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UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE CURSO DE PEDAGOGIA

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UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE - UNIVALE CURSO DE PEDAGOGIA

Arthur Minelli Araújo Gomes

A IMERSÃO NOS JOGOS ELETRÔNICOS: UMA ABORDAGEM TRANSVERSAL

Governador Valadares - MG 2016

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ARTHUR MINELLI ARAÚJO GOMES

A IMERSÃO NOS JOGOS ELETRÔNICOS: UMA ABORDAGEM TRANSVERSAL

Monografia apresentada ao curso de Pedagogia – Licenciatura, da Universidade Vale do Rio Doce (Univale), como requisito essencial para obtenção Grau de Licenciado em Pedagogia.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Nádia Maria Jorge Medeiros Silva

Governador Valadares – MG 2016

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RESUMO

O presente estudo tem como objetivo analisar a relação do homem com os jogos eletrônicos procurando fazer um paralelo com situações cotidianas por meio de uma escrita menos rígida. Para a elaboração desta pesquisa, elencamos como metodologia um levantamento bibliográfico, lendo e fichando livros e artigos, tendo em vista a compreensão dos conceitos expostos e problematizados, possibilitando, assim, os jogos digitais atravessarem os diversos discursos e campos do saber, enquanto dialoga com curtos textos literários que perpassam esses discursos e exemplificam as noções apresentadas nessa pesquisa. Definidos o tema e o método, o roteiro da escrita se baseia em cinco partes. A primeira: enxerga o jogo como leitura. Segunda: lida com a construção da identidade. Terceira: explica ciberespaço e cibercultura. Quarta: afirma o ciberespaço como território. Quinta: une conceitos de estética para elencar os outros debates. Partes que, embora tenham divisões próprias, dialogam entre si em todo o processo de escrita. A partir do presente estudo foi possível concluir a relevância da complexidade que flui da relação jogo/jogador, viabilizando um outro olhar para os jogos eletrônicos, que não o de mero produto do entretenimento. Construindo dessa visão, a possibilidade de um trabalho educacional/pedagógico que não se limite a espaços únicos para fomentar a aprendizagem. Valorizando os lugares de relação e troca de experiência virtual como espaços educativos e detentores de potencialidades emancipatórias.

Palavras-Chave: Ciberespaço, Jogos Eletrônicos, Território, Educação

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ABSTRACT

The purpose of this study is to analyze the relation between the man and electronic games, trying to make a parallel with daily situations through less rigid writing. For the elaboration of this research, we list as methodology a bibliographical survey, reading and indexing books and articles, in order to understand the concepts exposed and problematized, making possible these digital games to cross the various discourses and fields of knowledge, while dialoguing with short literary texts that permeate these discourses and exemplify the notions presented in this research. Once the theme and method had been defined, the script was based on five parts. The first one: sees the game as reading. Second, it deals with the construction of identity. Third: explains cyberspace and cyberculture. Fourth: it affirms cyberspace as territory. Fifth: unites aesthetic concepts to list the other debates. Parties that, although have their own divisions, dialogue among themselves throughout the writing process. From the present study it was possible to conclude the relevance of the complexity that flows from the game/player relation, allowing another look at electronic games, not the mere product of entertainment. Building from this vision, the possibility of an educational/pedagogical work that is not limited to unique spaces to foster learning. Valuing places of connection and exchange of virtual experience as educational spaces and holders of emancipatory potentialities.

Keywords: Cyberspace, Electronic Games, Territory, Education

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 6

METODOLOGIA ... 11

Ato I: Os jogos eletrônicos como objeto de leitura ... 15

Ato II: O videogame e a construção de identidade ... 23

Ato III: Cibercultura e ciberespaço ... 31

Ato IV: A territorialização nos jogos eletrônicos ... 39

Ato V: A experiencia estética além da arte ... 51

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 60

REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS ... 64

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INTRODUÇÃO

“A gente espera um tempo pra comprar. Esses produtos eletrônicos, quando lançam o mercado, começam muito caros. Depois que muita gente vai comprando eles vão ficando mais baratos, porque aí perdem a exclusividade.” Era o que eu ouvia quando olhava fixamente o Nitendo na vitrine da loja de eletrônicos. Mas este é o pensamento comum de uma família recém-formada, de classe média-baixa, nos anos noventa. E com a estabilização da moeda e o dólar perto do real, embora o salário mínimo ainda não fosse o suficiente (convenhamos, nunca é), cinco anos depois do lançamento do videogame que flertava com a minha infância, eis que o recebo, das mãos dos meus pais, em um natal aleatório, o tal Nitendo.

A caixa era grande, preta, repleta de desenhos dos personagens clássicos da marca. A publicidade foi eficaz em me fazer esperar cada ano, hora e minuto, pela possibilidade de abrir aquela caixa e retirar o console de plástico cinza de dentro. Fiz com cuidado. De alguma maneira, tal como quando compro um livro que anseio bastante, sabia que aquele objeto, embora não fosse uma pessoa, me ofereceria companhia por um longo tempo.

Ele cheirava a indústria e plástico novo, com um suave tom de papelão recém- fabricado. O aroma das coisas sempre me prendeu a elas de uma maneira mais forte que os outros sentidos. Enfatizarei melhor sobre este envolvimento degustativo quando discutirmos estética. Retirei o objeto da caixa, sentindo a textura. Sentido o aroma de suas nuanças e tocando cada fio, controle, chip e plástico bolha. Parece estranho, controverso, ou incoerente aliar sensação de prazer a posse de um objeto. Talvez soe como a abertura para um pensamento reducionista da visão de homem que sustenta sua felicidade no consumo. E de fato era isso mesmo. Crianças são alvos fáceis para o bombardeio frequente de marketing relacionado a construção de identidade a partir do consumo. Naquele momento, me sentia mais completo.

Quando instalei o trambolho cinzento na televisão, conectei os controles e inseri o primeiro cartucho (Super Mário Word), me vi diante de um tipo de diversão até então nunca vivida. Foi quando aconteceu: eu já enxergava na escola a materialização da chatice e os videogames potencializaram ainda mais esta visão. Consequentemente, reduzindo meus, já defasados, laços afetivos/profissionais com o ambiente escolar.

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Viver aventuras em mundos de chocolate e tartarugas gigantes me atraíam muito mais do que quatro horas e meia sentado numa cadeira, fazendo cálculos ou aprendendo a escrever. Haviam aulas de informática (coisa dispensável para os dias de hoje) onde aprendíamos funções do Word e Excel. Jogos em sites eram apenas uma recompensa do trabalho bem feito no fim da aula, nunca protagonistas.

Se todo este avanço tecnológico que consome nosso tempo e dinheiro não for usado em prol da educação (e melhor ainda, na escola), talvez tenhamos passado da hora de perceber que é um investimento, no mínimo, desinteligente. A facilidade e o acesso a informação por meio de aparelhos digitais pode ser o céu ou o inferno para professores, cabe a estes profissionais compreendê-los a fundo e torna-los ferramentas ao invés de empecilhos.

***

Há uma tendência quase que exponencial do ser humano do século XXI em ir de encontro à tecnologia e, por vezes, até se tornar dependente dela. Pessoas trabalham, se informam, estudam, compram, se relacionam umas com as outras e até se divertem por meio de aparelhos eletrônicos. E o fato dessa cadeia tecnológica ser tão maleável ao ponto de nos proporcionar produção e diversão, na mesma medida, me causa desconforto e alívio, não necessariamente nessa ordem.

Por isso, esta pesquisa tem o intuito de executar uma análise epistemológica dos jogos eletrônicos. Enxergando-os constantemente na qualidade de plataformas que possibilitam o acesso a um território virtual educativo; procuro compreender a complexidade dos jogos digitais como atores do (e no) ciberespaço, além de estabelecer respostas teóricas sobre a conexão do sujeito educando com esses recursos tecnológicos e correlacionar os diversos discursos, acerca do objeto de estudo, com os saberes educacionais.

Estamos cercados de informação e conhecimento tecnológico aliado à imersão em ciberespaços. O cotidiano incide sobre nós, sujeitos - e sujeitados pelo ambiente - a obrigação de nos modificar e rejuvenescer constantemente para que nos adaptemos aos novos meios de informação. Se para o trabalho essas modificações já são fundamentais, para o lazer, elas tendem a uma constância cada dia maior. Inserimos-nos em universos cibernéticos para contar histórias, sermos conduzidos por histórias, interpretar

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personagens, participar de aventuras, construir e desconstruir o que bem entendermos e até para praticar esportes.

Cresci em contato com aparelhos tecnológicos e percebi o desenvolvimento destes aparelhos junto ao meu próprio. Cito como exemplo televisões, telefones, videogames... Presenciei e presencio a evolução dos objetos que nos rodeiam. De todos esses “instrumentos” interativos, ou mídias, o que passei maior tempo da infância foi, sem dúvidas, o videogame. Alguma coisa nos jogos eletrônicos me encanta. Daí a razão de dialogar vários discursos e conhecimentos para tentar compreender de maneira complexa, a relação do sujeito educando com a infinitude do jogar. E concordando com Bujes (2002, p. 16), entendo que;

a pesquisa nasce sempre de uma preocupação com alguma questão, ela provém, quase sempre, de uma insatisfação com respostas que já temos, com explicações das quais passamos a dúvidas, com desconfortos mais ou menos profundos em relação a crenças que, em algum momento, julgamos inabaláveis. Ela se constitui na inquietação.

Conciliando discursos de várias áreas do saber em prol da compreensão da imersão que se atinge no contato com estes jogos é que encontro o cerne de toda a pesquisa. Entender a relação desta modernidade, tão líquida, com as novas tecnologias em busca do prazer ou de uma experiência imersiva, é a motivação para buscar alternativas globais que permitam meu objeto de pesquisa, os jogos digitais, atravessar várias camadas de saberes e ser compreendido na totalidade que me for possível.

Busco na estética uma maneira de explicar a imersão nos jogos digitais pelos sentidos. Este que é um conceito filosófico, artístico e porque não, do senso comum, uma vez que frequentemente relacionado apenas a aparência; servindo nessa escrita para como um fio condutor da territorialização. Também a leitura de mundo e construção de sentido, originárias da alfabetização, que se ampliam nas relações do homem com seus pares. Aqui adoto a leitura dos códigos do ciberespaço. E os próprios conceitos de território e territorialização, geográficos em sua origem, mas amplos o suficiente para nos auxiliar no entendimento dos lugares e não-lugares derivados do ciberespaço e da cibercultura. A escolha dessas perspectivas do conhecimento foram feitas pela exigência da complexidade que flui da abordagem territorial sobre a apropriação dos campos virtuais. Assim, correlaciona-las para compreender a imersão pelo ciberespaço torna

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este um trabalho de “ligar os pontos”, buscando saberes científicos e comparações para ampliar e exemplificas as experiências vividas pelos sujeitos com os jogos dependentes de virtualização.

Todos estes termos apresentados pretendem se inserir no discurso dos jogos eletrônicos, e ainda me permito a façanha de fazer comparativos lógicos enquanto dialogo com eles. É que enxergo a imersão pela apreciação estética no ato de ‘jogar’, muito parecida com a do cinema, da literatura, ou até da apreciação de uma obra de arte ou da natureza. Perceberemos que os sentidos e sensações que se voltam para este escopo, pouco se diferem, e que a amplitude dos conceitos aqui apresentados está afunilada no viés da minha leitura.

Pessoalmente, este é um trabalho que além de procurar responder objetivamente para equivalências acadêmicas, avaliações e resultados, busca sanar as dúvidas e anseios do próprio pesquisador, este que escreve e tem um envolvimento íntimo com o objeto de estudo que se apresenta. E se só me cabe os olhos que tenho para ver o mundo, é nesta perspectiva que se apresentará toda a escrita derivada do mal-estar desenvolvido na pesquisa.

Acontece que compreender fenômenos contemporâneos e proposições rarefeitas de subjetividade como espaços cibernéticos, virtualização e construção de sentido, implica numa viagem de observador, onde me tentei pescar os discursos mais significativos dentro deste enorme espectro de conhecimento, e torna-los parte essencial do que é preciso para compreender a imersão.

Partindo do pressuposto que não há jogo eletrônico que esteja insento de proporcionar atividade cultural/intelectual, uma vez que a relação do sujeito com este objeto depende especificamente de certos códigos, tanto linguísticos quanto habituais para se estabelecer esteticamente, convoco Setton (2010, p.48) explicando melhor do que eu poderia que:

[...] ao entrar em contato com um número variado e constante de estímulos visuais, por exemplo, em um vídeo clipe, nos jogos eletrônicos ou nos hipertextos da internet, estimularíamos também nossa capacidade de compreensão intelectual, cognitiva e moral de uma variedade de referências de cultura e linguagens. Teríamos ampliado nossa bagagem de cultura e potencializado entendimentos acerca do que foi proposto.

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Esse é, para mim, um processo tão natural quanto um bate papo em sala de aula, ou uma noite descontraída num bar. Os movimentos de aprendizagem nos jogos eletrônicos se dão numa atmosfera específica; um espaço virtual de conhecimento que conecta sujeito e objeto, ou sujeito, sociedade e objeto (no caso de jogos online que estimulam a socialização). Este espaço não concreto, ainda que não tenha como papel principal tecer linhas de aprendizagem com teorias profundamente planejadas, acaba por proporcionar ao seu espectador ativo (jogador), situações que dependem de habilidades prévias e intimidade com o ciberespaço, aqui definido por Borges (2007, p.68) como:

Um novo espaço de sociabilidade e de produção de cultura (em seu sentido mais abrangente), nele se criam (ou re-criam) novas formas de relações e de práticas sociais, com códigos e linguagens próprios. É um espaço que está diretamente ligado às tecnologias digitais, um ambiente de inúmeras possibilidades de intervenção no mundo e, por isso, extremamente, conectado com a realidade.

É também pela existência deste ciberespaço que se pratica educação. Ora, se nós educadores, num ambiente concreto, colocamos crianças; enfileiradas, caladas, agindo da mesma forma, mesmo tendo diversas particularidades, reagindo a normas, tarefas, deveres e direitos; com a hora certa para comer, rezar, falar, discordar e usar o banheiro, se nós, num espaço que podemos tocar, ver e cheirar, aprisionamos nossas crianças por pelo menos quatro horas por dia e ainda denominamos a todas estas atitudes controladoras de educação e que de fato são; não há razão que não se faça enxergar os jogos dependentes de ciberespaço como instrumento educador e não apenas didático.

Não que esses jogos possuam alguma serventia para coerção ou carreguem mecanismos de controle, mas “...através dele, a criança aprende o que é uma tarefa, a organizar-se e a aceitar o código lúdico, com um contrato social implícito.” (BRENELLI, 1996). Logo, entre toda a complexidade apresentada no teor da escrita sobre a relação videogame- educação, cabe ressaltar essa como uma consequência do vínculo do sujeito com esses jogos, que demonstra o teor educacional vivido pelo sujeito no ato de jogar.

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METODOLOGIA

O que é imersão? Como acontece este negócio? De que maneira é possível estabelecer um paralelo entre a imersão nos jogos eletrônicos e a educação? Ainda além, o que seria preciso para responder satisfatoriamente estas questões em uma pesquisa acadêmica? Dúvidas que norteiam a base metodológica deste trabalho...

Entendo as questões até agora apresentadas como pressuposto para um amplo e profundo trabalho que unificasse vários discursos na intenção de fazer com que o objeto de pesquisa, os jogos eletrônicos, os atravessasse. Logo, esta é uma tentativa (do verbo tentar, enfatize isto) de um trabalho epistemológico transdisciplinar. Trazendo uma multiplicidade de conceitos e discursos aparentemente distantes, pretendo retira-los de suas caixas simbólicas e unifica-los, fomentando meu mal-estar, procurando não correr o risco de tornar esta abordagem superficial ou subjetivista.

O grosso da formulação da pesquisa é conciso, ler e fichar livros e artigos que falem sobre leitura de mundo, estética, ciberespaço, território e educação para relacionar todos estes campos do saber à imersão nos jogos eletrônicos. Acontece que a perspectiva didática no ritmo de escrita desta monografia deixa claro a tendência pós- crítica abordada durante a formulação das ideias e da conciliação destas áreas do conhecimento. Pretendo não abandonar os meus olhares e minhas experiências sobre meu próprio objeto de pesquisa. Afinal, de acordo com Morin (2003), há três desafios que nos levam ao problema essencial da organização do saber; o desafio cultural, questionando as variações da visibilidade ou relevância na produção do conhecimento.

Onde estereótipos da cultura humanística (se voltando ao luxo estético, subjetivo), e da científica (trabalhando em cientifismos e técnicas incapazes de refletir sobre si mesmas). O desafio sociológico, destacando a informação como estando em constante mutação e ainda utilitária como moeda de troca, ou seja, o pensamento atualiza a informação e se faz capital entre os sujeitos. E o desafio cívico, consistente na convicção de que o enfraquecimento de uma percepção transversal global, leva ao declínio do senso de responsabilidade, à fragilidade da capacidade ética.

Ora, uma vez que os sabres específicos tornam os homens cada vez mais especializados e consequentemente afunilados em sua capacidade de pensamento, a projeção deste pensamento na esfera social tende a afastar os seres humanos da totalidade do conhecimento. Bem como “quem come o hambúrguer não precisa

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necessariamente conhecer a vaca”, nos afastamos cada vez mais do saber complexo e nos atemos com frequência maior às obrigações que nos competem, justamente este estreitamento da atividade que impede um juízo de valor sistemático dos cidadãos. Por isso busco coordenar a representação dos significados por mim criados às referencias científicas contundentes que compõe as respostas para as averiguações estipuladas.

É porque nutro respeito pela complexidade que carrega os jogos eletrônicos enquanto estudo que busco alternativas globais ou transversais para a produção de conhecimento embasado nele. Foi preciso romper a estrutura cartesiana para compreender, ainda que num viés exclusivamente epistemológico/filosófico, a relação do bicho homem com o processo de virtualização nestes jogos. Portanto, o desafio foi encontrar o limiar entre a possibilidade de emancipação e autonomia na pesquisa com as barreiras encontradas no limite metodológico que não me permitiram avançar mais do que o conhecimento científico permite. Assim, começo os capítulos com trechos literários que ilustram o que cada tópico precisa abordar, sem perder de vista a organização de um corpo textual de compreensão satisfatória para o leitor avaliativo.

A resistência no método transgressor se origina de Sousa Santos (2008), afirmando que durante o séc. XX, o conhecimento universitário era predominantemente disciplinar. Desta maneira, a fragmentação dos conteúdos, início da excessiva especialização e da concepção técnica positivista, acaba por tornar estes saberes desarticulados, sem expressão de significados e sem visão de conjunto, desfavorecendo a efetiva aprendizagem. A ecologia dos saberes vem como práxis nestas escritas transpor de maneira sensível-racional os problemas enfrentados na busca por respostas, pois ela é uma teoria que se situa num movimento de “não desperdício” das experiências. Ela se estabelece contra a invisibilidade promovida pela modernidade, sendo a favor da valorização dos saberes produzidos nos (e pelos) lugares, por quaisquer que sejam; da criação de redes de saberes, redes abertas e repletas de transitoriedade e incorporações teóricas, Santos (2006).

A ecologia dos saberes projeta-se num aglomerado de epistemologias que tem em base inicial possibilidade de globalizar o conhecimento, tornando-o diverso, logo, contra hegemônico. Dois pressupostos básicos incidem sobre ela; epistemologia nenhuma se encontra na naturalidade, e as que se dizem praticar, são as mais tendenciosas. Logo, a ideia do saber não se faz pelo e para o conhecimento, por si só,

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Moreira; Silva (1995, p. 7-8). A reflexão epistemológica procura atingir sempre as práticas sociais. Exposto aqui as razões pelo qual pretendo analisar a imersão num caráter de desenvolvimento tecnológico voltado ao lazer. A busca pelas respostas é abstrata, os resultados, diretamente incidentes nas práticas.

Compreendendo que o intuito mais profundo das explanações metodológicas é aceitar a imprevisibilidade do real, sendo ele mutável e complexo, contribui para uma visão pessoal na produção, permite a criação de normas não previstas e utilização de termos “não aceitáveis”. A falta de representação do real como concreto torna honesto o trabalho aqui desenvolvido, superando a concepção moderna segundo a qual a proximidade é inimiga do conhecimento. “O reencantamento do mundo pressupõe a inserção criativa da novidade utópica naquilo que nos é mais próximo” (SANTOS, 1995, p. 106).

Maria Cândida Moraes (2002), na obra O paradigma educacional emergente, ressalta que, se a realidade é complexa, sua observação depende de um pensamento amplo, de diversas dimensões, capaz de compreender o real e construir um conhecimento respeitando sua amplitude. E uma construção produtiva inter/trans disciplinar favorece a compreensão de um objeto igualmente hermético em suas potencialidades. Ler e fazer imersão enquanto práxis de pesquisa incide na capacidade de vincular o sujeito sujeitado pelo ambiente virtual ao saber epistemológico que deriva dele. Na perspectiva de Frigotto (1995, p. 26), a interdisciplinaridade se inflige pela própria forma de o “homem produzir-se enquanto ser social e enquanto sujeito e objeto do conhecimento social”, portanto, impossível o desligar ou afastá-lo do processo de observação.

Ainda no cuidado que me cabe nas definições plausíveis de interdisciplinaridade utilizadas para justificar este caminho metodológico pouco convencional, me agrada que Leis (2005, p. 7) esteja convencido de que “a tarefa de procurar definições finais para a interdisciplinaridade não seria algo propriamente interdisciplinar, senão disciplinar”. Este viés, permitindo uma ampla visão do que de fato corresponde as significâncias práticas de uma pesquisa interdisciplinar; regula, sem engessar, as relações estabelecidas entre as variáveis do percurso ou dos pontos de vista. O movimento transdisciplinar já foi definido e desmembrado o quanto possível, e a afirmação de Leis (2005) garante a abertura desta movimentação por carregar a

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elegância de saber que mesmo estando aqui, endereçado por um intuito, ele não se explica por si só, e nem carrega todas as exclamações necessárias.

De qualquer maneira, sem medo de correr o risco falível da prolixidade, a característica multifacetada desta pesquisa se faz necessária não apenas para tornar complexos os pontos de observação do objeto estudado. Mas para subscrever a responsabilidade que reside no ser que rasga as palavras nestas linhas, como produtor de conteúdo científico. Morin (2003, p.14), numa citação longa, mas que faço questão de sua presença, explana:

Efetivamente, a inteligência que só sabe separar fragmenta o complexo do mundo em pedaços separados, fraciona os problemas, unidimensionaliza o multidimensional. Atrofia as possibilidades de compressão e de reflexão, eliminando assim as oportunidades de um julgamento corretivo ou de uma visão a logo prazo. Sua insuficiência para tratar dos nossos problemas mais graves constitui um dos mais graves problemas que enfrentamos. De modo que, quanto mais os problemas se tornam multidimensionais, maior a incapacidade de pensar sua multidimensionalidade; quanto mais a crise progride, mais progride a incapacidade de pensar a crise; quanto ais planetários tornam-se os problemas, mais impensáveis eles se tornam. Uma inteligência incapaz de perceber o contexto e o complexo planetário fica cega, inconsequente e irresponsável.

Quando aceito a premissa de me responsabilizar pelo resultado obtido ao fim do trabalho, enfatizo que (não de outra maneira), o resultado mais importante a se constatar e a maior base de crescimento intelectual se deu no processo. Por isso a necessidade do olhar multifacetado. O mal-estar gerado em qualquer movimento de pesquisa acrescenta as razões pelos quais os resultados se apresentam em seu fim. O “eu” inserido esteticamente no fazer científico é chave crucial para o desenrolo do processo.

Segundo Morin seria muito importante que nos aceitássemos como Sapiens Demens, ou seja, acreditarmos que todos os seres humanos são duplos, pois temos um pouco de sapientalidade e também um pouco de demencialidade. (FERREIRA; GALLO, 2010, p. 8)

Sendo nós seres humanos, ao mesmo tempo, dotados de imbecilidade e soberania intelectual, justifica a definição. A emoção tem tanto espaço na capacidade de produzir conhecimento, de refletir sobre o mundo e de identifica-lo quanto à razão.

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ATO I

Ler é como dirigir um carro. Num momento inicial, a afirmação soa um tanto esdrúxula, mas toma forma a partir do momento que se rompe com o senso comum do significado de leitura e passa a compreender o ato de ler como uma relação de símbolos e significâncias.

Primeiro é preciso pegar as chaves. Saber que as chaves do carro servem para abrir as portas e entrar no veículo. Depois é preciso saber que senta-se na poltrona e fecha-se a porta. Como ordena a legislação vigente, o cinto de segurança é o primeiro objeto a ser utilizado antes de qualquer movimentação no painel. Só depois é que se usa a mesma chave que abriu as portas para encaixar na ignição e ligar o carro (claro, conferindo se está engrenado). O freio de mão deve ser abaixado antes de se locomover. Depois disso, pé na embreagem, primeira marcha e pisa no acelerador na medida em que a embreagem é solta. Pronto, o sujeito está se locomovendo com um meio de transporte de quatro rodas.

Para cada descrição acima, detalhada que dá preguiça, há uma sinapse correspondendo a uma leitura. O sujeito, nesse caso, utiliza os seus conhecimentos prévios do que cada objeto significa, processa seu funcionamento pela aproximação cultural com eles, fazendo-os todos úteis de alguma maneira. Ele precisou lê-los. Mas como não basta colocar aquele amontoado de metal borracha e plástico pra andar, é preciso outro tipo de análise, ainda mais profunda...

É preciso cognição a fim de pensar um trajeto para se locomover do ponto A ao ponto B, da melhor maneira possível. É preciso o entendimento dos sinais nas placas, das faixas no chão e das leis de trânsito. Parar quando se deve e cortar quando permitido. Saber limites e direções a tomar... E absolutamente todas essas necessidades se mantêm no nível da leitura. Afinal, não adiantaria competências técnicas sem a capacidade de transformar símbolos em um sentido pelo motorista. Sabendo alguém pilotar ou dirigir um veículo no Brasil, não necessariamente estaria apto a fazer o mesmo na Inglaterra, pois a princípio lhe falta proximidade cultural com as ordenações de trânsito, lhe falta sentido nas leituras dos símbolos no percurso, por mais que lhe sobre cognição.

***

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Sem apego à “palavra” como primeiro e único lugar possível da alfabetização, o pensamento do educador Paulo Freire revoluciona barreiras do raciocínio que tange a aquisição de leitura e escrita, rompendo com a associação simplória de palavra/signo/objeto. O mundo e as coisas contidas nele tornam-se, então, objetos passíveis de leitura, antes mesmo dos livros, pois fazem parte da realidade que cerca o sujeito. Realidade esta, por sua vez, interpretável:

A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele.

Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto. (FREIRE, 1992:11-12).

Neste aspecto, a metáfora do carro na introdução desse Ato ilumina a ideia do autor sobre a relação entre a língua (como código) e a realidade que nos cerca. Nota-se na narrativa entediante (confesso), um passo-a-passo que descreve os objetos e as ações necessárias sobre eles em prol de um resultado satisfatório. Isso é, para atingir o efeito final (dirigir o carro), foi preciso interpretar os símbolos contidos em cada coisa antes de torná-las úteis.

Levando essas reflexões para o ato de jogar videogame; a conexão com um jogo, repleto de regras, possibilidades, objetivos e abstrações; precisa formar um sentido para o jogador. Fomentando a discussão de alfabetização, não limitada à palavra, ter a pessoa preparada para se vincular com um jogo eletrônico é supor que ela está alfabetizada (Jane Kenway in SILVA, 1998, p. 100-120). Alfabetizada, digo, em várias maneiras possíveis; digital, simbólica, virtualmente...

Com o intuito de tornar completa a ideia de Freire sobre, antes de se adquirir a capacidade de codificar e decodificar a escrita, preparar o sujeito para a leitura de mundo...:

É fundamental, contudo, partirmos de que o homem, ser de relações e não só de contatos, não apenas está no mundo, mas com o mundo. Estar com o mundo resulta de sua abertura à realidade, que o faz ser o ente de relações que é (FREIRE, 1999, p.47).

Importante frisar que esse homem de relações ilustrado pelo educador, relaciona- se tanto com outros homens quanto com objetos. Justamente por ser com o mundo e

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todas as alternavas que emergem dele, se faz necessária uma interpretação de tudo o que nele se apresenta. Nessa ótica, faz sentido comparar o ato de jogar, com a ideia de se relacionar com mundo. Uma vez que os jogos fazem parte da realidade do mundo, e esse mundo precisa ser lido, por conseguinte; o sujeito enquanto joga, lê. Faz a leitura da tela (do computador ou videogame), do controle ou do teclado, da interface, dos personagens, da história, das animações que esses jogos eventualmente carregam.

Enfim, Freire (1999) afirmando que a leitura do mundo precede a leitura da palavra e que o homem é um ser de relações; contribui para a ideia de que, os videogames, sendo objetos contidos no mundo, tendem a ser lidos e experimentados dialogicamente pelos sujeitos.

Como exposto a abrangência das possiblidades de “ler”, verifica-se que esta prática transcende habilidades cognitivas de codificação e decodificação. Logo, abre-se um campo de pensamento em que no mundo, os significados interpretativos se expandem do relacionar nomenclaturas à capacidade de sentimento do mesmo mundo, fazendo da leitura dele, antes de organizada metodologicamente pela razão e a correlação objeto/palavra, uma atividade sensitiva. Bem como Freire, (1992, p. 13) ilustrando que “como eu, o analfabeto é capaz de sentir a caneta, de perceber a caneta e de dizer caneta”, percebe-se que a leitura do objeto já foi providenciada. Falta-lhe a habilidade da codificação. Logo, o contexto que é preciso fomentar para a ressalva de uma experiência rica com o universo digital/virtual, de primazia, se encontra na observação e sentimento da plataforma (computador, console, sistema operacional) para que estes objetos se concretizem em sentido para o jogador.

O linguista Vilson Leffa, no livro Aspectos da leitura: uma perspectiva psicolinguística, de 1996, afirma que os fins pedagógicos podem ser aplicados às mais diversas experiências. A leitura é possível se há um conhecimento prévio do objeto a ser lido, uma vez que a leitura é produção de sentido e não somente decodificação de códigos. O aluno (neste caso, o jogador), precisa passar por procedimentos que internalizem os códigos linguísticos de um jogo. Em suma, o videogame precisa fazer sentido para quem se diverte com ele. Assim como no processo de leitura evidenciado em Freire (1999), onde o sujeito lê o mundo a partir da relação dele com o esse mundo, e vai assimilado os objetos na medida em que se conecta a eles, do exterior para o interior, tornando cada vez mais significativos os códigos que derivam das coisas e consequentemente, aumentando sua compreensão sobre elas. Retomando a alusão

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fatigante na introdução do Ato, que exemplifica bem essas características colocadas agora; uma sequência de acontecimentos na narrativa elucida a leitura pelo contato com cada utensílio necessário para se locomover com o veículo.

Percebe-se com as explicações feitas, que o envolvimento do ser no mundo tem, por consequência, análises significativas das estruturas simbólicas dos objetos (e que essas análises resultam em ações). Sendo assim, estando “letrado no mundo”, o sujeito tem para si uma relação entre símbolos, significados e ações, bastante cristalizadas. Na metáfora do carro, o motorista para na placa de “pare” pela reação a leitura de um sinal.

Sem esta relação signo-ação bem fundamentada, há boas chances de ele sofrer um acidente.

Somando ao princípio de ampliação do ato de ler tratado até agora:

Ler o mundo é pensá-lo, conhecê-lo, apreendê-lo, rejuntar a informação dispersa que temos sobre ele para ver o todo. Para isso é necessário que cada informação que temos sobre ele esteja situada no contexto ao qual ele pertence (ANTUNES, 2002 p.166).

A autora acrescenta ao pensamento freiriano a importância do contexto em que as coisas do mundo estão inseridas em favor de uma melhor leitura do sujeito inserido nesse mesmo contexto. Isso não modifica muito a ideia principal de Paulo Freire, mas incorpora a noção de unir as informações no mundo para compreendê-lo em totalidade.

Talvez por isso (abrindo um dos vários parênteses discursivos ao longo da escrita), a metodologia escolhida para a feitura deste trabalho tudo tem a ver com as bases teóricas evidenciadas neste Ato. Pois trazendo Morin (2003) e a sua ideia de lidar com o conhecimento de maneira complexa, assim como a Ângela Antunes, agrupando informações para compreender o espectro inteiro de um objeto observado; e incluindo Sousa Santos (2008), buscando romper arquétipos dos vestígios positivistas que permeiam a academia, valorizando assim o saber “não científico”. Percebe-se, na disritmia destes escritos, que as contextualizações quase infames, a respeito dos diversos conhecimentos abarcados na obra, atestam o propósito didático da conexão texto/leitor e evidencia a proposta “semi-cartesiana” da produção, além de elencar atributos efêmeros as noções de imersão nos jogos eletrônicos destacadas durante a escrita.

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Faço-o como faço, porque contextualizar o mundo é também trazer a noção de teoria para o campo prático, ascendendo o letramento do sujeito sem perder de vista sua capacidade de abstração. Contextualizar o mundo é associar os símbolos às suas significâncias em prol de uma construção de sentido efetiva. Completando Ângela Antunes (2002, p.185) com ela mesma, “ler o mundo é indagar o mundo para construir o sentido do mundo”. Interpretar substancialmente a realidade, logo, os lugares de inserção e os objetos ao redor para transformá-los ou minimamente saber o que fazer com eles, provém de uma habilidade letrada (além-palavra), permitindo o convívio do ser nos espaços reais ou virtuais.

Desta forma, eu sei que escrevo aqui e como escrevo aqui, primeiramente, porque consigo ler a máquina a minha frente, e só depois, porque consigo coordenar as letras para se tornarem palavras. Portanto, só jogo videogames porque antes da cognição para lidar com os controles do ambiente virtual cibernético, possuo a capacidade de ler o funcionamento do aparelho eletrônico (mídia, plataforma, console) e fazê-lo funcionar.

Se a leitura pressupõe signo e código, Mikhail Bakhtin (1996) argumenta que só há compreensão dela dentro de sua qualidade contextual. Só no contexto real de enunciação se torna possível a concretização da palavra. O sentido é determinado pelas circunstâncias, havendo tantas significações possíveis quantos forem os contextos existentes. “O essencial na tarefa de decodificação não consiste em reconhecer a forma utilizada, mas compreendê-la num contexto concreto preciso, compreender sua significação numa enunciação particular” (Bakhtin, 1996, p.85). Isso porque, a associação entre o sujeito e a leitura é criada a partir de certas simbologias, onde mundo passa a ser lido. E essa leitura é feita para que possamos nos inserir nele.

A busca pela inserção no mundo se faz a partir o do confronto de diferentes horizontes de significados. O individuo sente-se inserido à medida que desvela e vivencia esses significados atribuídos ao mundo por ele mesmo e pelos outros. (Silvia, 1996). Seja nos meios sociais ou no contato com um livro literário, buscamos desvelar os conceitos e construir sentido em cima deles, devido um sentimento de pertença.

Quiçá identitário, mas de pertença.

Vimos até o momento que, se com o intuito de nos inserirmos no mundo que aprendemos, entre outras coisas, a lê-lo, é com os sinais dos objetos inseridos no

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mundo, interiorizados por nós, que podemos viver nele. Em todos os lugares existem leituras e interpretações diferentes. Há diversos modos de leitura nos mais diversificados ambientes. No caso dos jogos eletrônicos, por exemplo, buscamos padrões na “jogalidade” para assimilar a uma plataforma ou estilo específico de jogo.

Logo, a identificação deste estilo por uma busca de padrões torna o ato de jogar um invariável processo de leitura, numa constante busca pela inserção no espaço (no ciberespaço).

Tendo em vista a linguagem como uma conjuntura de interpretações das diversas realidades experimentadas pelos indivíduos, podendo se tornar, além disso, atributo de ligação (ou pertencimento) destes seres aos locais que permeiam; é no funcionamento da linguagem, essa que põe em relação, leitores e sentidos afetados pela língua e pela história, que temos um complexo processo de constituição desses sujeitos e de produção de sentidos (ORLANDI, 2000, p.21).

Entende-se desta forma, na leitura de mundo e no processo de construção de sentido dessa leitura, uma formação da identidade de quem lê e se comunica com outros seres ou objetos ao seu redor. Na troca dos signos e significados, os indivíduos se constituem culturalmente, interna e externamente, agindo e sofrendo ações. Esse movimento caracteriza o homem nos meios em que vive e determina parte de quem ele é para a visibilidade que os meios sociais têm dele; afinal...:

Se é verdade que toda linguagem contém os elementos de uma concepção do mundo e de uma cultura, será igualmente verdade que, a partir da linguagem de cada um, é possível julgar da maior ou menor complexidade da sua concepção de mundo. Pela própria concepção do mundo, pertencemos sempre a um determinado grupo, precisamente o de todos os elementos sociais que partilham de um mesmo modo de pensar e agir. (GRAMSCI, 1995, p.13)

Compreendendo a construção do ser a partir dos significados interpretados por ele, é possível assimilar, tangendo a inserção dele no ciberespaço, uma nova constituição para a sua individualidade baseada na leitura do mundo virtual.

A Leitura do Mundo, no contexto da planetarização, implica a nova noção de tempo e de espaço, o ciberespaço, um espaço não físico, criado pelas redes de computadores, principalmente pela Internet. O

“mundo” dessa leitura é um mundo virtual on-line que está “presente” o tempo todo em todos os espaços. (ANTUNES, 2002, p. 167)

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A “planetarização” de Ângela Antunes (2002), equivale à globalização na medida que excede as fronteiras nacionais em virtude de uma organização social em rede, mas não atinge os mesmas características econômicas e políticas da globalização quando, por exemplo, não abriga o mesmo teor discursivo de uma unificação cultural ou atitudinal, valorizando as formas distintas do viver. Mas a aproximação que a autora promove entre a leitura de mundo e o ciberespaço clareia bastante a ideia de que o

“mundo”, nesse sentido, retrata o universo digital em todos os seus espaços de circulação, permitido a leitura do ciberespaço tal qual a do mundo palpável.

Sendo os jogos eletrônicos objetos representados no ciberespaço, eles têm seus próprios símbolos a serem absorvidos pelo jogador. E lendo-os, ou seja, decifrando e problematizando seus códigos, esse jogador se constitui como ser humano; na comunicação simultânea entre ‘ser’ e objeto, técnicas e sensibilidade, codificação e decodificação do mundo (digital ou corpóreo) que se apresenta a ele. Praticando essa construção de sua própria identidade na relação com esses mundos os atores que os cercam. Como sustenta Lévy (2000, p.22):

É impossível separar o humano de seu ambiente material, assim como dos signos e das imagens por meio das quais ele atribui sentido à vida e ao mundo. Da mesma forma, não podemos separar o mundo material – e menos ainda sua parte artificial – das idéias por meio das quais os objetos técnicos são concebidos e utilizados, nem dos humanos que os inventam produzem e utilizam. Acrescentamos, enfim, que as imagens, as palavras, as construções de linguagem entranham-se nas almas humanas, fornecem meios e razões de viver aos homens e suas instituições, são relacionadas por grupos organizados e instrumentalizados, como também por circuitos de comunicação e memórias artificiais.

Para o educador, conhecer o educando como um leitor contínuo, que utiliza esta habilidade em prol de decodificar, inclusive, momentos de lazer como nos videogames, é um passo fundamental para qualquer tipo de trabalho pedagógico envolvendo mídias digitais e Cibercultura.

Compreender que é fundamentalmente pela aproximação cultural dos alunos com os instrumentos tecnológicos que eles são capazes de otimizar a capacidade de leitura, impulsiona a prática educativa verdadeiramente transformadora. Bem como Antunes (2002, p. 2); “a leitura de mundo continua válida como estratégia pedagógica

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de uma educação libertadora na qual ler o mundo é condição necessária para sua transformação”.

Sendo assim, os jogos virtuais abandonam seu caráter simplista de “aparatos tecnológicos divertidos” e se tornam potenciais objetos de complexa decodificação.

Sinalizando essa complexidade na prática, faz parte do cotidiano do educador; se ater às alternativas didáticas que incidem sobre a realidade mais próxima do público que lhe rodeia, a fim de produzir através do seu trabalho, uma efetiva transformação dos que dependem dele.

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ATO II

Júlia é uma adolescente genérica, quase criada na cabeça deste autor. Quase, explico, porque na mente zoneada deste que diz sem dizer, coisas das quais talvez nem ele compreenda de verdade, pouca coisa é imaginação. Nos aconselham, os acadêmicos mais experientes, a não explicar em demasia. Algo do tipo “escrita detalhada aponta a não capacidade de abstração”. Mas eu sou antes de tudo, um iconoclasta, e não dou a mínima para as expectativas de quem agora passa os olhos por estas linhas. Além de que, senti a necessidade de um desenho, uma caricatura que não destoe tanto os traços fortes de uma personagem que explique o que quero dizer sobre a relação homem-máquina. Eis aqui a nossa menina quase imaginária de quatorze anos. E como de costume entre eles, adolescentes, é mais moderninha do que a maioria dos adultos. Não vive sem o seu telefone inteligente e faz uso das novas tecnologias em totalidade. Tem umas três ou quatro redes sociais para administrar, uns dois aplicativos de mensagens instantâneas e alguns outros aplicativos que a auxiliam em tarefas cotidianas. Substitui televisão por internet, papel por pdf e uma ligação por mensagem de texto. Usa computadores e celulares para fazer trabalhos escolares e se divertir.

Júlia passa a maior parte das suas horas vagas com um tablet na mão e um fone de ouvido gigante na cabeça, assistindo filmes e séries ou jogando alguma coisa. E é claro, ela produz tanta cultura quanto consome. Pense que não deve ser tão fácil gerenciar uma vida cibernética e dar conta de fóruns de discussões sobre a série preferida, grupos virtuais de família, esportes, sala de aula, atualizações das suas três redes sociais (afinal, quem não é visto não é lembrado), e ainda administrar o próprio rendimento escolar...

Júlia parece fazer tudo diferente do que suas gerações passadas faziam. Mas se parar pra pensar direitinho, os anos passam e as atitudes continuam as mesmas. Assim como suas antepassadas, ela vai bem e mal na escola, apronta com os colegas e os ajuda, se emociona com os filmes, torce pros mocinhos terminarem juntos, quer ir a festas que seus pais não deixam, fica de olho no “gatinho” do colégio (mas Júlia chama isso de “stalkear”, e a paixonite agora virou “crush”)... Tudo em sua mais perfeita ordem.

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Júlia tem uma rotina de atividades que a obriga lidar com pessoas; escutar vozes, sentir cheiros, tocar e ser tocada por outra gente que não ela mesma. Ela consegue se conectar com o que acontece a sua volta tanto quanto sabe se penetrar numa série nova da internet. Mesmo com esses equipamentos, Júlia se parece com todos os adolescentes, até mesmo com aqueles que já deixaram de ser.

***

Para os sonhadores, o ‘ser’ é a dolorosa experiência de negação das infinitas possibilidades do que não se é ou jamais será. Isso porque Tomaz Tadeu da Silva (2005) nos apresenta um conceito primeiro de identidade como ‘aquilo que se é’. Mas coloca em contraponto o que não se é como contribuinte para a construção da identidade. ‘Ser’ e ‘não ser’

tornam-se relacionais e não dicotômicos, pois “quando digo ‘sou brasileiro’ parece que estou fazendo referência a uma identidade que se esgota em si mesma. Entretanto, eu só preciso fazer essa afirmação porque existem outros seres humanos que não são brasileiros” (SILVA, 2005, p. 74-75). Nesta construção comumente do eu em diferença com o outro que as identidades se moldam. Constantemente. Fluidas. Liquefeitas. Sem modelo final por alcançar. Sem ponto de partida ou linha de chegada. Elas são apenas.

E como o texto introdutório enfaticamente demonstra, com suas repetições de nome próprio nos inícios dos parágrafos e frases repletas de verbos e idiossincrasias marcando o que é Júlia; para cada afirmação presente, há um universo de negações implícitas que não se caracterizam em nossa personagem. Sua identidade é construída numa combinação de elementos culturais/sociais distintos se unificando nos sentidos que lhe fazem juízo. Para Moita (2002, p. 37), “as identidades sociais são construídas no discurso, elas não estão nos indivíduos, mas na relação que emergem entre eles agindo em práticas sociais particulares nas quais estão posicionados”.

Complementando o pensamento de Moita e Tomaz, Bauman (2005) explica com a liquidez que emerge do mundo moderno as constantes modificações das identidades e como elas “flutuam” na gama de objetos que rodeiam os indivíduos. Esta observação torna confuso o pertencimento ou a identificação dos pares com o seu próprio ‘eu’, uma vez que a fluidez dos símbolos e das relações estabelecidas com eles dificulta o discernimento do que se é de primazia (por escolha), ou do que se torna por influencia:

As identidades flutuam no ar, algumas de nossa própria escolha, mas outras infladas e lançadas pelas pessoas em nossa volta, e é preciso estar

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em alerta constante para defender as primeiras em relação às últimas.

(BAUMAN, 2005, p. 19)

Essas mesmas identidades que “flutuam no ar”, fazendo com que os seres que são, e em algum momento deixem de ser para se tornar de novo aquilo que já foram outrora ou o que estão por vir, flutuam também no ciberespaço. Pois ele permite a multifacetada aparência dos seres que nele transitam. O fato de nos comportarmos de maneiras distintas nos ambiente físicos, essas máscaras que vestimos para atuar no cotidiano que permeamos, se incidi tal qual, nos lugares dependentes de virtualização.

Desta maneira, a identidade também sofre mudanças nas localizações cibernéticas.

Não que haja distinção do ciberespaço na formação ou transformação desta identidade única em múltipla. Pois a identidade humana é, por natureza, múltipla e variável, em mutação e sobreposição de outros pormenores. A distinção do que constitui as identidades no mundo concreto e no ciberespaço está na maleabilidade destas verdades estabelecidas das definições de quem se é. Permitindo encenações e brincadeiras ilimitadas com esta mutação identitária. Para Bauman (2005), as identidades são flutuantes e, tanto a identidade quanto o pertencimento que se cria nela não são garantidos por toda a vida, são bastante negociáveis e renegociáveis. Ainda no limiar desse pensamento, imaginamos a copresença permitida pelas novas redes sociais no qual parte daquilo que se expõe torna-se acessível e determina um fragmento do ser para outros indivíduos.

A Cibercultura, por outro lado, mostra precisamente uma outra forma de instaurar a presença virtual da humanidade em si mesma (o universal) que não seja por meio da identidade do sentido (a totalidade). (LEVY, 2003, p. 121)

Diferente das modificações sólidas da cultura de modo geral; como se fala, anda, veste, come... A cultura do ciberespaço, permitindo ainda mais flexibilidade no sentido que se cria ao pertencimento, exacerba a necessidade da totalidade do ‘quem’. As pessoas estão acessíveis por meio de avatares que determinam a presença delas em ambientes virtuais e podem ser acessadas de qualquer ponto, a qualquer horário.

Parecido com o telefone, mas diferente dele, pois não é preciso um conhecimento profundo do sujeito a ser contatado, sendo necessário apenas a presença do emissor e do receptor no mesmo tipo de rede social onde a representação deles em suas respectivas

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“páginas” ou “perfis” podem se comunicar. Bem assim, as identidades não somente se modificam, fragmentam e se multiplicam, mas podem se tornar sobrepostas umas as outras. Julia, por exemplo, administra quatro tipos de perfis em redes sociais cibernéticas em que cada uma delas diz coisas ao seu respeito que caracterizam parte de quem é ela para outros sujeitos que vagam pelo mesmo lugar. Pode então, Julia ser coisas distintas ou parecidas, dependendo de quem a vê e por onde a vê. Ainda que a semelhança com a realidade concreta torne verossímil a comparação, vale lembrar que o

‘eu’ do mundo palpável é apenas um, enquanto a projeção deste por meio do avatar vira um espectro confuso e destoante, podendo se tornar quantos forem possíveis.

Se a construção da identidade é pautada pelo nosso envolvimento com o mundo e as cousas que nele estão, há uma parcela de cultura que habita em Júlia destinada ao que os jogos eletrônicos a fazem ser. Nesta perspectiva, percebe-se a formação da Cibercultura. Da cultura vagante do ciberespaço. Quando, na afirmação “ela produz tanta cultura quanto consome” nos atemos as habilidades de comunicação que a personagem descrita detém para buscar e facilitar seus afazeres ou expor socialmente práticas e discussões cotidianas, identificamos que este é um envolvimento cultural.

Mas um envolvimento que acontece em um campo simbólico e dependente da relação estabelecida com os aparatos tecnológicos.

‘Cultura’ ainda carrega definições complexas e diversas. Por ser um termo de hermética explicação, agrega em si vários aspectos da concepção de humanidade que podem ser concomitantes ou conflituosos. Edward Taylor foi o pioneiro a elaborar um conceito que delimite a definição de cultura, e mesmo que tendo sido questionado ou revisto, afirma que “é aquele todo complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e aptidões adquiridos pelo homem como membro da sociedade” (apud, MARCONI; PRESOTTO, p. 22).

O que nos interessa saber é que mesmo sendo limitado o conceito de cultura, a sua existência nos permite extrapolar os limites de cada coisa em seu lugar, levando-a para o ciberespaço, tal como levamos para o cultivo no campo, para o miolo dos centros urbanos ou para dentro de nossas casas. Caracterizamos então, cibercultura, como as culturas provenientes deste espaço cibernético que ela rodeia. Literatura, cinema, ilustrações, revistas eletrônicas, jornais e qualquer tipo de manifestação de discurso exposta na rede de computadores ou nas memórias deles pode se caracterizar cultura de

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ciberespaço. Portanto, a tênue linha entre a produção e o consumo de cultura na rede, e a relação destas duas com a construção da identidade do sujeito que vaga por elas é uma incógnita que pende para os dois lados. Júlia molda sua identidade quando joga videogames tanto quanto discute sobre eles com outras crianças do colégio. De um lado ela consome conteúdo, do outro ela produz (seja a discussão no campo concreto ou virtual). De qualquer maneira, a construção do ‘eu’ se dando com o ‘outro’ torna-se estritamente dependente do permeio cultural pelo qual este ‘eu’ passa. Com isso, uma pergunta a ser feita traz a tona a inquietante questão nesta relação homem-máquina: Os sujeitos jogam vídeo games ou os videogames jogam os sujeitos?

Esta, que parece uma interrogação maligna que exprimi um paradoxo ou uma teoria conspiracionista é na verdade uma provocação que permite a problematização desta identidade que é criada na relação humana com os objetos. Tal questionamento não se limita aos jogos eletrônicos, podendo ter pontos de referência como a música, o cinema, a literatura... Os objetos artísticos ou da natureza em geral. Veremos melhor como lidamos com estes a partir dos sentidos da estética no decorrer da escrita, o incômodo momentâneo é a capacidade de nos construirmos enquanto humanos na relação com todos eles. E de um jeito pungente, essa eterna construção do ‘eu’ no envolvimento com jogos eletrônicos depende, entre todas as coisas, dos modos de endereçamento intrínsecos aos produtos consumidos.

Em “Nunca fomos humanos”, livro organizado por Tomaz Tadeu, ponderações sobre o espectador e o cinema são feitas em prol da compreensão desta relação de emissor-receptor e as leituras que surgem a partir deste diálogo. No primeiro Capítulo, Elizabeth Ellsworth (2001), apresenta em outra perspectiva a dúvida dicotômica estabelecida anteriormente:

Em outras palavras, qual é a relação entre o lado de “fora” da sociedade e o lado de “dentro” da psique humana? Como pode ser igualmente verdadeiro afirmar que “as pessoas agem de forma independente e intencional” e, ao mesmo tempo, dizer que os padrões que orientam suas ações – como elas pensam, o que elas “vêem”, o que elas desejam – “são, já, aspectos de seu ser social” (apud, DONALD, 1991, p. 2)

Nos obrigado a retomar a dúvida da construção da identidade pelo que se é de primazia, ou o que se torna por influência, e ainda aprofundando sobre até que ponto o contato com os objetos que nos rodeiam determinam nossas ações, percebemos que a

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relação entre o mundo e a psique humana é o ponto crucial dos modos de endereçamento.

Acontece que a discussão sobre estes modos de endereçamento se encontram fixadas no cinema e na relação dele com os espectadores. Não ignorando que haja diferenças entre obras cinematográficas e jogos eletrônicos, faço valer a noção de que estas perspectivas não são tão distantes ou infindáveis umas as outras, uma vez que os dois objetos possuem a imersão pela estética e os sentidos que eles provocam no sujeito jogador/espectador. Mesmo porque Ellsworth (2001, p.17) nos mostra que “O modo de endereçamento não é um momento visual ou falado, mas uma estruturação – que se desenvolve ao longo do tempo – das relações entre o filme e seus espectadores”. Assim, percebe-se a sensibilidade que esta temática carrega para a compreensão da conformidade existente entre a formação da identidade dos sujeitos que consomem a cultura dos jogos eletrônicos. Mas principalmente, esta complexidade se faz presente quando a prática exige uma teoria que a sustente ou pelo menos amplie sua capacidade de entendimento.

Pensar por exemplo, que num trabalho pedagógico com videogames e até mesmo com cinema é preciso, antes de tudo, considerar os modos de endereçamento do conteúdo a ser exposto e correlaciona-lo com as identidades dos educandos a serem atingidos. Tendo em mente a absorção e o efeito positivo do endereçamento do objeto na estrutura identitária dos alunos. Contexto e proximidade cultural levam a significação e interpretação dos símbolos. Percebe-se que a complexidade deste viés de pensamento extrapola questões comerciais simplórias como o “publico alvo”. Não que o trabalho com o endereçamento de um jogo não possa abrigar a estratégia de atingir públicos específicos, mas as suas inquietações vão além desta mera necessidade de distribuição e consumo. “Entrar” em um filme por meio de uma multiplicidade de lugares é uma necessidade comercial. Isso complica toda a idéia de modo de endereçamento.”

(ELLSWORTH, p.22)

As perguntas feitas por este endereçamento e suas preocupações são mais herméticas e trabalhosas do que a ideia de “publico alvo” porque dependem exclusivamente da identidade do conteúdo em relação à da pessoa em contato, e ainda do tipo de interação que o sujeito cria com o produto. Depende, antes de tudo, de quem o jogo pensa que ele é, e depois, estabelecendo ou não o vínculo, quem é este sujeito

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diante do jogo. E não há, como na hipótese de planejar um “alvo” específico a ser atingido na sociedade, receita pré-fabricada. O grupo de rock Mamonas Assassinas talvez não tivesse o objetivo de atingir o público infanto-juvenil do Brasil nos anos noventa. Mas de certo, algo entre a imagem dos músicos, as letras com palavras de baixo calão, a atitude irreverente e a postura cômica frente assuntos complexos como;

consumismo, educação, preconceito LGBT e êxodo rural afetaram majoritariamente uma massa de faixa etária infante. É possível perceber um possível “erro” nos modos de endereçamento contidos na essência da banda que de uma maneira surpreendente, dominou os veículos midiáticos nacionais em um curto prazo de tempo.

É preciso compreender que a relação da formação do “eu” em concorde ou colisão com os objetos do mundo, e estes objetos carregando sua própria identidade incidem enfaticamente no endereçamento deles. Os modos de endereçamento não estão no jogo em si, nem na música, nem no quadro exposto na galeria e muito menos em roteiros de marketing estabelecidos nas campanhas publicitárias, mas na empatia ou desprezo que emana da relação sujeito/objeto. Um jogo precisa funcionar em certos aspectos estéticos para se solidificar no mercado. Mas a gama conceitual que envolve as perguntas básicas que surgem deste relacionamento não respondem com exatidão as medidas comerciais:

O conceito de modo de endereçamento está baseado no seguinte argumento: para que um filme funcione para um determinado público, para que ele chegue a fazer sentido para uma espectadora, ou para que ele a faça rir, para que a faça torcer por um personagem, para que um filme a faça suspender sua descrença [na “realidade” do filme], chorar, gritar, sentir-se feliz ao final – a espectadora deve entrar em uma relação particular com a história e o sistema de imagem do filme.

(ELLSWORTH, 2001, p.14)

Retomando de Tomaz Tadeu (2005) a ideia de que uma afirmação sobre o “ser algo” é uma negação de infinitas possibilidades daquilo que não se é, e tendo o modo de endereçamento baseado no constante vínculo entre o “quem sou eu” e o “quem este jogo pensa que eu sou”, percebe-se que uma afinidade entre as identidades do sujeito e do objeto podem fluir num “acerto” do game endereçado.

É claro, clássicos que atingem uma grande massa e tem seus moldes de endereçamento cristalizados em identidades dramaticamente nacionais “erram” por um lado, grosseiramente, o publico atingido. Mas não significa que o outro lado, o lado de

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dentro da psique humana, não tenha absorvido e ressignificado um conteúdo, a priori, não planeado para atingi-lo como público alvo. Nos videogames, vemos clássicos como Super Mário e Sonic. Dois gigantes de duas franquias e empresas japonesas diferentes, que mesmo sem uma representatividade regional específica (embora o personagem Mário seja italiano), atingiram os jogadores em escala global. Isso por conta do movimento de copresença permitido pelo ciberespaço. O sujeito se projeta para o jogo numa presença virtualizada dele mesmo. Um pouco parecido com o lançamento das identidades dos seres nas redes sociais. Mas nos jogos eletrônicos é a identidade do jogador sendo construída pelo avatar, que é um personagem. E desta maneira, criando o pertencimento necessário para a construção de sentido deste indivíduo e fazendo valer os modos de endereçamento contidos de maneira sublime nestes produtos.

A Cibercultura se forma a partir disso. A edificação da identidade do sujeito se cria a partir disso. Da relação emergente que coloca em cheque o entendimento que o jogo eletrônico tem sobre quem é o sujeito que o joga, e o que é (ou o que tem sido) este sujeito na relação com o jogo. No fim, a questão imposta como forma de incômodo: “Os sujeitos jogam vídeo games ou os vídeo games jogam os sujeitos?” pouco importa para a compreensão da imersão nestes universos virtuais. Pois o fato desta dúvida concomitante surgir já implica que é a partir do “estar imerso” e do “se relacionar”, seja sendo conduzido, ou conduzindo um ambiente lúdico virtualizado é que se constrói culturalmente como ser humano. No fundo, o que importa não é o que os jogos são, mas o que se percebe sobre eles. Até que ponto eles fazem sentido pelos seus endereçamentos e como pode-se captar a maior parte de suas mensagens. Em outras palavras, como lê-los da melhor maneira possível, seja para um trabalho pedagógico, seja por diversão. Concordando com Pierre Levy (2003, p. 79) “um receptor de informação, a menos que esteja morto, nunca é passivo”.

“A menos que esteja morto” é de arrancar algumas risadas. A característica da escrita de Levy transmite um sarcasmo disfarçado de gracejo que faz pensar. Pois se está morto, deixa imediatamente de ser receptor de coisa alguma. Mas a hipérbole é necessária para salientar que a cibercultura é criada e produzida, continuamente, por seres que pensam, agem e estabelecem vínculos estéticos (ou não), com os objetos que se apresentam a eles. E seria talvez, demasiada inocência imaginar o oposto.

Referências

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