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As possibilidades da mediação do sociodrama como leitura política da exclusão social nos grupos de educação de jovens e adultos soba perspectiva de emancipação na concepção de Paulo Freire

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Celia Maria Nunes

As possibilidades da mediação do Sociodrama

como leitura política da exclusão social nos grupos

de Educação de Jovens e Adultos sob a perspectiva

de Emancipação na concepção de Paulo Freire.

Campinas

2012

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

TÍTULO: AS POSSIBILIDADES DA MEDIAÇÃO DO SOCIODRAMA COMO LEITURA POLÍTICA DA EXCLUSÃO SOCIAL NOS GRUPOS DE EDUCAÇÃO

DE JOVENS E ADULTOS SOB A PERSPECTIVA DE EMANCIPAÇÃO NA CONCEPÇÃO DE PAULO FREIRE .

Autor: CELIA MARIA NUNES

Orientador: Prof. Dr. Valério José Arantes

Este exemplar corresponde à redação final da Dissertação de Mestrado em Psicologia Educacional defendida por

CELIA MARIA NUNES e aprovada pela Comissão

Julgadora.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a minha inesquecível tia Helena

(in memoriam) pela dedicação e incentivo oferecido antes, durante e seguramente, por toda a minha

trajetória de vida e trajetória profissional.

Dedico ao meu irmão César, presença de força, sabedoria e generosidade em nossa família desde a infância. Com habilidade e amor intenso esteve sempre à frente de nossos caminhos mudando o rumo de nossas histórias...

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AGRADECIMENTOS

A Deus, Ser maior, causa da minha vontade, persistência e conquista.

Ao meu companheiro João Bosco, pelo incentivo, apoio e suporte dessa caminhada que com suas palavras e atitudes me motivou em todos os momentos, sobretudo nas horas de desânimos, dificuldades e sentimentos de fracasso.

Agradeço aos meus filhos Celinha, Bia, Cesar, Lui, Cris e Bruna pela compreensão e paciência nos momentos em que estive ausente; por representarem a esperança na minha vida e pelos netos que são a minha alegria.

Aos meus pais (in memoriam), que espiritualmente sempre me acalentaram em todos os momentos da minha vida.

Agradeço aos meus irmãos Cesar, Celso e Cleya pelo incentivo, apoio, e, principalmente, pela convivência familiar nesta caminhada.

Ao meu orientador Profº Drº Valério José Arantes, pela orientação e confiança. Obrigada por me permitir um novo olhar em educação.

Aos sujeitos, colaboradores desta pesquisa, pelos seus saberes, disponibilidade e entusiasmo dispensados e pelo aprendizado construído em grupo.

A todos os professores de curso de Mestrado pelas suas exigências, que me conduziram aos desafios, construindo um “pilar” para continuar.

Aos professores que fazem parte da banca examinadora pelas contribuições na construção desta pesquisa.

Agradeço a todos os meus amigos, pelas sinceras críticas, pelo incentivo e pelas orações.

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“É preciso ousar para dizer cientificamente que

estudamos, aprendemos, conhecemos com o corpo inteiro. Com os sentimentos, com as emoções, com os desejos, com os medos, com as dúvidas, com a paixão e também com a razão crítica. Jamais com esta apenas. É preciso ousar para jamais dicotomizar o cognitivo do emocional.”

Paulo Freire

"Existem palavras sábias, mas a sabedoria não é suficiente, falta ação.”

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RESUMO

Essa dissertação se propõe a articular as originais contribuições de dois grandes pensadores, Paulo Freire (1921-1997) e Jacob Levy Moreno (1889-1974), na consideração da Educação brasileira recente. Para isso, propomos neste trabalho como metodologia o Psicodrama criado por Moreno e a proposta filosófica emancipatória de Paulo Freire. As técnicas do psicodrama no enfoque pedagógico possibilitaram o envolvimento do próprio pesquisador com a situação pesquisada, permitindo que a metodologia utilizada partisse do referencial da pesquisa participante. Trata-se, de uma pesquisa qualitativa de natureza hermenêutica e de fundamentação histórica e crítica, conforme reconhecimento acadêmico. O manejo destas técnicas no processo de educação de jovens e adultos na periferia de São Paulo buscou resgatar a identidade subjetiva e formar a consciência social sobre exclusão nos movimentos sociais e populares de educação no bairro Jardim da Conquista, numa perspectiva de emancipação na concepção de Paulo Freire. Os procedimentos adotados consistiram na sistematização dos registros existentes e na realização de quatro encontros de discussão com os participantes do grupo analisado que no decorrer da pesquisa, ao colocar também seus sentimentos e sua percepção do outro, intervir espontaneamente, refinar seu sentimento de empatia, focar objetivamente uma situação e reconhecer desejos e sentimentos seus no outro, estiveram ativamente trabalhando suas histórias de vida e colaborando uns com os outros no entendimento e resolução de várias facetas de sua trajetória. Opta-se nesse trabalho compartilhar algumas ideias e experiências, essencialmente, por acreditar na indissociabilidade do pensamento e da emoção, do cognitivo e do afetivo, no dinamismo do processo de aprender. Pelos resultados aferidos pela pesquisa observa-se que, para o educando jovem e adulto ter prazer nos seus estudos é necessário que ele se reconheça como agente deste processo, podendo fazer escolhas de maneira autônoma, livre e espontâneo-criativa. Esta proposta de trabalho com o uso do sociodrama e do psicodrama pedagógico associado às ideias de Paulo Freire procurou resgatar a espontaneidade dos educandos, rompendo com os padrões de comportamento estereotipados que levam à automatização dos discentes em seu processo de aprendizagem, bem como buscou a construção total do homem, quer quanto aos conteúdos acadêmicos, quer na formação de seu caráter social.

PALAVRAS-CHAVE: Psicologia; Educação; Psicodrama; Movimentos sociais; Emancipação.

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ABSTRACT

This dissertation aims to articulate the unique contributions of two great thinkers, Paulo Freire (1921-1997) and Jacob Levy Moreno (1889-1974), in consideration of the recent Brazilian Education. We propose in this paper as a methodology created by Moreno Psychodrama and emancipatory philosophical proposal of Paulo Freire. The techniques of psychodrama in pedagogical approach enabled the researcher's own involvement with the situation investigated, allowing the methodology of a research framework departed participant. It is a qualitative nature of reasoning and hermeneutics historical and critical, as academic recognition. The management of these techniques in the education of youth and adults in the outskirts of São Paulo tried to rescue the subjective identity and build awareness about social exclusion in social movements and popular education in the Jardim da Conquista, a perspective of emancipation in the design of Paul Freire. The procedures adopted consisted in the systematization of existing records and the performance of four meetings with discussion group participants who analyzed during the research, also to put your feelings and perception of others, intervene spontaneously refine their sense of empathy, focus a situation objectively and recognize their feelings and desires on the other, were actively working on their life stories and collaborating with each other in understanding and resolving many facets of his career. Opta up this work to share ideas and experiences, essentially, for believing in the inseparability of thought and emotion, the cognitive and the affective, the dynamism of the process of learning. The results measured by the survey shows that, for educating young adult and take pleasure in their studies is necessary that he be recognized as an agent of this process and can make choices autonomously, free and spontaneous-creative. This proposed work with the use of psychodrama and sociodrama associated with pedagogical ideas of Paulo Freire sought to rescue the spontaneity of the students, breaking the stereotyped patterns of behavior that lead to the automation of the students in their learning process and sought to build total man, whether in relation to academic content, either in forming its social character.

Key words: Psychology; Education; Psychodrama; Social Movements;

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 01

1. CAPÍTULO I: BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA E ANÁLISE DOS FUNDAMENTOS POLÍTICOS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL E A PEDAGOGIA DA AUTONOMIA. ... 11

1.1. Breve histórico da Trajetória das Políticas de EJA no Brasil ...12

1.2. Paulo Freire e a Educação de Jovens e Adultos no Brasil ...19

1.2.1. O Processo de Alfabetização de Angicos ...20

1.3. Educação Popular: perspectivas e realizações ...22

1.4. A Pedagogia da Autonomia e seus Saberes Necessários ...30

2. C APÍTULO II: O PS ICODRAMA E A EDUCAÇÃO: FUNDAMENTOS E POSSIBILIDADES INSTITUCIONAIS E POLÍTICAS. ... 37

2.1. Breve biografia do criador do Psicodrama ...40

2.2. Psicodrama: principais conceitos e técnicas ...42

2.2.1. Teoria dos papéis ...43

2.2.2. Espontaneidade ...48 2.2.3. Tele ...50 2.2.4. Conservas culturais ...51 2.2.5. Catarse ...51 2.3. A Ação Psicodramática ...52 2.3.1. Egos auxiliares ...52 2.3.2. Role Playing ...53

2.4. Os Fundamentos da Ação Psicodramática ...54

2.5. Psicodrama Pedagógico ...57

3. cAPÍTULO III: ARTICULAÇÃO DA PEDAGOGIA DA AUTONOMIA COM O PSICODRAMA PEDAGÓGICO EM GRUPOS DE ALFABETIZAÇÃO DE PESSOAS ADULTAS: Possibilidades e disposições ... 63

3.1. Freire e Moreno: Primeiras Reflexões ...66

3.2. Jogo Dramático e Psicodrama: semelhanças e diferenças ...69

3.3. Alfabetização libertadora no contexto psicodramático ...70

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3.5. Identidade do Grupo analisado ...72

3.5.1. Características do Grupo ...74

3.6. Técnicas de Psicodrama aplicadas no contexto alfabetizador ...75

3.6.1. Técnica de “Jornal Vivo” ...78

3.7. Freire e Moreno: aproximações ...78

3.8. Apresentação da proposta da pesquisa empírica. ...82

3.9. Relato, análise e processamento teórico da pesquisa empírica ...86

3.9.1. Descrição dos Encontros ...87

3.9.1.1. Primeiro encontro: Vida Maria...88

3.9.1.2. Segundo encontro: Dia 22 de maio de 2012 ...89

3.9.1.3. Terceiro encontro Dia 29 de maio de 2012 ...91

3.9.1.4. Quarto encontro – Dia 06 de junho de 2012 ...98

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 103

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 111

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho de pesquisa vincula-se ao programa de Pós Graduação da Unicamp, na linha de pesquisa denominada Psicologia e Desenvolvimento Humano, mais especificamente no grupo de pesquisa conhecido como LPG (laboratório de pesquisa genética).

O tema de nossa investigação constitui-se num desafio: articular as originais contribuições de dois grandes pensadores, Paulo Freire (1921-1997) e Jacob Levy Moreno (1889-1974), na consideração da Educação brasileira recente. Paulo Freire é muito conhecido e amplamente divulgado no campo educacional, já o psiquiatra Jacob Levy Moreno é bem menos conhecido no campo da educação, embora tenha muitos adeptos e defensores no campo da Psicologia, mais notadamente aquela que tem uma preocupação clínica e social.

A justificativa original de nosso trabalho investigativo apontava a potencial riqueza desses dois grandes autores do século XX. Nesse sentido, somos levados a afirmar que o pensamento de Paulo Freire tenha alcançado a identidade de uma teoria da Educação singular e única nesse período histórico. Desenvolveremos argumentos e contextualizações para buscar comprovar essa afirmação no transcorrer da presente dissertação.

As motivações para a produção deste trabalho acadêmico advêm de nossas origens sociais e de nosso compromisso profissional e popular, no âmbito da educação paulista. Acreditamos que construí-lo com coerência metodológica, contribuindo para o estudo do problema da exclusão social e escolar, fenômeno presente no cenário da educação atual, poderá apontar para uma possibilidade de trabalho pedagógico crítico e dinâmico nos grupos de pessoas jovens e adultas.

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A primeira grande indagação que impulsionou nossa investigação resume-se na seguinte digressão: que contextos e disposições aproximariam Freire de Moreno, que disposições ou fatores unificariam ou desagregariam suas teorias e articulações pedagógicas, originais e singulares? Foram estas nossas grandes perguntas e motivações.

Os estudos sobre Paulo Freire, sua vida, sua obra e seu pensamento sãos incontáveis, no Brasil e no mundo todo. Há diversas dissertações e teses nas universidades, referentes ao seu pensamento e obra. Encontram-se também muitas articulações entre os fundamentos de seu trabalho pedagógico e outros autores de destaque em diversas e distintas áreas. Todavia, análise sobre as aproximações e distanciamentos conceituais entre o pensamento de Paulo Freire e Jacob Levy Moreno não é tão comum, o que faz de nossa pesquisa poder ser tomada como uma original proposta de estudo, ao mesmo tempo em que não nos facultam tantas fontes e inspirações.

Já os estudos sobre Jacob Moreno também são relativamente, abundantes, pela originalidade de suas criações, pela potencialidade de conceitos, métodos e técnicas, com destaque para a importância que tomou sua concepção de Psicodrama, notadamente quando aplicada ao campo pedagógico. Moreno, no entanto, é muito mais conhecido e pesquisado na área clínica, sendo mais raros os trabalhos que abordam sua teoria na área da educação.

Desse modo, podemos observar que, a tarefa de reunir num trabalho de Mestrado em Educação, na área de Psicologia da Educação, em discorrer sobre esses dois autores é uma tarefa desafiadora e exigente, seja pelas riquezas de cada um desses autores, considerados em si mesmos e em suas respectivas áreas de atuação, seja na originalidade da síntese que pode surgir quando articulados organicamente num todo interpretativo.

As reflexões apresentadas neste trabalho tratam de mostrar a educação de jovens e adultos (EJA) como expressão da educação popular (EP). A Educação Popular como concepção geral da educação, passou por diversos momentos epistemológico-educacionais e organizativos, desde a busca da conscientização, que deveria atuar sobre o nível cultural das camadas populares, em termos explícitos dos interesses delas, chegando até a defesa de uma escola pública popular.

A Educação de jovens e Adultos no Brasil como educação popular e como prática educativa, como teoria pedagógica que nasceu, principalmente na América Latina, no calor das

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lutas populares, contribuiu para que ideias e atividades essenciais na educação brasileira mudassem e inovassem. Jezine (2003, p.156) conta que a educação de adultos em nosso meio desenvolveu-se a partir das atividades de alfabetização, dentro da concepção de universalização

do ensino e do conhecimento surgidos com a ideia de democratização que, de certo modo, buscava a homogeneização cultural através da escola.

É na década de 1960 que aparecem as obras e ações de Paulo Freire e sua equipe de trabalho, que dão uma virada no enfoque da educação popular, ao propor que os processos metodológicos para a alfabetização de adultos transcendam as técnicas e centrem-se em elementos de conscientização. Lançam seu manifesto contra a educação bancária que desumaniza o homem e o converte num depósito de conteúdos; e propõem como saída a Educação Problematizadora. O desafio proposto por Freire era conceber a alfabetização de adultos para além da aquisição e produção de conhecimentos cognitivos, mesmo sendo estes necessários e imprescindíveis.

O pensamento pedagógico de Paulo Freire, assim como sua proposta para a alfabetização de adultos inspiraram os principais programas de alfabetização e educação popular que se realizaram no país no início dos anos da década de 1960. Esses programas foram empreendidos por intelectuais, estudantes e pessoas de lideranças católicas engajados numa ação política junto aos grupos populares.

Segundo Jezine (2003, p.157), esses movimentos "tinham como objetivo promover a

conscientização do povo, para que este pudesse atuar transformando sua realidade". Esses

diversos grupos foram se articulando e passaram a pressionar o governo federal para que os apoiasse e estabelecesse uma coordenação nacional das iniciativas.

Em janeiro de 1964, foi aprovado o Plano Nacional de Alfabetização, que previa a disseminação por todo o Brasil de Programas de Alfabetização orientados pela proposta de Paulo Freire. No dizer de Fávero (1983), os anos 1960-64 foram, particularmente, críticos e criativos

em quase tudo.

O paradigma pedagógico que se construiu nessas práticas baseava-se num novo entendimento da relação entre a problemática educacional e a problemática social. Antes

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apontado como causa da pobreza e da marginalização, o analfabetismo passou a ser interpretado como efeito da situação de pobreza gerada por uma estrutura social não igualitária.

Era preciso, portanto, que o processo educativo interferisse na estrutura social que produzia o analfabetismo. Nesse sentido, "a educação de adultos teria, portanto, objetivos de

integração do homem marginal nos problemas da vida cívica e de unificar a cultura brasileira”

(PAIVA, 1987, p.184).

Mesmo com alguns avanços em termos quantitativos, no nível de escolarização, a taxa de analfabetismo da população segundo estimativas obtidas com base na PNAD 2001, atestam para o fato de 12,4% das pessoas com mais de 15 anos de idade ainda não foram alfabetizadas. (Fonte: Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PNAD de 2001).

Apesar de queda anual e de marcantes diferenças regionais e setoriais, a existência de pessoas que não sabem ler ou escrever por falta de condições de acesso ao processo de escolarização deve ser motivo de autocrítica constante e severa dos setores civis e políticos, bem como por uma possível transformação da sociedade.

Assim sendo, os conceitos de pedagogia do oprimido; de conscientização, de

comunidade aprendente; de educação como busca da liberdade e prática da autonomia, em

Paulo Freire tornaram-se categorias centrais da concepção de EJA de cunho emancipatório. Tratamos disso no primeiro capítulo.

Para o segundo capítulo, nossa pretensão foi explorar os conceitos de Psicodrama, Sociodrama e Sociometria de Moreno que guardam múltiplas identidades com o pensamento de Paulo Freire e potenciais aspectos e dimensões didáticas para o encaminhamento das práticas de EJA, numa perspectiva participativa, intersubjetiva e humanizadora, fundamentada na ação. Esse foi o horizonte inspirador de nossa investigação.

A principal contribuição de Jacob Levy Moreno (1989-1974) à Psicologia encontra-se no fato deste ser o criador do Psicodrama, Sociodrama e da Sociometria, conceitos cada vez mais difundidos pelo mundo, inclusive no Brasil, onde o número de adeptos cresce a cada dia.

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Talvez, as inovadoras teorias moreniana sejam tão atrativas na atualidade por articularem-se a proposta de uma “revolução criadora”, isto é, e de recuperar a espontaneidade, e consequentemente a criatividade e inventividade inatas ao homem, que são dificultadas ou perdidas no decorrer do desenvolvimento pelas pressões do meio ambiente e do cotidiano, cada vez mais aflitivo e destrutivo.

Vivemos em grupos humanos como numa família ou uma rede social onde estamos inseridos; parece muito claro que nesses contextos as relações estão se tornando cada vez mais superficiais, necessitando de ações que estimulem a criatividade e aprofunde as relações sociais, finalidade do Psicodrama.

Entretanto, é possível observar, inclusive na literatura brasileira, que muitos autores se utilizam da teoria e prática psicodramática numa escolha à sua maneira e conveniência, como por exemplo, o Psicodrama Pedagógico, os Jogos Psicodramáticos, o Jornal Vivo, etc.

Também é possível encontrarmos uma variedade de críticas em torno das obras de Moreno; em sua defesa e em sutis acusações de que o criador do Psicodrama e da Sociometria

utilizou uma forma pouco sistemática de transmitir sua criação. Essa “leitura” do legado moreniano pode ter sido a brecha para as várias interpretações e para as diferentes escolhas dos eixos teóricos observados na literatura brasileira, oriundas do potencial teórico e prático da Teoria de Moreno. Enfim podemos dizer: a teoria de Moreno é uma teoria em processo...

Contudo, o que parece comum às várias interpretações é o entendimento de que o Psicodrama com seus eixos teóricos conduzem, quando praticado, a uma aquisição preciosa e libertadora. À compreensão de que resultados evidenciam que o uso deste método resgata a espontaneidade das pessoas rompendo com os padrões de comportamento estereotipados que levam à automatização.

No terceiro capítulo lograremos realizar o estudo das possibilidades metodológicas dos jogos psicodramáticos em situações de exclusão social e escolar. Tencionamos desenvolver estudo comparativo sobre os princípios orientadores e os entrelaçamentos da Teoria psicodramática com os constituintes filosóficos da Pedagogia de Paulo Freire, buscando os

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pontos de aproximação e de distanciamento entre as teses do Teatro da Espontaneidade e as bases conceituais de uma Educação Popular Emancipatória na obra de Paulo Freire.

Na metodologia aplicada utilizamos técnicas do Psicodrama Pedagógico como: discussões em grupo, dramatizações, leituras e reflexões de textos de gênero jornalístico com conteúdos relevantes para o grupo pesquisado. No final da pesquisa, como forma de avaliação das atividades realizadas, os educandos responderam a um questionário no qual continha questões abertas.

O Psicodrama Pedagógico compreende uma modalidade de Psicodrama vinculado à educação, que começou a ser praticado por volta de 1963, pela pedagoga argentina Maria Alicia Romaña, após sua formação como psicodramatista. Contudo, Alicia Romaña relata que a data da apresentação oficial do Psicodrama Pedagógico, foi agosto de 1969, em Buenos Aires, consequência das demonstrações realizadas por ela no IV Congresso Internacional de Psicodrama. Como consequência deste trabalho, Romaña foi convidada para orientar a formação psicodramática de educadores em São Paulo.

Acreditamos que a Educação Popular como base filosófica necessita de um método que a oriente (uma pedagogia) e neste caso, nos desafia a investigar as relações entre o Psicodrama, como contribuição psicológica e as intenções de emancipação humana pela via da educação, na obra de Paulo Freire. Buscaremos nas obras básicas de Freire e de Moreno, através das produções de teses e dissertações sobre o objeto, as potencialidades pedagógicas dessas proposições, no campo específico dos grupos de jovens e adultos, para tratar da categoria da exclusão, afeita aos dois autores.

Buscaremos investigar as relações entre o Psicodrama e a Educação Popular, entendida esta na dimensão posta por Melo Neto (2008):

“[...] como um fenômeno humano de apropriação e produção de bens culturais por meio do trabalho que expressa um sistema aberto de ensino e aprendizagem com teorias intercomunicantes. Esse fenômeno comporta uma teoria do conhecimento referenciada na realidade, tendo o mundo concreto como anterioridade, com metodologias (pedagogia) incentivadoras à participação e ao empoderamento das pessoas. Passa a exigir conteúdos e técnicas de avaliação processuais, permeado por uma base política estimuladora de transformações sociais. Fenômeno humano que se orienta por anseios de liberdade, justiça,

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igualdade e, sobretudo, felicidade”(MELO NETO, 2008, p. 95).

Pensando as relações entre os jogos psicodramáticos como método na Pedagogia, junto aos grupos de jovens e adultos, e fundado em uma concepção de Educação Popular Emancipatória, com base em Freire, a pesquisa buscou relatar no terceiro capítulo, os processos de intervenção com os sujeitos educativos (os jovens e adultos e os professores), pela via da investigação e valorização de suas subjetividades, procedimento fundamental no Psicodrama, para melhorar a qualidade das relações interpessoais na sociedade e, por conseguinte, na escola, marcadamente com os grupos de jovens e adultos e suas histórias de exclusão social e escolar.

Utilizamos como um instrumento para a leitura política sobre o “modo de ser e ver o mundo” dos sujeitos pesquisados no presente trabalho o “Jornal Vivo” e “jogos psicodramáticos” – técnicas do Psicodrama. O uso de jornais em sala de alfabetização e a dramatização de conceitos nos fazem pensar numa educação de forma abrangente e interdisciplinar, possibilitando articular práticas e saberes em diferentes níveis de compreensão. A técnica do “jornal vivo” é uma facilitadora para a alfabetização dos educandos jovens e adultos, pois permite que esses educandos fiquem bastante envolvidos e interessados na atividade. A vivência envolvida proporciona a possibilidade de se “libertar” no sentido de não ter medo de errar ao dramatizar a notícia, se arriscando mais, tornando-se mais criativo e possibilitando ampliar sua autonomia no sentido de buscar novas informações a respeito das coisas que conheceu e vivenciou na sala de aula, sejam elas experiências ocorridas no grupo ou mesmo individualmente.

O “jornal vivo” ou "jornal dramatizado" criado por Moreno tem como proposta fazer uma síntese entre o teatro e o jornal. Ele retira do jornal as manchetes e as notícias diárias e, a partir da sua leitura, obtém os estímulos necessários para realizar uma dramatização de forma improvisada e espontânea.

Tomando o educando como sujeito de sua aprendizagem, Freire propunha uma ação educativa que não negasse sua cultura, mas que fosse transformando através do diálogo. Freire referia-se a uma consciência ingênua ou intransitiva, herança de uma sociedade fechada, agrária e oligárquica, que deveria ser transformada em consciência crítica, necessária ao engajamento ativo no desenvolvimento político e econômico da nação. No atual contexto, acreditamos que se faz mais do que necessário, frente à concepção dominante de educação que reforça, na prática, a

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exclusão social e a não-solidariedade humana, uma metodologia para pessoas adultas pautada na ação (Psicodrama), na reflexão (Educação Popular), com possibilidades de reação transformadora pelos sujeitos emancipados.

Moreno afirmou que o homem deve sim, ser educado, porém, com um significado

maior que a mera ilustração intelectual, dando a importância à ilustração emocional. Realçou

que é a deficiência na espontaneidade, para poder usar a inteligência disponível e mobilizar as emoções cultivadas, o principal problema da aprendizagem. Em síntese, segundo Moreno, era

necessário um vasto programa de preparação e de treinamento para a espontaneidade/criatividade a fim de se educar os seres humanos (RAMALHO, 2001, p.33).

Enfim, a educação que se impõe no decorrer da história aos que verdadeiramente se comprometem com a libertação não pode fundar-se numa compreensão dos homens como seres "vazios” a quem o mundo "encha” de conteúdos; não pode basear-se numa consciência espacializada, mecanicistamente compartimentada, mas nos homens como "corpos conscientes” e na consciência como consciência intencionada ao mundo. Para Paiva, (1987, p.184) “Não pode

ser a concepção banal do educando como depósito de conteúdos, mas a da problematização dos homens em suas relações com o mundo”

Elegemos como fontes de nossa investigação as próprias produções de J. L. Moreno e Paulo Freire, seus principais livros, suas categorias e conceitos. Em segundo lugar buscamos interpretar o pensamento de Freire e Moreno a partir de nossas próprias convicções e escolhas.

Nessa encruzilhada encontramos nosso ponto de equilíbrio. E nos perguntamos: como entender e inspirar ações para o manejo do psicodrama pedagógico nas turmas e salas de Educação de Jovens e Adultos? Seriam as premissas libertadoras de Paulo Freire irmãs solidárias da espontaneidade, do senso de igualdade e das expressões de coletividade e diálogo expostos por Moreno, um caminho possível?

Esse é o escopo da nossa pesquisa, explorar conceitos e categorias de dois eminentes autores referenciais, no âmbito da Educação de Jovens e Adultos, em seu estado e em suas características institucionais atuais no Brasil. Depois de justificada nossas intenções primárias

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buscamos desenvolver as principais descobertas, contradições e potencialidades dessa articulação.

Temos consciência do necessário rigor do nosso trabalho e buscamos em Frigotto (1989, p. 45) nossa inspiração. Para ele, o processo dialético “implica rupturas - no dizer de

Gramsci, uma catarse e um processo de trabalho e aproximações sucessivas da verdade que por ser histórica, sempre é relativa”.

Trata-se, portanto, de uma pesquisa qualitativa de natureza hermenêutica e de fundamentação histórica e crítica, conforme reconhecimento acadêmico dessa metodologia.

Sabemos que uma pesquisa não condensa totalmente a realidade. Essa é sempre maior do que dela se diz. Mas as pesquisas são iniciativas e intenções históricas e datadas, de compreensão do grande movimento da sociedade como um todo, na direção de superações. Nesse sentido o presente trabalho reflexivo pode ser uma inspiração desafiadora a novos questionamentos, ampliando o leque das perguntas, muito mais do que vangloriar-se das possíveis respostas.

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1. CAPÍTULO I: BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA E

ANÁLISE DOS FUNDAMENTOS POLÍTICOS DA EDUCAÇÃO DE

JOVENS E ADULTOS NO BRASIL E A PEDAGOGIA DA

AUTONOMIA.

Uma reconhecida tradição epistemológica afirma que são duas as dimensões da pesquisa: uma, a ordem da investigação, na qual se parte do particular para o geral; e outra, a

ordem da exposição, que parte do geral para o particular. Essa é a nossa inspiração inicial nessa

tarefa de escrever a presente dissertação. Partimos, na ordem da pesquisa, de um problema concreto que desafiava nossa prática: como criar, desenvolver ou sistematizar metodologia ou didáticas participativas, coletivas e emancipatórias para as populações diversas das classes de Educação de Jovens e Adultos?

Tínhamos, além de nossas inspirações de formação, alguns autores referenciais de alta potencialidade didática para esse universo educacional, buscamos desenvolver as originais preposições de sua teoria e metodologia de alfabetização e ensino.

Mas, no contraditório da prática diária percebíamos que algumas questões educacionais permaneciam travadas ou inacessíveis no processo de aprendizagem por razões que desconhecíamos de imediato. Depois de observar atentamente reconhecemos que as dimensões subjetivas e intersubjetivas ficavam em segundo plano no processo de ensino e formação de jovens e adultos. Com toda a riqueza, a pedagogia de Paulo Freire não acentuava tais dimensões pelas razões conjunturais nas quais elas foram produzidas.

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Tivemos que buscar outros autores para fazer essa complementação conceitual e metodológica. Saímos da pedagogia e buscamos a rica morada da psicologia. Depois de andar por suas principais tradições e escolas, todas singulares e originais, deparamo-nos com o pensamento e a obra de Jacob Levy Moreno. Esse encontro pode ser entendido como aquelas realizações que mudam radicalmente nossa vida. Ao ler e nos apropriarmos das contribuições teóricas e metodológicas de Moreno vimos acontecer um desvelamento, pessoal e subjetivo, em primeira instancia e social e coletivo numa segunda dimensão.

Foi quando tivemos a motivação intuitiva de trazer moreno para o lado de Paulo Freire. Fizemos isso na prática de jovens e adultos e nos movimento populares que atuamos nos anos iniciais desse milênio. Depois de olhar essa trajetória ousamos transformar a intuição inicial em um projeto de pesquisa, que se traduziu na ordem de investigação do presente trabalho.

Nesse momento assumimos a tarefa de relatar e expor a trajetória empreendida. Nesse primeiro capitulo buscaremos descrever as principais etapas, os conceitos fundamentais e as inspirações hegemônicas que sustentaram as políticas, as metodologias e disposições pedagógicas de educação de jovens e adultos no Brasil. Nessa tarefa exporemos igualmente os principais marco do pensamento de Paulo Freire e sua possível apropriação sempre atual nas políticas de Educação de Jovens e Adultos no país.

1.1. Breve histórico da Trajetória das Políticas de EJA no Brasil

Os estudos de BIGNARD (UNESCO, 2010, p.5-17) sobre políticas públicas e

sociedade civil na construção da EJA condensaram uma breve trajetória das políticas públicas que foram elaboradas e implantadas para a promoção da educação de pessoas adultas na história brasileira nestes últimos anos (décadas entre 1920-2000). Faremos aqui uma retomada dessa trajetória para condensar as bases históricas e as diretrizes políticas hegemônicas dessa modalidade de educação e de ensino em nossa realidade educacional.

Segundo ele, esta modalidade, a (EJA), teve seus primeiros ensaios na década de 1920, período em que tivemos o início de mobilizações em torno da educação como dever do Estado, período com intensos debates políticos e culturais e questionamentos sobre a identidade nacional, sobre o sentido de nação.

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Começou assim a proposição de uma Pedagogia Libertária, que travou uma luta contra o analfabetismo de 75% da população da época, e contra as políticas para a Educação de Adultos que só visavam aumento do número de eleitores.

Nessa época ainda, ocorrem as primeiras greves operárias e nascia a imprensa operária, derivada do movimento operário de linha anarquista e anarco-sindicalista, conforme atestam os registros históricos.

Na década de 1930 a EJA começa a delimitar seu espaço na Educação Brasileira, aproveitando do apogeu do Movimento Escola Nova, buscando um avanço da qualidade do ensino oferecido a esta população, propondo melhorias nos materiais didáticos e espaços pedagógicos. Segundo Feitoza (2008):

Nos finais de 1931, durante a IV Conferencia Nacional de Educação, católicos e liberais confrontam-se no processo que culminou com a publicação do “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova” (1932), enfileirando-se em organizações distintas: a ABE (associação Brasileira de Educação, onde se agruparam os renovadores e a CCBE (confederação Católica Brasileira de Educação, criada em 1933 e que congregou os conservadores [...] (FEITOZA, 2008, p. 56).

Feitoza (2008) ainda considera que:

Como marco teórico do período, percebemos na formulação do “Manifesto”, a ideia de que a educação é o problema fundamental do país, acima das questões de ordem econômica, pois para os renovadores, a educação e a cultura seriam os caminhos para o desenvolvimento. O sistema educacional para os autores do Manifesto, não era compatível com as demandas de desenvolvimento do país, descompasso atribuído a fatores políticos, filosóficos e didáticos pedagógicos [...] (Idem).

Nas décadas de 1940 e 1950 temos a luta pela ampliação da oferta da educação, inclusive a de Jovens e Adultos, gerando campanhas nacionais de combate ao analfabetismo, a realização da I Conferência Internacional sobre Educação de Adultos (Dinamarca), tendo como eixo central a educação de Adultos para “o respeito aos direitos humanos e para a construção de

uma paz duradoura, que seria uma educação continuada, mesmo depois da escola.” (GADOTTI,

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Podemos observar que, no decorrer desse período, já nos é apresentado uma movimentação que prenuncia os históricos entraves na educação brasileira, cujas concepções variam conforme os distintos interesses. Feitoza (2008, p. 57) prossegue nos conduzindo pela história da Educação nesse contexto:

O período de 1930-1950 tem como eixos constituir-se em Estado Nacional Desenvolvimentista, no avanço cidadão e na criação das indústrias de base [...] quando efetivamente o Brasil inicia o processo de industrialização e a educação passa a ter um sentido pragmático, para o desenvolvimento do modelo, sendo consideráveis os investimentos em educação pública, elementar, nos processos de alfabetização de jovens e adultos, na profissionalização acelerada (FEITOZA, 2008, p. 65).

Mesmo antes do término dos anos 1950 se extinguem as campanhas por criticar as orientações pedagógicas das mesmas e o seu financiamento ser contestado. No ano de 1958 acontece o II Congresso Nacional de Educação de Adultos - Paulo Freire é uma expressão do campo progressista da educação neste evento.

Em 1961 nasce o Movimento de Educação de Base (MEB), movimento de cultura popular vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Em janeiro de 1964, foi aprovado o Plano Nacional de Alfabetização, que tinha implantação prevista em todo o território nacional, baseado na proposta de Paulo Freire, no apogeu da atuação do educador.O Plano Nacional de Educação surgiu em 1962, elaborado já na vigência da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, ( Lei nº 4.024, de 1961) que previa a disseminação por todo o Brasil, de programas de alfabetização orientados pelas propostas do grande pensador brasileiro.

O pensamento de Paulo Freire, assim como sua proposta para a alfabetização de adultos, inspiraram os principais programas de alfabetização e educação popular que se realizaram no país no início dos anos 1960. Esses programas foram empreendidos por intelectuais, estudantes e líderes católicos engajados numa ação política junto aos grupos populares. No interior de documentos oficiais encontramos o registro abaixo.

Desenvolvendo e aplicando essas novas diretrizes, atuaram os educadores do MEB – Movimento de Educação de Base, ligado à CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, dos CPCs – Centros de Cultura Popular, organizados pela UNE – União Nacional dos Estudantes, dos Movimentos de Cultura Popular, que reuniam artistas e intelectuais e tinham o apoio de administrações municipais (...). Em janeiro de 1964, foi aprovado o Plano

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Nacional de Alfabetização, que previa a disseminação por todo o Brasil de programas de alfabetizações orientados pela proposta de Paulo Freire (MEC, 1997, p. 23).

Essa proposta foi interrompida com o Golpe Militar de 1964 e seus promotores foram duramente reprimidos. O governo assume o controle dos Programas de Alfabetização de Adultos, tornando-os assistencialistas e conservadores. Nesse período lançou-se o MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização, que era um movimento ideológico padronizado.

O MOBRAL expandiu-se por todo o território nacional, diversificando sua atuação. Das iniciativas que derivaram desse programa, o mais importante foi o PEI – Programa de Educação Integrada, uma forma condensada do antigo curso primário. Referendado após a III Conferência Internacional sobre Educação de Adultos, realizado em Tóquio, em 1972, com o objetivo de reintroduzir Jovens e Adultos ao sistema formal de educação, o Mobral espalhou-se pelo país.

Entretanto, quando já havia encerrado o período para o cumprimento da meta, o IBGE registrou 25,5% de pessoas analfabetas na população de 15 anos ou mais. O programa passou por diversas alterações, ampliando sua área de atuação para campos como a educação comunitária e a educação de crianças.

O ensino supletivo, implantado em 1971, apesar do pragmatismo, foi um marco importante na história da educação de Jovens e Adultos do Brasil. Foram criados os Centros de

Estudos Supletivos em todo o País, com a proposta de ser um modelo de educação do futuro, atendendo às necessidades de uma sociedade em processo de modernização.

O objetivo era escolarizar um grande número de pessoas, mediante um baixo custo operacional, satisfazendo às necessidades de um mercado de trabalho competitivo, com exigência de escolarização cada vez maior.

No início da década de 1980, a sociedade brasileira viveu importantes transformações sócio-políticas com o fim dos governos militares, como a campanha nacional a favor das eleições diretas. Neste processo de democratização do país, motivados pelos debates sociais e populares, pela constituinte, surgem novos e críticos movimentos na realidade brasileira; como os Sem Teto,

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MST (Movimento dos Sem Terra), Movimento Contra a Fome e a Miséria e pela Vida, Movimentos de Mulheres, Homossexuais, Movimento Sindical, CUT, pastorais sociais, etc. Era a formação de um novo bloco histórico de forças sociais e políticas na direção da superação das marcas autoritárias da ditadura militar vigente.

Nesse período, Paulo Freire ingressa como professor titular na faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (1980-1991), depois de sua volta do exílio.

Em 1985, o MOBRAL foi extinto, sendo substituído pela Fundação EDUCAR. Acontece a IV Conferência Internacional sobre Educação de Adultos, em Paris. O contexto da redemocratização possibilitou a ampliação das atividades da EJA. Estudantes, educadores e políticos organizaram-se em defesa da escola pública e gratuita para todos, principalmente com a nova Constituição de 1988, que trouxe importantes avanços para a EJA, devido à obrigatoriedade e gratuidade do ensino fundamental, dando garantia constitucional também para os que a ele não tiveram acesso na idade apropriada.

No entanto, a partir dos anos 1990, a EJA começou a perder espaço nas ações governamentais, já em março de 1990, com o início do governo Collor, a Fundação EDUCAR foi extinta e todos os seus funcionários colocados em disponibilidade. De acordo com Feitoza (2008):

Em termos de ações em EJA, a fundação EDUCAR assemelhou-se aos critérios estabelecidos pelo MOBRAL, contudo apresentando-se como uma agencia de fomento, ao assessorar e investir recursos em diversas iniciativas, nos campos formal, não formal e informal, sendo menos diretiva que o MOBRAL, em seus instrumentos de atuação: o processo de formação dos educadores buscava a qualificação profissional; eram educadores os professores habilitados, alunos do antigo magistério do ensino médio e os estudantes universitários; havia uma “cartilha do Programa de Educação Básica da Fundação EDUCAR [...] norteadora dos pressupostos do PEB, com livros para alunos e professores” (FEITOZA, 2008, p. 117).

Em nome do enxugamento da máquina administrativa, a União foi se afastando das atividades da EJA e transferindo a responsabilidade para os Estados e Municípios, causando uma lacuna nas políticas públicas para a Educação de Jovens e Adultos.

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Nesse período acontece na Tailândia/Jomtiem, a Conferência Mundial de Educação para Todos, onde foram estabelecidas diretrizes planetárias para a Educação de Crianças, Jovens e Adultos.

Em 1996 a Emenda constitucional 14, idealizada no governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC), suprimiu a obrigatoriedade do Poder Público em oferecer o Ensino Fundamental aos Jovens e Adultos que não tiveram acesso e suprimiu o artigo 60 que determinava acabar com o analfabetismo em dez anos. Esta emenda criaria ainda o FUNDEF e não incluiria a EJA na distribuição dos recursos.

Neste mesmo ano temos a Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB 9394/96, que modifica a nomenclatura “Ensino Supletivo” para “EJA”. Dedica dois artigos (arts. 37 e 38), no Capítulo da Educação Básica, Seção V, para reafirmar a obrigatoriedade e a gratuidade da oferta da educação para todos que não tiveram acesso na idade própria, mas não trata da questão do analfabetismo, e reduz a idade para realização dos exames em relação à Lei 5692/71.

No ano de 1997 aconteceu na Alemanha/Hamburgo, a V Conferência Internacional de Educação de Jovens, promovida pela UNESCO (Organização das Nações Unidas). Essa conferência representou um importante marco, na medida que estabeleceu a vinculação da Educação de Adultos ao desenvolvimento sustentável e equitativo da humanidade.

O Conselho Nacional de Educação sob a coordenação do Conselheiro Carlos Roberto Jamil Cury aprovaria o Parecer nº 11/2000 – CEB/CNE, que trata das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos. Também foi homologada a Resolução nº 01/00 – CNE que trata das Diretrizes Curriculares para a EJA.

Mudando a nomenclatura de ensino supletivo para EJA, enfatiza o direito público subjetivo dos cidadãos à educação, estabelece as funções: reparadora; equalizadora e qualificadora. Distingue a EJA da aceleração de estudos, assinala a necessidade de contextualização do currículo e das metodologias, recomenda a formação específica dos educadores.

A Lei n. 10.172/2001 Plano Nacional de Educação - MEC estabelece as seguintes metas para a Educação de Jovens e Adultos:

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 Alfabetizar em cinco anos dois terços do contingente total de analfabetos, de modo a acabar com o analfabetismo em uma década.

 Assegurar, nesse mesmo prazo, a oferta de EJA primeiro segmento do ensino fundamental para 50% da população de 15 anos e mais, que não tiveram acesso a esse nível de escolaridade.

 Garantir, até o ano de 2010, a oferta de curso no segundo segmento do ensino fundamental, para toda a população de 15 anos e mais que concluiu as quatro séries iniciais.

 Dobrar em cinco anos e quadruplicar em dez anos a capacidade de atendimento nos curso de EJA de Nível Médio.

Estas metas devem ser trazidas conforme os contextos locais nos Planos Estaduais de Educação e Planos Municipais de Educação e implicam numa expansão quantitativa da oferta em EJA.

Mais adiante, em janeiro de 2003, o MEC anunciou que a alfabetização de Jovens e Adultos seria uma prioridade do novo governo federal. Para isso, foi criada a Secretaria Extraordinária de Erradicação do Analfabetismo, cuja meta seria erradicar o analfabetismo durante o mandato de quatro anos do governo Lula, medida esta que não se deu nesse tempo, mas manteve sua finalidade.

A partir dos estudos de Bignard (UNESCO, 2010) elaboramos uma sucinta contextualização das políticas públicas historicamente constituídas e implantadas na Educação brasileira para a Educação de pessoas jovens e adultas. Acreditamos que descrevê-las aqui se fez necessário para a compreensão de nossa realidade educacional elitista, como nos situa FEITOZA (2008, p.44) citando NUNES (1999) “É nesse cenário controverso que se torna crucial recuperar

o sentido amplo da educação, enquanto produção social de homens e mulheres e o sentido restrito, como escolarização e letramento”.

Depois de recuperar uma breve recomposição histórica dos movimentos de Educação de Jovens e Adultos no Brasil buscaremos apresentar as identidades de uma proposta de cunho

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emancipatório e transformador, referendada na proposição do educador Paulo Freire, uma de nossa referências basilares.

1.2. Paulo Freire e a Educação de Jovens e Adultos no Brasil

Paulo Reglus Neves Freire, nordestino, pernambucano, profeta e poeta da educação

como prática da liberdade, (título de um de seus livros) nasceu em 1921 e faleceu em 1997, tem sido um dos estudiosos mais referenciados no Brasil e no mundo, dada a sua trajetória ímpar no campo do conhecimento e da práxis política e educacional. Assim, tanto se escreveu sobre a sua obra como também se utilizou (e se utiliza) dela nos mais diversos tipos de estudos e de abordagens.

Paulo Freire tem em sua trajetória a luta pela conquista coletiva da formação para a leitura e escrita uma rica base de sustentação filosófica, científica, econômica, cultural, religiosa e política.

Segundo Scocuglia (2000, p. 81), entre os movimentos mais importantes da década 1960, principalmente no Nordeste, em que se desenvolveram atividades não só em alfabetização de jovens e adultos, como também educação de base ou cultura popular, estão o Movimento de Educação de Base (MEB) com suas escolas radiofônicas; a Campanha de Educação Popular na Paraíba (CEPLAR); a Campanha de Alfabetização no Rio Grande do Norte “De pé no chão

também se aprende a ler” e o Movimento de Cultura Popular (MCP) que iniciou no Recife, se

estendendo depois para as zonas rurais.

Em torno das propostas educacionais do educador Paulo Freire, o “Método freireano” ganhou destaque como proposta para alfabetizar adultos, desenvolvida para substituir o sistema tradicional na alfabetização de adultos.

Logo, a experiência de Angicos, Rio Grande do Norte ganhou ênfase, pelo sucesso na alfabetização de 300 pessoas em 40 horas, apesar de ter recebido ajuda da Usaid (United States Agency for International Development), naquele momento considerada uma agência afinada com os interesses da ditadura militar vigente e, portanto, rejeitada pelas forças sociais que combatiam o regime autoritário daquele momento.

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1.2.1. O Processo de Alfabetização de Angicos

O professor Paulo Freire sugeriu uma proposta pedagógica, em que o diálogo se desenvolve sobre a realidade concreta, sobre situações existenciais, trabalhando conceitos e experiências do cotidiano dos estudantes, que passariam a ser construtores do seu conhecimento e não apenas receptores.

Dessa forma, Freire nos assevera:

Na luta entre o dizer e o fazer em que nos devemos engajar para diminuir a distância entre eles, tanto é possível refazer o dizer para adequá-lo ao fazer quanto mudar o fazer para ajustá-lo ao dizer, por isso a coerência por forçar uma nova opção. [...] (FREIRE, 2007, p. 91).

Por isso, o método Paulo Freire buscava revelar a situação social dos educandos, para que estes não se conformassem com a realidade histórica, no qual estavam inseridos. Em uma releitura de mundo, de homem e de sociedade, essa pedagogia buscava vincular a prática educacional ao contexto social, político e cultural desta localidade.

As famosas “Quarenta Horas de Angicos” tratavam-se de uma proposta de educação experimental que aconteceria em um período de três anos, para alfabetizar cerca de 100 mil adultos, tendo inicio em 1963, como um projeto piloto de alfabetização de adultos em 40 horas, contando com o auxílio de estudantes universitários, monitores e organizadores, que se deslocaram cerca de 170 km da capital do Estado, para chegar a Angicos.

Sendo orientado por Paulo Freire, o Professor Marcos Guerra ficou responsável pela capacitação da equipe pedagógica, contribuindo para que a experiência desse certo. Foram utilizadas diversas metodologias, sempre baseadas no método freireano, os participantes do projeto analisaram a realidade na qual os estudantes estavam inseridos para a escolha do vocabulário linguístico a ser utilizado.

As situações pedagógicas se davam com a elaboração de temas geradores escolhidos através de debates com os estudantes, criação de situações existenciais típicas dos angicanos, elaboração de fichas de roteiro para auxiliar os coordenadores no debate e elaboração de fichas de leituras silábicas correspondentes aos temas geradores.

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As aulas também eram projetadas em slides que, pela falta de energia elétrica, eram movidos a querosene. Os encontros aconteciam à noite numa sala pequena, iluminada por um candeeiro também a querosene, ou nas casas dos próprios alunos, onde na maioria das vezes crianças, jovens e adultos (de faixa etária variada), como por exemplo, dona Maria Hermínia de 72 anos, compartilhavam do mesmo clima de descobertas e aprendizagem, tal como Freire nos conta que:

A pesquisa do que chamava universo vocabular nos dava assim as palavras do Povo, grávidas de mundo, elas nos vinham através da leitura do mundo que os grupos populares faziam. Depois, voltavam a eles, inseridas no que chamava e chamo de codificações, que são representações da realidade (FREIRE, 1989, p. 18).

As discussões se desenvolviam nos Círculos de Cultura, que eram espaços de alfabetização e de conscientização, as palavras não eram apenas soltas ao ar, mas repletas de significados, expressando os anseios, as inquietações e os sonhos de um povo que não se reconhece ainda sequer como povo, naquela conjuntura, herança de séculos de dominação, exploração e abandono.

O processo de alfabetização se dava a partir do tema gerador que eram figuras e/ou palavras códigos do cotidiano daquelas pessoas. Tome-se como exemplo o trabalho com a palavra geradora SALINA, já que o sal fazia parte da economia do Rio Grande do Norte e alguns participantes faziam alguma atividade envolvendo esse produto.

Estes trabalhadores, inclusive questionavam as más condições desse tipo de trabalho e os danos causados à saúde. A palavra salina era estudada analiticamente com suas respectivas famílias (ex.: sa - se - si - so - su; la - le - li - lo - lu; na - ne - ni - no - nu.), que depois se

transformavam em palavras, frases, parágrafos, textos. Todas as etapas eram alternadas e / ou acompanhadas pela discussão da realidade. SILVA; ALCÂNTARA; ELEUTÉRIO (2006) sobre essa prática descreve:

As aulas eram desenvolvidas através de situações-problema, estimulando a participação e o posicionamento crítico do educando, de modo que o adulto se educava mediante a discussão de suas experiências de vida com outros indivíduos que participavam das mesmas experiências, num processo em que o homem “aprende a si mesmo e aos outros sob a mediação do mundo”. Assim se dava a leitura da palavra, passando pelo reconhecimento dos fonemas e das

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sílabas até a leitura de frases que traduzem as relações com o mundo (SILVA; ALCÂNTARA; ELEUTÉRIO 2006, p. 8).

A partir dessa prática inovadora de ensino-aprendizagem, muitos cidadãos aprenderam a discutir, a questionar, modificar, renovar, compreender e corrigir as suas realidades, de acordo com seu cotidiano.

Numa percepção de educação freireana, observa-se que o indivíduo já possui um conhecimento decodificado, ou seja, um conhecimento prévio das coisas, tornando-se viável uma aprendizagem através dessa experiência de educação libertadora.

Freire propõe o trabalho com palavras geradoras que são um incentivo à participação dos educandos, que se sentem desafiados a assumir o papel de sujeitos do processo de aprendizagem da leitura e da escrita, como também a discutirem a realidade que os cerca.

1.3. Educação Popular: perspectivas e realizações

A educação popular constitui-se uma forma de educação que visa contribuir com o processo de conscientização das classes consideradas como subalternas.

A partir de uma teoria referenciada na realidade e de uma base ética e política voltada à transformação social, ela aposta em metodologias (pedagogias) que estimulam a luta coletiva pela emancipação dos oprimidos no sistema capitalista.

O elemento popular não se apresenta aqui apenas para adjetivar um tipo específico de educação, mas para diferenciá-la como a que “é capaz de contribuir para a construção de

direção política dos setores sociais que estão à margem do fazer político” (MELO NETO, 2004).

De acordo com esse autor:

[...] embora a categoria popular adquira uma plasticidade conceitual, ao pensá-la de forma dialética, no contexto de sua historicidade, algo é popular se tem origem nas postulações dos setores sociais majoritários da sociedade ou de setores comprometidos com suas lutas, exigindo-se que as medidas a serem tomadas beneficiem essas maiorias (MELO NETO, 2004, p. 158).

É no contexto do Nacional Desenvolvimentismo, sobretudo no governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961), que emergem, no Brasil, as raízes da educação popular. Conforme

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Bezerra (1984, p. 17) nesse período histórico surge “um movimento de expressão popular em

cujo interior se inscreveram as mais diversas iniciativas de cunho educativo”.

Segundo o autor:

Se por um lado a ênfase no nacionalismo e no progresso da fase desenvolvimentista fazia com que as instituições estatais ou paraestatais e as frações sociais nitidamente elitistas promovessem movimentos educativos para “disciplinar o preenchimento do papel social das camadas populares no interior do modelo de sociedade mantido pelas elites” [...], por outro lado o debate acerca de uma identidade cultural e a busca pela democratização da cultura permitiram a emergência de um movimento popular que posteriormente possibilitou a presença das expressões de cultura e de educação popular do setor universitário, o surgimento dos Centros Populares de Cultura – CPCs da UNE e das UEE e, paralelamente, as iniciativas da Igreja (como o Movimento de Educação de Base) e dos grupos de profissionais liberais (a exemplo dos Movimentos de Cultura Popular) (BEZERRA,1984, p. 17).

Para Bezerra (1984, p.33), as atividades educativas características dessa época dividem-se em três grupos de atividades: alfabetização, educação de base e cultura popular. Apesar de estarem relacionadas entre si, essas categorias, a autora nos diz:

[...] que as origens dos dois primeiros grupos (alfabetização e educação de base) estavam mais ligadas à instrução, à transmissão do saber compatível com o progresso e vinculadas à insuficiência e à ineficácia do ensino formal e dos seus sistemas, posteriormente foi que seus universos de trabalho seguiram no caminho pedagógico para conscientização das camadas populares, enquanto que o último grupo (cultura popular) esteve, desde o início, voltado para ‘a afirmação de uma cultura verdadeiramente nacional, a luta contra a invasão cultural, contra o imperialismo e a desnacionalização, a democratização pela valorização da expressão cultural e política das camadas populares (BEZERRA, 1984, p. 33).

Diante desse contexto, a autora considera (BEZERRA, 1984, p. 33-34) que o conjunto de

práticas de educação popular reveladas pelos movimentos educativos que se afirmam no período de 1959/64 estava predominantemente voltado para o exercício da cidadania, para afirmação e desempenho, pelas camadas populares, do papel que deveriam assumir no cenário sócio-político; buscava a convocação de alinhamentos dos grupos populares em um movimento de resistência ao imperialismo e não à integração dos indivíduos ao sistema e, ao mesmo tempo, propunha desvendar os conflitos sociais e o reconhecimento das tensões existentes em nome da construção de uma força de pressão suficiente para mudar as condições sociais postas.

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Assim, é a partir dos movimentos educativos voltados à hegemonia dos setores populares do início dos anos de 1960 que nasce, no país, a educação popular sistematizada por Paulo Freire, o qual a define como:

É exatamente a que, substantivamente democrática, jamais separa do ensino dos conteúdos o desvelamento da realidade. É a que estimula a presença organizada das classes sociais populares na luta em favor da transformação democrática da sociedade, no sentido da superação das injustiças sociais. É a que respeita os educandos, não importa qual seja sua posição e classe e, ao mesmo tempo, leva em consideração, seriamente, o seu saber de experiência feito, a partir do qual trabalha o conhecimento com rigor de aproximação aos objetos. [...] É a que não considera suficiente mudar apenas as relações entre educadora e educandos, amaciando essas relações, mas, ao criticar e tentar ir além das tradições autoritárias [...] critica também a natureza autoritária e exploradora do capitalismo (FREIRE, 2007, p. 103-105).

A educação popular nos moldes da perspectiva freireana é, ainda, enquanto prática eminentemente política, a que se aproxima da comunidade e dos movimentos populares com os quais aprende para a eles poder ensinar também.

Essa proposta educacional surge, pois, no terreno fértil das utopias de independência, autonomia e libertação, que propunham um modelo de desenvolvimento baseado na justiça social. Para esse modelo de educação popular a conquista do Estado era fundamental. Porém esse processo foi interrompido pela brutal intervenção militarista e autoritária.

A educação popular refugiou-se, então, nas Organizações Não-Governamentais [ONGs] e, alguns casos, na clandestinidade. Conforme Gadotti:

[...] desde então a educação popular tem-se constituído num paradigma teórico que trata de codificar e descodificar os temas geradores das lutas populares busca colaborar com os movimentos sociais e os partidos políticos que expressam essas lutas. Trata de diminuir o impacto da crise social na pobreza e de dar voz a indignação e desespero moral do pobre, do oprimido, do indígena, do camponês, da mulher, do negro, do analfabeto e do trabalhador industrial. Faz-se necessário lembrar que outras formas de educação foram denominadas de popular, mas que, na verdade, eram populistas, pois, embora também fossem direcionadas às classes subalternas não buscavam contribuir com a emancipação destas e sim com a reprodução da ideologia dominante(GADOTTI, 2000, p. 292).

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É evidente que a democratização da alfabetização das classes consideradas subalternas é algo extremamente importante, mas não é suficiente para que uma educação seja

popular.

Na perspectiva freireana, é preciso que a educação popular vá além da democratização da alfabetização; deve estar voltada para a conscientização da população, conscientização de sua condição social e econômica na sociedade.

Uma educação em que haja, conforme Gadotti (2000, p. 293), em processo sistemático de participação na formação, fortalecimento e instrumentalização das práticas e dos movimentos populares com o objetivo de apoiar a passagem do saber popular ao saber orgânico, ou seja, do saber da comunidade ao saber de classe na comunidade.

O autor assinala que a grande utopia da educação popular dos anos de 1960 visava à conquista do Estado e a mudança radical da política econômica e social. E hoje, o que se assiste é a educação popular dispersando-se em milhares de pequenas experiências, perdendo aquela grande unidade teórica, mas ganhando em diversidade.

Para Barreiro (1980):

Não resta dúvida de que ocorreram modificações importantes em grupos e movimentos de Educação Popular. Desde o aparecimento das primeiras experiências continentais, até o momento atual, a maior parte dos grupos reformulou, às vezes drasticamente a sua fundamentação teórica, o sentido e a estratégia de sua ação, e aspectos da metodologia de mobilização e formação de quadros populares(BARREIRO,1980, p. 30).

Contudo, diante dessa diversidade de práticas que vem se identificando como educação popular, emerge, por parte dos educadores desse campo, a preocupação com a

qualidade de tais atividades. Um exemplo disso são as conclusões do Seminário Taller sobre

educação popular na América Latina e no Caribe, realizado em La Paz, Bolívia, no ano de 1990, cujos registros no livro “Educação popular” – utopia latino-americana demonstrou que as maiores preocupações dos participantes deste seminário eram oriundas das crises tanto do discurso como da prática em educação popular, que se expressam, por um lado, na insuficiência do discurso para falar e dar conta da ação e, por outro, nos problemas que afetam as práticas e especificidades no contexto social e político da região.

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Tais análises não negam os avanços da educação popular, entretanto, apontam os desafios que emergem para esse paradigma educativo em face da realidade contemporânea da América Latina.

A partir de um olhar acerca da especificidade e rigorosidade interna, os participantes do Seminário Taller tanto constataram uma rica variedade de práticas que se identificam como educação popular como a ausência de sistematizações de tais atividades, ou seja, o desconhecimento da qualidade destas.

O consenso dessas discussões reflete que, dada a tendência geral da educação popular, de um discurso ligado a uma leitura das dimensões estruturais da dominação e funcionamento da sociedade, restou pouco espaço para análises teóricas dos problemas cotidianos e processos de constituição da subjetividade dos sujeitos. O que demonstrou, para os participantes, um descuido no que tange à compreensão da natureza simbólica das práticas educativas, sua especificidade pedagógica e as características dos cenários e processos cotidianos nos quais estas transcorriam. De qualquer forma, dada essa preponderância das questões políticas sobre as questões psicossociais entendemos que isso tenha sido naquele momento, reflexo do próprio processo, pois segundo Barreiro (1980, p. 32) “toda prática educativa tem uma

explicação política” e ainda:

Uma ação transformadora de estruturas sociais, compreendida como tarefa de responsabilidade popular, é tanto mais autêntica e eficaz quanto mais estabelecidas sobre a viabilidade de participação e crítica de seus agentes. A Educação Popular pode ser, concretamente, um instrumento de desenvolvimento da consciência crítica popular, na medida em que aporta instrumentos para que os agentes populares de transformação sejam capazes de viver ao longo de sua ação, essa dinâmica do concreto na relação ação-reflexão [...] (BARREIRO, 1980, p. 32).

O problema é que o foco na prática cotidiana desconectada do todo social oculta a realidade, uma vez que esta não se manifesta de maneira imediata, através da aparência. Ao se apegar à micronarrativa em detrimento da explicação globalizante muitos educadores passam a considerar apenas a questão da cotidianidade e excluir a historicidade, a enfatizar a individualidade, a alteridade, a diferença regional, local, rejeitando as concepções pedagógicas direcionadas às mudanças estruturais.

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Segundo Gadotti e Torres (1994, p. 49), os debates do Seminário Taller visavam melhorar a qualidade dos processos educativos que vinham sendo implementado, o que implica, por um lado, analisar com maior profundidade os processos de aprendizagem que se promovem o problema da transmissão de conhecimento e sua articulação com o saber popular, a transferência dos recursos simbólicos e materiais e a relação de autonomia ou dependência que estabelecem as Organizações Não-Governamentais – ONGs com as organizações sociais, por outro lado, constatar como o problema das competências do Estado surge com importância no debate dos educadores populares.

Os temas abordados como fundamentais nas conclusões advindas das discussões realizadas no mencionado seminário, os quais ainda hoje nos levam a uma maior e melhor reflexão sobre a educação popular, foram os seguintes:

a) educação popular e a construção de um novo discurso; b) questões metodológicas da educação popular;

c) a transformação de saberes e o problema da autonomia; d) cultura e educação popular;

e) Estado, poder e educação popular; f) educação popular e escola pública; g) gênero e educação popular e,

h) formação dos educadores populares.

Assim sendo, os educadores concluíram que, perante a diversidade de temas e, ao mesmo tempo, dos urgentes desafios, resulta a necessidade de realizar maiores investigações sobre o trabalho da educação popular. Não apenas da realidade socioeconômica, mas, sobretudo, do mundo simbólico da cultura, das concepções do mundo, valores, etc. Investigações que levem em consideração as diferenças.

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