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Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

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Tribunal da Relação de Évora Processo nº 318/13.2JAFAR.E1

Relator: CARLOS BERGUETE COELHO Sessão: 12 Abril 2016

Votação: UNANIMIDADE

Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: NEGADO PROVIMENTO

ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS COACÇÃO SEXUAL

DECLARAÇÕES PARA MEMÓRIA FUTURA

Sumário

I - A tomada de declarações para memória futura, constituindo excepção ao princípio da imediação, obedece a exigências de tutela da personalidade da testemunha (evitar os danos psicológicos implicados na evocação sucessiva pelo declarante da sua dolorosa experiência e a sua exposição em julgamento público) e visa proteger a integridade da prova testemunhal.

Texto Integral

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

1. RELATÓRIO

Nos autos de processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, com o número em epígrafe, da Instância Central Criminal da Comarca de Faro, realizado julgamento, versando acusação contra o arguido R., e proferido acórdão (após alteração de qualificação jurídica dos factos descritos na acusação operada nos termos legais), decidiu-se:

a) absolver o arguido do crime de violação agravada, na forma tentada, p. e p.

pelas disposições conjugadas dos arts. 164.º, n.º 1, alínea a), 177.º, n.º 6, 22.º,

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n.ºs 1 e 2, alínea b), e 23.º, n.º 1, todos do Código Penal (CP), de que se encontrava acusado;

b) absolver o arguido de três crimes de coação sexual, na forma consumada, p.

e p. pelos arts. 163.º, n.º 1, e 177.º, n.º 6, do CP, de que se encontrava acusado;

c) absolver o arguido de um crime de coação sexual, na forma consumada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 163.º, n.º 1, e 177.º, n.º 5, do CP, de que se encontrava acusado;

d) absolver o arguido de três crimes de abuso sexual de menor, p. e p. pelo art.

171.º, n.º 3, alínea b), do CP;

e) absolver o arguido de um crime de perturbação da vida privada, p. e p. pelo art. 190.º, n.º 2, do CP, de que se encontrava acusado;

f) condenar o arguido pela prática de um crime de coação sexual agravado, na forma consumada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 163.º, n.º 1, e 177.º, n.º 6, do CP, na pena de 4 (quatro) anos de prisão;

g) condenar o arguido pela prática de dois crimes de abuso sexual de menor, p. e p. pelo art. 171.º, n.º 1, do CP, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão por cada um dos crimes;

h) condenar o arguido pela prática de um crime de coação sexual agravado, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 163.º, n.º 1,

177.º, n.º 5, 22.º, n.ºs 1 e 2, alíneas b) e c), e 23.º do CP, na pena de 6 (seis) meses de prisão;

i) procedendo ao cúmulo jurídico das penas aplicadas, nos termos do disposto no art. 77. º, n.º 1, do CP, condenar o arguido na pena única de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão.

Inconformado com a decisão, o arguido interpôs recurso, formulando as conclusões:

Perante a gravidade dos crimes a que o Arguido vinha acusado, bem como aos crimes que foram dados como provados, levando a uma condenação efectiva

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de 5 anos e 4 meses, era imprescindivel que se tivesse procedido a uma nova inquirição da menor/Ofendida.

Sem qualquer margem de dúvida a nova inquirição da menor/Ofendida era essencial para a descoberta da verdade e neste caso a confirmação da existencia dos factos que serviram de base à Douta Acusação.

O Principio explanado no art.340º nº 1 do CPP, em que oficiosamente ou a requerimento como foi o caso, que o Tribunal ordenasse todos os meios de prova para a descoberta da verdade e à boa decisão da causa, foi

simplesmente ignorado.

Nestes termos e nos mais de Direito, requer-se Mui Respeitosamente a V. Exa.

que seja dado provimento ao presente Recurso e por via dele, ser anulada a sentença condenatória recorrida e em resultado trazer um Acórdão mais favorável e mais justo ao Arguido, ora Recorrente, perante a existencia de novos factos, invocados na Audiência de Julgamento.

O recurso foi admitido.

O Ministério Público apresentou resposta, concluindo:

1. O arguido, em declarações, não logrou convencer o Tribunal da veracidade das suas afirmações, maxime porque as mesmas acabaram por ser

desmontadas ou contrariadas pela prova acusatória produzida, que mereceu total credibilidade.

2. Para infirmar as declarações da menor alicerça-se o arguido nas suas próprias declarações, mas sobretudo nas declarações prestadas por E., sua mulher.

3. As declarações prestadas por E. sofreram, no entanto, de manifesta falta de objetividade, sendo, de certa forma, patente uma atitude de rancor contra a ofendida, insistindo em denegrir a imagem desta em julgamento.

4. Entendemos não ser credível, nem sequer vemos qualquer móbil de ressentimento ou vontade de vingança pessoal contra o arguido, aliás, a

menor revelou-se tão "natural" e "inocente" a comunicar, usando para o efeito

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de linguagem ajustada ao seu desenvolvimento, que não se descortina qualquer "habilidade" por parte da mesma, para o fazer.

5. Pelo que, salvo melhor opinião, e em sintonia com o exarado no douto acórdão proferido, ora sob censura, a prestação de novo depoimento por banda da menor só deveria ter lugar se, no quadro de toda a prova produzida, tivessem as declarações para memória futura sido colocadas em crise,

encontrando-se, por alguma forma, feridas na sua credibilidade.

6. Não sendo esse o caso, bem andou o Tribunal recorrido ao não determinar a prestação de novo depoimento da ofendida A..

7. O Tribunal recorrido fez criteriosa apreciação dos factos e correta subsunção legal, pelo que deve o douto acórdão proferido ser mantido.

Neste Tribunal da Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, no sentido de que ao recurso deverá ser negado provimento.

Observado o disposto no n.º 2 do art. 417.º do Código de Processo Penal (CPP), o arguido nada veio acrescentar.

Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

2. FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da motivação, como decorre do art. 412.º, n.º 1, do CPP, sem prejuízo das

questões de conhecimento oficioso, como sejam, as cominadas com nulidade do acórdão (art. 379.º, n.º 1, do CPP) e os vícios da decisão e as nulidades que não se considerem sanadas (art. 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP), designadamente conforme jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário Secção Criminal STJ n.º 7/95, de 19.10, publicado in D.R. I-A Série de 28.12.1995 e, ainda, entre outros, os acórdãos do STJ: de 25.06.1998, in BMJ n.º 478, pág. 242; de

03.02.1999, in BMJ n.º 484, pág. 271; e de 12.09.2007, no proc. n.º 07P2583, in www.dgsi.pt; Simas Santos/Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 3.ª edição, pág. 48; e Germano Marques da Silva, in

“Curso de Processo Penal”, Editorial Verbo, 1994, vol. III, págs. 320/321.

Delimitando-o, reside, pois, em analisar se existe fundamento para anulação

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do acórdão e devido a preterição do princípio consagrado no art. 340.º do CPP.

Com efeito, ainda que o recorrente manifeste, na fundamentação do recurso, que pretende impugnar a decisão, aludindo a depoimento de testemunha (E), não o faz, atenta toda a sua motivação, de modo a que seja viável a

reapreciação de prova, por via do art. 412.º do CPP, para o efeito de modificação à luz do art. 431.º, alínea b), do mesmo Código.

A sua alegação coloca-se, apenas, ao nível da averiguação de razão para a preconizada anulação e, mesmo esta, em termos algo confusos.

Não obstante, sempre será conveniente verificar o que resulta do acórdão em sede de matéria de facto.

Ao nível da matéria de facto, consta, pois, do acórdão recorrido:

Factos provados:

1. O arguido e a sua mulher, E, são padrinhos de batismo de A., nascida em 28/09/1999 e residente no Sítio do Arrunhado, ---, Pechão.

2. O arguido residiu até meados de 2012, juntamente com a sua mulher (à data viviam maritalmente), na casa da sua sogra - AM - situada junto à habitação de A.

3. Como viviam perto uns dos outros e de outros familiares e os pais de A.

estavam ausentes durante o dia, a trabalhar, era frequente esta última ir para casa da sua tia, AM, brincar com os primos que também aí residiam.

4. A dada altura - teria A. cerca de 9 anos - o arguido começou a aproximar-se da mesma e achando o momento para ficarem a sós, o arguido agarrava a menor contra a sua vontade.

5. Perante tais atitudes, a A. procurava sempre esquivar-se ao contacto do arguido, o qual, muitas das vezes, só parava de a agarrar quando esta

começava a chorar, razão pela qual, a dada altura, a menor começou a levar a irmã para casa da tia e procurava estar sempre perto da mesma, de forma a que o arguido não se aproximasse.

6. Numa outra ocasião - ainda vivia o arguido em casa da sua sogra - a menor encontrava-se na sua casa, após o almoço, a ver televisão no quarto dos pais,

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quando, a dado momento, o arguido, apercebendo-se que a mesma se

encontrava sozinha em casa, lá se dirigiu, entrando de seguida no quarto e aí se fechando com a menor.

7. De seguida, puxou-a para a ponta da cama, de forma a que as pernas desta ficassem a pender sobre a mesma, levantou-lhe ligeiramente a blusa e,

enquanto a pressionava com o seu corpo contra a cama e segurava a menor com um dos braços - de forma a impedir que se libertasse, uma vez que esta procurava pontapeá-lo - com o outro braço desapertou as calças, e friccionado continuamente o pénis com a mão, perante a menor, acabou por ejacular sobre o ventre da mesma.

8. De seguida, lançou mão a uma toalha que encontrou no quarto, limpou a menor e, ao perceber que os pais da mesma estariam a entrar em casa, disse- lhe para não lhes contar nada e esquivou-se pela janela do quarto.

9. Após o arguido sair de casa da sogra, em meados de 2012, foi viver para a Rua…, em Faro, onde a menor ainda foi passar, pelo menos, dois fins-de- semana com os padrinhos.

10. Nessa altura, numa ocasião, o arguido abeirou-se da A., agarrou-a e puxou- lhe a blusa para cima, e deu-lhe um beijo na zona do tórax.

11. Numa outra ocasião, também na casa sita na Rua …, o arguido deu um beijo na boca da A.

12. Pelo menos, numa ocasião, em data não concretamente apurada, mas antes da menor perfazer 14 anos, o arguido prometeu à A. oferecer-lhe dinheiro em troca de relações de cópula completa.

13. Pelo menos, numa ocasião, em data não concretamente apurada, mas antes da menor perfazer 14 anos, o arguido abordou a A, prometendo-lhe um Iphone em troca de relações de cópula completa.

14. Pelo menos, numa ocasião, cm data não concretamente apurada, mas antes da menor perfazer 14 anos, o arguido carregou o telemóvel à afilhada, a quem posteriormente quis convencer a ter relações de cópula completa.

15. Em Maio de 2013, tinha a menor 13 anos, contou à mulher do arguido que aquele lhe mandava mensagens e andava atrás dela, situação que levou à

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separação do casal.

16. Em Julho de 2013, o casal voltou a reconciliar-se.

17.Já depois de a menor ter completado os 14 anos, o arguido enviou-lhe diversas mensagens de cariz sexual, mesmo durante o período de aulas, como sucedeu, de entre outras, com as seguintes, provenientes do seu n.º 91--- e com destino no n.º da menor 91----, que a mesma leu:

- 24/10/2013, 12:04:47 - "podemos falar de sexo contigo sim não"

- 28/10/2013, 17:22:37 - "mexer nas tuas mamas posso"

- 28/10/2013, 17:31:35 - "podemos ir para a mata sim não"

- 28/10/2013, 17:33:42 - "podemos encontra na mata sim não resp"

- 28/10/2013, 18:02:26 - "tu contas aos teus o que teu fiz resp"

- 28/10/2013, 19:29:27 - "podemos encontra na mata sim não resp"

- 28/10/2013, 19:34:14 - "queres encontra comigo amanha a onde"

- 28/10/2013, 19:55:27 - "eu quero se podemos encontra os dois na mata resp por favor"

- 28/10/2013, 19:57:40 - "Não me podes dar um sutiam teu sim não resp por favor"

- 28/10/2013, 19:59:56 - "podes dar um sutiam teu sim não"

- 28/10/2013,20:22:15 - "das um sutiam teu resp"

- 28/10/2013,21:44:51 - "Resp podes dar um sutiam teu por favor.

18. Num dia não concretamente apurado, mas situado no mês de Outubro de 2014, a menor percebeu que o arguido se encontrava a rondar o portão da Escola EB 2/3 ---, em Faro, onde a menor estuda, tendo então sentido receio em sair da escola, pelo que aguardou que o mesmo fosse embora, para ir apanhar o autocarro.

19. Quando se dirigiu à paragem de autocarros junto à escola, foi

surpreendida pelo arguido que se encontrava aí à sua espera, tendo o mesmo a abordado e lhe dito que só teria a sua confiança se fosse para a cama com ele, o que a menor rejeitou.

20. Entretanto, chegou o autocarro em que a menor seguiu em direção a casa, após o que, concluída a viagem, junto às caixas do correio, foi aí novamente surpreendida com a presença do arguido que se encontrava de bicicleta.

21. Nessa circunstância, o arguido abordou-a, largou a bicicleta, agarrou-a

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pelos braços e tentou beijá-la, o que não conseguiu porque a menor conseguiu afastá-lo e fugir.

22. No dia 28 de Outubro de 2013, o arguido começou a rondar novamente a escola da menor, o que esta percebeu, pelo que acabou por contar a uma colega que acabou por denunciar a situação à sua diretora de turma, tendo o arguido, nessa sequência, cessado a sua conduta.

23. Ao praticar os factos descritos nos pontos 6 a 8 e 21 dos factos provados, o arguido representou que com a sua conduta - empreendida por meio de força física que exerceu sobre a menor e que a colocou na posição de ter de aceitar os seus atos sem poder resistir - lograva a satisfação dos seus instintos sexuais e a sua lascívia, não obstante saber a idade da sua afilhada e que atuava

contra a vontade desta, ciente da reprovabilidade do carácter sexual da mesma, violando o seu direito à liberdade e autodeterminação sexual e à integridade da formação e desenvolvimento da personalidade da menor, o que na situação descrita no ponto 21 só não conseguiu por motivos alheios à sua vontade.

24. Nas situações descritas nos pontos 10 e 11 dos factos provados, o arguido representou igualmente que com as suas condutas lograva a satisfação dos seus instintos sexuais e a sua lascívia, não obstante saber a idade da sua afilhada e que atuava contra a vontade desta, ciente da reprovabilidade e do carácter sexual das mesmas, ponde em causa a autodeterminação sexual e a integridade da formação e desenvolvimento da personalidade da menor, o que quis.

25. Nas situações descritas nos pontos 13, 14 e 15 dos factos provados, o arguido abordou a menor com o mesmo propósito de satisfação sexual, que não logrou face à recusa da menor.

26. Nas situações descritas nos pontos 6 a 8, 10, 11 e 21 dos factos provados, o arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que incorria na prática de crime.

27. O arguido R. reside com a esposa, que se encontra no 8º mês de gestação, e a filha de 5 anos de idade, em casa arrendada no valor de €250,00/mês, inserida num meio de características rurais e detentora de adequadas condições de habitabilidade.

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28. A dinâmica familiar do casal, cuja união data de há cerca de 10 anos,

revela-se isenta de conflituosidade e afetivamente investida, sendo que apenas estiveram separados durante dois meses na sequência de denúncia efetuada pela A.

29. O agregado subsiste do vencimento de R, que integra, desde há cerca de 12 anos, o mapa de pessoal do empreendimento---, na Quinta do Lago, como jardineiro, atividade no âmbito do qual aufere cerca de €540,00/mês.

30. A mulher está desempregada e a filha permanece aos cuidados da mãe, perspetivando integrar o ensino pré-escolar no próximo ano letivo.

31. O arguido R. é oriundo de um agregado familiar que pautava as suas

interações por um elevado grau de destruturação, designadamente problemas de alcoolismo materno e poligamia paterna.

32. O arguido é o mais novo de uma fratria de seis elementos sendo que, após alvo de negligência parental foi, aos 2 meses de idade, abandonado junto à paragem de autocarros de S. Brás de Alportel.

33. O arguido R. acabou por ser adotado pelo casal que o acolheu naquela altura, tendo o seu percurso de desenvolvimento decorrido no seio da família adotiva, constituído pelos pais e os dois filhos mais velhos do casal, com referência a uma dinâmica relacional positivamente referenciada,

afetivamente investida e normativamente orientada.

34. O arguido R. completou o 4º ano de escolaridade, aos 15 anos de idade, com marcados constrangimentos em termos das aprendizagens escolares, aspeto de viria a motivar o seu encaminhamento para AAPACDM de Faro, instituição onde viria a concluir o curso de jardinagem.

35. O arguido R. apresenta défices cognitivos, verificando-se um desfasamento entre a sua idade mental e cronológica bem como lacunas em termos da

normativa capacidade de auto-censura geradora de desinibições, incluindo ao nível sexual.

36. Também em contexto laboral o arguido revela algumas das suas limitações cognitivas designadamente ao nível da autonomia e gestão das tarefas,

necessitando de uma orientação constante, embora tenha um bom desempenho laboral.

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37. O arguido revela dificuldade em efetuar uma análise crítica dos factos constantes dos autos e denota capacidade na abordagem da sua sexualidade.

38. O arguido regista um comprometimento ao nível da memória auditiva imediata, da capacidade de reconhecimento da informação visual e da capacidade de organização percetiva.

39. O arguido apresenta uma estrutura de personalidade pouco diferenciada, com dificuldades significativas na identificação, no reconhecimento e na expressão das emoções e dos afetos.

40. O arguido padece de deficiência mental, oligofrenia ligeira, que atenua a sua perceção e compreensão, diminuindo e facilitando o julgamento, e

contribui para a sua imaturidade e comportamentos menos adaptativos.

41. O arguido manifesta incapacidade para conter o aparelho pulsional, o que possibilita recidivas de comportamentos idênticos.

42. O arguido não tem antecedentes criminais.

Factos não provados:

Não se provou:

1. Que nas situações descritas no ponto 9 dos factos provado o arguido

procurava beijar a A., tendo conseguido, apesar da resistência oferecida, pelo menos, uma vez, contacto labial.

2. Que, na casa da tia AM, o arguido abordava a A. no sentido de virem a ter relações sexuais.

3. Que numa ocasião, o arguido - ainda vivia na casa da sua sogra - ao constatar que a menor se encontrava sozinha em frente à sua residência a brincar, agarrou-a e levou-a ao colo para dentro de uma casa em construção, pertença dos pais da menor e situada naquelas proximidades.

4. Que, nessa casa, conduziu a menor para dentro de uma das divisões onde lhe tirou toda a roupa que vestia, ao que, após ter descido as suas próprias calças e cuecas, se deitou sobre a mesma no chão e, enquanto a tentava

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imobilizar com uma das mãos e com o peso do próprio corpo, colocou o pénis ereto na vagina da menor - que procurava libertar-se do arguido - e tentou penetrá-la, só não tendo conseguido concretizar o seu intento, porque,

subitamente, ouviu o barulho de um carro a chegar ao local e, como a menor se encontrava a chorar, temendo ser percebido, esgueirou-se.

5. Que, numa outra ocasião, o arguido - ainda vivia na casa da sua sogra - ao perceber que a menor estava sozinha em casa, aí se dirigiu, tendo empurrado a mesma para dentro da casa de banho, logo que a mesma lhe abriu a porta.

6. Que, dentro da casa de banho, apalpou-lhe o corpo todo e tentou beijá-la, o que só não conseguiu, porque, entretanto, chegou o tio da mesma, CR.

43. Que num dos fins de semana que a A. foi passar a casa do arguido, na Rua ----, o mesmo lhe tenha introduzido a língua na boca, enquanto a menor se debatia para o afastar.

44. Que o arguido deixou de perseguir a menor quando se separou

temporariamente da mulher e que começou com novas investidas quando se reconciliaram.

45. Que na situação descrita nos pontos 20 e 21 dos factos provados, o

arguido perguntou à A. se queria que a levasse a casa, tendo esta respondido que não, que lhe disse que lhe dava a bicicleta e que seguiria a pé, tendo esta novamente recusado e encetado marcha em direção a casa e que, a agarrou por trás e apalpou-lhe os seios sobre a roupa, deixando cair a bicicleta que trazia, após o que, o arguido ainda lhe disse para não contar o sucedido aos pais.

46. Que nas situações descritas nos pontos 13, 14 e 15 dos factos provados as conversas fossem idóneas a causar excitação sexual à menor e que o arguido estivesse ciente dos reflexos que as conversas poderiam ter quanto à

autodeterminação sexual e formação pessoal da sua afilhada, o que representou.

47. Que o arguido, ao enviar as mensagens referidas no ponto 17 dos factos provados tenha agido, consciente de que as chamadas e mensagens que enviou à mesma, via telefone, eram suscetíveis de perturbar a sua paz e

sossego e o seu rendimento escolar e formação pessoal, o que quis, e tal como veio a suceder, o que, contudo, não o inibiu de concretizar tais intentos

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Motivação da decisão quanto à matéria de facto:

A convicção do Tribunal acerca da matéria de facto dada como provada e não provada assentou no conjunto da prova produzida em audiência recorrendo às regras de experiência e fazendo-se uma apreciação crítica da mesma nos termos do disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal.

Foram valoradas antes de mais, as declarações prestadas pelo arguido na audiência de julgamento. O arguido reconheceu ter enviado as mensagens que se encontram transcritas nos autos à sua afilhada A., justificando o seu

comportamento porque "lhe apeteceu, tava revoltado com a vida e queria falar com alguém sobre qualquer coisa", reconhecendo-as todavia como erradas e afirmando estar arrependido de as ter enviado. O arguido referiu ainda que tudo o mais que consta da acusação é mentira, sendo que a afilhada gostava de si, por diversas vezes se sentava ao seu colo sem ele lhe pedir, e ia passar fins de semana à sua casa quando já morava na Rua … em Faro. Referiu ainda que uma vez carregou o telemóvel da afilhada mas nunca lhe pediu sexo em troca e que, uma vez entrou na casa de banho quando ela lá estava, sem o consentimento da afilhada, mas apenas para lhe dizer para parar de o chatear porque ela não parava de o chatear para irem brincar. O arguido falou ainda sobre o período de tempo em que viveu na casa da sogra, quando veio viver para a Rua …. em Faro e sobre a sua ligação à A..

Foram tidas em consideração as declarações da menor A., prestadas para memória futura e que foram reproduzidas em audiência de julgamento. Uma vez que as mesmas se encontram transcritas a fls. 163 a 203, abstém-se o tribunal de as reproduzir.

As declarações para memória futura, verificados os pressupostos em que a produção é processualmente admitida - artigo 271º/1 do Código de Processo Penal - constituem um modo de produção de prova pessoal, submetido a regras específicas para acautelar o respeito por princípios estruturantes do processo penal, nomeadamente, o respeito pelo princípio do contraditório.

Conforme Exposição de Motivos da Proposta de Lei 109/X, o n.º do artigo 271.º do Código de Processo Penal visou consagrar que, "em todos os casos de declarações para memória futura, passa a garantir-se o contraditório na sua plenitude, uma vez que está em causa uma antecipação parcial da audiência de julgamento. Assim, admite-se que os sujeitos inquiram directamente, nos

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termos gerais, as testemunhas".

Donde, garantido integralmente o contraditório, as declarações para memória futura podem ser levadas em linha de conta em julgamento,

independentemente sequer da sua leitura em audiência de julgamento - neste sentido, os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 11 e 25 de Fevereiro de 2015, ambos publicados em texto integral no site www.dgsi.pt.

Neste sentido, decidiu recentemente o Tribunal Constitucional através do Acórdão 367/2014, ao não julgar inconstitucional o artigo 271.º/8 C P penal, no segmento segundo o qual não é obrigatória, em audiência de discussão e julgamento, a leitura das declarações para memória futura.

Por outro lado, dispõe o artigo 271.º, n.º 8 do Código de Processo Penal que:

"A tomada de declarações nos termos dos números anteriores não prejudica a prestação de depoimento em audiência de julgamento, sempre que ela for possível e não puser em causa a saúde física ou psíquica da pessoa que a deva prestar".

Daqui resulta que as declarações para memória futura ser valoradas, como foram, independentemente de se proceder a nova inquirição, em sede de audiência, de quem as prestou.

Como refere o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário ao Código de Processo Penal, "no entanto, o próprio legislador afirma uma evidência: a de que a antecipação da produção da prova não prejudica a sua repetição em audiência de julgamento se ela for possível e não puser em causa a saúde física e psíquica da pessoa que o deva prestar. É implícito que o tribunal de julgamento deva considerar essa repetição necessária para a descoberta da verdade - artigo 340.º/1 C.P.Penal - o que nos casos de doença grave ou vítimas de crimes de catálogo, só deve verificar-se em casos excepcionais, em face da ratio protectora da diligência para memória futura".

Visando-se com a obrigatoriedade de prestação de declarações para memória futura sempre que estejam em causa crimes sexuais com menores, acautelar a genuinidade do depoimento, em tempo útil e salvaguardar também os

interesses decorrentes da especial vulnerabilidade da vítima, a prestação de depoimento em audiência de julgamento, que equivale a "nova" (no sentido de mais uma) prestação de declarações só deverá ser realizada se não puser em causa a saúde física ou psíquica da pessoa que o deva prestar e quando tal se

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revele absolutamente necessário para a descoberta da verdade material (cfr.

artigo 340º do Código de Processo Penal).

No caso dos autos tal necessidade não se verificou, sendo certo que com a diligência requerida pela defesa, como consta da ata da audiência de julgamento, pretendia-se ver se a menor confirmava o que tinha dito nas declarações para memória futura a fim de aferir da sua credibilidade. Salvo melhor entendimento, tal só se mostra necessário quando existam outros elementos de prova que ponham em causa o depoimento da menor, para além da negação do arguido, obviamente. O que no caso concreto não existiu, não fazendo sentido submeter a menor, é certo que atualmente tem 15 anos, a novo depoimento em audiência, fazendo-a reviver todos os factos, num

momento em que, de acordo com o que referiu nas declarações para memória futura e com o depoimento da mãe da menor, já se encontra num processo de ultrapassagem das suas memórias e traumas (a menor referiu que agora já não tem medo e a mãe referiu que voltou a ser uma menina alegre e

espontânea).

Posto isto.

Foram valorados os depoimentos das seguintes testemunhas:

- CM, mãe da A. e que referiu conhecer o arguido por ele ser casado com uma sobrinha sua e por ser o afilhado de batismo da sua filha: a testemunha

esclareceu sobre o local onde vive e onde vive a sua irmã, AM, em casa da qual o arguido viveu durante uns tempos e para casa da qual a A. ia brincar depois das aulas quase diariamente; a testemunha esclareceu que a situação foi descoberta na escola no final do ano de 2014, sendo que a A. nunca contou nada à depoente; a testemunha referiu que nunca se apercebeu de nada, designadamente qualquer sentimento de repulsa da menor pelo arguido nas festas de família por exemplo, tendo apenas reparado que nas duas ou três semanas antes de a situação ter sido conhecida a A. andava muito calada e fechada em si mesma, o que não era normal tendo em conta que a descreveu como uma criança alegre e bem disposta; a testemunha terminou o seu

depoimento referindo que atualmente a A. voltou a ser o que era, novamente bem disposta, solta e faladora.

- AM, tia da A. e mãe da mulher do arguido, motivo pelo qual conhece todos os intervenientes no processo: a testemunha referiu que o arguido viveu com sua filha cerca de 5 ou 6 anos na sua casa e que a A. frequentava quase

(15)

diariamente a sua casa, nunca se tendo apercebido de nada nem tendo visto nada que a levasse a suspeitar qualquer coisa.

- E., mulher do arguido, prima da A. e sua madrinha de batismo: a testemunha afirmou que foi viver com o arguido para casa da sua mãe em 2005, depois saíram por uns tempos e regressaram, tendo lá vivido até 2012, ano que foram viver para Faro, designadamente para uma casa na Rua …, onde a A. foi

passar alguns fins de semana; referiu que a determinada altura a A. lhe contou que o arguido lhe mandava mensagens e andava atrás dela, motivo pelo qual se zangou com o arguido, porque ficou na dúvida, e separaram-se durante dois meses, tendo posteriormente reatado a relação porque a A., quando eles se separaram, disse-lhe que ele não tinha feito nada; afirmou que as únicas mensagens que viu foram mensagens da A. a pedir ao arguido para ir passar os fins de semana a casa deles; referiu também que, à data dos factos não tinha filhos e como a A. era sua afilhada, deu-lhe um plasma, um MP3, uma máquina fotográfica digital e um telefone, descrevendo-a como uma menina egoísta e que só queria coisas materiais.

- MF tia da A. e da mulher do arguido: a testemunha referiu nada saber sobre o assunto nem nunca ter visto ou ouvido nada que a fizesse suspeitar.

- CR, marido da testemunha anterior e que afirmou conhecer o arguido e A.

por serem marido de uma sobrinha e sobrinha da mulher, respetivamente: a testemunha referiu nada saber dos factos, com exceção de uma vez ter

entrado em casa da mãe da A., à procura dela e quando já estava de saída a A.

apareceu à porta da casa de banho - que fica no corredor, e que estava com a porta aberta quando entrou embora não se tivesse apercebido que lá estava alguém -, perguntou-lhe pela mãe e ela disse que não estava e no decurso deste diálogo o arguido espreitou pela porta, tendo-se apercebido, por isso, que também ele estava dentro da casa de banho; a testemunha referiu que nada mais viu mas não gostou da situação, achou-a estranha e não gostou, motivo pela qual a relatou à sua mulher e lhe pediu que ela falasse com a A.

ou com a mãe.

- J, inspetor da Polícia Judiciária, que afirmou conhecer o arguido apenas do processo: a testemunha esclareceu sobre todas as diligências que fez no decurso do inquérito, designadamente as perícias aos telemóveis de ambos, sendo que todas as mensagens que estavam guardadas e com relevância para os autos foram transcritas; referiu ainda que da aludida perícia foi possível perceber as mensagens entre o arguido e a A. eram recíprocas, sendo ambos

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recetores e emissores, confirmando a sua assinatura na informação de fls.

135.

Foram ainda tidos em consideração os seguintes elementos probatórios:

- a informação de serviço de fls. 3 - designadamente quanto à data em que os factos foram comunicados à Polícia Judiciária;

- as informações da C.P.CJ. de fls. 7 a 11;

- o auto de transcrição de mensagens de fls. 23 a 26;

- a informação de fls. 135 a 158 (informação remetida pela Vodafone e respetiva análise);

- relatório de perícia psiquiátrica de fls. 232 a 235;

- relatório de perícia psicológica de fls. 250 a 253.

Concretizando:

No que concerne aos pontos 1 a 3 dos factos provados a convicção do tribunal alicerçou-se nas declarações do arguido, conjugadas com os depoimentos das testemunhas CM, AM e E, que sobre esta matéria, depuseram de forma

coerente, em si mesmo e entre si.

Relativamente aos pontos 15 e 16 dos factos provados, foi tido em

consideração o depoimento da testemunha E, conjugado com as declarações da menor A..

Relativamente ao ponto 17 dos factos provados - mensagens - a convicção do tribunal alicerçou-se na confissão do arguido em conjugação com as

declarações da menor A. e com o teor do auto de transcrição constante de fls.

23 a 26. De referir, nesta parte, o pouco relevo da confissão do arguido, na medida cm que existia nos autos prova documental do envio das referidas mensagens.

Quanto aos pontos 4 a 14 e 18 a 22 dos factos provados, o tribunal, a

convicção do tribunal alicerçou-se, sobretudo, nas declarações para memória futura, prestadas pela menor A., que à data dos factos teria cerca de 9 anos, tendo 14 anos à data da prestação de declarações e que se mostraram

credíveis para o tribunal, quer por si mesmas, quer pela conjugação com a restante prova produzida.

Com efeito, o discurso da menor foi fluindo à medida que as questões lhe foram colocadas, com avanços e retrocessos, com hesitações, com faltas de

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memória, o que, no entender do tribunal abona no sentido da sua

credibilidade, porquanto permite concluir que a menor não vinha "instruída"

para relatar os factos. Para além disso, o discurso teve pormenores de

ingenuidade, como foram a referência a gostar de ir passar os fins de semana com a tia porque gostava e gosta muito da madrinha, ou a referência aos períodos em que o arguido parava com as suas investidas e simplesmente brincava com ela, o que foi dito num tom sereno, de alegria, e que permitiram concluir que a menor A. não tem qualquer sentimento de vingança ou

qualquer atitude persecutória em relação ao arguido. Esta conclusão resulta igualmente do depoimento da testemunha E., na medida em que a mesma disse que quando se separou do arguido, a A. disse que ele não tinha feito nada, o que determinou que reatassem a relação. Isto é demonstrativo da ambiguidade de sentimentos desta criança, que não obstante o seu sofrimento, coloca acima dele a alegada felicidade da madrinha.

A forma como a menor depôs, a linguagem que utilizou e a forma como a utilizou mostraram-se adequadas à sua idade, à vergonha inerente a este tipo de assuntos nesta idade sobretudo perante terceiros desconhecidos e num ambiente formal de um tribunal, não podendo dela retirar-se que a menor estivesse a fabular ou sequer tivesse a habilidade para montar todo o seu discurso.

Para o tribunal, a menor depôs de forma esclarecedora, espontânea e à

vontade, com um discurso simples e coerente que se mostrou adequado à sua idade, sendo perfeitamente normal que não conseguisse ser clara e perentória quanto ao número de situações ou às datas em que ocorreram, tendo em

consideração que, regra geral, os menores levam algum tempo a ter a noção do errado quanto a este tipo de comportamentos quando os mesmos provêm de pessoas que lhe são próximas e que, supostamente, lhes querem bem, pelo que não guardam na memória pormenores como datas, locais exatos, e quando mais tarde essa noção do errado lhes permite exteriorizar o sofrimento, são já muitas vezes incapazes de situar com precisão os factos no espaço e no tempo.

A credibilidade quanto aos factos relatados pela menor saiu reforçada pelo depoimento da mãe que, de forma serena e sem discursos "apaixonados" ou com ressentimentos exacerbados, e sem qualquer postura vingativa, referiu que nunca se apercebeu de nada a não ser que cerca de duas a três semanas antes a A., ao contrário do que era normal, andava triste, fechada e pouco faladora, o que é demonstrativo de que a menor, já consciente do "errado"

(18)

chegou a um ponto em que já não estava a ser capaz de esconder o seu sofrimento.

Por outro lado, o arguido teve um discurso pouco coerente e pouco razoável, designadamente quando afirmou que enviou as mensagens à afilhada "porque lhe apeteceu, porque estava revoltado com a vida e queria falar com alguém".

Ora, face ao teor das mensagens que foram transcritas para o processo, é manifesto que esta explicação é, no mínimo insólita. E para, além de insólita em si mesma, foi dita em audiência de julgamento pelo arguido com um ar de certo modo infantil.

E, se em algumas situações é difícil explicar determinados comportamentos, porque não se encaixam na pessoa, no seu percurso, na sua personalidade, esse não é o caso dos autos, pois que dos relatórios de perícia psiquiátrica e psicológica feitas ao arguido, resultou que o mesmo tem um défice cognitivo, uma personalidade pouco diferenciada, com dificuldades significativas na identificação, no reconhecimento e na expressão dos afetos e das emoções, que padece de imaturidade afetiva e de um deficiência intelectual que

implicou desvios e orientações de objeto amoroso, padece de uma deficiência mental - oligofrenia ligeira - que atenua a sua perceção e compreensão, que diminui e facilita o julgamento e que contribui para a referida imaturidade e comportamentos menos adaptativos. Resulta ainda da referida perícia

psiquiátrica que o arguido revela uma "falha do eu", no sentido do proibido e dos limites a não ultrapassar, e uma aparente incapacidade de conter o

aparelho pulsional que deixa aberta a possibilidade de recidivas de comportamentos idênticos.

Ora, perante este concreto arguido, com as características supra referidas, e que se mostraram evidentes na audiência de julgamento face à forma como prestou as suas declarações e o depoimento coerente e credível da menor A., o tribunal não teve dúvidas em fazer prevalecer este último, afastando qualquer dúvida quanto aos factos que deu como provados, e que, no essencial, são uma reprodução da descrição feita pela menor.

De referir que, quanto ao ponto 22 dos factos provados foi ainda considerada a informação da CPCJ constante a fls. 7 a 11 dos autos.

No que diz respeito ao conhecimento e vontade do arguido, pontos 23 a 26 dos factos provados, pese embora a prova não seja direta, infere-se dos factos objetivos dados por provados, analisados à luz das regras da experiência

(19)

comum, tendo em consideração os traços de personalidade do arguido em concreto, tal como constam do teor das perícias constantes a fls. 232 a 235 e 250 a 253, sendo que da primeira resulta inequívoco que o arguido tinha capacidade para reconhecer o carácter ilícito dos seus atos, concluindo pela imputabilidade do mesmo.

Relativamente aos factos não provados, foram valorados dessa forma, na medida em que a menor não os relatou. De referir, em especial quanto ao episódio da casa de banho que o arguido o negou, disse que apenas entrou na casa de banho apenas para dizer à menor para parar de o chatear porque ela só queria brincar, sendo que a testemunha CR não viu nada de concreto e a menor A. afirmou não ter memória desse facto, donde, na dúvida, foi valorado como não provado.

Por fim, quanto às condições pessoais do arguido e quanto à sua personalidade - pontos 27 a 41 dos factos provados - e quanto à ausência de antecedentes criminais - ponto 42 dos factos provados - foram valorados o relatório social junto aos autos, datado de 5 de Junho de 2015, os relatórios periciais de fIs.

232 a 235 e 250 a 253 e o certificado de registo criminal de fls. 404.

Apreciando:

O recorrente invoca que, perante o testemunho de E, requereu, em audiência, que, ao abrigo do art. 340.º do CPP, a menor/ofendida A. prestasse novas declarações, a fim da mesma confirmar as anteriormente prestadas, para memória futura.

Tendo o tribunal decidido não se mostrar necessário nova inquirição, alega que, perante a gravidade dos crimes, era imprescindível que se tivesse procedido a uma nova inquirição da menor/Ofendida, donde, na sua

perspectiva, o princípio consagrado naquele preceito legal foi simplesmente ignorado.

Ora, constata-se da acta da audiência, de fls. 443/446, de 02.07.2015,

concretamente de fls. 445, que o aqui recorrente suscitou essa prestação de declarações da menor e para a finalidade referida, o que foi objecto de

despacho, segundo o qual, “por não se mostrar necessário para a boa decisão da causa, a sujeição da menor a nova inquirição, ficou indeferido o requerido pela defesa, ao abrigo do art.º 340.º, do CPP”.

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Por seu lado, a motivação da decisão em matéria de facto constante do

acórdão veio reafirmar esse sentido, mormente referindo que ”tal necessidade não se verificou, sendo certo que com a diligência requerida pela defesa, como consta da ata da audiência de julgamento, pretendia-se ver se a menor

confirmava o que tinha dito nas declarações para memória futura a fim de aferir da sua credibilidade. Salvo melhor entendimento, tal só se mostra

necessário quando existam outros elementos de prova que ponham em causa o depoimento da menor, para além da negação do arguido, obviamente. O que no caso concreto não existiu, não fazendo sentido submeter a menor, é certo que atualmente tem 15 anos, a novo depoimento em audiência, fazendo-a reviver todos os factos, num momento em que, de acordo com o que referiu nas declarações para memória futura e com o depoimento da mãe da menor, já se encontra num processo de ultrapassagem das suas memórias e traumas (a menor referiu que agora já não tem medo e a mãe referiu que voltou a ser uma menina alegre e espontânea)”.

Mais, explicitou-se no acórdão as razões por que as declarações para memória futura, prestadas pela menor (transcritas nos autos e lidas em audiência), mereceram credibilidade, “quer por si mesmas, quer pela conjugação com a restante prova produzida”, através de análise crítica consentânea com o que foi dado observar, designadamente aludindo a que “a menor depôs de forma esclarecedora, espontânea e à vontade”, não descurando aspectos inerentes à sua idade que apreciou.

A tomada de declarações para memória futura, constituindo excepção ao princípio da imediação, obedece a exigências de tutela da personalidade da testemunha (evitar os danos psicológicos implicados na evocação sucessiva pelo declarante da sua dolorosa experiência e a sua exposição em julgamento público) e visa proteger a integridade da prova testemunhal.

Conforme Sandra Oliveira e Silva, in “A Protecção de Testemunhas no

Processo Penal”, Coimbra Editora, 2007, pág. 29, De entre as multímodas situações de risco para a testemunha que a fenomenologia da realidade deixa entrever, são claramente autonomizáveis dois núcleos típicos, a que

correspondem outras tantas categorias normativas: a das chamadas

«testemunhas vulneráveis», pessoas para as quais a mera intervenção nos actos processuais comporta de per si um considerável dano, atenta a

imaturidade das suas estruturas psíquicas (crianças, doentes mentais) ou a especial natureza dos actos criminosos observados (crimes sexuais, violência familiar, etc.) e a das «testemunhas intimidadas ou ameaçadas», em que o

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risco de lesão, embora agravado em virtude da colaboração com a

administração da justiça, deverá ser imputado a uma actuação do arguido ou outra pessoa.

Nas medidas de protecção, destinadas a testemunhas especialmente

vulneráveis, como é o caso da menor A., dada a sua idade (art. 26.º da Lei n.º 93/99, de 14.07, na redacção actual do preceito conferida pela Lei n.º

29/2008, de 04.07) e como vítima de crime contra a liberdade e

autodeterminação sexual, se inclui mesmo a obrigatoriedade dessa diligência de prova em inquérito, nos termos do art. 271.º, n.º 2, do CPP e, como decorre do n.º 1 deste, “a fim de que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento”.

No entanto, tal tomada de declarações não significa que, em audiência de julgamento, a menor não viesse a prestar depoimento, conforme ao n.º 8 desse art. 271.º, sempre que isso fosse possível e não pusesse em causa a sua saúde física ou psíquica, tudo dependendo de aquilatar da sua conveniência, em concreto, em vista da devida protecção daquela perante as finalidades da realização da justiça e das garantias de defesa do arguido, aqui recorrente, segundo juízo de ponderação que se compagine com a perspectiva de

“concordância prática” dos interesses em jogo.

Por seu lado, não se desconhecem os problemas relacionados com a

credibilidade do testemunho em casos como o da menor, dadas as limitações no seu processo de desenvolvimento e de crescimento, propícias à fantasia, à linguagem e à comunicação muito próprias, à sugestionabilidade, à perda de memória.

Mais uma vez citando Sandra Oliveira e Silva, ob. cit., pág. 165, Numerosos estudos científicos demonstraram, na verdade, que as crianças, em especial, tendem a esquecer e confundir as suas memórias com informações adquiridas no decurso do processo ou a modificar a recordação dos factos realmente ocorridos com eventos imaginários, daí resultando a incapacidade para distinguir entre pormenores que resultam de uma percepção real e aqueles que são criados pela fantasia e pela imaginação (as chamadas “falsas

recordações”). Por conseguinte, os repetidos interrogatórios comportam um considerável perigo de contaminação da prova, muito agravado no caso de aos menores serem feitas perguntas sugestivas.

Em síntese (…) pretende-se evitar os danos psicológicos implicados na

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evocação sucessiva pelo declarante (p. ex., a “testemunha-vítima”) da sua dolorosa experiência e a sua exposição em julgamento público.

Pode afirmar-se, pois, que a intervenção da autoridade judiciária, motivando que a testemunha, nesse caso, deva depor, constitui em si mesma uma

intromissão nos direitos do menor, o que impõe acrescida e adequada

protecção, mormente em situação a que esse n.º 8 do art. 271.º se refere, no sentido, de acordo com o expendido no acórdão, de que, citando Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal”, Universidade Católica, Lisboa, 2008, pág. 705, É implícito que o tribunal de julgamento deva considerar essa repetição necessária para a descoberta da verdade

(artigo 340.º, n.º 1), o que, nos casos de doença grave ou vítimas de crimes do catálogo legal, só deve verificar-se em casos excepcionais em face da ratio protectora da diligência de declarações para memória futura, sendo que, em concreto, isso foi tido em conta, não só em face da argumentação do

requerido, como também pelo acervo de provas de que o tribunal dispôs.

Na verdade, a argumentação em causa apenas se limitou a apelar a que a menor confirmasse o que antes declarara para memória futura, embora, já em sede do recurso, traga ainda à colação o testemunho de E., mulher do

recorrente, a cuja valoração o tribunal procedeu e como consta do acórdão, sem que, da respectiva conjugação desses meios de prova, se descortine relevante interesse em que a menor A. viesse a prestar declarações em

audiência, uma vez que não resulta, da motivação decisória operada, que esse referido testemunho tivesse propriamente posto em causa as declarações da menor.

Para além disso, se o tribunal salientou que “tal só se mostra necessário quando existam outros elementos de prova que ponham em causa o

depoimento da menor, para além da negação do arguido, obviamente. O que no caso concreto não existiu, não fazendo sentido submeter a menor, é certo que atualmente tem 15 anos, a novo depoimento em audiência, fazendo-a reviver todos os factos, num momento em que, de acordo com o que referiu nas declarações para memória futura e com o depoimento da mãe da menor, já se encontra num processo de ultrapassagem das suas memórias e traumas (a menor referiu que agora já não tem medo e a mãe referiu que voltou a ser uma menina alegre e espontânea) ”, afigura-se que aquilatou, e bem, dos inconvenientes para a saúde psíquica da menor se viesse a ser de novo inquirida, aspecto relativamente ao qual, o recorrente, certamente não por acaso, nada menciona.

(23)

Não obstante todos os meios de prova relevantes para a descoberta da verdade e boa decisão da causa devam ser produzidos em audiência, em sintonia com o invocado princípio definido no aludido art. 340.º do CPP, a subjacente necessidade tem de estar implícita e, esta, haverá de ser

apreciada, no que aqui interessa, pela requerida protecção conferida à menor, vítima de crime sexual, tendencialmente no sentido de que a mesma não se veja desvirtuada, sob pena das razões que estiveram subjacentes à tomada de declarações para memória futura serem, em si mesmas, esquecidas.

Para além de que é inegável que o legislador, ao ter imposto a obrigatoriedade de inquirição para memória futura, no inquérito, de ofendido menor, vítima de crimes sexuais, reflectiu o propósito de cuidar dessa protecção.

Deste modo, a invocada violação, em concreto, desse princípio não é

minimamente de aceitar, não se bastando com a mera alegação do recorrente de que novos elementos de prova se revelaram em audiência de julgamento.

Nem nada, no acórdão, aponta nesse alegado sentido.

Acresce que não padece de qualquer nulidade (cfr. art. 379.º do CPP) e, nem mesmo, se descortina preterição de diligência essencial para a descoberta da verdade, que o recorrente, aliás, não invocou até final da audiência (cfr. art.

120.º, n.ºs 2, alínea d), e 3, alínea a), do CPP).

A decisão apresenta-se cabalmente fundamentada, designadamente, mediante juízo lógico e racional que presidiu ao exame crítico das provas, no respeito pelos critérios legais da sua livre apreciação (art. 127.º do CPP).

Se assim é, consubstanciando-se a liberdade de apreciação numa liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada «verdade material» - de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral, susceptível de motivação e de controlo (…) capaz de impor-se aos outros (Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, Coimbra Editora, 1974, págs. 202/205), cuja fundamentação decorre, em concreto, perfeitamente sustentada, inexiste motivo para censurá-la.

Nem, é manifesto, algum vício se pode assacar ao acórdão.

3. DECISÃO

(24)

Em face do exposto, decide-se:

- negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e, assim, - manter o acórdão recorrido.

Custas a cargo do recorrente, com taxa de justiça de 4 UC.

Processado e revisto pelo relator.

Évora, 12 de Abril de 2016

Carlos Jorge Berguete João Gomes de Sousa

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