• Nenhum resultado encontrado

45º Encontro Anual da Anpocs GT 47 - Política Externa Comparada

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2022

Share "45º Encontro Anual da Anpocs GT 47 - Política Externa Comparada"

Copied!
22
0
0

Texto

(1)

45º Encontro Anual da Anpocs GT 47 - Política Externa Comparada

O PROCESSO DE RENEGOCIAÇÃO DO NAFTA PELO GOVERNO DOS EUA (2017-2019)

Daniela Graciano Sugahara

Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp Araraquara – UNESP FCL/Ar.

2021

(2)

RESUMO

Desde a vitória eleitoral de Donald Trump em 2016, os Estados Unidos da América (EUA) vivenciam um período de intensa polarização política. Sob forte retórica nacionalista e protecionista, o presidente redefiniu a estratégia política e econômica dos EUA, e desta forma reverteu compromissos de liberalização expressos pelos acordos comerciais firmados anteriormente, como o Acordo de livre-comércio da América do Norte (NAFTA). A questão central é a identificação das principais mudanças propostas para atualização do antigo NAFTA, sob a ótica dos interesses do governo norte-americano, estas inserem-se em um amplo processo que visa atualizar antigas relações comerciais para adequá-las ao contexto atual, aonde surgem novas questões comerciais, como por exemplo, a tecnologia e o e-commerce, que assumem na atualidade grande importância nas economias centrais.

Palavras-chave: Estados Unidos. NAFTA. USMCA. Governo Trump. Política Comercial.

INTRODUÇÃO

Este trabalho é uma contribuição às análises do processo de modernização do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA, sigla em inglês) e seu desdobramento pelo governo dos Estados Unidos da América (EUA) entre 2017 a 2019.

O ponto central foi a compreensão das principais mudanças propostas para atualização do antigo NAFTA, como a retomada de diretrizes protecionistas ou semiprotecionistas na economia, expressas pelo novo acordo, assim como a identificação da forma pela qual os EUA se adequaram aos novos temas comerciais, que não se restringem mais as questões tarifárias.

Através da metodologia qualitativa realizou-se a pesquisa documental em fontes primárias, como as atas da Comissão de Livre Comércio do NAFTA no período de 1995 a 2018, nos textos originais do NAFTA e do USMCA, além de atas extraídas de documentos oficiais do Escritório do Representante Comercial do Estados Unidos. As fontes secundárias foram retiradas dos relatórios e documentos governamentais que promoveram a discussão da temática do processo de renegociação do tratado.

(3)

Desde a sua entrada em vigor, o NAFTA tornou-se um importante instrumento da política externa estadunidense, anunciando agendas que foram posteriormente apresentadas em negociações multilaterais e definiram o posicionamento dos Estados Unidos na atual ordem internacional. No entanto, em 2017 os Estados Unidos sob a Administração Trump mostraram sua intenção em modernizar o tratado, e após amplas rodadas de discussões os três países assinaram o novo Acordo de Livre Comércio entre Estados Unidos – México – Canadá (USMCA, sigla em inglês) em 2018 (SICE, 2019;

IMF, 2019; CRS, 2019).

O discurso do governo Trump ressaltou um descontentamento com a política comercial externa dos EUA, suas críticas sobre os efeitos adversos da globalização (desemprego, desindustrialização nos países centrais e desigualdade social) foram utilizados como plataforma de campanha em 2016. Através do slogan "Make America Great Again" e "Made in USA" sua nova agenda comercial foi delineada com a saída dos Estados Unidos da Parceria Transpacífica (TPP), o início do processo de negociação do NAFTA e o endurecimento das relações comerciais com a China, pautas que visavam o crescimento de empregos e o fortalecimento do seu parque industrial (USTR, 2019).

Trump buscou redefinir a postura geopolítica e econômica dos EUA ancorando-se sob forte argumento protecionista e anti-globalização, posicionando-se contrário aos acordos de livre comércio. Esse comportamento do governo estadunidense representa um afastamento dos objetivos da Organização Mundial do Comércio (OMC), que ao longo das décadas sempre contemplaram a liberalização comercial, através da introdução de regras para remoção de barreiras alfandegárias e redução tarifária, tendo os EUA como seu principal articulador. O início do processo de renegociação do NAFTA, neste sentido, pode ser entendido como uma mudança de orientação para um ambiente macroeconômico e político mais protecionista das economias centrais.

No final dos anos 1980 os Estados Unidos retomaram a prática dos acordos bilaterais, em reação às dificuldades encontradas em fazer valer seus interesses nas negociações multilaterais defendidas no âmbito do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT). Tais acordos, também denominados de Acordos Preferenciais de Comércio, que começam a se proliferar a partir dos anos 1990 têm o marco decisivo na assinatura do Tratado de Livre Comércio dos Estados Unidos – Canadá (TLC) e no subsequente Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA) (LOPES; CARVALHO, 2010).

(4)

Apesar do GATT ter alcançado avanços consideráveis no que diz respeito à redução das tarifas alfandegárias, este não conseguiu impedir a expansão das barreiras não- tarifárias e o tratamento diferenciado para setores agrícolas e produtos manufaturados, como o têxtil, que desagradou os países em desenvolvimento. Os Estados Unidos começaram a pressionar, sem muito sucesso, medidas para que o GATT incluísse negociações em comércio de serviços, investimentos, compras governamentais e “novos temas” como meio ambiente, questões trabalhistas e propriedade intelectual. A assinatura dos tratados bilaterais consistiu na tentativa de implementar tal agenda, posteriormente, às rodadas de negociações multilaterais (LOPES; CARVALHO, 2010).

A Rodada Uruguai, realizada em 1986 na cidade de Punta Del Leste, foi uma resposta à insatisfação ao GATT, suas discussões pautaram-se no estabelecimento de regras sobre propriedade intelectual e o comércio de serviços, e no processo de revisão dos mecanismos para solução de disputas entre Estados e investidores. Em 1993, questões pendentes foram apresentadas sob a forma de um pacote pelo diretor-geral do GATT e em abril de 1994 foi assinado o termo que concluía a Rodada Uruguai e instituía a Organização Mundial do Comércio (OMC), que passaria a funcionar a partir de 1º de janeiro de 1995.

Desde a criação da OMC, os acordos regionais são vistos, pelos países em desenvolvimento, como formas para redução ou eliminação das barreiras protecionistas em mercados com grandes restrições e difícil acesso, e pelos países desenvolvidos como mecanismos para permitir o avanço em temas mais amplos, que ultrapassam as regras da OMC (MESQUITA, 2013).

As últimas décadas, portanto, marcaram a demanda por outros objetivos a serem perseguidos, não apenas a busca pela liberalização, mas a introdução de outros instrumentos da política comercial que definem a forma de operação dos mercados. É nesse sentido, que os países mobilizam-se para implementar a Agenda da Rodada Doha da OMC, de 2001, inconclusa (LOPES; CARVALHO, 2010; THORSTENSEN, 1998).

A partir da Rodada Doha, os Acordos Preferenciais de Comércio começam a se multiplicar abrangendo regras sobre investimentos, compras governamentais, concorrência, serviços e propriedade intelectual, apresentados como imprescindíveis para o comércio multilateral, os chamados WTO-plus (WTO, sigla em inglês para OMC), que antes constavam apenas nas pautas internas dos países (LOPES e CARVALHO, 2010;

MESQUITA, 2013).

(5)

Os Estados Unidos buscavam operar a Agenda da Rodada Doha com os temas plus, principalmente no que diz respeito às pautas da “Era Digital” que modificam-se constantemente. Acordos referentes à Propriedade Intelectual, chamado de TRIPS (Trade- Related Aspects of Intellectual Property Rights), anunciados na Rodada Uruguai, receberam a atenção norte-americana, e reorientou sua estratégia para a incorporação dos padrões TRIPS-plus, isto é, o aprofundamento de proteção às inovações científicas e tecnológicas, em seus tratados comerciais (MENEZES, 2015).

Portanto, a renegociação do NAFTA, já apresentava-se como uma necessidade desde a Rodada Doha. O governo Trump apropriou-se desta agenda, utilizando-a como mote de campanha a partir de um discurso de defesa da soberania econômica dos Estados Unidos, da reversão dos compromissos de liberalização anteriores em áreas específicas e da repatriação de investimentos destinados ao México.

ARenegociação do NAFTA

O NAFTA assinado em 1992, ratificado em 1993 e colocado em funcionamento a partir de 1º de janeiro de 1994 ampliou o mercado de bens e serviços dos países participantes, além de dirigir uma grande integração regional entre os seus signatários. O tratado também formatou uma geração de pactos comerciais em todo o mundo baseados em disposições inovadoras, como Regras de Origem, Investimento Estrangeiro, Resoluções de Controvérsias entre Investidores e Estados (FMI, 2019; CRS, 2019).

O tratado dividido em vinte e dois capítulos, além de dois acordos colaterais, um sobre a cooperação ambiental e outro sobre cooperação trabalhista, consistiu na eliminação tarifária das barreiras no comércio de bens e serviços entre os três países membros em um prazo de quinze anos, respeitando as normas do GATT (LEON, 1995).

Uma das suas particularidades é a disparidade econômica dos seus membros. Em termos absolutos, no período em que o acordo foi assinado, o PIB per capita mexicano e o custo médio da mão de obra no setor manufatureiro chegava a ser de seis a sete vezes menores se comparado aos EUA e ao Canadá (LEON, 1995). Em 1992, o salário médio no México (US$ 1,71) era equivalente a 16,34% do salário médio nos Estados Unidos (US$

10,71), fato que movimentou setores sindicais, como a AFL-CIO norte-americana, a posicionarem-se contrários à entrada do México no NAFTA (ENCISO e CASTRO, 1992).

(6)

Os primeiros rumores para atualização do acordo, após vinte anos de vigência, ocorreram com o presidente Barack Obama, que vinha se encontrando com líderes políticos do Canadá e do México na perspectiva de aumentar a integração regional da América do Norte. Desde 2004 as negociações gradualmente assumiram um formato bilateral entre EUA – México e EUA – Canadá (NEGROPONTE, 2014), Obama também propôs discussões ao Congresso sobre a necessidade de criação de cadeias integradas dentro do bloco já que a produção de automóveis e eletrônicos não eram suficientes para fomentar uma verdadeira plataforma de produção regional.

A posição do governo em relação aos benefícios promovidos pela integração regionais via bloco mudou com a vitória de Donald Trump. Radicalmente, o presidente afirmou que o NAFTA era um desastre1 e caso seus países-membros não concordassem em renegociar o tratado, os EUA abandonariam o bloco (USTR, 2017). Em 18 de maio de 2017, o Congresso dos Estados Unidos foi notificado sobre a intenção do governo em iniciar as negociações com o Canadá e o México para modernização do NAFTA. Entre 27 de agosto de 2018 e 30 de setembro de 2018, os Estados Unidos concordaram sobre um acordo preliminar respectivamente com o México e com o Canadá, sujeito a futuras modificações, e em 30 de novembro de 2018, durante reunião do G–20, os três países assinaram o novo Acordo de Livre Comércio (USMCA) (SICE, 2019).

As negociações em torno do USMCA podem ser dividas em temas antigos, como Regras de Origem, e temas novos, as “novas questões comerciais”, isto é, barreiras não- tarifárias, como propriedade intelectual e comércio digital, que ameaçam a segurança nacional dos países, emergindo nas rodadas de negociação da Organização Mundial do Comércio a partir dos anos 2000 (FPRI, 2018).

As principais questões enfatizadas pelo governo Trump foram as discussões acerca das Regras de Origem, em especial para o setor automotivo; Direitos aduaneiros em nome da segurança nacional – seção 232; Cláusulas trabalhistas; Propriedade intelectual;

Comércio Digital; e Resolução de Controvérsias (BOJIKIAN, 2018).

1 NAFTA has been horrible, horrible disaster for this country, and we’ll see if we can make it reasonable”

(Bridges Weekly, 2018).

(7)

Quadro 1- Comparativo USMCA e NAFTA: principais setores

Setor USMCA NAFTA

Automotivo

75% de conteúdo norte-americano para automóveis, caminhões leves e motores

62,5% de conteúdo norte- americano

Direitos de propriedade

intelectual

Biológicos: 10 anos

Direitos autorais: 70 anos Biológicos: sem compromissos Direitos autorais: 50 anos

Contratos públicos

Define regras apenas para EUA- MEX (Canadá orienta-se pelo WTO)

Compromissos trilaterais

Comércio Digital

Dados transfronteiriços: restringe a localização dos dados/ proteção do código fonte e dos algoritmos

Não há compromissos Investidor-Estado

na Solução de Controvérsias

Não aplicável às disputas entre EUA-CAN; Disputas entre EUA- MEX é restrito

Não há compromissos Fonte: Elaboração própria com base em CRS (2019)

Os “temas antigos”: as Regras de Origem e as questões trabalhistas

A liberalização das Regras de Origem foi um dos assuntos recorrentes nas pautas desde de 2004, no qual foi possível, através de acordos provisórios de liberalização de produtos químicos, farmacêuticos, plástico, borracha e veículos automotores, acrescer a receita do comércio trilateral em vinte bilhões de dólares (CLC, 2004). Desde 1995, foi solicitado que todas as partes implementassem modificações técnicas (não substanciais) nas Regras de Origem, expressa no Artigo 401 do NAFTA, a fim de criar uma certa coerência entre as leis tarifárias.

O Artigo 401 é o responsável por definir as regras para medição da quantidade, em porcentagem, da matéria originária que um produto deve conter de cada um dos territórios das partes signatárias (FEDERAL REGISTER, 1997). Até 2012 foram implementadas cinco rodadas de modificações das Regras de Origem, a fim de reduzir os direitos aduaneiros nas transações comerciais entre os países, com um montante de bens estimados em 90 bilhões de dólares (CLC, 2012).

O principal objetivo da administração Trump durante a renegociação era aumentar o percentual estabelecido pelo artigo 401 e assim assegurar um alto valor regional na composição dos veículos comercializados entre EUA, Canadá e México, evitando que os produtores incorporassem componentes europeus ou asiáticos, e dessa forma, responder às

(8)

demandas da indústria do aço e as reivindicações de alguns membros do Congresso (ESSERMAN ET. AL., 2019).

O USMCA também introduz novos requisitos para a importação de automóveis e autopeças não relacionados com o valor de conteúdo regional. Tal debate se originou da perspectiva de que por meio da atualização das Regras de Origem era possível equilibrar a desvantagem sofrida pelos trabalhadores norte-americanos. No México, os trabalhadores do setor manufatureiro recebem em média vinte dólares por dia e os trabalhadores do setor automotivo, vinte e cinco dólares por dia. Em contrapartida, os norte-americanos ganham, nas mesmas áreas de produção, aproximadamente cento e sessenta dólares por dia. Esse desequilíbrio, de acordo com a visão do governo Trump, é uma injustiça, já que as empresas são atraídas a terceirizarem sua produção no solo mexicano (USTR, 2017).

A novidade do USMCA estão nas regras sobre o Conteúdo Valor – Trabalho (CVT) que exigem que uma parcela significativa de um carro ou conteúdo de caminhões seja produzido por trabalhadores que recebam mais de US$ 16/hora de trabalho. Para veículos de passageiro o CVT será inicialmente de 30% do conteúdo do automóvel e em três anos subirá para 40%. Para veículos pesados a exigência será de 45% logo no primeiro dia (ESSERMAN ET. AL., 2019).

Tal medida visa promover salários mais altos, durante as negociações o México acordou em aumentar os salários junto aos sindicatos, o que reforçou a necessidade de reformar suas leis trabalhistas. Em 11 abril de 2019, democratas do Comitê de Formas e Meios – comitê voltado à redação dos impostos, revisão e recomendações dos orçamentos do governo – assinaram uma carta aberta ao embaixador comercial Robert Lighthizer expressando suas preocupações sobre as disposições trabalhistas, apontando que desde 1998 foram encaminhadas 39 submissões sobre o não cumprimento das obrigações trabalhistas no NAFTA. Os democratas ainda pediram por negociações coletivas entre sindicatos e trabalhadores, e pelo fim das práticas de maus tratos e violência sofridos pelos trabalhadores mexicanos (CSIS, 2019; US COMMITTE ON WAYS AND MEANS, 2019).

Em 29 de abril de 2019, o Senado mexicano aprovou o projeto de lei (120 votos a 0) que reforma a Lei Federal do Trabalho do México (FLL), adicionando novas disposições para garantir direitos trabalhistas (MÉXICO, 2019). Vale destacar as principais modificações laborais aprovadas (MCKENZIE, 2019; MARTIN, 2019;

REUTERS, 2019; WASHINGTON POST, 2019):

(9)

 Novas regras para certificação sindical, nos quais sindicatos deverão adaptar-se a uma nova estrutura que exige a proteção dos sindicatos para os direitos de associação dos trabalhadores, a não interferência do empregador nas atividades sindicais, eleições dos líderes de sindicatos de forma livre e secreta e prestações de conta;

 Proibições para sindicatos de envolverem-se em esquemas de “ações simuladas”

por empregadores que desejam evitar as obrigações trabalhistas; utilizar violência contra funcionários sindicalizados; e aceitar propinas ou extorsões;

 Acordos coletivos estarão sujeitos à revisão e aprovação dos funcionários dos sindicatos, tais acordos deverão ser revisitas ao menos uma vez ao ano em um período de quatro anos após a efetivação da Reforma trabalhista;

 Criação do Centro Federal de Conciliação e Registro Trabalhista para responsabilizar-se pelas ações e procedimentos de registro de sindicatos, acordos coletivos e de negociação obrigatória e pela conciliação de nível federal entre empregadores e trabalhadores;

 Igualdade de gênero e a não-discriminação no ambiente de trabalho.

A ratificação do NAFTA pelo Congresso em 1993 foi marcada por tensões entre os grupos trabalhistas de maquinaria e eletroeletrônicos e sindicatos que empreenderam esforços contra o acordo comercial. Na perspectiva do USMCA, trabalhadores americanos preocupam-se com a concorrência representada por trabalhadores mexicanos, fazendo com que o Partido Democrata exigisse reformas laborais domésticas no México antes da votação do acordo (CSIS, 2019).

Sendo assim, a reforma foi um dos requisitos para a aprovação do USMCA nos Estados Unidos, Nancy Pelosi (D–Califórnia), presidente da Câmara dos Representantes, já havia declarado que as disposições sobre medidas trabalhistas deveriam ser promulgadas no México para que o Congresso dos EUA cogitasse propor votar o novo acordo (REUTERS, 2019).

Outros fatores relacionados às Regras de Origem também foram atualizados, como a certificação originária de veículos e peças automotivas (USTR, 2019). Abaixo o quadro comparativo entre o NAFTA e o USMCA no que se refere as novas regras de origem do setor automobilístico:

(10)

Quadro 2- Comparativo NAFTA e USMCA no que se refere às regras de origem da produção automotiva

NAFTA USMCA

Estabelecia limite de conteúdo regional de 62,5% para veículos de

passageiros e caminhões leves.

Estabelece 75% de limite de conteúdo regional para veículos de

passageiros e caminhões leves.

Não exigia que as “partes centrais” (motor, corpo, chassis, eixo)

fossem originárias.

Estabelece que as “partes centrais” possuam mais de 75% de

conteúdo regional.

Baixos requisitos de conteúdo regional para “partes principais” (vidros,

bombas, pneus, freios).

Estabelece 70% de conteúdo regional para “partes principais”.

Baixos requisitos de conteúdo regional para “peças complementares”

(painéis de plástico e de instrumentos, catalisadores).

Estabelece um percentual acima de 65% de conteúdo regional para “peças

complementares”.

Fonte: Elaboração própria com base em USTR (2019).

Para Bojikian (2018), a estratégia de Trump em focar nas Regras de Origem, um ponto que parecia ter sido superado pelos países desenvolvidos – que hoje caminham em direção aos debates sobre o setor de serviços ou alta tecnologia – era dar uma resposta ao seu eleitorado da Pensilvânia, Ohio e Wisconsin, uma vez que durante a campanha eleitoral, Trump foi incisivo em creditar o declínio da indústria norte-americana aos acordos comerciais.

O USTR estimou que o cumprimento destes dispositivos gerará aproximadamente 76 mil empregos adicionais nos Estados Unidos no setor automotivo, um crescimento de 7,6% em um período de cinco anos, sendo eles no ramo de montagem automotiva (22.800), fornecedores de baterias (8.000) e fornecedores automotivos (45.600), além do incremento de empregos em bens e serviços em áreas correlatas (USTR, 2019).

A postura dos Estados Unidos frente às negociações pode ser interpretada como a busca – explícita ou implícita – de soberania econômica somada a reversão dos compromissos de liberalização (IMF, 2019). Porém, apesar de reiterar as garantias expressas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), o USMCA não altera a realidade dos trabalhadores norte-americanos e canadenses, atingindo apenas os mexicanos. A nova regra que determina que as fábricas paguem no mínimo US$ 16/hora

(11)

para operários de linha de produção, e que até 2023 aproximadamente 40% das peças e partes de veículos provenham de fornecedores que paguem “salários altos” aos seus operários, na verdade possuem o objetivo de forçar montadoras a priorizar os fornecedores estadunidenses (BOJIKIAN, 2018).

Os “temas novos”

Desde que o NAFTA foi assinado o mundo experimentou uma crescente dependência dos meios de comunicação online, tornando impossível dos governos ignorarem o papel da Internet no século XXI. Nessa perspectiva, as economias mundiais estão empreendendo grandes esforços para lidar com questões sobre fluxos de dados transfronteiriços no que tange a necessidade de regulação do comércio digital de bens e serviços (ESSERMAN ET. AL., 2019).

Em 2018, o Escritório do Economista-Chefe do Departamento de Comércio dos Estados Unidos (OCE-DOC) divulgou um relatório2 que apontava a prevalência do comércio internacional de serviços nos setores da tecnologia da informação e comunicação (TIC), em especial aqueles que são negociados por meio da internet (PICTE): em 2016 os PICTE representavam nos EUA cerca de 54% das exportações totais de serviços e 48%

das importações totais de serviços (BOJIKIAN, 2018).

As exportações de serviços em TIC destinadas ao Canadá e ao México no ano de 2017 totalizaram um montante de US$ 31 bilhões e US$ 9,2 bilhões respectivamente, e tais somas não exprimem o real valor do comércio digital, visto que, a maioria dos serviços digitais, como por exemplo, os aplicativos gratuitos, criam uma espécie de valor econômico que não é incorporado pelos relatórios do Departamento de Comércio dos EUA (WASHINGTON EXAMINER, 2019).

Há ainda transações de dados que não necessariamente envolvem pagamentos e que se desenvolvem através da computação em nuvem (cloud computing), aonde os dados são enviados para as “nuvens” e armazenados em hardware (servidores) de propriedade de grandes empresas privadas, como Apple, Google e Amazon. O armazenamento através de servidores compartilhados pela internet é automaticamente maximizado, e os serviços

2 Se qualifica como comércio digital uma ampla gama de atividades, como o fornecimento de serviços no

exterior através da internet; a venda de softwares e/ou serviços de nuvem; a coleta, armazenamento e análise de dados internacionais (WASHINGTON EXAMINER, 2019).

(12)

financeiros são acessados remotamente para operações comerciais ou outros fins. Ocorre que todas as transações necessitam de regulamentação à transferência de dados (BOJIKIAN, 2018).

Dentro do atual cenário, barreiras comerciais não são os principais entraves para a integração econômica, os atores políticos buscam a alocação de recursos e investimentos por meio de outras vias “não-tradicionais” que impulsionam o crescimento regional, como tecnologias verdes e a economia digital (MARIA, 2019). A revisão das regras para investimentos estrangeiros é uma tendência global, países e atores financeiros preocupam- se em apresentar abordagens mais rigorosas para os processos de investimentos estratégicos, os EUA, por exemplo, utilizam uma tática rígida desde a crise de 2008, adicionando cláusulas em seus tratados comerciais que inviabilizam o acesso ao seu mercado em nome da segurança nacional (CHALAMISH, 2019).

Os Estados têm aumentado seus investimentos em tecnologia para criar alternativas que viabilizem alocações alternativas, em primeiro lugar, porque as chamadas “tecnologias disruptivas” – de alto rendimento, como inteligência artificial – são setores que recebem grande financiamento de institutos de pesquisa, governos e empresas, resultando em um retorno líquido mais rápido. Em segundo, os ativos tradicionais, como compra de títulos de dívidas públicas possuem uma valorização real mais lenta, apesar de serem considerados mais seguros. A nova “onda” tecnológica de investimentos é extremamente arriscada, já que estão atreladas a operações transfronteiriças que dependem de reformas estruturais para viabilizar os fluxos de capitais sem restrições (CHALAMISH, 2019).

O mercado de tecnologia norte-americano em 2018 obteve o crescimento mais rápido desde 2012 em aproximadamente 6,7%, o Departamento de Comércio dos EUA em relatório sobre os gastos governamentais em tecnologias de bens e serviços apontou que o governo está anualmente investimento mais recursos na área. Em 2014 o total de dólares (em US$ bi) reservados para a área de TI foram de US$ 1311/ano, se comparado com 2019 o montante anual aumentou em US$ 300 bi, um total de US$ 1668 (FORRESTER RESEARCH, 2019).

Em fevereiro de 2019 o presidente Donald Trump assinou uma ordem executiva para orientar que as agências federais priorizassem investimentos, pesquisas e desenvolvimento voltados à Inteligência Artificial, sinalizando o compromisso dos Estados Unidos em fortalecer a cadeia tecnológica e salvaguardar sua vantagem sobre a China (FOREGEIN POLICY, 2019).

(13)

Os mercados emergentes estão dominando este cenário, a China investe mais do que toda a Europa combinada em capital de risco voltado à alta tecnologia e a Huawei é a maior indústria de tecnologia do mundo (BORTOLOTTI; LOSS; TRAJKOV, 2016). Os EUA já iniciaram o processo de reformular o sistema fiscal para as empresas que prestam serviços financeiros digitais e de tecnologia com o objetivo de repatriar os mais de US$ 1 trilhões de dólares que seus investidores domésticos depositam no exterior.

O USMCA responde a demanda do governo dos Estados Unidos em atender a regulação do comércio e dos serviços digitais. Os EUA abrigam atualmente as maiores empresas de high tech (alta tecnologia) especializadas em inovação e tendências, em 2011 a Comissão de Comércio Internacional dos EUA realizou um levantamento que apontava os mais de 2,4 milhões de empregos criados pelo comércio digital (WASHINGTON EXAMINER, 2019).

Sobre o Digital Trade não havia nenhum capítulo que regulasse a economia digital quando o NAFTA foi assinado em 1994. Apesar da administração Trump se retirar da Parceria Trans-Pacífica (TPP), o novo texto do USMCA utilizou como base o capítulo referente ao comércio eletrônico da TPP, que especifica os impostos alfandegários para produtos digitais, e também a disposição que impedem a localização de dados. O capítulo sobre o comércio digital (capítulo 19 do USMCA) engloba todas as indústrias, seus objetivos giram em torno da promoção do comércio digital e do livre fluxo de informações (CRS, 2019):

 Proibição de fronteiras para fluxos de dados e restrições de requisito de localização;

 Proibição de requisitos para códigos-fonte ou algoritmos de divulgação para acesso ao mercado;

 Proibição de direitos aduaneiros ou demais encargos para produtos transmitidos eletronicamente;

 Exigência de proteção on-line do consumidor;

 Promoção da segurança cibernética;

 Proibição de responsabilidade por danos contra prestadores de serviços de internet;

 Promoção de publicação de dados governamentais abertos e legíveis ao público geral.

(14)

Um dos principais avanços é voltado ao setor de serviços financeiros, que sob o USMCA não sujeita-se à requisitos de localização de dados e nem abre exceções sobre esta cláusula, tal esforço deve-se a impossibilidade do comércio digital se desenrolar sob a localização de dados, visto que, na maioria dos casos, as empresas estrangeiras só podem atuar em um país se possuírem sede física ou aluguel em “infraestruturas de dados” (CFR, 2018; ESSERMAN et. al., 2019).

O capítulo 19 também aborda questões amplas, como o fluxo de dados transfronteiriços e requisitos para armazenamento local de dados. Estes tópicos, localização de dados e fluxos de dados através de fronteiras, são os itens que mais interessam as empresas de high tech, já que estas buscam contornar legislações que exijam o armazenamento de dados pessoais em determinadas jurisdições. Se de um lado, a União Europeia limita o uso e a transferência e dados, regulamentando o armazenamento de dados dos seus cidadãos em servidores locais, o USMCA atua no sentido oposto, proibindo tais limitações (BOJIKIAN, 2018).

O USMCA também estabelece limites monetários (limiar minimis) que beneficia as plataformas de e-commerce, pois os limiares elevados permitem que uma parte possa comprar maiores níveis sem provocar direitos aduaneiros sobre importações, agilizando o processo de verificação alfandegária: as remessas (enviadas pelo correio, entregues pelos correios, transportadas por distribuidores) estariam isentas de impostos para envios menores de US$ 117 para o México (antes até US$ 50) e envios menores de US$ 150 para o Canadá (antes até US$ 20) (ESSERMAN et. al., 2019; CRS, 2019).

Os EUA durante as negociações também pressionaram o Canadá e o México a adotarem uma cláusula sobre “serviços interativos do computador”, aonde as Plataformas de Internet não podem ser responsabilizadas pelos conteúdos propagados pelos seus usuários. Com base na Seção 230 da Lei de Decência das Comunicações (Communications Decency Act), parte da grande Lei de Telecomunicações de 1996, os EUA buscaram garantir no USMCA que os fornecedores de serviços de internet não sejam considerados editores de conteúdo, portanto, estão imunes a responsabilidade civil do material divulgado (ESSERMAN et. al.,2019).

Já em relação ao Capítulo 20, sobre a Propriedade Intelectual, sua inclusão deve-se à motivação dos Estados Unidos em proteger os conteúdos desenvolvidos nos EUA e assim maximizar seus interesses econômicos. Quando ocorre a violação de uma patente, como a pirataria ou o “roubo secreto” de marcas, são diminuídas as vantagens nacionais no que se

(15)

refere à inovação, criatividade e empreendedorismo. Os principais destaques do Capítulo 20 são:

Quadro 3- Principais disposições do capítulo 20 do USMCA

Direitos autorais (obras artísticas e literárias)

Estende os prazos de direitos autorais de 50 anos – a partir da publicação – para 70 anos. Apenas o Canadá mantém o prazo de 50 anos.

Dados Biológicos

10 anos de exclusividade para medicamentos biológicos. Os Estados Unidos buscam estender para 12 anos – de acordo com legislação interna.

Provedores de Serviços de Internet (ISP)

Protege os ISPs contra a responsabilidade de violação de direitos autorais digitais, desde que, os ISPs se responsabilizem de forma intermediária através do

“aviso e remoção” ou sistemas alternativos.

Aplicação digital

Estende a aplicação dos Direitos de Propriedade Intelectual para direitos autorais no ambiente digital.

Marcas

Estende a proteção a marcas de sons e marcas comerciais coletivas.

Indicações geográficas (IG)

Protege os nomes já acordados do Canadá e do México já acordados com a União Europeia, mas solicita transparência para determinar se o termo é usual na linguagem comum do país.

Fonte: Elaboração própria com base em CRS (2019)

Os Estados Unidos já preveem 12 anos de exclusividade de dados para novos produtos biológicos com a Lei de Concorrência e Inovação dos Preços Biológicos, mas sob a USMCA o período mínimo fica estipulado em 10 anos. Os EUA pretendem estender um período de exclusividade semelhante ao México que estabelecia 5 anos e ao Canadá com obrigatoriedade de 8 anos (ROTHWELL FIGG, 2019). A defesa do Presidente Trump sobre este ponto está atrelada ao discurso “made in USA”, voltados às indústrias automotivas, inovações de tecnologias de informação e comunicação e também a inovação do setor medicinal (CSIS, 2019).

Medicamentos biológicos são fabricados através de organismos vivos – vírus, toxinas, sangue, proteínas – ao contrário dos medicamentos tradicionais que utilizam-se da síntese química. O período de 10 anos de exclusividade protege medicamentos biológicos dos seus biossimilares, isto é, os medicamentos genéricos do segundo grupo.

(16)

Uma das problemáticas está na oferta exclusiva por algumas empresas do ramo levar ao aumento exponencial dos produtos farmacêuticos, prejudicando seu acesso aos cidadãos norte-americanos que não são capazes de arcar com os altos custos dos medicamentos (CSIS, 2019; NY TIMES, 2019).

A exclusividade biológica apareceu pela primeira vez nas negociações comerciais da Parceria Transpacífica (TPP) que incluía um período de oito anos para produtos biológicos, contudo, após a retirada dos EUA do TPP, tal regra foi suspensa para toda a regulamentação da Propriedade Intelectual. A persistência dos EUA em buscar períodos mais longos de exclusividade de dados para seus parceiros também recai sobre o fato do Canadá e o México serem signatários do TPP, que inicialmente não queriam alterar o período de tempo, toda a negociação do item foi objetada e exigida pelos EUA (CSIS, 2019).

Observa-se que o capítulo 20 foi enrijecido para promover a proteção de segredos comerciais e a apropriação indevida – inclusive por empresas estatais – nas quais os infratores estarão sujeitos a sanções civis e criminais (USTR, 2019; CRS, 2019). O objetivo da aplicação de proteção dos direitos de propriedade intelectual “contribuem para a promoção da inovação tecnológica e a difusão de tecnologia, trazendo vantagens mútuas entre produtores e usuários sobre o conhecimento tecnológico e ao bem-estar social e econômico, além de equilibrar direitos e obrigações entre as partes” (tradução nossa)3.

Portanto, os assuntos da Era Digital neste novo acordo apresentam um paradoxo.

Se de um lado, os EUA defendem proteções severas para a propriedade intelectual, com ampliação dos prazos de divulgação dos conteúdos autorais em obras artísticas, literárias e biológicas, por outro lado, busca a remoção de proteções ao comércio digital (BOJIKIAN, 2018).

Considerações finais

Diante da discussão apresentada, observou-se que durante a formatação do antigo NAFTA vigorava um ambiente político e econômico marcado pela liberalização das

3USMCA (law): Chapter 20, Article 20.2: Objectives. In: Agreement between the United States of America, The United Mexican States and Canada, Text. Link: https://ustr.gov/trade-agreements/free-trade- agreements/united-states-mexico-canada-agreement/agreement-between. Acesso em: 10/05/2021.

(17)

práticas comerciais. Articulada pelos Estados Unidos, o acordo possui como núcleo central as regras para o comércio e o investimento com ampla mobilidade de capitais e abertura comercial indiscriminada, principalmente no México, em prol das empresas norte- americanas.

Após mais de 20 anos de vigência, o NAFTA mostrou-se um acordo abrangente que incrementou as receitas dos três países e aprofundou a interdependência de suas economias. A necessidade da sua modernização já era uma pauta defendida pelos agentes econômicos e políticos desde meados dos anos 2000, após a Rodada Doha. A divergência quanto ao encaminhamento da renegociação surge com o governo Trump, quando este sinaliza que o NAFTA foi o pior acordo da história norte-americana, na tentativa de sinalizar frente à opinião pública que seu governo colocaria os interesses dos Estados Unidos em primeiro lugar (MARIANO; MATTOS; SUGAHARA, 2019).

O resultado da eleição presidencial de 2016 é, portanto, o início da ruptura com o ambiente geopolítico anterior. A partir de um comparativo do Relatório Anual do Presidente dos Estados Unidos sobre o Programa de Acordos Comerciais de 2014/2015 com o de 2017/2018 é possível evidenciar a mudança de diretriz do discurso governamental. O Relatório 2014/2015 parabenizou o NAFTA pela criação da maior área de livre comércio do mundo, responsável por interligar mais de 474 milhões de pessoas que produzem em torno de US$ 20,5 trilhões em bens e serviços. Ainda, o Relatório afirmou que a eliminação de barreiras permitiu que as exportações norte-americanas de bens e serviços aumentassem em 289% entre 1993 e 2014 (USTR, 2015).

Em contrapartida, o Relatório 2017/2018 responsabilizou o NAFTA pelo déficit comercial dos Estados Unidos, aonde desde 1994 o país estaria enfrentando déficits bilaterais com o México e o Canadá. Em 2016 o montante deste déficit sofrido pelos EUA, segundo dados do Relatório, fechou em mais de US$ 70 bilhões e criticou a forma pela qual o país liderou o processo de globalização, afirmando que Trump herdou acordos comerciais desvantajosos e um sistema de negociação comercial falho (USTR, 2018).

De acordo com Bresser-Pereira (2010), um dos traços fundamentais do sistema capitalista são as crises, desde 1973, ano em que passou a vigorar as taxas de juros e de câmbio flutuantes e flexíveis, o mundo experimentou 139 instabilidades financeiras. A crise de 2008 irradiada nos Estados Unidos é a expressão da estagnação salarial somada ao endividamento familiar, em 2007 quase toda a população norte-americana (98%) estava endividada.

(18)

Os efeitos adversos da globalização nos Estados Unidos foram o triunfo do discurso reparador de Trump, que propunha efetivar o projeto destruído da burguesia nacional industrial para enfrentar os problemas intrínsecos do capitalismo: desemprego, desenvolvimento tecnológico, automação das indústrias, entre outros (TABÍO, 2018).

“Quando o presidente Trump assumiu o cargo, o setor manufatureiro dos EUA suportou perdas maciças do trabalho, e os salários tinham estagnado ou declinado mesmo para muitas famílias americanas (USTR, 2019 c, p.2, tradução nossa).

O presidente direcionou seu discurso à classe média norte-americana pauperizada, principalmente nos Estados que sofreram com a desindustrialização, e buscou apresentar- se como uma figura republicana anti–establishment, isto é, contra a ordem ideológica, econômica e política dentro dos EUA. Em nome dos interesses dos Estados Unidos, o sistema de negociações multilaterais foi substituído no seu governo pela abordagem bilateral (ou até mesmo unilateral), com enormes exigências feitas pelos Estados Unidos em relação ao México e inúmeras ameaças para “retirar-se” do acordo caso as disposições propostas pelo governo não fossem incluídas (MERINO, 2018).

Foi apresentado neste trabalho, as atualização referentes aos “temas antigos”, como as Regras de Origem, aumentando o conteúdo regional de componentes norte- americanos para fabricação de automóveis de 62,5% para 75%, tendo como objetivo a exigência de um alto valor regional para proteger a economia doméstica do aço e do alumínio (USTR, 2019).

Em relação aos novos tópicos, discutiu-se novos padrões para a Propriedade Intelectual (capítulo 20), os prazos de direitos autorais artísticos e literários são estendidos de 50 para 70 anos, e as descobertas de medicamentos biológicos recebem 10 anos de exclusividade. Como proposta de adaptação ao novo cenário tecnológico, pela primeira vez é introduzido em um Acordo de Livre Comércio disposições para regular a economia digital (capítulo 19), no qual o governo defendeu a livre circulação de fluxos de dados e a proibição de requisitos de código-fonte para empresas que desejam acessar o mercado norte-americano (CRS, 2019).

A estratégia em incluir uma agenda protecionista ou um nacionalismo econômico em defesa dos agentes danificados no processo de globalização, desencadeou uma política externa orientada pelo aumento das taxas de juros e pelo fortalecimento do dólar, aumento da proteção para a Propriedade Intelectual, grandes investimentos em inovações

(19)

tecnológicas para competir no cenário internacional – principalmente com a China – e repatriação dos investimentos de empresas nacionais no estrangeiro para o solo nacional (MERINO, 2018). E nesta disputa tecnológica, se fez necessário por parte dos EUA responder à demanda para regulação do comércio de serviços digitais, já que o país abriga empresas importantes de alta tecnologia e também gasta parte significativa do orçamento público em pesquisas voltadas à inovação e tendências.

Referências Bibliográficas

BOJIKIAN, Neusa Maria P. Panorama EUA. In: Observatório Político dos Estados Unidos, Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para estudos sobre os Estados Unidos INCT-INEU. Vol. 4, nº 8, outubro de 2018.

BRESSER-PEREIRA, Luiz Carlos. A crise financeira global e depois: um novo capitalismo?. Novos estudos - CEBRAP, São Paulo, n. 86, p. 51-72, Mar. 2010.

CHALAMISH, Efraim. Crackdown on foreign investment. In: Official Monetary and Financial Institutions Forum (OMFIF). Global Public Investor 2019. OMFIF, 2019.

CONGRESSIONAL RESEARCH SERVICE (CRS). NAFTA Renegotiation and the Proposed United States-Mexico-Canada Agreement. CRS Report: February 26, 2019.

COUNCIL ON FOREIGN RELATIONS (CFR). The Coming North American Digital Trade Zone. October 9, 2018.

CSIS- CENTER FOR STRATEGIC & INTERNATIONAL STUDIES (2019). The Road to Ratification: Democrat’s Resistance to the USMCA. May 16, 2019.

ENCISO, J. Andrés Godinez; CASTRO, Maria Beatriz Garcia. O México no Tratado de Livre Comércio México-Estados Unidos-Canadá: uma nota introdutória. Revista eletrônica Indicadores Econômicos FEE, v. 20, n.1, 1992.

ESSERMAN, S. et. al. USMCA Unlocked: Working Under the New NAFTA. STEPTOE report. March 29, 2019.

FEDERAL REGISTER. Rectifications to the nafta Rules of Origin Set Forth in Hamonized Tariff Schedule. May, 12, 1997. Volume 62, number 91.

FOREGEIN POLICY. Here’s how the United States can keep its technological edge.

Disponível em: <https://foreignpolicy.com/2019/02/25/heres-how-the-united-states-can- keep-its-technological-edge-trump/>. Acesso em: 15/07/2021.

FOREGEIN POLICY RESEARCH INSTITUTE (FPRI). What’s new in USMCA?.

FRPI, 2018.

(20)

FOREIGN TRADE INFORMATION SYSTEM (SICE). NAFTA: Accelerated Elimination of Tariffs 2002- Annex 302.2. SICE, 2012.

FOREIGN TRADE INFORMATION SYSTEM (SICE). USMCA 2019. SICE, 2019.

INTERNATIONAL MONETARY FUND (IMF). NAFTA to USMCA: What is Gained?.

IMF Working Paper, 2019.

LEON, Márcia Saraiva. O Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA) e seus possíveis efeitos sobre o Brasil. BNDES: Rio de Janeiro, 1995.

LOPES, Renata Rossetto; CARVALHO, Carlos Eduardo. Acordos bilaterais de comércio como estratégia de inserção regional e internacional do Chile. Contexto int. 2010, vol.32, n.2

MARIA, Rebecca Sta. Growth beyond trade. In: Official Monetary and Financial Institutions Forum (OMFIF). Global Public Investor 2019. OMFIF, 2019.

MARIANO, K. L. P; MATTOS, A. R; SUGAHARA, D.G. Do NAFTA ao USMCA:

Trump e os interesses nacionais. Perspectivas, São Paulo, v. 54, p. 1-270, jul./dez. 2019.

MARTIN, Eric. Mexican congresso passes labor law tied to USMCA trade agrément.

April 29, 2019.

MCKENZIE, Baker. A new age for Mexico’s Labor Law: New protections for labor nions and New Labor justice system. May 1, 2019.

MENEZES, Henrique Zeferino de. A Estratégia Norte-Americana de Forum Shifting para Negociação de Acordos TRIPS-Plus com Países da América Latina. Contexto int.

2015, vol.37, n.2

MESQUITA, Paulo Estivallet de. A Organização Mundial do Comércio. Org. Paulo Estivallet de Mesquita. – Brasília: FUNAG, 2013.

MÉXICO (2019). El Senado de la Republica aprueba el Tratado México, Estados Unidos, Canadá (T-MEC). Comunicación Social, Comunicado Nº 073, Ciudad de México, 19 de junio de 2019.

NEGROPONTE, Diana Villiers. North American Leaders Meet in Toluca, Mexico:

What can we hope for?. Brookings Institution (online), 2014.

REUTERS. Mexican senate passes labor law, key to approving new NAFTA. April 19, 2019.

ROTWELL FIGG. House democrats seek to remove biologics exclusiviy period from USMCA. Disponível em: <https://www.biosimilarsip.com/2019/07/25/house-

(21)

democrats-seek- to-remove-biologics-exclusivity-period-from-usmca/. Acesso em:

01/08/2021.

TABÍO, Luis René Fernández. La administración Trump y la economia norteamericana: contradicciones y perspectivas. In: Estados Unidos contra el mundo:

Trump y la nueva geopolítica. CASTORENA, Casandra. GANDÁSEGUI, Marco A.;

MORGENFELD, Leandro; MERINO, Gabriel Esteban; FERNÁNDEZ, Dídimo Castillo;

PEDRAZA, Gladys Cecilia Henández; MARTÍNEZ, Jorge Hernández; KATZ, Claudio;

SALAZAR; Luis Suárez; NIETO, Jaime Zuluaga; RAMÍREZ, Mariana Aparicio;

MORALES, Josefina; PECH, César Isai Manzano. CLACSO, 2018.

THORSTENSEN, Vera. A OMC – Organização Mundial do Comércio e as negociações sobre comércio, meio ambiente e padrões sociais. Rev. Bras. Polít. Int.

1998. 41 (2): 29-58.

UNITED STATES – MEXICO – CANADA FREE TRADE AGREEMENT (USMCA).

Chapter 20, Article 20.2: Objectives. In: Agreement between the United States of America, The United Mexican States and Canada, Text. USMCA, 2019.

UNITED STATES OF AMERICA. OFFICE OF THE UNITED STATES TRADE REPRESENTATIVE (USTR). 2015 Trade Policy Agenda and 2014 Annual Report of the President of the United States on the Trade Agreements Program. USTR. 2015.

___________________. NAFTA 2007 Commission Meeting, Vancouver, Canada.

August 14, 2007. USTR, 2007.

___________________. NAFTA partners Speed up Elimination of Tariffs on $ 25 billion in Trade. USTR, 2002.

___________________.Side Letter Texto on 232 Canadá-US responde. November, 30, 2018.

___________________. Estimated impact of the United States Mexico-Canada agreement (USMCA) on the U.S. automotive sector. April, 18, 2019. USTR, 2019.

___________________. Special 301 Report, April 2019. USTR, 2019a.

___________________. 2018 Trade Policy Agenda and 2017 Annual Report of the President of the United States on the Trade Agreements Program. USTR, 2018a.

___________________. Deal with Canada and Mexico to Lift Retaliatory Tariffs.

USTR, 2019b.

___________________. Summary of objectives for the NAFTA renegotiation.

November, 2017. USTR, 2017.

___________________. USMCA. 2018. USTR, 2018.

(22)

___________________.2019 Trade Policy Agenda and 2018 Annual Report of the President of the United States on the Trade Agreements Program. USTR, 2019c.

WASHINGTON EXAMINER (2019). With the USMCA, trade deals finally goes digital. June 01, 2019. Disponível em: https://www.washingtonexaminer.com/opinion/op- eds/with-the-usmca-free-trade-finally-goes-digital > Acesso em: 20/07/2021.

Referências

Documentos relacionados

Nosso tema intitulado “Agronegócio na região centro oeste paulista: a expansão do eucalipto e os conflitos territoriais e socioambientais (2000 a 2020)” tem como

Isso, associado à expansão da teoria queer, para além dos muros das universidades, e o alargamento da discussão sobre as questões de gênero a nível nacional e internacional,

[Foi no] (....) final dos anos 60 quando um disc-jockey chamado Kool Herc trouxe da Jamaica para o Bronx a técnica dos famosos sounds-system de Kingston, organizando festas nas

Entretanto, esses governos não foram capazes ou não quiseram aproveitar o boom das commodities, gerado a partir de 2003, e não implementaram reformas estruturais para a construção

Os objetos desta fase são diferentes e novos em relação aos da fase anterior, tais como a maioria parlamentar, a política econômica, salarial e social, grupos simpáticos ao PT,

Os originais datilografados, que serviram como roteiro de exposição, foram disponibilizados no formato digital pelo Fundo Florestan Fernandes da Unidade

Após analisar a articulação feminista internacional em torno do tema da participação política das mulheres e como ela foi trazida para dentro do Congresso

O texto está organizado da seguinte maneira: em primeiro lugar, descrevemos os perfis das entrevistadas e entrevistados, entendendo como, em consonância com