema capitalista, no qual, em detrimento ao gozo de uma minoria detentora dos meios de produção, a grande parcela da população humana é relegada a uma situação de miséria. Desta maneira, os excluídos são peça fundamental na engrenagem econômica e social.

Segundo Gilberto Dupas (2001), a preocupação com a exclusão ou com a “nova questão social” se deu de forma mais contundente a partir do contexto da globalização e da consequente alteração do papel do Estado. Em primeiro lugar, a globalização foi responsável pelo aumento da exclusão social na medida em que provocou mudanças substanciais na lógica de produção global. Dupas nos chama atenção, sobretudo, para o surgimento do trabalho precarizado caracterizado pelos empregos ocasionais, com subcontratos ou ausência de contratos, subqualificados, mal remunerados e sem proteção social (CASTEL apud LAVRADOR, 2005, p.3).

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Por um lado, a grande mobilidade das transnacionais gera um menor compromisso com os países que sediam suas atividades, o que aumenta o poder de barganha vis-á-vis os Estados. Por outro, a necessidade de elevar as competitividades sistêmicas nacionais para garantir a sobrevivência nesse mundo mais integrado acrescenta restrições para a obtenção de recursos tributários adicionais. O processo de globalização, por essas e outras vias, constrange o poder dos Estados, restringindo sua capacidade de operar seus principais instrumentos discricionários. (DUPAS, 2001, p. 14)

Além destes fatores, o autor atribui ao centralismo do consumo nas sociedades contemporâneas a sensação de que a exclusão vem aumentando gradativamente, uma vez que:

Tal possibilidade de consumo transformou-se no principal sinal exterior de sucesso individual, o que faz com que o sentimento de exclusão possa ter um teor puramente relativo, ou seja, o de estar excluído não de necessidades consideradas básicas, mas daquilo que outras pessoas têm. Essa sensação pode, com efeito, ocorrer em qualquer

faixa de renda” (DUPAS, 2001, p.17)

Nestor García Canclini em sua obra “Consumidores e cidadãos: conflitos multicultiurais da globalização” conclama os estudiosos da cultura a pensarem o consumo como um lugar com valor cognitivo, “útil para pensar e agir significativa e renovadoramente na vida social.” (Canclini, 2005 , p.68). A análise de Canclini parte do entendimento de que a partir da globalização, os indivíduos foram progressivamente abandonando sua posição de cidadãos amparados pelo Estado e detentores de direitos para serem englobados como consumidores em todas as instâncias. Nesta perspectiva, o consumo passa a ser não mais somente o lugar de reflexo dos desejos irracionais, mas um espaço de disputa, de diferenciação simbólica e de construção de repertórios culturais comuns.

Percebemos até aqui que exclusão é uma categoria difusa, podendo ser empregada em várias situações particulares. Daí depreende-se que não necessariamente exclusão será sinônimo de pobreza, uma vez que, em nossa concepção, ela ultrapassa o nível econômico. O sociólogo e economista Marcio Pochmann (2004) aprofunda esta ideia quando afirma que o Brasil apresenta duas formas distintas de manifestação da exclusão social:

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29 Ainda assim, é oportuno notar que há uma relação intrínseca entre a lógica econômica e a coesão social. Muitas vezes a opção por um olhar mais específico, setorial, pode encobrir a necessária visão macro-estrutural do problema.

Um pouco mais de rigor se impõe, portanto, ao uso da noção de exclusão, uma vez que parte das situações classificadas como tal resultam das vulnerabilidades decorrentes das transformações que se operam no mundo do trabalho, degradando as relações de trabalho e os sistemas de proteção correlatos, ou seja, da situação de crise da sociedade salarial. (WANDERLEY, 2005, p.79)

Compreendemos que as duas formas apresentadas por Pochmann (2004) estão inter-relacionadas, uma vez que o déficit de bem-estar e a falta de oportunidades são duas faces de uma relação de causa e efeito que determina a inclusão ou exclusão do indivíduo no seio social. No caso específico das Pessoas com Deficiência, é oportuno notar que para elas há um imperativo maior que irá determinar o acesso ou não aos bens e serviços e a participação na vida em sociedade de uma maneira geral. Porém, cuidamos de não deter a análise da exclusão destas pessoas somente no aspecto da falta de acessibilidade para não cairmos nas armadilhas de uma visão superficial do processo.

Segundo o censo 2000, 14,5 % da população brasileira têm algum tipo de deficiência. Em números aproximados, isso corresponde a 24 milhões de pessoas. Algumas análises apontam distorção nos dados, uma vez que os critérios utilizados pelos recenseadores foram muito subjetivos.

Os recenseadores foram às casas das pessoas perguntando se alguém naquela residência tinha: a) alguma dificuldade de enxergar; b) alguma dificuldade de ouvir; c) alguma dificuldade de caminhar; d) grande dificuldade de enxergar; e) grande dificuldade de ouvir; f) grande dificuldade de caminhar; g) incapacidade de enxergar; h) incapacidade de ouvir; i) incapacidade de caminhar. Para se ter ideia da confusão, o resultado sobre alguma dificuldade de enxergar foi de 57, 16%. (RIBAS, 2007, p.20)

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30 disso, a média de renda das PcD é de US$ 250, enquanto das que não têm deficiência é de US$ 295.

Aproximadamente quatro quintos das pessoas com deficiência existentes no mundo vivem em países em desenvolvimento. A pobreza cria condições para a deficiência e a deficiência reforça a pobreza. A exclusão e a marginalização de pessoas com deficiência reduzem suas oportunidades de contribuir produtivamente para o lar e a comunidade, aumentando assim a pobreza. (BIELER In: VIVARTA, 2008, p.33)

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Capítulo 2: Nada sobre sem nós

6

- a centralidade da mídia

nos processo de inclusão das pessoas com deficiência

Observamos no primeiro capítulo deste trabalho que o fenômeno da exclusão social, principalmente após os anos 1980, se complexificou, sendo impossível analisá-lo somente a partir do binômio igualdade-desigualdade de renda ou de direitos. Desta forma, apreendemos que há uma relação direta entre os processos de homogeneização e fragmentação cultural engendrados pela lógica da economia global e o crescimento da exclusão social. Tal relação não se restringe aos fluxos de mercadorias e ao consumo, mas diz respeito também às trocas cada vez mais velozes de produtos culturais que se dão através da mídia.

A sociedade antes concebida em termos de estratos e níveis, ou distinguindo-se segundo identidades étnicas ou nacionais, agora é pensada como a metáfora da rede. Os incluídos são os que estão conectados; os outros são excluídos, os que veem rompidos seus vínculos ao ficar sem trabalho, sem casa, sem conexão. Estar marginalizado é estar

desconectado ou ‘desfiliado’ segundo a expressão de Robert Castel. No mundo de

conexões parece diluir-se a condição de explorado, que antes se definia no âmbito do trabalho (...) Agora, o mundo apresenta-se dividido entre os que têm domicílio fixo, documento de identidade, cartão de crédito, acesso á informação e dinheiro, e por outro lado, os que carecem de tais conexões. (CANCLINI, 2005, p.92)

Tanto do ponto de vista econômico quanto cultural, a globalização é responsável pela emergência de uma nova ordem mundial baseada na integração transnacional. Porém, esta integração, não garante o estabelecimento de relações justas e igualitárias entre os diversos campos na disputa pela hegemonia. A gama de produtos e bens simbólicos, por intermédio dos meios de comunicação, está disponível em escala mundial, mas será que de forma homogênea? A pesquisadora Liana Amaral nos apresenta algumas pistas a essa questão:

Falar de globalização é falar também de tensões, contradições e multiplicidade. É fato sobejamente conhecido que a globalização traz homogeneização, padronização de processos, condutas e mercados, convergência de idéias e objetivos, interligações entre

6 Lema oriundo dos movimentos das pessoas com deficiência que resume a idéia de que elas mesmas devem ser

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32

sociedades e nações. No entanto, não é apenas isso que ela nos apresenta. Atuando de forma diferenciada em países centrais e periféricos, interferindo com maior intensidade em Estados economicamente mais dependentes, vinculando a quase totalidade de seus

‘instrumentos’ de inclusão à aquisição de produtos e serviços – pelos quais grande parte da população mundial não pode pagar – ela traz, ao mesmo tempo, apartação, desigualdades e fragmentação de vidas, culturas, desejos e ideais. (sem citação, documento mimeografado)

Segundo Canclini (2005), o pensamento pós-moderno, com sua ênfase na mobilidade e na desterritorialização, ofuscou as condições desiguais de fixidez e mobilidade. O autor nos chama atenção para a nova configuração da questão social:

A exploração se fortalece num mundo de conexões a partir da imobilidade dos pequenos e graças à duração com que os grandes acumulam mobilidade e multilocalização. Forte é quem, antes de mais nada, consegue não ser desconectado e, por isso, acrescenta conexões. Nas relações clássicas de exploração, obtinha-se o poder graças a repartição desigual dos bens estáveis, fixados territorialmente: a propriedade da terra ou os meios de produção numa fábrica. Agora, o capital que produz a diferença e a desigualdade é a capacidade ou a oportunidade de mover-se, manter redes inter-conectadas. As hierarquias no trabalho e no prestígio estão associadas não só à propriedade de bens localizados, mas também ao domínio de recursos para conectar-se. (CANCLINI, 2005, p.95)

É neste ponto que reside um dos aportes centrais da nossa pesquisa. A pergunta que nos colocamos é: que papel a mídia assume neste contexto onde a inclusão do indivíduo está diretamente ligada aos processos culturais e simbólicos aos quais ele tem acesso? Ou avançando ainda mais reiteramos a questão feita por Barbalho (2008): “Qual o papel dos meios de comunicação para a política de diferença nesse embate marcado pelo ideário liberal?” (BARBALHO e PAIVA, 2008, p.33). Estas são questões que perpassam a linha teórica deste trabalho e que ficam como apontamento para investigações futuras.

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33 Por outro lado, o autor também combate o pensamento instrumental que durante muito tempo relegou a pesquisa em Comunicação ao estudo dos meios de comunicação, vinculando-os a um determinismo funcionalista ou frankfurtiano. Somente a partir dos anos 1980 as pesquisas em Comunicação passam por uma mudança mais radical desses dois paradigmas. O questionamento da razão instrumental e os efeitos da globalização “ultrapassarão os alcances teóricos da teoria do imperialismo, obrigando-nos a pensar uma trama nova de territórios e atores, de contradições e conflitos” (MARTÍN-BARBERO, 2004, p.217). Os limites do campo se ampliam abarcando objetos até então inalcançáveis que dialogam principalmente com as dinâmicas dos movimentos sociais e culturais.

Quando ampliamos o eixo de estudo para as relações culturais não pretendemos pender para uma leitura descolada da estrutura social. Na verdade, lançamos olhar sobre as estruturas sociais em termos de mediação e não de determinação causal, mas isso não implica num abandono deste aporte.

Hoje nem as figuras do social nem os modos de comunicação se deixam tratar de maneira tão unificada e totalizadora, porém precisamos pensar as estruturas para evitar que a inteligibilidade do social fique dissolvida na fragmentação que introduz a percepção da pluralidade e a nova sensibilidade pela diferença. A questão das estruturas continua a ser essencial não só para entender as condições de produção em nossos países, mas para imaginar alternativas que não se esgotem no esteticismo ou que possam se desangrar na marginalidade. (MARTÍN-BARBERO, 2004, p.237)

O deslocamento do foco de análise dos meios para as mediações é representativo do movimento teórico-metodológico que se faz presente, sobretudo em parte da pesquisa latino-americana atual, e que finca os pés no cotidiano como espaço por excelência de pesquisa e atuação do comunicador/intelectual. Se, até então, a comunicação midiática era encarada como um instrumento da política, hoje ela alcançou sua autonomia e transformou-se também em campo de disputa.

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34 Aqui retomamos a questão colocada acima sobre o papel da mídia. Sobre isto, Muniz Sodré nos apresenta uma reflexão interessante. O autor evoca os significados de Kant para maioridade (Mündigkeit) e menoridade (Ummündigkeit), que dizem respeito, respectivamente, à possibilidade e à impossibilidade de falar. Diz-nos Sodré (2005):

Ora, a noção contemporânea de minoria refere-se à possibilidade de terem voz ativa ou intervirem nas instâncias decisórias do Poder aqueles setores sociais ou frações de classe comprometidos com as diversas modalidades de luta assumidas pela questão social. (SODRÉ, 2005, p.12)

Utilizando o conceito de “devir minoritário” cunhado por Guattari e Deleuze, Sodré apresenta a categoria ou o lugar “minoria” como um fluxo, uma pulsação e não um aglomerado de indivíduos reunidos em grupo. Nesta perspectiva, “o conceito de minoria é o de um lugar onde se animam os fluxos de transformação de uma identidade ou de uma relação de poder. Implica uma tomada de posição grupal no interior de uma dinâmica conflitual” (SODRÉ, 2008, p.12).

Daí advém duas das principais características de uma minoria apresentadas pelo autor: a luta contra-hegemônica e a identidade in-statu nascenti. O “lugar” a partir do qual se forja uma minoria é o lugar da luta contra-hegemônica. A partir do conceito gramsciniano que encara a dominação como uma relação de estabelecimento de consensos sociais, as minorias apresentam-se em suas batalhas cotidianas pela garantia de direitos fundamentais: moradia, saúde e educação e, conjuntamente, na luta pelo reconhecimento identitário. Observamos assim que, embora a pressão dos grupos minoritários se faça no sentido de alcançar uma igualdade de direitos, ela é construída em nome de uma política da diversidade. Nesta relação, liberdade e igualdade são vetores de um mesmo movimento.

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35 dizem respeito a uma disputa hegemônica pela constituição de sentidos sociais através da linguagem e, ainda, evidenciam a dinâmica interna que institui as relações de pertencimento ou não pertencimento ao grupo.

Podemos colocar como exemplo também a afirmação que os indivíduos com deficiência auditiva vêm fazendo da cultura surda. Partindo do eixo da língua como balize de uma experiência com o mundo totalmente nova e carregada de especificidade, os surdos desprivilegiam a visão da deficiência sensorial e exploram o sentido da comunidade construída pela língua e pela cultura compartilhada. Daí a preferência de muitos de serem nomeados enquanto “surdos” e não “deficientes auditivos” e a reivindicação por escolas de ensino especializado ou metodologias bilíngües (que ensinem tanto o Português quanto a Língua Brasileira de Sinais) para as crianças surdas.

Além destas duas características das minorias, Muniz Sodré destaca ainda a vulnerabilidade jurídico-social e as estratégias discursivas. A primeira diz respeito à ameaça constante que as minorias sofrem por não pertencerem a nenhuma forma institucionalizada “pelas regras do ordenamento jurídico social vigente (...)”. A segunda chama atenção para as estratégias discursivas que buscam a um só tempo apresentar as reivindicações do grupo e promover a visibilidade identitária deste.

Sobre as estratégias discursivas empregadas por estes grupos, Raquel Paiva (2005) observa que a relação das minorias com a mídia produz formas de atuação cujo objetivo é muitas vezes o aparecimento nos meios de comunicação. As chamadas “minorias flutuantes” (PAIVA, 2005, p.17) diferenciam-se dos grupos tradicionais organizados como força política de oposição por apresentarem ações no cotidiano local, nacional e mundial organizados muitas vezes de maneira ocasional. O estreitamento desta relação entre a mídia e os grupos minoritários muitas vezes culmina na espetacularização das ações destes grupos em detrimento da ritualização e da efetiva construção do paradigma inclusivo.

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36 pluralista e deliberativo. Nesse caminho, a obra clássica “Mudança Estrutural da Esfera Pública”, do filósofo germânico Jürgen Habermas, adquire papel central porque traz apontamentos fundamentais acerca da relação entre os meios de comunicação e a esfera pública. Nos próximos tópicos, buscaremos apreender a definição desta ideia através da fonte primária (Habermas) e alguns outros teóricos que inclusive redefiniram e atualizaram o conceito.

2.1. Dos cafés às páginas de jornal: a emergência de uma esfera pública mediatizada

Em “Mudança Estrutural da Esfera Pública” Jürgen Habermas empreende uma investigação sobre o significado das expressões “público”, “publicidade” e “esfera pública”. A obra, escrita no início dos anos 1960, parte da observação do emprego das expressões referidas acima em diferentes épocas e sociedades para avançar no sentido de localizar as formações sociais e modelos ideológicos a que elas correspondem. Em sentido mais estrito, o ponto central da obra consiste em analisar a chamada “esfera pública burguesa”, forjada nos séculos XVII e XVIII com a crescente insatisfação da nova classe de comerciantes e profissionais liberais com os regimes absolutistas. Logo no início da obra, Habermas chama atenção para a localização histórica da categoria que apresenta:

Concebemos a ‘esfera pública burguesa’ como uma categoria típica de época; ela não pode ser retirada do inconfundível histórico do desenvolvimento dessa ‘sociedade burguesa’ nascida no outono da Idade Média européia para, em seguida, ao generalizá-la num ideal-tipo, transferi-la a constelações formalmente iguais de situações históricas quaisquer (HABERMAS, 2003, p.9)

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37

A institucionalização de uma esfera pública, na qual se pudesse frear ou neutralizar o poder e a dominação (HABERMAS, 1984, p.104), interessava aos burgueses como possibilidade de emancipar-se das diretrizes da autoridade em geral e do poder público em particular (GOMES; MAIA; 2008, p.43).

Dessa insatisfação é que nascem espaços voltados para a discussão como cafés, clubes literários, salões e fóruns públicos. A um só tempo, a imprensa crescia, inflamando os debates com os periódicos opinativos. A discussão nestes espaços, chamados por Habermas de “esfera pública literária”, atendia (ou deveria idealmente atender) a critérios básicos de comunicabilidade, a saber:

Por mais que se diferenciem entre si comunidades de comensais, salões e cafés, no tamanho e na composição do seu público, no estilo de seu comportamento, no clima de raciocínio e na orientação temática, todos tendem sempre a organizar, no entanto, a discussão permanente entre pessoas privadas; dispõe, para isso, de uma série de critérios institucionais em comum. Em primeiro lugar, é exigida de sociabilidade que pressupõe algo como a igualdade de status, mas que inclusive deixa de levá-lo em consideração. Contra o cerimonial das hierarquias impõe-se tendencialmente a polidez da igualdade (HABERMAS, 2003, p.51).

A primeira condição exigia que os participantes atuassem na discussão despidos de quaisquer hierarquias sociais relacionadas ao poder político ou econômico. Neste caso, estabelecia-se uma “paridade inicial” condizente com um ambiente discursivo racional e equilibrado. A segunda condição versava sobre a tematização de assunto até então inquestionáveis, como a arte, a literatura e, posteriormente, o próprio poder político. A terceira e última condição diz respeito ao “não-fechamento do público” (HABERMAS, 2003, p.53).

Dessa forma, a condição é, pelo menos em princípio, uma exigência que diz respeito a propriedades que têm a ver com a mera humanidade dos sujeitos, excluídas as propriedades provenientes de status, força, poder e etc. Se isso é verdade, a publicidade comporta a exigência de que os públicos não sejam excludentes, que sejam, em princípio, sempre abertos, como também implica o requisito da acessibilidade: todos devem ter a chance de introduzir-se na esfera em que possam dizer e contradizer (GOMES, 2008, p.40).

Referências

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