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GT-3 Mediação, Circulação e Apropriação da Informação

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Academic year: 2022

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GT-3 – Mediação, Circulação e Apropriação da Informação

A EXPERIÊNCIA DA DEFICIÊNCIA PRESENTE NAS NARRATIVAS DE PESSOAS COM SOBREVIDA AO CÂNCER: INFORMAÇÃO E CONHECIMENTO NA INTERFACE COM O SABER

BIOMÉDICO.

THE EXPERIENCE OF DEFICIENCY PRESENT IN THE NARRATIVES OF PEOPLE WITH CANCER SURVIVAL: INFORMATION AND KNOWLEDGE IN THE INTERFACE WITH THE BIOMEDICAL

KNOWLEDGE

Fabiana Feliz Ribeiro – Universidade Federal do Rio de Janeiro / IBICT Regina Maria Marteleto – Universidade Federal do Rio de Janeiro / IBICT

Modalidade: Trabalho Completo

Resumo: O presente artigo destaca a questão da deficiência decorrente do adoecimento por câncer de laringe e a importância da pesquisa acerca da construção do conhecimento através da experiência das pessoas com deficiência na interface com o conhecimento biomédico hegemônico, abordando aspectos da classificação de doenças/deficiência e a produção da diferença. O objetivo da pesquisa, nesta perspectiva se volta para conhecer como se constroem as formas de apropriação e a organização do conhecimento pelas pessoas laringectomizadas, inseridas no grupo de laringectomizados no HCI / INCA, através de suas narrativas sobre a experiência de adoecimento e deficiência, na interface com o saber biomédico-institucional. Trata-se de uma pesquisa qualitativa exploratória, baseada na entrevista narrativa de vida dos pacientes laringectomizados que participam do grupo de laringectomizados do Hospital do Câncer I do Instituto Nacional de Câncer – Rio de Janeiro. Identifica- se que o conhecimento biomédico contribui para a reprodução de mecanismos de opressão e estigmatização. A pesquisa visa explorar a importância do diálogo entre o conhecimento das pessoas com deficiência e o conhecimento biomédico na reformulação de práticas informacionais e culturais na instituição. O conhecimento sobre a experiência do adoecimento/deficiência, que é hegemonicamente invisibilizado, pode contribuir para a ampliação da participação social desses grupos bem como na reorganização dos fluxos de informação institucional, contemplando demandas reprimidas e proporcionando novas formas de articulação entre saberes diferenciados.

Palavras-Chave: Deficiência, câncer, conhecimento, estigma, narrativa.

Abstract: This paper highlights the issue of disability due to laryngeal cancer and the importance of research on the construction of knowledge through the experience of people with disabilities in the interface with hegemonic biomedical knowledge, addressing aspects of disease / disability classification and production of difference. The objective focus on how to construct the forms of appropriation and the organization of knowledge by the laryngectomized people, inserted in the group of laryngectomized in the HCI/INCA, through their narratives about the Experience of illness and disability, in the interface with biomedical-institutional knowledge. This Exploratory qualitative research, based on the life narrative interview of laryngectomized patients participating in the

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laryngectomized group of the Cancer Hospital 1 of the National Cancer Institute - Rio de Janeiro. These results are identified that biomedical knowledge contributes to the reproduction of mechanisms of oppression and stigmatization. The research aims to explore the importance of the dialogue between the knowledge of people with disabilities and the biomedical knowledge in the reformulation of informational and cultural practices in the institution. The Knowledge about the experience of illness and disability, which is hegemonically invisible, can contribute to the expansion of the social participation of these groups as well as to the reorganization of institutional information flows, contemplating repressed demands and providing new forms of articulation between differentiated knowledge.

Key words: Disability, cancer, knowledge, stigma, narrative.

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho busca traçar o processo de construção do objeto de pesquisa para o doutorado tendo como pressuposto a experiência empírica a partir da inserção da pesquisadora no HCI – Hospital do Câncer I do INCA – Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva, situado no Rio de Janeiro, mais especificamente na atenção a pessoas com câncer de cabeça e pescoço, que em função de tratamentos invasivos, passam a conviver com um tipo específico de deficiência física denominada traquesotomia definitiva.

Parte-se do pressuposto de que o tema é pouco estudado no campo da saúde, tendo em vista abordagens que privilegiam a cura e a reabilitação das funções do corpo, em detrimento da compreensão dos processos sociais e institucionais que giram em torno do seu ocultamento nos cenários discussão sobre a saúde.

As questões informacionais existentes nessa experiência também evidenciam a importância do tema para a Ciência da informação (CI), visto que o objeto de estudo centrado no tema da deficiência se constitui em um objeto físico que denota um movimento sócio- histórico e cultural que interfere nas práticas sociais e nas formas de produção de conhecimento (Horland, 1995). O espaço social, condensa o conjunto dessas práticas, suas formas de interação, de reprodução e afetam também os sujeitos sociais envolvidos no processo. (BOURDIEU, 1999)

No caso de um espaço hospitalar como o INCA, a organização dos processos e fluxos institucionais, volta-se para a realização de ações focadas principalmente na agilidade dos tratamentos e da busca pela cura. No entanto, essas ações ofuscam outras questões socialmente importantes que também surgem no decorrer dos tratamentos, gerando com isso, o que se destaca neste trabalho como a invisibilidade de sequelas ou deficiências ocasionadas pela doença e pelos tratamentos propostos. Em outras palavras, esses processos institucionais, refletem o movimento dos contextos sociais e da forma de organização social hegemônica na qual estamos inseridos, acabando por reproduzir no campo social o significado e o lugar social conferido a questão da deficiência.

Trazer esse debate da deficiência enquanto produção social e como algo também presente e que se expressa na dinâmica institucional, no movimento do hospital e na busca das pessoas pela cura, é algo que apresenta consonância com a CI enquanto campo que busca compreender os mecanismos informacionais para agir e interagir socialmente numa perspectiva libertadora e emancipatória.

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A aproximação com as narrativas de pessoas que passaram pela experiência do câncer e da deficiência pode contribuir para a compreensão dos mecanismos informacionais que se constroem entre a experiência das pessoas e o modelo institucional hegemônico que delega um lugar secundário à deficiência seguindo as diretrizes do modelo social vigente, ampliando com isso as possibilidades de percepção sobre o conhecimento que é construído nesse processo.

O pensamento de Capurro (1992) destaca o lugar epistemológico e ontológico da informação que pode providenciar conhecimento no seu poder de dar forma a alguma coisa diferente e que pode trazer mudanças nas formas de ver, sentir e conceber o tema em questão. Entendendo o conhecimento como estrutura criada culturalmente e produto de uma prática social.

A pesquisa a ser realizada com pessoas laringectomizadas, visa congregar experiências e estratégias informacionais ainda desconhecidas e que precisam ser estudadas, tendo como base o arcabouço teórico-metodológico da CI.

Esse esforço busca ultrapassar as barreiras epistemológicas que ainda colocam esse tema de pesquisa como ainda pouco estudado no campo da saúde, buscando superar a visão da centralidade do saber médico, bem como na possibilidade ou impossibilidade de cura, enunciados que adquirem no processo discursivo (FOUCAULT, 2017) maior visibilidade e força em comparação com outros enunciados menos fortes que circulam nos espaços da saúde.

1.1. A clínica e os tumores de cabeça e pescoço

O INCA se caracteriza por ser uma instituição especializada de alta complexidade voltada para a assistência, ensino e pesquisa, composta por 5 unidades hospitalares (HCI, HCII, HCIII, HCIV e CEMO), com tratamentos diversos no campo da oncologia e que no âmbito da política de prevenção e controle do câncer no país, teve historicamente um protagonismo nacional da discussão sobre o tema. Sua criação tem como centralidade as descobertas médicas sobre o câncer e a articulação dos médicos com o Estado na organização de serviços nacionais para tratamento e pesquisa, sobretudo a partir da década de 50. Essas ações tiveram também como protagonismo as ações voluntárias que lideraram ações e campanhas de combate ao câncer ao longo da história no país.

A clínica de cabeça e pescoço ocupa os espaços de ambulatório, enfermaria e salas de centro cirúrgico. No ambulatório conta com salas para atendimento médico e exames

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ambulatoriais de imagem, onde os pacientes que chegam encaminhados pelo sistema de regulação (SER1) para a triagem especializada na clínica e avaliação de matrícula no Instituto.

Após as fases iniciais de realização de exames e confirmação diagnóstica (realizada pelas unidades básicas e unidades especializadas), o paciente é encaminhado a triagem especializada na clínica de cabeça e pescoço para a definição de tratamento: cirurgias, tratamentos de radioterapia ou quimioterapia.

Os tumores de cabeça e pescoço compreendem lesões internas e externas como as situadas na boca, língua, laringe, faringe, lesões oculares, couro cabeludo e estruturas da pele, enfim lesões que não compreendem as áreas cerebrais que são foco de atuação da clínica de neurocirurgia. Esse tipo de tumor acomete principalmente homens acima dos 40 anos, tabagistas e etilistas e corresponde a 25% do total de tumores na região da cabeça e pescoço e 2% de todas as neoplasias malignas (INCA,2018)

O setor de cirurgia de cabeça e pescoço é considerado um serviço de referência na rede SUS – Sistema Único de Saúde - tanto em nível regional quanto nacional e apresenta como marca, o trato com uma realidade complexa, onde as principais patologias apresentam como fatores de risco o alcoolismo e ao tabagismo, bem como as histórias de vida marcadas por relações frágeis e que comprometiam a rede de suporte no processo de tratamento.

A realidade que se expressa na clínica reforça o seu lugar enquanto espaço que aglutina expressões da questão social2 relacionadas a histórias de vida marcadas pela perda e fragilidade de relações e vínculos familiares, isolamento social principalmente em função do alcoolismo, do desemprego, do trabalho informal precarizado, da inexistência e perda de registros civis e não raro da vida em situação de rua o que caracteriza uma primeira marca ou estigma (GOFFMAN, 1988) dada a condição de invisibilidade e vulnerabilidade social deste grupo de pessoas, antes mesmo de se configurar qualquer situação geradora da deficiência, outro estigma que representa a marca de exclusão inscrita no corpo físico e social.

1 É uma ferramenta fundamental para garantir o acesso da população às ações e serviços de saúde.

Pode ser entendida como a capacidade de intervir nos processos assistenciais em saúde, sendo a ponte entre a demanda e a prestação direta dos serviços. Fonte:

https://www.saude.rj.gov.br/regulacao/complexo-regulador-estadual/sobre-a-regulacao

2 Questão social entendida como o conjunto das desigualdades produzidas pela sociedade capitalista, que se expressam por meio das determinações econômicas, políticas e culturais que impactam as classes sociais. (IAMAMOTO, 1982)

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Portanto, a construção de planos de tratamento nesses casos, se constitui em desafios constantes e requer um esforço que deve englobar saberes diversos, desde os saberes da equipe de saúde quanto os saberes construídos nas relações sociais das pessoas adoecidas, bem como outras redes que possam se formar nesse movimento.

Os tratamentos se caracterizam por serem altamente invasivos e mutilantes. No caso das grandes cirurgias em que são tratados tumores de língua, laringe, faringe, esvaziamento cervical e cavidade oral, estruturas importantes são afetadas como os movimentos faciais centrais e que impactam a questão da identidade e estética, comprometendo as expressões faciais e a comunicação desses sujeitos com o mundo.

No caso específico do câncer de laringe, o tratamento cirúrgico de extração da laringe caracteriza-se pela extração completa das cordas vocais provocando alterações definitivas na anatomia que envolvem os processos de fala, deglutição e respiração. A traqueostomia definitiva3 é considerada deficiência física pela legislação brasileira e essa informação, representa mudanças importantes nas situações de sobrevida à doença, no sentido de que gera uma nova condição que impõe a construção de novas estratégias informacionais, que englobam instituições e conhecimentos científico e popular, para uma nova inserção no mundo da vida e do trabalho para essas pessoas.

A contextualização do campo da pesquisa e permite situar os pacientes laringectomizados como sujeitos da pesquisa na medida em que nesse processo, ao mesmo tempo em que alcançam a sobrevida, se deparam com dificuldades em serem percebidos e compreendidos em uma nova realidade e nas reais demandas que abarcam questões físicas, psíquicas e sociais importantes.

1.2. Sobrevida ao câncer e deficiência

A sobrevivência ao câncer contempla não só a questão da superação da doença, mas também o lidar com suas consequências, além do desafio contínuo de conviver com a possibilidade de recidiva da doença.

3Decreto 5296 / 2004 Estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências. Trata dentre outras questões da classificação dos tipos de limitação ou incapacidade para o desempenho de atividade.

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É importante destacar também, que em meio às consequências, a deficiência também pode ser uma delas, que pode ser acrescida da possibilidade real de retorno da doença.

Nesse sentido, as atividades de pesquisa também se colocam como uma necessidade no sentido de conhecer os pontos de vista desse grupo, suas experiências e as suas formas de enfrentamento da nova realidade.

As demandas dos pacientes que conseguiram sobreviver a doença, mas que ficaram com uma deficiência ou limitação importante, são inúmeras abarcando desde questões psicológicas de não aceitação da nova condição, da preocupação com a retomada da vida e reinserção no mercado de trabalho e na vida social, até o cancelamento de benefícios por parte do INSS e o acesso a direitos sociais nessa nova condição. Essas demandas surgem na busca por escuta e acolhimento, bem como fomentam novos encaminhamentos institucionais e extrainstitucionais.

Essas questões no âmbito da instituição encontram barreiras evidentes: os serviços se encontram organizados, em seu limite máximo, para atender as demandas que envolvem o momento do tratamento. Além disso observa-se também uma certa naturalização dos processos que envolvem o pós-tratamento, o controle de tratamento e a sobrevida, como se essas dimensões não fizessem parte do escopo de atuação da instituição.

O posicionamento hegemônico institucional acaba reforçando a ideia de que a nova condição do paciente enquanto pessoa com deficiência é de responsabilidade exclusiva dele, que vive uma fatalidade, uma espécie de “tragédia pessoal”, sobre a qual a instituição e a sociedade não têm como intervir. Muitos se encontram com severas limitações ou deficiências ao término dos tratamentos, e se deparam com situações de total desamparo e completa desassistência, não podendo contar com qualquer suporte para a reorganização de suas vidas.

A constatação que se coloca de forma evidente é a da invisibilidade histórica relacionada a questão da deficiência, sobretudo nas sociedades modernas, que no caso, se expressa e se reflete na realidade institucional.

Em função dessa realidade buscou-se avançar nas reflexões com outras instituições e políticas públicas que atuam no campo da deficiência. Como o caso da SUBPD4 – Subsecretaria

4Oriunda da Fundação Municipal Lar Escola Francisco de Paula (Funlar-Rio), criada em 1920, a Secretaria Municipal da Pessoa com Deficiência, embora com poucos anos de atuação como órgão municipal, contribuiu para que este segmento da população tão estigmatizado ao longo do tempo fosse cada vez mais incluído nas políticas públicas. A partir de 2017, a Secretaria Municipal da Pessoa

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da Pessoas com Deficiência no município do Rio de Janeiro ligada a Política de Assistência Social. Esse movimento foi crucial para a melhor compreensão do quadro de deficiências presentes no espaço da clínica, para a construção de mudanças na cultura da clínica e na construção de novos fluxos de encaminhamentos internos e externos. Esse movimento, de articulação interno interprofissional (na clínica) e externo intersetorial (com a SUBPD), possibilitou o afastamento necessário para a consolidação do objeto de pesquisa.

Esses dados preliminares, ainda no âmbito do objeto concreto, passam a compor a problematização do objeto de pesquisa e se constituem como elementos exploratórios da pesquisa. A partir dessa experiência, destacou-se a importância do arcabouço teórico e a escolha do caminho metodológico da pesquisa.

2 DESENVOLVIMENTO

2.1 A deficiência como objeto de pesquisa

A partir do ano de 2017, a questão da deficiência, se consolida como objeto de pesquisa, numa perspectiva de problematizar a visão institucional na interface com a experiência dos pacientes e seu processo de construção de conhecimento sobre essa experiência. Tal ideiaque se materializa como projeto de pesquisa para o doutorado a partir do ingresso no IBICT/UFRJ no ano de 2018.

Ao traçar essa trajetória, onde conhecimentos empíricos se estruturam na direção da consolidação de um objeto de pesquisa, me baseio em Jeanneret (2015 apud, DAVALLON 2004), que esclarece esse processo com muita propriedade ao marcar esses passos definidores da pesquisa: o objeto de pesquisa passa primeiro pela dimensão social e do imaginário social, numa perspectiva de distanciamento e aproximação, para depois se constituir como um objeto construído, a partir dessa experiência, se constituindo por fim em um objeto de pesquisa.

com Deficiência, tornou-se subsecretaria (SUBPD), criada pelo Decreto 42.870. Tem como missão promover socialmente as pessoas com deficiência, através do fortalecimento da transversalidade nas ações dos órgãos municipais, interagindo, impulsionando e executando programas específicos, mediante a implementação de políticas públicas próprias. Sua visão é ser referência em nível nacional na definição das políticas de promoção e inclusão social das pessoas com deficiência e seus familiares e na execução dos serviços e programas ofertados na cidade do Rio de Janeiro. Fonte:

http://www.rio.rj.gov.br/web/smpd/conheca-a-secretaria

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As dificuldades existentes nos processos infocomunicacionais existentes na clínica acerca da abordagem do tema deficiência, impulsionaram a construção dos elementos exploratórios acima mencionados, fomentaram a necessidade de construção de estratégias por parte da pesquisadora na tentativa de mudança de olhares, concepções e práticas no interior da clínica.

Para tal foram realizados dois movimentos: A busca pela reorganização de um fluxo interno para encaminhamentos nos casos específicos de pessoas com deficiência, e a formalização de casos a serem enviados à SUBPD para encaminhamento às políticas públicas voltadas a inserção no mercado de trabalho.

2.2 As classificações da doença e da deficiência enquanto materialidade da informação No cotidiano da clínica, as rotinas de produção de informações como laudos médicos e demais informações que precisam ser geradas para o paciente e outras instituições, estão maciçamente voltadas para as questões relacionadas a doença crônica e tratamento de câncer. No caso de pessoas com deficiência, que possuem diferentes formas de acesso, a informação que deveria ser gerada com foco na especificidade da deficiência, acaba sendo ocultada pelo processo institucional que produz a invisibilidade da questão e, portanto, a informação permanece ocultada, por desconhecimento (produzido pela própria engrenagem de controle institucional e social) da clínica e do próprio paciente. Os sistemas de classificação específicos voltados para a pessoa com deficiência que deveriam ser acrescentados a classificação da doença crônica, não são utilizados. A dificuldade em promover o diálogo e otimizar os sistemas de informação e classificação para o encaminhamento de questões de forma adequada é latente.

Nesse processo, a clínica utiliza como fonte de classificação principal o CID5 como forma de definição e classificação dos tipos de tumores, no sentido de classificar a doença, o que é fundamental para os acessos de pessoas em tratamento. No entanto não utiliza a classificação com base no CID da deficiência, mais conhecido como CIDID6, para pessoas com deficiência o que acaba gerando inúmeros transtornos para o paciente visto que os

5 CID Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde.

Fornece códigos relativos à classificação de doenças e de uma grande variedade de sinais, sintomas, aspectos anormais, queixas, circunstâncias sociais e causas externas para ferimentos ou doenças.

https://www.cid10.com.br/

6 CIDID - Classificação Internacional de Deficiências, Incapacidades e Desvantagens.

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profissionais desconhecem tal procedimento e as informações não fluem. Como resultado desse processo, o paciente não acessa direitos fundamentais para a melhoria das suas condições de vida. Foram implementadas ações para a melhoria dos fluxos em que os pacientes tiveram um papel importante no acompanhamento dessas rotinas e ajustes sistemáticos de modo a construir novas percepções e mudanças informacionais.

Tais classificações internacionais são formuladas pela OMS7. A CID Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas relacionados à Saúde tem início no ano de 1893 com a lista internacional de causas de morte e posteriormente em 1946 com a classificação de doenças, criando um padrão internacional de mortalidade e morbidade no âmbito das classificações. Em 1993 é criado o CID 10 que passa a classificar não somente doenças, mas também lesões e distúrbios. Com o advento do CICID Classificação Internacional de Deficiências, Incapacidades e Desvantagens em 1980, ocorre uma primeira versão da CIF8, outra classificação criada posteriormente, no sentido de compreender as relações classificatórias entre doença, deficiência, incapacidades e desvantagens.

A classificação atribui, segundo Foucault (2005a) a materialidade dos enunciados que trazem em si a informação sobre como surgiram, de que forma e como podem perdurar ou deixarem de existir ao longo do tempo. Ainda segundo o autor, essa materialidade do enunciado pode ser analisada pelo grau de sua imersão institucional, onde as rotinas estabelecem e mantêm relações com os enunciados ali presentes.

No caso do INCA, a coexistência de inúmeros enunciados como a doença, a sobrevida, a morte dentre outros, se relacionam com aqueles enunciados que possuem menos força, massa, energia e poder Foucault (2005b) como é o caso da deficiência. O seu poder de criar efeitos no ambiente institucional é invisibilizado, embora esteja ali presente. Segundo Frohmann (2008) as práticas institucionais de documentação materializam a informação de tal forma que essa informação configure a vida social. Ou seja, essas práticas institucionais produzem discursos e documentação que reforçam esse lugar de opressão da deficiência, na medida em que se recusam a problematizar tal condição buscando o fortalecimento desse enunciado na relação com os demais. Sobre essa questão ainda Foucault (2014) pontua que existem três grandes sistemas de exclusão, situa a vontade de verdade, que traduz o discurso

7 OMS - Organização Mundial de Saúde.

8 CIF - Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde.

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que se produz e se reproduz a serviço da separação e da exclusão, apoiando-se em um suporte institucional.

Esses estudos sobre a informação produzida e suas relações com práticas públicas e sociais são cruciais para o desvelamento da ideia de que a informação se consolida enquanto tal a partir do momento em que está indiscutivelmente vinculada a uma determinada prática.

As classificações das pessoas com deficiência pautadas nas primeiras classificações internacionais da OMS (CID e CIDID) que ainda possuem como base as condições de saúde, lesões e distúrbios fundamentadas pelo modelo biomédico, não contemplam as discussões do movimento de pessoas com deficiência cujos avanços se pautam na dimensão da deficiência compreendida como um problema social, de responsabilidade individual e coletiva numa perspectiva de mudança social. Nesse sentido, a CIF – Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde criada em 2001 se constitui como avanço, na medida em que visa compreender e lançar o olhar para os fatores contextuais, ambientais e pessoais, no modo como as pessoas vivem e conduzem suas vidas, como forma de identificar suas capacidades e limitações para a participação na vida social, ou seja, visa tornar visíveis e trazer à tona, informações primordiais produzidas a partir do cotidiano de vida das pessoas e que precisam ser agregadas a informações macro (sistema normativo legal, fluxos informacionais e sistemas de classificação) na produção de resultados satisfatórios (SAMPAIO; LUZ, 2009).

Os avanços alavancados pelo movimento social de pessoas com deficiência ao longo da história na busca pela construção de um modelo social da deficiência em contraponto ao modelo biomédico hegemônico, instituiu uma mudança de paradigma na forma de conceber a deficiência tendo como pressuposto o modelo baseado na funcionalidade e na incapacidade.

Essa perspectiva pode ser encontrada como marco histórico na consolidação de legislações específicas a partir da convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu protocolo facultativo assinados em Nova York em março de 2007.

No Brasil o decreto 6949/2009 promulga o conteúdo da convenção e posteriormente através da lei 13.146/2015 se institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, também chamado de Estatuto da Pessoa com Deficiência, que busca contemplar em seu texto a mudança de paradigma no sentido das representações sobre a questão da deficiência em sociedade, como classificações que possam atuar de forma dialética considerando o indivíduo e a sociedade, os planos biológico e social como formas que possam se aproximar com base na justiça social, das reais necessidades das pessoas com deficiência.

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Numa perspectiva de ampliação da capacidade de análise dessa complexidade seria necessário conjugar esforços interdisciplinares e intersetoriais contemplando-se, no arcabouço legal normativo e nas práticas, a perspectiva da CIF Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde, para minimizar as distâncias e assimetrias em relação aos pacientes com deficiências ou limitações severas para acesso a direitos específicos nesta condição.

Na realidade, ainda existem muitas dificuldades em se trabalhar no campo da saúde com o conceito de deficiência, onde o predomínio da hegemonia médica reafirma os sentidos da funcionalidade do corpo numa perspectiva individualizante.

No sentido de captar a produção científica sobre o tema deficiência, realizamos busca na base scopus refinando a busca de “deficiência”, passando por “deficiência e Saúde” e deficiência e câncer”. Os resultados encontrados foram: “Deficiência” foram encontrados 614 artigos em acesso aberto, posteriormente refinamos a busca para a subárea de ciências sociais, onde encontramos para o termo deficiência o quantitativo de 188 artigos. Na mesma subárea foi realizada nova busca alterando-se o conceito “Deficiência e Saúde” e foram encontrados 61 artigos, posteriormente “Deficiência e câncer” para o qual foi encontrado apenas 1 artigo, em acesso aberto com abordagem em saúde e deficiência visual, sem abordagem do câncer. Ouseja, nessa busca nada foi encontrado com a palavra câncer, o que já sinaliza a escassez de produção sobre o tema.

Compreender a deficiência com base no CID considerando uma classificação correta e as possibilidades de inclusão assegurados é um passo importante para a discussão da deficiência na saúde. Outro desafio seria a construção efetiva de um olhar ampliado sobre a deficiência considerando os seus aspectos inclusivos, sociais e políticos, numa discussão sobre a CIF que propõe um novo modelo para a deficiência.

2.3 A produção do discurso da deficiência como diferença

A questão da pessoa com deficiência sempre esteve presente ao longo da história das sociedades, porém em alguns períodos foi tratada de maneira diferenciada. No período da idade média, a pessoa com deficiência participava da vida social de acordo com as suas possibilidades, onde as diferenças eram justificadas pela magia e pelo pensamento religioso como castigo, sendo estas consideradas as formas de conhecimento hegemônicas na época.

Com o advento da modernidade e o triunfo da razão sob a égide da industrialização no sistema

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capitalista inicia-se uma nova forma de organização pessoal, coletiva e social que se antepõe ao feudalismo (PICCOLO, 2015).

O silenciamento das vozes das pessoas com deficiência tem sido desde então, uma prática perversa de exclusão dessas pessoas do convívio e participação social ao longo da história,tendo o discurso médico-científico como principal articulador da norma burguesa de corpos perfeitos e úteis ao sistema produtivo capitalista (PICCOLO, 2015).

O saber científico com o advento do iluminismo passa a explicar a deficiência como uma patologia a ser classificada e abordada pela medicina, que passa a definir os padrões de normalidade/anormalidade dos corpos associada a uma construção capitalista de corpos úteis ao processo produtivo, coadunada com a estrutura econômica e política de produção dos corpos e mecanismos de controle marcam o período dos séculos XVIII e XIX (FOUCAULT, 2016).

De acordo com Canguilhem (2014) é nesse contexto que se engendra a ideia no nascimento do corpo anormal ou patológico em oposição ao corpo normal ou padronizado.

Essas dicotomias se enraizaram no contexto social de modo hegemônico respaldadas pela medicina e pelo modo de produção capitalista.

Para Canguilhem (2014), não existe o normal e o patológico, mas sim normas diferentes. Para o autor, o anormal não é oposição ao normal, mas um “normal diferente”.

Essa construção de diferenças entre o natural e o social é a base da construção das diferenças que presenciamos na história, no entanto não se pode esquecer que o natural é uma construção social também e, esta, se constitui como discussão que reforça a ideia de deficiência como algo patológico, na modernidade até os dias de hoje, ainda considerada como hegemônica.

A discussão sobre a deficiência coloca-se também diante de conceitos que estão na base deste debate sociohistórico como a questão da diferença e da diversidade, do estigma (GOFFMAN, 1988) e da discriminação. A deficiência tem se constituído como campo de pesquisa principalmente na área da educação e da saúde, voltada sobretudo para questões relativas ao respeito e ao valor das diferenças. Embora a produção sobre o tema relacionado sobretudo a questão da saúde e das doenças crônicas seja incipiente (SILVA, 2006).

A abordagem do conceito de deficiência em uma instituição médica, de alta complexidade, como o INCA, requer a construção de uma cultura institucional com um novo olhar para a questão no sentido da organização de esforços para a construção de respostas inclusivas e integradoras. A deficiência não deve contemplar apenas a visão sobre a lesão,

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mas cabe entendê-la para além da lesão, como: “Um conceito amplo e relacional. É deficiência toda e qualquer forma de desvantagem resultante da relação do corpo com lesões e a sociedade” (DINIZ, 2003).

Outras discussões se coadunam à questão da deficiência enquanto forma de opressão, discriminação e exclusão a que são submetidos determinados grupos humanos, e que tem como sustentação universal o ideário imperialista eurocêntrico baseado na construção de uma hierarquia global fundamentado nas classificações de superioridade e inferioridade e que justificariam alguns grupos serem considerados inferiores e outros superiores (GROSFOGUEL, 2011).

Nesse aspecto, as questões que envolvem o racismo, o feminismo, e a deficiência, podem se constituir como mediações do real, dependendo da intencionalidade que assumam, podem produzir exclusão ou formas de inclusão (PICCOLO, 2015).

No caso da deficiência, os tensionamentos existentes nas disputas sociais entre a questão individual/biológica ou social/política se refletem na vida cotidiana, na vida institucional e nas relações sociais como um todo (PICCOLO, 2015).

Essas considerações são fundamentais para a compreensão das diferenças situadas no cotidiano das práticas e para a pesquisa, visto que elementos específicos presentes nas relações cotidianas podem reproduzir condições de exclusão e opressão (SERRANO, 2007).

Nesses processos a informação se constrói como prática social dando forma a mecanismos informacionais situados no contexto social e cultural. As questões presentes são de ordem sociohistórica e cultural, mas também e principalmente informacional, no sentido dos significados e construções diversos que são produzidos como formas de ver o mundo (NASCIMENTO; MARTELETO,2004).

Buscando situar melhor essa discussão no campo da Ciência da Informação (CI), é importante destacar que a CI se constitui como campo de estudos reunindo disciplinas que apontam para o estudo das práticas de informação que se desenvolvem na sociedade, desde a informação documentada até fluxos de informação que interagem com modos sociais de fazer e agir. Por isso atua sobre os sentidos, as práticas e os usos da informação pela sociedade, tratando com documentos, mediações, culturas e saberes (ALBAGLI, 2013).

A informação é produzida e organizada nas relações sociais, em espaços sociais e busca apreender as diferentes formas de ver o mundo, de classificá-lo e organizá-lo. Nesse sentido

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apresenta como característica uma natureza interdisciplinar, na relação com outras áreas do conhecimento, na perspectiva de construção do conhecimento (MARTELETO, 1994).

Esse campo de conhecimento vem colaborando nas reflexões e desafios travados no cotidiano dos serviços de saúde no sentido da efetivação da universalização do acesso aos direitos previstos na constituição vigente. Tais desafios, se encontram em grande parte, situados nainformação e nos sistemas de classificação produzidos e operacionalizados numa perspectiva relacional existente entre os diferentes atores da saúde, principalmente as categorias de profissionais com formações diferenciadas e que se deparam com uma realidade complexa e diversa e que provoca, cotidianamente, a necessidade de construção individual e coletiva de respostas à diversidade e à incerteza.

Ao mesmo tempo em que se percebe no processo histórico as construções sociais sobre a deficiência numa perspectiva excludente, inúmeros foram os movimentos, ou

“ruídos”, que questionaram a norma e a hegemonia do pensamento biomédico, produzindo e organizando informação que possibilitaram a reorganização do sistema, mantendo sua sobrevivência. A informação é uma diferença que pode significar a reorganização dos processos em outra direção (BATESON,1986).

No caso desta pesquisa, compreender a apropriação, a organização do conhecimento e das práticas informacionais das pessoas laringectomizadas, matriculadas no HCI/INCA sobre a deficiência, pode trazer luz para os fluxos e o conhecimento produzido entorno do tema e para a forma como tem sido usada e disseminada a informação.

Portanto, o objetivo da pesquisa, nesta perspectiva se volta para conhecer como se constroem as formas de apropriação e a organização do conhecimento pelas pessoas laringectomizadas, inseridas no grupo de laringectomizados no HCI / INCA, através de suas narrativas sobre a experiência de adoecimento e deficiência, na interface com o saber biomédico-institucional.

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O espaço de inserção da pesquisadora é o Hospital do Câncer I – HCI criado em 1957 e pertencente ao Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva localizado no centro da cidade do Rio de Janeiro. É um centro de referência para o tratamento do câncer no Rio de Janeiro, que faz parte da rede de alta complexidade do Sistema Único de Saúde (SUS) e oferece atendimento totalmente gratuito e de qualidade aos pacientes. O hospital atende crianças com diversos tipos de câncer e adultos com câncer do aparelho digestivo, das vias aéreas

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superiores, da tireoide, das glândulas salivares e do pescoço, assim como do aparelho respiratório e da pele. Presta também atendimento em neurocirurgia oncológica, urologia oncológica, hematologia oncológica, quimioterapia, radioterapia e braquiterapia.

O centro cirúrgico do HC I dispõe de equipamentos de alta tecnologia, tanto para os serviços cirúrgicos como para a anestesia dos pacientes. O hospital realiza cirurgia robótica, exames e tratamentos radiológicos de alta complexidade. O atendimento no HCI é feito de forma integral por uma equipe de saúde composta por médicos, enfermeiros, assistentes sociais, técnicos de enfermagem, nutricionista, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, psicólogos e farmacêuticos (INCA,2019).

Em meio a essa contextualização institucional, o universo da pesquisa é composto pelo grupo de pessoas laringectomizadas, existente no HCI/INCA desde o ano de 1993 por iniciativa de alguns profissionais mobilizados e sensibilizados com a condição das pessoas laringectomizadas. Esses pacientes foram matriculados no Instituto, mais precisamente na Clínica cirúrgica de cabeça e pescoço, para tratamento cirúrgico e/ou tratamentos complementares e atualmente se encontram em condição de controle, ou seja, pós- tratamento.

O grupo de pessoas laringectomizadas é composto em média por 20 membros, todos laringectomizados, e realiza trabalhos voluntários dentro e fora do Instituto, como apoio aos pacientes internados que passarão pela mesma cirurgia, bem como trabalhos de arte e música. Ao longo do tempo, construíram uma rede no pós-tratamento que envolve profissionais e voluntários além do coral de laringectomizados, que atua em eventos e congressos realizados em todo o país. O grupo de laringectomizados pode ser situado, nos estudos de Nascimento e Marteleto (2004) quando as autoras sinalizam que esses movimentos podem se constituir como mecanismo informacional, na medida em que criam artifícios informacionais para agir e interagir no mundo organizando seus conhecimentos a partir dessa interação como produto histórico das práticas sociais.

O tipo de pesquisa a ser realizada é a pesquisa de natureza qualitativa de tipo exploratória baseada no método de entrevista narrativa de vida com os pacientes laringectomizados, que participam do grupo de laringectomizados, tendo como foco as suas narrativas de vida, onde se situam, dentre outros temas, a questão da saúde e da experiência da deficiência. As entrevistas serão realizadas em sala fechada, tendo garantia de sigilo e terão duração de 40 min a 1 hora. De acordo com a necessidade, poderá ocorrer mais de um

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encontro para cada entrevistado para a continuidade da entrevista. Para a análise dos dados será utilizado o método de análise de discurso tendo em vista a sua dimensão como método qualitativo de análise, tendo o discurso como uma construção social levando em conta o contexto e as condições de produção do discurso (BRYMAN, 2012).

O termo narrativa pode assumir múltiplos significados, mas frequentemente usado como sinônimo de “história”, onde cotidianamente o orador conecta fatos e significados de situações que ocorrem e que oralmente podem trazer elementos importantes a serem selecionados, organizados e conectados com o contexto social (RIESSMAN, 2008).

Na visão de Benjamin (1985) o conceito de narrativa está associado a linguagem e enquanto forma de narrar relacionado ao mundo da vida no decurso da realização de trabalhos manuais, como dos artesãos, vincula-se ao pensar sobre a vida, o trabalho e a comunidade, aos efeitos microssiciais e micropolíticos. Trata-se de um contraponto ao discurso oficial e busca sempre o sentido produzido pela coletividade através das histórias.

No caso desta pesquisa em que se busca compreender aspectos relacionados ao adoecimento crônico e suas relações com a deficiência, em um ambiente de domínio biomédico, torna-se essencial que os pacientes sejam ouvidos e que possam (re)construir suas trajetórias de construção de conhecimento nesse processo de adoecimento e deficiência através do método da narrativa.

Esse método pode propiciar a aproximação com a experiência deslegitimada das pessoas com deficiência, trazendo visibilidade para as questões ocultadas na experiência.

Segundo Raynaut (2006), a realidade da vida das pessoas convivendo com adoecimentos e sofrimentos de longa duração é marcada por diversas vulnerabilidades que desaparecem sob a denominação genérica dos descritores construídos pela biomedicina e pelo pensamento hegemônico. Nas narrativas abre-se a possibilidade de confronto entre essas perspectivas opressoras presente nas relações sociais (CANESQUI, 2013).

A narrativa também pode ser considerada como uma categoria de mediação (ONOCKO CAMPOS; FURTADO, 2008) na medida em que ela se interpõe nas interpretações realizadas pelos sujeitos nas suas relações com a sociedade. Esse conteúdo, ou fragmentos construídos através do ato de narrar são constructos resultados de experiências que se entrelaçam com a coletividade, ou seja, conhecimento que precisa ser visibilizado na correlação de forças com o conhecimento hegemônico.

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O método de coleta de dados baseado na entrevista narrativa e exploratória como forma de descrição da realidade visa, a partir da construção de um roteiro semiestruturado, estabelecer a organização de dados que surgem a partir do ponto de vista dos entrevistados inseridos no campo de pesquisa.

As entrevistas serão realizadas em sala fechada, tendo garantia de sigilo e terão duração de 40 min a 1 hora. De acordo com a necessidade, poderá ocorrer mais de um encontro para cada entrevistado para a continuidade da pesquisa. O número de entrevistas realizadas no campo, estará vinculado ao método de saturação das mesmas.

Para a análise das entrevistas será utilizado o método de análise temática de conteúdo das narrativas. A construção de categorias de análise se dará pelo método da categorização aberta que surge a partir do material produzido nas entrevistas (BRYMAN, 2012).

O projeto de pesquisa, deverá ser submetido aos comitês de ética em Pesquisa do INCA e da UFRJ, e, após aprovação, a pesquisa será iniciada. Os nomes dos entrevistados serão mantidos em sigilo, tendo a garantia de anonimato durante todo o processo e após a conclusão da pesquisa.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante dessas reflexões, olhar a instituição enquanto um dispositivo (FOUCAULT, 1972) nos remete ao movimento e ao questionamento de se olhar para o grupo de laringectomizados como possibilidade de desenvolver-se enquanto contradispositivo, ou seja, não apenas construindo ações consensuais com a instituição e mantendo assim um lugar social, mas vislumbrando outra posição numa perspectiva de participação social e política.

A percepção sobre o grupo enquanto um conjunto de pessoas que se unem devido a afinidades que se constroem ao longo de um processo de adoecimento crônico que culmina numa situação deficiência, traz elementos interessantes para serem pensados no processo da pesquisa. Pensar o grupo e suas atividades como forma de resistência ao saber médico ou como um dispositivo contrahegemônico em meio ao contexto institucional, o coloca em outro patamar crítico, considerando a sua resistência a esse lugar que lhe foi conferido até então.

Analisar a dimensão informacional e de conhecimentos contidos nas narrativas das pessoas laringectomizadas pode revelar caminhos que ainda não foram percorridos no sentido de captar ao mesmo tempo como se constrói a experiência de adoecimento e suas relaçõescom a deficiência.

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Ao se articularem doença crônica e a questão das deficiências busca-se refletir sobre a importância de serem desvelados aspectos que ficam ocultados nessa relação e que acabam contribuindo para uma abordagem que reproduz mecanismos de controle, adaptação e estigmatização dos corpos, não dando espaço para se pensar em aspectos que possam contribuir para se pensar e agir sobre a deficiência de forma emancipatória e democrática.

Em pesquisas exploratórias no âmbito da assistência e do ensino no INCA e do contato sistemático com o grupo de laringectomizados, considera-se preliminarmente, que o conhecimento produzido pelas narrativas das pessoas laringectomizadas que participam do grupo, ao assumirem maior visibilidade e problematização no cenário institucional, podem contribuir para a construção de um novo olhar sobre a deficiência no âmbito do espaço hospitalar, (re)configurando relações e saberes e a (re)criação de espaços para o surgimento de novos dispositivos e enunciados na interface com saber médico.

REFERÊNCIAS

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