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A edição da Resolução n° 06/2017 do Conselho Nacional de política criminal e penitenciária e o reforço da “lógica do calabouço” no sistema carcerário brasileiro

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GRANDE DO SUL

MELANIE FELIPPE

A EDIÇÃO DA RESOLUÇÃO N° 06/2017 DO CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA CRIMINAL E PENITENCIÁRIA E O REFORÇO DA “LÓGICA DO CALABOUÇO” NO

SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO

Ijuí (RS) 2018

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MELANIE FELIPPE

A EDIÇÃO DA RESOLUÇÃO N° 06/2017 DO CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA CRIMINAL E PENITENCIÁRIA E O REFORÇO DA “LÓGICA DO CALABOUÇO” NO

SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO

Monografia final do Curso de Graduação em Direito objetivando a aprovação no componente curricular Trabalho de Conclusão de Curso. UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

DECJS – Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais

Orientador: Dr. Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth

Ijuí (RS) 2018

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Dedico este trabalho à Deus, à família e namorado, pelo incentivo, apoio e confiança em mim depositados durante toda a minha jornada, dando-me fôlego de vida e sustentando meu ser, dando-me coragem para questionar a realidade e propor sempre um novo mundo de possibilidades.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradecer a Deus, pois é essencial em minha vida, autor de meu destino, e meu guia. Aos meus pais Marcos Rogério Felippe e Vânia Jungs que sempre estiveram presentes, me auxiliando e incentivando a ser uma mulher guerreira e perspicaz, agradecer a minha irmã Andressa Felippe e que acreditou em mim, e é meu espelho nas batalhas da vida, com quem aprendi que os desafios são as molas propulsoras para a evolução e o desenvolvimento.

Ao meu namorado Renan Benites que me apoiou em todos os momentos durante essa jornada, e me auxiliou durante essa trajetória, deixando seus sonhos de lado e se agarrando aos meus, agradeço pelo universo ter me concedido esse amor, e por todas as noites que ficou ao meu lado, dizendo-me que conseguiria chegar até aqui.

Agradeço, também as minhas amigas, Joseane Auler, Aline Czkalski, Keli Zysko, Laura Agertte, Vanessa Dietterle, Ana Cláudia Freitas, pessoas com quem tive o privilégio de conviver e contar por muitas vezes. Garotas que tem a coragem de ser quem são, por toda a dedicação e disponibilidade dedicadas a mim. Ainda ao meu cunhado Jacson Lima que sempre esteve ao meu lado nessa caminhada, e é alguém que compartilha de muita sabedoria e persistência. Todos vocês foram essenciais para que eu não desistisse.

Ao meu orientador Dr. Maiquel Wermuth, por todo seu desprendimento em me auxiliar nessa caminhada de conhecimento. Agradecer por ter transformado minha vida, e meu pensamento a respeito das coisas da vida, desde o dia em que iniciei na academia como sua aluna e mais ainda como orientanda no presente Trabalho de Conclusão de Curso, onde tive o privilégio de a cada dia me tornar mais humana e centrada.

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“Cada vez que presenciamos uma injustiça e não agimos, nós treinamos nosso caráter para ser passivo na presença dessa injustiça, e assim eventualmente perdemos toda a habilidade de nos defender e defender aquele que amamos”. Julian Assange.

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O presente trabalho de conclusão de curso faz uma análise das primeiras noções da pena e sua efetiva função quando aplicada ao apenado, a fim de propiciar uma investigação em busca de uma construção reflexiva e crítica sobre o tema, tentando desta maneira fornecer alternativas à questão da superpopulação carcerária. Nesse sentido, se perfez uma analise da Resolução n° 6 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), que se concretiza por ser uma das medidas adotadas pelo Estado para solucionar/elucidar as questões do superpovoamento carcerário e os conflitos existentes hodiernamente sobre o tema. Abordando neste interim, o extremo desinteresse do Estado para com os seus encarcerados bem como a desidiosa e inconstitucional situação das instituições prisionais brasileiras. Buscando ainda demonstrar o consequente aumento vertiginoso de demandas, que vem provocando inúmeros questionamentos e buscas por soluções alternativas. Estuda ainda a história e desmistificação da função da aplicação da pena, bem como, de que maneira a sociedade reage ao aprisionamento humano. Investiga-se também os estereótipos e características dos apenados, bem como o perfil da população carcerária brasileira, apontando medidas para concretizar e alcançar alternativas para desafogar os complexos prisionais, efetivando desta feita o princípio da dignidade da pessoa humana, realizando por derradeiro uma comparação do sistema prisional brasileiro aos campos de extermínio e calabouços medievais. Concluindo-se que a Resolução n° 6 do CNPCP, fora apenas um dos movimentos retrógrados que retiram do homem a sua dignidade e sentido de viver, transformando-o em uma vida invisível perante os olhos do Estado e da sociedade em geral.

Palavras-Chave: Pena privativa de liberdade. Resolução n° 6 CNPCP. Superlotação carcerária. Dignidade da Pessoa Humana.

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The present paper aims to make an analysis about the primier notions of the prison term and its effective functions as to the applicability before the convicted in order to provide an investigation in search of the construction on the subject, trying to fulfil alternatives to the criminal jurisdiction and the overpopulation in prison. To analyze Resolution No. 6 of the National Council of Criminal and Penitentiary Policies, which embodied a measure adopted by the State to solve / elucidate the issues of prison overcrowding and the conflicts that exist today on the subject. It pursuits the extreme lack of interest of the State towards its incarcerated as well as the desidious and unconstitutional situation of the Brazilian prison institutions. It also achieve to demonstrate the consequent rapid growth in demands, which have arisen many questions and searches for alternative solutions. This paper studies history and debunk the function of the prison term’s application and however society reacts to human entrepment. This study aims to investigate the stereotypes and characteristics of the prisoners, such as the profile of the Brazilian prison population. It also seeks to bring about or reach other alternatives to unravel prison complexes to debunk the principle of the dignity of the human person, making a relate of the Brazilian prison system to the extermination camps and medieval dungeons. It briefly reviews and proposes legislative proposals. He concluded by concluding that Resolution number 6 CNPCP was only one of the retrograde movements that removed from subjects the dignity and sense of living, transforming it into a naked and invisible life in front of the eyes of the State and of the society at large.

Keywords: Function of the prison term. Resolution n° 6 CNPCP. Overcrowding in prisons. Dignity of human person.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 8 1DELINEAMENTO LEGAL DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE NO BRASIL10 1.1 A Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984) e as finalidades declaradas da pena privativa de liberdade no Brasil...13 1.2 O modelo de estabelecimento penal adequado à consecução dos objetivos explicitados pela Lei de Execução Penal no que tange à pena privativa de liberdade ... 20 2 O DESCOMPASSO ENTRE A LEI E A REALIDADE: A RESOLUÇÃO Nº 6/2017 DO CNPCP E A “LÓGICA DO CALABOUÇO” NO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO ... 29 2.1 O contexto atual de violação de Direitos Humanos no âmbito do sistema carcerário Brasileiro...Er

ro! Indicador não definido.

2.2 A edição da Resolução nº 6/2017 do CNPCP e o reforço da “lógica do calabouço” no

sistema penitenciário

Brasileiro...Erro! Indicador não definido.

CONCLUSÃO ... 43 REFERÊNCIAS... 485

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho apresenta um estudo acerca das primeiras noções sobre a função da aplicação da pena na sociedade e como ela foi se delineando com o passar do tempo. Perquire-se, se a efetivação da pena condiz com as funções a que ela se destina, qual seja, ressocialização e reinserção do condenado perante a sociedade. Essa busca se faz necessária face ao crescente superpovoamento carcerário e à prestação jurisdicional deficiente do Estado para com o encarcerado, que além de indigna em razão da complexidade, se mostra desidiosa perante o descaso da sociedade em geral para com essas vidas invisibilizadas.

Para a realização deste trabalho foram efetuadas pesquisas bibliográficas e por meio eletrônico, analisando também as propostas legislativas em andamento, a fim de enriquecer a coleta de informações e permitir um aprofundamento no estudo da Resolução n° 6 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), bem como revelar a importância da aplicação dos princípios basilares da existência humana e noutro ponto asseverar a aplicação do princípio constitucional da intranscendência da pena.

O problema a ser abordado, está relacionado e busca demonstrar em que medida a flexibilização dos critérios para a construção das novas penitenciárias no Brasil, nos termos da Resolução nº 6/2017 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), pode ser considerado como um movimento de recrudescimento punitivo e violação dos Direitos Humanos da população penitenciária do país, na medida em que repristina a “lógica do calabouço”?

O objetivo geral, da presente monografia busca evidenciar o retrocesso na proteção/efetivação dos Direitos Humanos da população penitenciária do Brasil a partir da edição da Resolução nº 6/2017 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.

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Neste contexto, os objetivos específicos buscam, mapear o modelo de execução penal delineado pela Lei de Execução Penal e identificar o modelo de estabelecimentos penais adequados para a consecução dos fins da pena estabelecidos nesta legislação; bem como analisar criticamente a atual situação do sistema penitenciário brasileiro, evidenciando o retrocesso representado pela edição da Resolução nº 6/2017 do CNPCP no que tange à proteção/efetivação dos Direitos Humanos da população carcerária do país.

Quanto aos objetivos gerais, a pesquisa é denominada de tipo exploratória. Utilizou-se no seu delineamento a coleta de dados em fontes bibliográficas disponíveis em meios físicos e na rede de computadores. Na sua produção fora utilizado o método de abordagem hipotético-dedutivo, observando os procedimentos, de seleção de bibliografias e documentos afins à temática e em meios físicos não obstante a utilização da Internet de maneira interdisciplinar, e capaz, para construir um referencial teórico coerente sobre o tema em estudo, respondendo o problema proposto, de forma que corrobore ou refute as hipóteses levantadas e atinja os objetivos propostos na pesquisa.

Ademais por meio da leitura e fichamento dos materiais selecionados, e posteriormente uma reflexão crítica sobre o material, propiciaram a exposição dos resultados obtidos e transpassados no bojo do texto monográfico.

Inicialmente, no primeiro capítulo, foi realizada uma abordagem sobre o histórico das penas, suas funções e aplicações e sua efetivação, a partir do seu delineamento ao longo dos anos bem como um contraste quando comparado o sistema prisional atual e os suplícios da antiguidade. Ademais, ainda no primeiro capítulo, busca-se demonstrar que as sociedades e as formas de punição mais primitivas, voltam a vigorar como uma espécie de vingança social.

Segue uma análise do estereótipo do estrato populacional que está imerso no sistema carcerário bem como a comparação das instituições prisionais com os calabouços modernos, onde o Estado está, mas não chega para efetivar os direitos assegurados pela Constituição Federal de 1988. Também são analisados gráficos e realizados apontamentos sobre o sistema, perfazendo uma analogia da Lei de Execução Penal, e a efetiva função da pena privativa de liberdade no Brasil.

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No segundo capítulo, faz-se uma análise mais profunda da Resolução n°6 do CNPCP, quanto aos seus objetivos, finalidades e concreta efetivação. Também são analisados o papel do Estado e da sociedade em geral, como colaboradores na efetivação e construção de uma sociedade mais consciente de suas responsabilidades na questão do superpovoamento carcerário, bem como na efetivação dos direitos fundamentais do homem que se vê na situação de encarcerado. Procura-se demonstrar que há muito se vem buscando alternativas à pena privativa de liberdade, mas que poucas dentre estas garantem a concretização e a perfectibilização dos direitos humanos nos estabelecimentos prisionais.

A partir desse estudo se verifica que a resolução supramencionada, não surgiu como uma alternativa ao superpovoamento carcerário, mas sim para inviabilizar ainda mais a aplicação de uma pena privativa de liberdade que cumpra com as funções à que se destina, quais, sejam, preventiva, retributiva e ressocializadora, mitigando e empobrecendo o sistema carcerário e o ordenamento jurídico penal existente hodiernamente.

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1 DELINEAMENTO LEGAL DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE NO BRASIL

A história do homem sempre foi marcada por lutas e conflitos, buscas e questionamentos, divergências, antagonismos, enfim, por processos dinâmicos de construção e reconstrução, os quais objetivavam, inicialmente, apenas a sobrevivência individual, para depois, gradativamente, se voltar para o coletivo e para a vida em sociedade.

Desde os primórdios da existência humana, os indivíduos vivem às margens do Direito Penal, introduzido já nas mais antigas sociedades. As penas à essa época serviam basicamente como vingança/punição privada praticada pelos indivíduos uns contra os outros, considerando que tais penas eram anteriores ao Direito Penal propriamente dito.

As sociedades foram sendo constituídas, logo formaram-se outras, para resistir àquelas, e assim vieram os bandos, como haviam feito os indivíduos em permanente estado de beligerância entre si. As leis foram as condições que agruparam os homens, no início independentes e isolados, à superfície da terra (BECCARIA, 2015, p.17).

A soma das liberdades individuais em prol de um bem maior, um bem geral, que de certa forma passaria a estabelecer a normativa da vida social, bem como as penas quando estas infringidas fossem, acarretou a formação de um poder Estatal soberano e autoritário. Desta feita, cediço é que “somente a necessidade obriga os homens a ceder uma parcela de sua liberdade; disso advém que cada qual apenas concorda em pôr no depósito comum a menor porção possível dela” (BECCARIA, 2015, p. 17).

Nesta linha, o direito penal proveniente do Estado vem ao mundo para cumprir funções concretas dentro de uma sociedade que já solidificou e organizou-se de determinada forma, passando a ser entendido como uma finalidade, que tem por objetivo realizar algo, que não se limita aos paradigmas morais ou aos valores inseridos na sociedade, mas sim, efetivar e preservar, a “pacificidade social”.

A estruturação e a garantia da segurança social geral resultam no chamado controle social que

não passa da predisposição de táticas, estratégias e forças para a construção da hegemonia, ou seja, para a busca da legitimação ou para assegurar o consenso; em

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sua falta, para a submissão forçada daqueles que não se integram à ideologia dominante. (CASTRO apud BATISTA, 2004, p. 22).

Todavia, a sociedade em si, não é homogênea, pois se subdivide em outras pequenas sociedades, e cada qual a sua maneira esta predisposta a modelar o Direito Penal e a execução penal correspondente. Assim, ocorre a interação de diferentes formas e usos do direito penal em uma mesma sociedade e, portanto, a sua finalidade não pode ser compreendida como una, proporcionando a algumas “mini sociedades” um controle social rigoroso e repressivo promovido pelo Estado.

Tal sistema, apresentado como igualitário, estabelecido para promover a segurança da sociedade em geral, não se concretiza, visto que, sendo a sociedade subdividida, o torna funcionalmente seletivo, “atingindo apenas determinadas pessoas, integrantes de determinados grupos sociais, a pretexto de suas condutas”. (ZAFFARONI; BATISTA, 2011, p. 26).

Conforme Nilo Batista e Eugênio Rául Zaffaroni (2004, p. 26) “o sistema penal é apresentado como justo, na medida em que buscaria prevenir o delito restringindo sua intervenção ao limites da necessidade”. Nessa linha, a pena justa seria tão somente a necessária para atingir um fim almejado, consubstanciado na tríplice ideologia finalística da pena: preventiva, retributiva e ressocializadora, quando, na verdade, se sabe que é estigmatizante e proporciona a degradação da figura passiva desta relação tripartite composta pelo Estado, condenado e sociedade.

Quanto ao surgimento do Direito Penitenciário propriamente dito, Julio Fabbrini Mirabete (2000, p.19) leciona que ele

surgiu antes do século XVII, quando a prisão era apenas um estabelecimento de custódia, onde as pessoas acusadas de crime ficavam detidas, à espera da sentença, bem como doentes mentais e pessoas provadas do convívio social por condutas consideradas desviantes (prostitutas, mendigos, etc.) ou questões políticas. No final do referido século, a pena privativa de liberdade institucionalizou-se como principal sanção penal e a prisão passou a ser, fundamentalmente o local de execução das penas.

Michel Foucault (1999), acerca do surgimento dos estabelecimentos prisionais, salienta que eles passaram a substituir os temerosos suplícios, onde as penas eram investidas cruelmente para com o corpo do delinquente. Elas eram utilizadas para punir, traçando a

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violência do “Estado” àquela época. O seguinte excerto explicita a violência das penas aplicadas:

[Damiens fora condenado, a 2 de março de 1757], a pedir perdão publicamente diante da poria principal da Igreja de Paris [aonde devia ser] levado e acompanhado numa carroça, nu, de camisola, carregando uma tocha de cera acesa de duas libras; [em seguida], na dita carroça, na praça de Greve, e sobre um patíbulo que aí será erguido, atenazado nos mamilos, braços, coxas e barrigas das pernas, sua mão direita segurando a faca com que cometeu o dito parricídio, queimada com fogo de enxofre, e às partes em que será atenazado se aplicarão chumbo derretido, óleo fervente, piche em fogo, cera e enxofre derretidos conjuntamente, e a seguir seu corpo será puxado e desmembrado por quatro cavalos e seus membros e corpo consumidos ao fogo, reduzidos a cinzas, e suas cinzas lançadas ao vento.(FOUCAULT, 1999, p. 9).

Para cumprir a sentença, o corpo do supliciado teve de pagar, sua alma teve de pagar, sua vida teve de ser cruelmente dissipada (FOUCAULT, 1999). Daí exsurge um Estado mais autoritário e perigoso, na medida em que o cumprimento da pena passa a ser aplicada veladamente e igualmente a todos os indivíduos inseridos no sistema, mas não tão distante das evidenciadas nos suplícios. Os suplícios foram sendo mitigados e desapareceram: “tal desaparecimento tenha sido visto com muita superficialidade ou com exagerada ênfase como ‘humanização’ que autorizava a não analisá-lo”. (FOUCAULT, 1999, p. 12).

As instituições prisionais foram ganhando espaço, os códigos tornando-se mais explícitos e gerais, bem como a definição do caráter/função da pena passou a ser entendida como essencialmente corretiva, o que se acentuou no século XIX. Por conseguinte, um novo entendimento quanto à individualização da pena surgiu, e estas passaram a ser constantemente modificadas. Nas palavras de Foucault, (1999, p. 12):

Punições menos diretamente físicas, uma certa discrição na arte de fazer sofrer, um arranjo de sofrimentos mais sutis, mais velados e despojados de ostentação, merecerá tudo isso acaso um tratamento à parte, sendo apenas o efeito sem dúvida de novos arranjos com maior profundidade? No entanto, um fato é certo: em algumas dezenas de anos, desapareceu o corpo supliciado, esquartejado, amputado, marcado simbolicamente no rosto ou no ombro, exposto vivo ou morto, dado como espetáculo. Desapareceu o corpo como alvo principal da repressão penal.

Esse fato, por ora, faz acreditar que as instituições prisionais passaram a cumprir o seu fim, qual seja, a aplicação de uma pena justa quando analisada individualmente, e que coercitivamente corrigiriam o condenado e, desta forma, trariam à comunidade em geral certo medo em face das práticas delitivas. Porém, a punição velada acarretou consequências, ainda sentidas hodiernamente, uma vez que ela

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deixa o campo da percepção quase diária e entra no da consciência abstrata; sua eficácia é atribuída à sua fatalidade não à sua intensidade visível; a certeza de ser punido é que deve desviar o homem do crime e não mais o abominável teatro; a mecânica exemplar da punição muda as engrenagens. Por essa razão, a justiça não mais assume publicamente a parte de violência que está ligada a seu exercício. O fato de ela matar ou ferir já não é mais a glorificação de sua força, mas um elemento intrínseco a ela que ela é obrigada a tolerar e muito lhe custa ter que impor. (FOUCAULT, 1999, p. 13).

Nesta linha, os sistemas e estabelecimentos penais, bem como as penas propriamente ditas, surgem como resposta Estatal ao infrator da norma incriminadora, com a finalidade de manter o convívio social harmônico, dando ao Estado todo o poder punitivo necessário para isso, arraigando no ordenamento jurídico o controle social que por ora é irrenunciável (CUNHA, 2016, p. 395). A relativa estabilidade da lei, obrigou e fez surgir um jogo de substituições sutis e rápidas, sob o nome de crimes e delitos, que são sempre julgados “corretamente” quanto aos objetos jurídicos definidos pelo Código Penal, e pelo ordenamento jurídico penal.

Fato notório é que a finalidade de aplicação da pena despertou a relevância e importância de estudos aprofundados da pena em si e suas funções sociais, não somente corretivas, mas também retributivas e preventivas. Primordialmente, colocaram em foco a reintegração do apenado no âmbito social. A partir daí “surge na esfera científica a autonomia do Direito Penitenciário como, conjunto de normas jurídicas relativas ao tratamento do preso e ao modo de execução da pena privativa de liberdade, abrangendo por conseguinte, o regulamento penitenciário.” (MIRABETE, 2000, p.19).

Neste contexto, necessária se faz a interpretação da função ou finalidade fática declarada da pena no Brasil, haja vista que o Código Penal Brasileiro não pronunciou a despeito de qual teoria adotou, mas cediço é, como já fora mencionado, que a pena no ordenamento jurídico brasileiro apresenta tríplice finalidade, quais sejam: retributiva, preventiva e reeducativa.

1.1 A Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984) e as finalidades declaradas da pena privativa de liberdade no Brasil

Existem diversas teorias adotadas para dimensionar a finalidade da pena. As teorias absolutas, por exemplo, aduzem que o fim específico da pena é o castigo, ou seja, o

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sancionamento pelo mal praticado a outrem. Nessa senda, o castigo inevitavelmente compensa o mal, sendo que nenhuma conotação ideológica é utilizada, e sim uma exigência ética da sociedade. (MIRABETE, 2000). É fundamentada na máxima de que o Estado pune porque alguém cometeu crime. Trata-se, portanto, de uma retribuição, uma resposta à natureza delituosa.

Para a escola Clássica, por sua vez, a pena era considerada retributiva, não havendo qualquer significância da pessoa do delinquente e, portanto, a sanção se destinava a reestabelecer a ordem pública impactada pelo cometimento do delito. Já para as teorias utilitaristas,

dava-se à pena um fim exclusivamente prático, em especial o de prevenção geral, (a todos), ou especial (com relação ao condenado). Na escola Positiva, em que o homem passava a centrar o Direito Penal como objeto principal de suas conceituações doutrinárias, a pena já não era um castigo, mas uma oportunidade para ressocializar o criminoso, e a segregação deste era um imperativo à proteção da sociedade, tendo em vista sua periculosidade (MIRABETE, 2000, p.22).

O Estado detém o poder-dever de punir. Isto porque, além do jus puniendi, ele, como ente soberano, deve punir para “garantir” a convivência mansa e pacífica da sociedade em geral, materializando, com a pena, a resposta do Estado mediante os danos ocasionados em desfavor dos bens juridicamente tutelados pelo ordenamento pátrio.

A teoria relativa, segundo Amadeu Weinmann (2012), dá à pena um caráter social com o intuito de proteger e prevenir futuras ações criminosas. Para tanto, o crime é taxado como uma ocasião. A teoria se subdivide em duas correntes: quanto à finalidade de prevenção geral e quanto à prevenção especial. O autor as diferencia quanto à sua função, e nesta linha a aplicação da pena, tendo como parâmetro a prevenção geral, detém o poder de educar os agentes delituosos, permitindo a estes, valorar o castigo que lhes é imposto. Já a prevenção especial aponta que a aplicação prática da pena pode ser tornar uma forte ameaça ao agente delituoso, todavia, só intimidaria o próprio indivíduo delinquente, não servindo como escopo em âmbito geral.

Quando observada a Lei de Talião, explicitamente o contexto da frase “olho por olho e dente por dente”, resta evidentemente claro que a pena não atinge hoje o caráter a que se destina. Isso porque

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ela apenas, tem o poder de satisfazer aquele desejo de vingança que, num primeiro momento pertencia a um indivíduo e que, agora, é objeto da sociedade como Estado. Vingança socializada, limitada por princípios que ordenam o direito e, em particular, o Direito Penal. (WEINMANN, 2012, p. 25).

Remetendo-se a esta ideologia antiga e atroz, a pena ultraja e ultrapassa a sua simples necessidade e vê-se na sua imposição uma provocação efetiva que se limita a privilegiar uma minoria de homens que não se enquadram no perfil carcerário, quais sejam: homens brancos, jovens, da classe média/alta.

Conforme breve análise da exposição dos Motivos do Ordenamento Penal Brasileiro, dados pelo Decreto Lei n° 2.848/40, no capítulo das penas, o art. 26 traz seguinte enunciado, preconizando que “uma política criminal orientada no sentido de proteger a sociedade terá de restringir a pena privativa de liberdade aos casos de reconhecida necessidade, como meio eficaz de impedir a ação criminógena cada vez maior do cárcere”, trazendo à tona a utilização da teoria relativa/preventiva”. Mas, questiona-se, o que proteger? Ou ainda, exatamente, quem proteger?

O artigo 1° da Lei de Execução Penal traz à tona duas ordens de finalidades declaradas da pena, e de sua persecução. Nessa perspectiva, o alvo da “prevenção geral” é a sociedade, e isso se evidencia quando o tipo penal de um delito já está positivado na legislação, observando-se que essa cominação legal traz à sociedade a ideia de que há um direito coletivo a ser tutelado, e que o Estado o irá fazer, pois é detentor do poder punitivo.

Não obstante, a prevenção especial em caráter retributivo é evidenciada durante a imposição e execução da pena, ou seja, a finalidade da pena é o restabelecimento da ordem violada pelo delito cometido, e tão somente pelo ato fático.

Noutro aspecto baseia-se a função retributiva da pena, a qual está intrinsicamente ligada à execução da pena, quando a função não é tão somente concretizar a punição estabelecida, mas, sobretudo “garantir” que ocorra a ressocialização do condenado, ou seja, a reeducação para que posteriormente seja inserido na sociedade.

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O sentido imanente da reinserção social, conforme o estabelecido na lei de execução penal, compreende a assistência e ajuda na obtenção dos meio capazes de permitir o retorno do apenado e do internado ao meio social em condições favoráveis para sua /integração, não se confundindo “com qualquer sistema de tratamento que procure impor um determinado número e hierarquia de valores em contraste com os direitos de personalidade do condenado”.

Contudo, não se vê eficácia quanto a estas finalidades declaradas, quando no sistema carcerário brasileiro ocorrem as superlotações e as afrontas aos primordiais princípios basilares da existência humana, quais sejam: a dignidade humana propriamente dita e o direito à individualização da pena.

Em sentido prescritivo ou axiológico pode-se verificar três princípios distintos quanto à devida distinção e separação do direito puro e da moral, quanto ao delito, seu processamento e aplicação da pena. Quanto ao delito, o direito penal não tem condão de impor ou reforçar uma moral até por que a moral é intrínseca ao homem e por si só subjetiva, e tão somente visa a impedir que venha a ocorrer novas condutas danosas a outrem.

Quanto ao processo, é sabido que, para a devida distinção entre a moral e direito, exige-se que o juízo não verse sobre a pessoa do réu ou sua personalidade, mas sim sobre os fatos a ele imputados. Já quanto à pena, ela não deve impor conteúdos nem fins morais. (CARVALHO, 2008).

Mas não é o que se evidencia na sociedade neoliberal contemporânea, onde cada indivíduo exprime fortemente suas convicções, bem como a “sua moral” afastando a sua primordial característica que o distingue dos demais: a racionalidade. Na forma irracional, deixa de “ser humano” e de reconhecer a necessidade da humanização do sistema penal, tanto na pessoa do condenado quanto na provável afetação que uma pena privativa de liberdade pode ocasionar.

Quando observado o princípio da individualização da pena, explícito na Carta Maior, art. 5°, XLV, tem-se a ideia de que nenhuma pena ultrapassará da pessoa do condenado. Todavia, esse princípio não vigora na práxis do direito penal quando da aplicação da pena e sua função propriamente dita, pois se assim o fosse, o sistema carcerário hodierno tornar-se-ia um freio legal e constitucional, que asseguraria que o Estado não ultrapassaria o seu poder punitivo, e desconstruísse as finalidades da pena.

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Mas assim não o é, pois a superlotação carcerária, bem como a degradação do homem, evidenciada na atualidade, ocasiona a ideologia medieval comumente conhecida como a ótica do calabouço, bem como reduz o homem a um nada existencial, extrapolando e inoperando o princípio e a função primordial da pena, qual seja, a reeducação para reinserção social do apenado.

Conforme assevera Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo (2015, p. 30), em entrevista concedida à IHU On-Line, pode-se atribuir a degradação do atual sistema, ao fato de que a sociedade brasileira é, por si só, desigual, comportando dois pesos e duas medidas, ao ponto que

aí há pessoas que praticam delitos sem o risco de receberem uma condenação criminal e de serem presas. Enquanto isso, para uma grande parcela da população, especialmente as classes economicamente inferiores, temos situações em que os indivíduos não têm os direitos garantidos pelo sistema. Em síntese, trata-se de um sistema precário voltado às ‘classes perigosas’ — população de baixa renda que não tem os direitos assegurados.

A finalidade da pena passou a ser observada novamente sob uma perspectiva de vingança, não mais entre vítima e criminoso, mas sim entre a sociedade e este, trazendo à tona um pensamento egocêntrico e perplexo de indiferença. Tal pensamento acarreta ao agente delituoso a punição mais severa, consagrando o querer social e a consecutividade pela busca terrível de encontrar um “culpado” para todas as infelicidades que venham a acontecer na sociedade como um todo.

Reafirmando a teoria absoluta, a pena é uma forma de castigo traduzida pela vontade geral, ou seja, fazer sofrer da forma mais horrenda, aquele indivíduo que incansavelmente dia após dia, (sobre)vive em perspectivas lastimáveis e insuportáveis, para um contentamento social e público que se utiliza do preceito de pacificação da ordem pública para concretizar o seu poder.

O excesso punitivo, aclamado pela sociedade num todo, acarreta prisões abarrotadas e, por conseguinte, a ineficácia das funções ou finalidades da pena, quais sejam preventiva, retributiva e reeducativa, vez que elas não são um fim, e sim um meio de controle social. No Brasil, a pena se mostra um meio de contenção e separação do apenado dos demais,

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delimitando um estrato populacional pobre e desfavorecido em detrimento de pessoas que ocupam espaços privilegiados na sociedade.

Com efeito,

centenas de anos de escravidão marcaram indelevelmente o sentido de classe do direito, em especial o direito penal. Como ocorre até os dias atuais, o establishment jamais legisla ‘contra si mesmo’. Por isso, a ausência histórica de punições mais efetivas contra crimes contra o erário público, corrupção, etc. E não esqueçamos a relevante circunstância de que criminalizar a pobreza é um eficaz meio de controle social. (STRECK apud WERMUTH, 2009, p. 310).

É evidente que o excesso punitivo acaba por degradar ainda mais o sistema carcerário brasileiro, considerando que isso resta demonstrado nos dados apresentados pelo Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias. O sistema prisional Brasileiro continha em seu sistema carcerário no ano de 2016, população prisional de 726.712 presos, o que acarreta ao país a 3° posição no ranking dos países com a maior população carcerária do mundo. (BRASIL, 2016).

As superlotações carcerárias supracitadas demonstram, drasticamente, o quanto o sistema prisional brasileiro é seletivo, tendo em vista que estão ali vinculados os extratos sociais mais baixos da sociedade, consubstanciando, deste modo, uma quarta e talvez única função efetiva da pena, que passa a ser simbólica e tão somente reflete a dominação do poder.

A exposição das finalidades da pena instituídas pela Constituição, bem como pelo ordenamento penal e pela Lei de Execução Penal, não atuam como fonte organizacional da sociedade perante as ações possivelmente danosas. Na verdade, o sistema prisional mantém a função precípua de gerir os excedentes, ou seja, os indivíduos imersos no sistema penal são selecionados minuciosamente pelo “sistema”, sendo esta seletividade uma garantia instrumental da dominação das classes.

O estereótipo criado pelo Estado e pela cultura social antiga de divisão de classes faz transbordar o sistema carcerário e assume características similares em todo o território nacional. É vigorosamente definido em razão de ser, sendo que já pré-existe uma determinação. Nesta linha,

uma pessoa começa a ser tratada "como se fosse", embora não haja manifestado nenhum comportamento que implique uma infração. Ao generalizar-se o tratamento

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de acordo com o "como se fosse" e sustentar-se no tempo quase sem exceção, a pessoa passa a se comportar de acordo com o papel atribuído, ou seja, "como se fosse", e com isso acaba "sendo". (ZAFFARONI apud CHAVES, 2001, p. 134).

Sabendo-se que a pena está arraigada e fortemente consubstanciada na razão do/de ser, desconstrói-se, aí, o princípio da individualização da pena, direito este constitucionalmente garantido que possibilitaria, por sua vez, a instrumentalização e a consecução das finalidades da aplicação da pena, bem como proveria a sua humanização.

Neste contexto, notório é que a Lei de Execução Penal corroborada com a Constituição Federal, no que diz respeito às finalidades da aplicação da pena, podem até demonstrar uma simplória tentativa de garantir e efetivar os direitos humanos inerentes ao condenado, mas, materialmente, nem de longe atingem o sem fim. São, desta feita, conduzidos pela idealização neoliberal capitalista, que continuamente subdivide a sociedade, e nesta linha, o sistema carcerário se encontra invisível a olho nu.

Ademais, a violação em todos os aspectos é flagrante. No que diz respeito ao Tratado Internacional sobre as Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento dos Presos, conhecida como as Regras de Mandela, o tratamento dos presos Brasileiros está muito aquém do que se espera de um país que é signatário dos acordos e tratados Internacionais que versem sobre o s Direito Humanos (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2016).

Quanto à primeira regra, é notória a disparidade do Estado Brasileiro para com as diretrizes utilizadas pelas Nações Unidas, conforme evidenciado no enunciado o respeito da pessoa do condenado/preso, é um princípio fundamental e constitucionalmente garantido, todavia no sistema carcerário a dignidade do homem é posta à prova, em um ambiente hostil, que com todas as suas delimitações não consegue assegurar o mínimo existencial.

Regra 1. Todos os presos devem ser tratados com respeito, devido a seu valor e dignidade inerentes ao ser humano. Nenhum preso deverá ser submetido a tortura ou tratamentos ou sanções cruéis, desumanos ou degradantes e deverá ser protegido de tais atos, não sendo estes justificáveis em qualquer circunstância. A segurança dos presos, dos servidores prisionais, dos prestadores de serviço e dos visitantes deve ser sempre assegurada. (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2016, p. 19)

As regras de Mandela são bem específicas quanto à finalidade da aplicação da pena e à execução das sentenças proferidas. Elas fortificam a premissa de que a aplicação da pena e

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também o ambiente prisional devem propiciar ao preso uma base para sua reintegração e autossuficiência.

Regra 4 -1. Os objetivos de uma sentença de encarceramento ou de medida similar restritiva de liberdade são, prioritariamente, de proteger a sociedade contra a criminalidade e de reduzir a reincidência. Tais propósitos só podem ser alcançados se o período de encarceramento for utilizado para assegurar, na medida do possível, a reintegração de tais indivíduos à sociedade após sua soltura, para que possam levar uma vida autossuficiente, com respeito às leis. 2. Para esse fim, as administrações prisionais e demais autoridades competentes devem oferecer educação, formação profissional e trabalho, bem como outras formas de assistência apropriadas e disponíveis, inclusive aquelas de natureza reparadora, moral, espiritual, social, esportiva e de saúde. Tais programas, atividades e serviços devem ser oferecidos em consonância com as necessidades individuais de tratamento dos presos. (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2016, p. 19).

O sistema prisional, quanto à aplicação da pena, bem como o Estado, e até mesmo os agentes prisionais, devem possibilitar e minimizar os prejuízos e as diferenças promovidas entre a vida no cárcere e aquela em liberdade, que tendem a reduzir a responsabilidade dos presos ou o respeito à sua dignidade como seres humanos, não obstante e primordialmente consumar a individualização da pena, uma vez que os condenados em virtude da superlotação carcerária se perdem em meio a tantos crimes e possibilidades de não reeducação e mudança psicossocial, pois ali inseridos sem nenhum tipo de proteção até mesmo quanto aos demais condenados.

Mister se faz salientar, então, que o sistema carcerário Brasileiro, bem como as funções da pena inseridas no texto legal, da Lei de Execução Penal, e na Constituição Federal, não cumprem estabelecer os parâmetros mínimos estabelecidos pelas Nações Unidas no Regramento denominado as Regras de Mandela, nem quanto há aspectos materiais tendo em vista as instituições, sua gestão, organização, tanto estrutural quanto funcional, e quanto a formal, qual seja a aplicação de uma pena que de fato venha a reeducar e reestabelecer parâmetros mínimos para que o condenado após a consecução da sua pena, consiga se auto prover, bem como obter possibilidade de reinserção social, no mundo que o esqueceu.

1.2 O modelo de estabelecimento penal adequado à consecução dos objetivos explicitados pela Lei de Execução Penal no que tange à pena privativa de liberdade

Os estabelecimentos penais, são a materialização da aplicação da pena, ou seja, é o local onde a justiça aprisiona os sujeitos que praticam delitos. O sistema prisional Brasileiro

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deve ser examinado de forma dinâmica, tendo em vista a multiculturalidade que ali se encontra. Diversas experiências, conhecimentos e valores distintos entre si, se projetam em um mesmo local para um mesmo fim: o cumprimento da pena, que por hora transpõe a pessoa do condenado.

Hodiernamente, a pena privativa de liberdade, é o ápice central do sistema penal. Nesta linha,

a partir do século XIX, quando a prisão se converteu na principal resposta penal, acreditava-se que esta seria o meio mais adequado para a “restauração” do delinquente. Atualmente, contudo, é visível a descrença neste instituto por parte dos doutrinadores e estudiosos do tema. (RIBEIRO, 2018, p. 10).

Que o Estado é detentor do poder punitivo e que o homem para viver em sociedade tem de se desprover de sua liberdade em detrimento ao Estado é cediço. Mas a discussão reside nessa função de ordem pública aclamada pela sociedade em geral, que deveria assistir a todos e não somente a pequenas parcelas da sociedade que, segregadas, são sufocadas diariamente por um sistema carcerário desumano e brutal.

Em favor do bem comum, os “predestinados”, perdem a autonomia sobre a sua liberdade individual, princípio este fundamental. O que em tese não deveria causar afetação aos demais princípios basilares da existência humana e precipuamente à dignidade da pessoa humana. “Percebe-se, contudo, que mesmo ante as máximas garantias individuais dentro do processo e execução penal, a pena privativa de liberdade enfrenta sua decadência, justamente por falhar na sua finalidade declarada, a ressocialização do delinquente”. (BITENCOURT apud RIBEIRO 2006, p. 23).

Nesta linha, Michel Foucault (2000) assevera que a prisão não fracassou, pois cumpriu o objetivo a que se propunha: estigmatizar, segregar e separar os delinquentes, e é o que vem fazendo ao longos dos anos. As superlotações carcerárias e as condições precárias a que o condenado é acometido transpõe qualquer princípio constitucionalmente garantido, reduzindo o homem e a sua existência a uma dimensão subumana, acarretando marcas inolvidáveis.

A pena privativa de liberdade, hoje, é vista como o anúncio de um morte a longo prazo. As instalações são insalubres, as condições de higiene precárias e insuficientes, o

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ambiente totalmente arredio e minimamente reeducador. E, em que pese almejar a ressocialização do condenado, o sistema carcerário deteriora a expectativa pedagógica da aplicação da pena como fonte reeducadora. Com isso, ele tão somente passa a ser um instrumento de potencialização do crime.

A Lei de Execução Penal, em seu art. 88, assegura ao condenado o alojamento em cela individual que conterá dormitório, lavatório e aparelho sanitário, bem como assevera um ambiente salubre e compatível com a existência humana. Todavia, não é o que se evidencia no caótico sistema carcerário brasileiro, no qual os condenados vivem em cubículos, amontoados, nas piores condições possíveis, dificultando a adequada vigilância e supervisão do ambiente, bem como impossibilitando que a função da pena possa se concretizar. Consequentemente, tornam-se “frequentes as rivalidades étnicas ou de grupos distintos. E todas essas condições favorecem um elevado índice de conflitos, razão pela qual a maior parte dos motins carcerários se produz nas prisões fechadas.” (BITENCOURT, 2004, p. 229).

A lição de Renato Marcão (2007, p. 94) é no sentido de que

as penitenciárias e as cadeias públicas terão, necessariamente, celas individuais. Todavia, é público e notório que o sistema carcerário brasileiro ainda não se ajustou à programação visada pela LEP. Não há, reconhecidamente, presídio adequado ao idealismo programático da LEP. É verdade que, em face da carência absoluta nos presídios, notadamente no Brasil, os apenados recolhidos sempre reclamam mal-estar nas acomodações, constrangimento ilegal e impossibilidade de readaptação à vida social. Por outro lado, é de sentir que, certamente, mal maior seria a reposição à convivência da sociedade de apenado não recuperado provadamente, sem condições de com ela coexistir.

A resposta a esse sistema falho e miserável, onde o homem é esquecido por seus semelhantes, são os inúmeros motins evidenciados no país:

a situação caótica envolvendo o Complexo Penitenciário de Pedrinhas, não foi a única que levou o Brasil a ser reconhecido perante o Sistema Interamericano como um país violador de direitos humanos da população carcerária. O caso do Presídio Central de Porto Alegre (PCPA), no Rio Grande do Sul, também foi alvo de posicionamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, diante das constantes violações perpetradas naquela instituição prisional. Em Representação realizada pela Associação dos Juízes, pela Associação dos Defensores Públicos e pela Associação do Ministério Público do Rio Grande do Sul, dentre outras entidades, foram denunciadas à Comissão Interamericana de Direitos Humanos as precárias condições do PCPA, principalmente no que se refere à superlotação, à perda do controle da situação envolvendo as facções criminosas, à estrutura precária das instalações, à ausência das mínimas condições de higiene, à ausência de assistência à saúde, etc. Sobre o tema da assistência à saúde, em especial, a Representação refere que “como o Estado não tem controle sobre o que se passa no

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interior das galerias, quando um apenado fica doente, os próprios presos, sem qualquer espécie de preparo ou equipamento, é que prestam o atendimento”. (WERMUTH; NIELSSON, 2017, p. 55).

Assim, ao contrário do que dispõe a legislação de Execução Penal vigente, precipuamente o transcrito em seu artigo 3°, é evidente a amplitude da violação dos direitos humanos quando se fala em população carcerária e pena privativa de liberdade. Indubitavelmente, a pena pode ser retratada como uma pena privativa de dignidade. A pena assume o papel máximo de desintegração do condenado, uma vez que corrompe os laços familiares e sociais, afasta-o da sua capacidade laborativa, podendo ocasionar, em razão disso, deformações psíquicas, e patológicas. Nesse sentido, Fragoso aponta que

a reunião coercitiva de pessoas do mesmo sexo num ambiente fechado, autoritário, opressivo e violento, corrompe e avilta. Os internos são submetidos às leis da massa, ou seja, ao código dos presos, onde impera a violência e a dominação de uns sobre os outros. O homossexualismo, por vezes brutal, é inevitável. A delação é punida com a morte. Conclui-se assim, que o problema da prisão é a própria prisão, que apresenta um custo social demasiadamente alto. (FRAGOSO apud BARREIROS, 2018, p. 13).

As recentes rebeliões que ocorreram no norte e nordeste do país demonstram fatidicamente que pouca coisa vem sendo feita a respeito das superlotações carcerárias, bem como quanto às condições às quais são acometidos os condenados.

Ao contrário, no mundo prisional pós-Carandiru, a tortura se consolidou como um elemento estrutural da gestão prisional brasileira, e não como um resultado de más práticas ou da perversão de determinados indivíduos. Ela está estreitamente vinculada com o processo massivo de encarceramento em curso, arquitetado para vitimar jovens, negros, pobres e os habitantes de periferias urbanas e existenciais do País (PASTORAL CARCERÁRIA apud WERMUTH; NIELSSON, 2017, p. 57). A situação dos supracitados complexos penitenciários chegaram ao conhecimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que em 2013 condenou ao Estado Brasileiro à realização urgente de diversas medidas a fim de erradicar a forma de violação degradante e horrenda a que os condenados estão submetidos para o cumprimento de sua pena, que por sua vez, está internamente ligada à tortura, inerente à gestão prisional adotada no país.

O Conselho Nacional de Justiça realizou um relatório que se intitula: “Mutirão Carcerário”, que realiza um Raio X no Sistema Penitenciário Brasileiro. O relatório demonstrou as inúmeras violações de direitos humanos que os condenados padecem. No Estado do Amazonas por exemplo,

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faltam 1.964 vagas, enquanto 60% da população carcerária são pessoas que aguardam presas o julgamento de seus processos. O déficit de vagas e a quantidade de presos provisórios no Amazonas estão entre os mais altos do país. Em Coari, a equipe do Mutirão encontrou um presídio nos fundos de uma escola. Em Tefé, foram identificadas celas sem chuveiro no porão de um antigo prédio residencial improvisado como prisão. “Os presos tomam banho com a água que corre ininterruptamente de um cano para dentro de um tonel”, relatou o magistrado. À noite e nos finais de semana, os agentes penitenciários trancam os presos e levam as chaves das celas para casa, o que aumenta as chances de uma tragédia. (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2012).

Já no Estado de Tocantins, a equipe do Mutirão evidenciou condições ainda mais degradantes e insalubres. A violação de dignidade ali ostentada ultrapassa a esfera da violação individual dos direitos humanos, uma vez que ela evidencia uma violação à segurança jurídica do processo penal bem como a sua fiel execução, sendo que manifesto é o descaso do Estado quanto ao seu controle e sua organização programática. Isso fica evidente no seguinte excerto do relatório acima indicado:

a diferença entre a população carcerária apurada pelo Mutirão (1.971) e a quantidade de presos informada inicialmente pelo governo estadual (636) é de 1.335 pessoas – sendo que os nomes de 340 detentos com processos no Judiciário não foram encontrados na listagem da Secretaria de Segurança Pública.(CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2012, p. 59).

No Nordeste do país a situação não difere. Conforme o relatório do Conselho Nacional de Justiça (2012, p. 61), os indivíduos privados de sua liberdade são também privados de outros preceitos fundamentais para uma existência humana digna, como o sono, bem como a privação de um elemento essencial para a sobrevivência: a ingestão de água potável. Ademais, as prisões parecem com calabouços da era medieval devido à mínima ventilação e ao cheiro fétido emanado no local. Na ocasião, até mesmo o ambiente de “lazer” dos apenados, qual seja o pátio, cotejou a visão de um campo de concentração, tendo em vista as revoltas e motins devidos à superlotação local.

Nesta linha, “cerca de 85% das 18,3 mil ações analisadas no Mutirão do referido Estado, não continham cálculo de pena. Havia processos que há mais de dez anos – alguns desde 2000 – tramitavam sem cálculo de pena ou informação sobre seu cumprimento”. (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2012). Já no Estado do Rio Grande do Norte, a conclusão foi no sentido de que “vários estabelecimentos prisionais do Estado não são dignos sequer de abrigar animais irracionais ferozes” (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA,

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2012, p. 109), o que assenta como se acham os modelos de estabelecimentos prisionais, para a consecução das penas privativas de liberdade.

O relatório, por mais infeliz que seja, demonstra drasticamente a máxima desatenção estatal e até mesmo social para com a vida e a integridade de quem cumpre a pena. Ao pensar que o semelhante, e até mesmo a Defensoria Pública que detém a prerrogativa de defender e oferecer atendimento jurídico à população encarcerada, esquecem-se disso, estigmatizando ainda mais a vida carcerária que, submetida às situações narradas, vedam a possibilidade de reinserção e reeducação do condenado para a vida social.

A estrutura dos presídios evidencia condições antiquadas e relativamente iguais se comparadas aos presídios da Idade Média, o que faz transcender aos olhos do mundo a ideia de que, onde há culpa deve haver um culpado; e esse culpado deve consequentemente ser punido, a todo custo, esquecendo-se de que o “culpado” é quem sofre com o desrespeito do mundo. É um momento de inconsciência ou irracionalidade do homem, do coletivo, que acaba por tolher a dignidade de outrem, em detrimento do senso comum e de uma punibilidade exacerbada.

Os indivíduos que atendem ao senso comum - que é de inserir os predestinados no cárcere, alimentando a lógica da punibilidade como meio de vingança – acabam por tornar a sociedade cruel e agressiva, e que, por ora, tem como principal convicção a de que a pena privativa de liberdade resolve os problemas sociais e de violência do Estado. Ocorre que o cárcere, nas condições atuais, de superlotação, má qualidade da alimentação, condições de higiene ínfimas, é claramente a violência do Estado para com os homens, ou seja, é um Estado delinquente que se utiliza do seu poder para ceifar a vida e a dignidade do homem.

Amilton Bueno de Carvalho (2018), em sua fala sobre a “Pena de Prisão - Um olhar Crítico Libertário”, aduz que o sistema carcerário nada mais é que a máxima manifestação do poder Estatal, e que não há um fim lógico ou especifico para a existência da pena privativa de liberdade, por que em momento algum da história houve manifestação de doutrinadores ou juristas acerca da efetividade da aplicação da pena privativa de liberdade, e, pelo contrário, a Lei de Execução Penal programa a dor que o condenado virá a sentir, é como se este, soubesse que está prestes a adentrar em um campo de concentração.

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O sistema carcerário e o modelo vigente de estabelecimento penitenciário, veementemente evidenciam a política da existência de um calabouço medieval, tendo em vista que o sistema por si só é mal e desta feita não consegue objetivamente atingir a sua finalidade, seja ela utilitarista, retributiva, ou preventiva, afigurando-se como quimera a função reeducadora.

Andrew Coyler, (2015, p. 59) em entrevista realizada à IHU On-Line, assevera que o respeito aos direitos humanos pode resultar em prisões bem geridas e seguras, e que a qualidade do profissional que atua no âmbito penitenciário para com o apenado, pode ser fator imprescindível na busca por penitenciarias mais humanas, seria então fator relevante para qualquer sistema penitenciário. Julita Lemgruber, também em relato à revista supramencionada, (2015, p. 43), evidencia que o sistema prisional hodiernamente aplica uma pura e simples higienização da classe pobre; ela não apresenta um fim determinado, a não ser o de maximizar o Poder Estatal e o de aprisionar as classes subalternas.

Trata-se de um cruel controle social capitalista, que exclui para se manter. Os estabelecimentos prisionais são em suma, dotados de preconceito e estigmas, tanto do Estado como da sociedade em geral, eles acabam por industrializar o crime, pois os que ali estão inseridos não possuem outra forma de se exteriorizar a não ser gerando mais violência. Nesta linha, acabam por exterminar a precípua função almejada quando da aplicação da pena privativa de liberdade que é a ressocialização, reconstituição ou até mesmo a “humanização do condenado”.

Alessandro Di Giorgi (2018) elenca diversos fatores para o falho sistema prisional atual. A primeira tese transcrita pelo autor trata a respeito da superlotação carcerária e dos motivos que estão por detrás desta situação fática que, não só no Brasil, afeta a maioria dos países.

Em um contexto de crise penal e falência do sistema prisional, a abordagem despolitizada, tecnocrática e gerencial quanto à falência e à explosão do numerário dos encarcerados, não “é o resultado de um projeto deliberado, de décadas, executado por poderosos atores político-econômicos, mas sim, a consequência de uma falta de pesquisa ou de dados sobre o funcionamento de prisões e sobre os efeitos”. (GIORGI, 2018, p.10).

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Ademais, outra consequência antagônica a esse sistema despolitizado da crise penal, é o fato de que as propostas para uma reforma ou modificação drástica deste, estão ligadas fortemente a classes elitistas; em contra partida, deixa-se de lado a avaliação quanto aos aspectos políticos e a parcela de contribuição dos agentes políticos para a superlotação evidenciada hodiernamente, o que de certa forma impossibilita o levantamento de questões quanto à legitimidade fundamental do sistema penal e prisional, bem como intrinsicamente a relação de quais grupos são predestinados e majoritariamente incluídos no sistema carcerário, quais sejam: homens jovens, negros e pobres.

Em seu recente Mass Incarceration on Trial, Jonathan Simon (2014), sugere que,

a fim de atingir as raízes estruturais do encarceramento em massa, assim como suas devastadoras consequências para a dignidade humana das populações mais afetadas por esse sistema de violência institucional, um passo necessário seria o reconhecimento de culpa por parte das poderosas autoridades que mais contribuíram para construir o estado carcerário.(GIORGI, 2018, p. 13).

O modelo de sistema prisional, tão somente, da maneira em que se encontra, torna-se, um espaço inútil e não funcional, que minimiza o indivíduo a um nada existencial, pois sem direito a água, condições de higiene mínimas, sono durante uma noite toda, alimentação adequada, não vê seus direitos fundamentais que comportados pela Constituição, deveriam estar assegurados pelo Estado no estabelecimento carcerário, onde este insinuar-se vigorosamente e resguardar o primordial preceito existencial, qual seja, a vida digna.

Indubitável é que o Estado dever ser complementado por um grande e contínuo esforço em corrigir os danos sociais e culturais que cometeu e vem cometendo ao passar dos anos, danos estes que irrefutavelmente produziram a atual situação carcerária, tanto quanto a superlotação, segregação, quanto à diminuição do homem a um nada existencial, que olvidado pelo mundo externo, além de cumprir sua pena, cumpre também uma batalha travada pela coexistência da premissa do todos contra um.

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2 O DESCOMPASSO ENTRE A LEI E A REALIDADE: A RESOLUÇÃO Nº 6/2017 DO CNPCP E A “LÓGICA DO CALABOUÇO” NO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO

Notadamente, há uma distância enorme entre a lei vigente e a realidade atual do sistema carcerário Brasileiro. A Lei de Execução Penal, busca, de certa forma atingir os ideais da aplicação da pena, com o intuito de ressocializar e reinserir o condenado na sociedade, fornecendo-lhe condições mínimas para tanto. Todavia, não se mostra eficaz. Penas duras e transcendentes à pessoa do apenado desmistificam a sua aplicação e tornam quase que impossíveis a sua plena aplicação em meio a um Estado falido, de humanidade e moralidade.

O Estado, por sua vez, torna-se autoritário e simbólico, ao passo que transcende sua repressão e vislumbra o controle social por meio de suas ações explicitamente severas e opressivas, que se ajustam ao modelo capitalista de desenvolvimento.

Neste interim, exsurgem questões acerca da política criminal e sua função em um Estado Democrático de Direitos. Nesta linha, pelo que se evidencia atualmente, assiste-se a uma política criminal extremamente punitiva.

A resposta é mais complexa do que parece. A “punitividade”, de fato, em parte é um juízo comparativo acerca da “severidade” das penas com relação às medidas penais precedentes, em parte depende dos objetivos e das justificativas das medidas penais, assim como também da maneira pela qual a medida é apresentada ao público. As novas medidas que aumentam o nível das penas, reduzem os tratamentos penitenciários, ou impõem condições mais restritivas aos delinquentes colocados em liberdade condicional ou vigiada (...) podem ser consideradas “punitivas”, pois aumentam com relação a um ponto de referência anterior. (PLANO NACIONAL DE POLÍTICA CRIMINAL E PENITENCIÁRIA, p. 208, 2011).

Com isso, se vê que a maior parte das medidas penais utilizadas no ordenamento jurídico penal brasileiro legitima a punição severa, traduzindo, por sua vez, o sentimento público de inconstância e instabilidade, superados pela insegurança dos insistentes modelos repressivos denunciadores de indignidade humana dos encarcerados.

A pressão da opinião pública e a insegurança supramencionada amplificam os meios de comunicação das massas, o que de certa forma aponta para o aumento do controle penal repressivo que se vê hodiernamente, tendo como paradigma inevitável a severidade no trato

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com o crime e, consequentemente, o encarceramento de grande monta de pequenos estratos sociais, estereotipados – como homens, jovens e negros.

A descrença da sociedade para com as instituições prisionais, faz falecer qualquer significativa mudança que possa ocorrer, impossibilitando que o sistema punitivo e as políticas criminais necessárias se perfaçam para atingir o Estado autoritário e repressivo que se legitima atualmente. “Essa descrença, aliada a um oportunismo legislativo e à lucratividade da mídia, alimentam um pernicioso fatalismo e um sentimento de vingança no povo brasileiro”. (PNPC, 2011).

O encarceramento em massa pode ser uma resposta ao mundo contemporâneo capitalista, como forma de uma exclusão capitalista ainda mais maquiavélica do que o vislumbrado, e que por sua vez isola e neutraliza as minorias, e que paulatinamente se mostra irredutível ao passo que o Direito Penal passou a ser solução prima ratio, tanto nos conflitos sociais como culturais

Neste diapasão, com o intuito de “solucionar” esta controvérsia bem como, resolver as questões do encarceramento em massa, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciaria formulou, no dia 07/12/2017 a Resolução n° 6, que trata da modificação da arquitetura dos sistemas prisionais e prevê, em suma, uma inestimável e violenta violação aos direitos humanos dos encarcerados.

2.1 O contexto atual de violação de Direitos Humanos no âmbito do sistema carcerário Brasileiro

Evidente que o excesso punitivo acaba por degradar ainda mais o sistema carcerário. Conforme corroboram os dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias, o Brasil continha em seu sistema carcerário no ano de 2016, população prisional de 726.712 presos, o que acarreta a terceira posição no ranking dos países com a maior população carcerária do mundo. (BRASIL, 2016).

Há mais de 20 anos o país vive sob a égide de uma Constituição dita democrática. No entanto, as relações entre os governos e a sociedade caracterizam-se cada vez mais pela

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ilegalidade e arbitrariedade. Nesse sentido, atualmente pode-se dizer, sem temor algum que se vive sob a mais violenta e ineficaz, intervenção do Estado na vida de cada indivíduo, que se materializa por meio de uma dominação simbólica planificada pelo medo e pela fragilidade democrática, tendo em vista que não sabe ao certo a distinção entre violência legítima da ilegítima, e consequentemente não se pode olvidar qual é o valor de ingressar na vida comum.

A permanente e consistente crise do sistema penitenciário brasileiro tornou-se ainda mais insuportável. O crescimento da população presa foi de mais de 104 mil pessoas entre 2014 e 2016. Com isso, a taxa de ocupação das prisões chegou a quase duas pessoas por vaga – é a maior superlotação de que se tem notícia desde que o Ministério da Justiça iniciou o levantamento dos dados. (BRASIL,2016).

Não bastasse a superpopulação carcerária, o que resulta consequentemente na não efetivação das finalidades da pena em sua esfera primordial, qual seja, ressocializar o agente delituoso, para que não volte a delinquir e mantenha-se a ordem pública. As condições das cadeias foram consideradas desumanas e degradantes por diversos órgãos de inspeção, nacionais e internacionais.

O Supremo Tribunal Federal, reconheceu o estado de coisas inconstitucional no julgamento da Medida Cautelar na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 347, em 2015, debatendo também quando há aspectos estruturais com objetivo de sanar as lesões a preceitos fundamentais sofridas pelos presos em decorrência de ações e omissões dos Poderes da União, dos Estados-Membros e do Distrito Federal.

Na ADPF supramencionada, restou notória a indignação quanto ao modelo e às condições do sistema carcerário brasileiro contemporâneo, e denotou que estas condições afrontam diretamente os preceitos fundamentais inerentes ao homem e sua dignidade. Corroboram com esse entendimento alguns dos trechos lançados no canal informativo do Supremo Tribunal Federal, a seguir transcritos:

o Plenário anotou que no sistema prisional brasileiro ocorreria violação generalizada de direitos fundamentais dos presos no tocante à dignidade, higidez física e integridade psíquica. As penas privativas de liberdade aplicadas nos presídios converter-se-iam em penas cruéis e desumanas. Nesse contexto, diversos dispositivos constitucionais (artigos 1º, III, 5º, III, XLVII, e, XLVIII, XLIX, LXXIV, e 6º), normas internacionais reconhecedoras dos direitos dos presos (o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, a Convenção contra a Tortura e

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outros Tratamentos e Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes e a Convenção Americana de Direitos Humanos) e normas infraconstitucionais como a LEP e a LC 79/1994, que criara o Funpen, teriam sido transgredidas.

Não há, desta feita, que se falar em dignidade do homem preso, ou de sua inserção social, uma vez que a nossa Suprema Corte afirma que a situação é caótica e necessita de medidas urgentes dos entes políticos a fim de resolver este impasse.

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5° preceitua, que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. Não obstante, preceitua ainda a individualização da pena e o princípio da intranscendência. Tais preceitos designados nos incisos do referido artigo, têm o condão de limitar os efeitos negativos da efetivação da pena na vida dos condenados, mas se mostra ineficaz quanto ao contexto atual do sistema prisional.

Um sistema penal falido, que não atende as idealizações da Carta Maior, com índice de dois a três detentos por vaga, conforme demonstra o Mutirão Carcerário realizado pelo CNJ. O Estado do Piauí é um exemplo do descaso Estatal Brasileiro. O referido Estado

é uma das unidades da federação com maior proporção de presos provisórios. Pessoas que, mesmo sem terem sido condenadas, são obrigadas a aguardar encarceradas seus julgamentos. Enquanto a média nacional desses presos é de 43%, no Piauí eles chegam a 72% da população carcerária. Esquecidos pela ineficiência judicial, muitos deles são submetidos a prisões ilegais. (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2012).

Já no CDP Zona Norte, do Rio Grande do Norte, o relatório aduz que a prisão abrigava quantidade de detentos equivalente ao dobro de sua capacidade. Apenados com doenças mentais dividiam espaço com os demais presos, inclusive devedores de pensão alimentícia. “Vários estabelecimentos prisionais do Estado não são dignos sequer de abrigar animais irracionais ferozes”. Esta foi a descrição e declaração feita por um membro do Conselho da Comunidade da Comarca de Parnamirim (RN) e reproduzida pelo relatório conclusivo do Mutirão do Rio Grande do Norte. (CNJ, 2012).

O mutirão demonstra de forma inequívoca que o Estado, que deveria perfectibilizar as relações humanas, segrega seus prisioneiros e tolhe seus direitos Constitucionais adquiridos há mais de duas décadas. Drasticamente, o princípio da individualização da pena é inutilizado perante a sistemática utilizada quando da aplicação da pena. É como se estivessem todos ali

Referências

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