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O brincar na clínica infantil

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Academic year: 2021

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Unijuí – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande de Sul DHE - Departamento de Humanidades e Educação

Curso de Psicologia

O BRINCAR NA CLÍNICA INFANTIL

JÉSSICA ALESSANDRA DAHM

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JÉSSICA ALESSANDRA DAHM

O BRINCAR NA CLÍNICA INFANTIL

ORIENTADORA: PROFESSORA DRA.LÁLA CATARINA LENZI NODARI

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao Curso de Psicologia da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – Unijuí, como requisito parcial para obtenção do título de Psicóloga.

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeço à Deus por sempre me abençoar e nunca me deixar desistir, pois sem sua proteção e sua benção não teria chegado até aqui.

Aos meus pais Amilcar Luiz Dahm e Maria Marlice de Lima Dahm, que sempre estiveram ao meu lado, me apoiando, me dando muito amor e carinho, me ensinando a ser sempre digna e nunca desistir de meus sonhos.

Agradeço à toda minha família, amigos e colegas que estiveram sempre ao meu lado compreendendo minha ausência e sempre me incentivando a ir em frente e acreditar em meu grande sonho.

A minha orientadora Lala Catarina Lenzi Nodari, que sempre me incentivou e contribuiu muito para a realização dessa escrita.

Enfim, à todos que de uma forma ou outra contribuíram para que eu chegasse até aqui. Muito Obrigada à Todos!

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RESUMO

O presente trabalho trata sobre a importância do brincar na clínica infantil. No decorrer do primeiro capítulo se fará a distinção entre brincar e brinquedo, o que é o desenvolvimento infantil e as concepções que alguns autores têm sobre o brincar. No segundo capítulo se abordará a importância do brincar na clínica infantil como suporte para o psicólogo no trabalho com crianças. Seu objetivo principal é trazer aspectos sobre o quanto a criança vai manifestar seus medos, angústias, desejos e emoções através do brincar. O brincar funciona como uma técnica que auxilia o trabalho do psicólogo na terapia com crianças, fazendo com que as mesmas tragam à tona as questões traumáticas vivenciadas em determinado momento de sua vida que se encontram recalcadas em seu inconsciente e que se manifestam através de sintomas.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...06

1 – A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL...07

1.1 O QUE É O BRINCAR...07

1.2. TEORIA E FUNÇÃO DO BRINQUEDO...11

. 1.3 O DESENVOLVIMENTO INFANTIL...12

2 – O BRINCAR NA CLÍNICA INFANTIL...20

CONSIDERAÇÕES FINAIS...30

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INTRODUÇÃO

O presente Trabalho de Conclusão de Curso refere-se à pesquisa sobre a importância do brincar, visando estabelecer uma forma de trabalho com crianças no atendimento psicológico no âmbito clínico. Dividiu-se o trabalho em dois capítulos, ambos tratando de particularidades acerca do brincar. O trabalho foi desenvolvido por ter sido uma experiência vivenciada durante Estágio de Psicologia e também por ser uma área de grande atuação e importância para o psicólogo.

A pesquisa foi ancorada em autores como Melanie Klein, Donald Winnicott, Lev Semenovich Vigotsky, Jean Piaget e Arminda Aberastury, os quais trabalham com questões relacionadas com crianças e com o brincar como ferramenta de trabalho clínico.

No primeiro capítulo, intitulado de “A importância do brincar no desenvolvimento infantil’, buscou-se trazer o conceito do que é o brincar e o que é o brinquedo, tendo em vista que embora os dois termos sejam tratados como sinônimos há diferenciação entre eles. Outro ponto abordado nesse capítulo é sobre o desenvolvimento infantil e qual é o papel do brincar no desenvolvimento motor, cognitivo e psicológico da criança. Já no segundo capítulo, o tema foi centrado especialmente no “Brincar na Clínica Infantil”, sendo que o brincar vai buscar trazer à tona questões inconscientes da criança. Como a criança na maioria das vezes não consegue expressar em palavras o que está lhe angustiando, ela o faz através do brincar. Na clínica infantil o ato de brincar funciona como uma espécie de associação livre para a criança, em que se trazem elementos de sua fantasia e realidade, sendo que no brincar inconscientemente vão aparecer traços de sua realidade vivenciada.

Esse escrito vai trazer elementos que contribuem para o trabalho do psicólogo, auxiliando- o como agir e atuar através do brincar no atendimento psicológico com crianças.

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1- A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR NO DESENVOLVIMENTO INFANTIL

1.1. O que é o Brincar:

O brincar é uma atividade na qual a criança se desenvolve. Este ato propicia seu desenvolvimento global, desde a afetividade, a socialização e a cognição. Tem grande importância no processo de aquisição da linguagem, no processo de simbolização; com seus significados e significantes, permite a liberdade de criação e imaginação da criança. De acordo com o Dicionário Michaelis (2016), o que melhor define o termo brincar, é: “divertir-se com jogos infantis; entreter-se com objetos ou atividades lúdicas; simular situações da vida real; distrair-se, folgar, recrear-se.”

O conceito de brincar vai muito além desta explicação. Sabemos que na infância a criança constrói sua linguagem, pensamento, habilidades motoras e cognitivas, bem como sua subjetividade através do brincar. As recordações das brincadeiras com o passar do tempo ficarão indeléveis em sua emoção, tornando-se uma memória em tênue vigília1. Para a criança, o brincar é uma forma de imaginar, expressar e pensar, sendo uma via que possibilita questionamentos, na mesma, acerca de si e do mundo em que vive.

O brincar permite que a criança expresse-se livremente, sem críticas ou medos. A criança passa a imaginar e expressar aquilo que vive ou que já viveu e isso acontece de forma natural, sem que seja “forçada” a falar sobre o que se passa.

O termo brincar é trabalhado e conceituado por diferentes autores, como por exemplo, Winnicott em Psicanálise, Vigotski em Psicologia Sócio Historica e Piaget em Epistemologia Genética.

1 Destaca-se que o parágrafo foi baseado em Relato de Experiência sobre o Desenvolvimento Infantil

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Para Winnicott, que discute o papel do brincar na ótica da clínica infantil, trata-se de um objeto de estudo em que através do mesmo, a criança vai construir sua identidade pessoal, podendo assim desenvolver-se psicológica e intelectualmente. Sendo assim, Winnicott (1975) constata que “É no brincar, e somente no brincar, que o indivíduo, criança ou adulto, pode ser criativo e utilizar sua personalidade integral: e é somente sendo criativo que o indivíduo descobre o eu (self).” (pág.80)

Na teoria psicanalítica de Winnicott, o brincar não é senão uma forma de subjetivação do sujeito, em que a criança faz uso do mesmo como forma de expressão de raiva, medo, angústia, sentimentos, na busca da construção de sua identidade e comunicação social.2

Em Vigotski, vemos que para a criança, o brincar é o ato de imaginar, evocar e pensar, sendo assim, um ato estrutural que cria a experiência infantil levantando questionamentos acerca do mundo contemporâneo.

Uma das formas em que se apresenta o brincar na infância, segundo ele, estaria ligada ao fato de a criança criar no brinquedo uma situação imaginária, o faz-de-conta. Esse brincar envolvendo uma situação imaginária, está baseado em regras, ou seja, essa situação contém regras de comportamento, embora não seja um jogo com regras formais estabelecidas a

priori. Um exemplo disso é quando a criança imagina-se como mãe e a boneca

como filha, obedecendo assim, às regras do comportamento maternal. Conforme Vigotski (1998):

Sully já observara que, notavelmente, crianças pequenas podem fazer coincidir a situação de brinquedo e a realidade. Ele descreveu um caso em que duas irmãs, com idades de cinco e sete anos, disseram uma para outra: Vamos brincar de irmãs? Elas estavam encenando a realidade. (pág.124)

Vê-se assim que a criança inventa a realidade através do faz-de-conta e do brinquedo, ao mesmo tempo em que o brincar institui o mundo infantil

2 Neste capitulo não será aprofundada a visão psicanalítica do brincar, por ser objetivo de trabalho do

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como espaço gerador de desejo e articulador do pensamento. O brincar passa a ser uma situação de aprendizagem na qual a criança aprofunda suas estruturas como a atenção, percepção, memória, pensamento, linguagem, imaginação e interação social. Para Vigotski a situação imaginária possibilitada pelo brincar permite uma relação entre situações do pensamento e do mundo real. Para ele (1998) : “A ação numa situação imaginária ensina a criança a dirigir seu comportamento não somente pela percepção imediata dos objetos ou pela situação que a afeta de imediato, mas também pelo significado dessa situação.” (pág.127)

Através da forma como brinca, a criança adquire consciência da realidade e tem contato com assuntos de seu cotidiano, que vão influenciar em seu comportamento. Vemos essa construção cognitiva da criança através do brincar, não apenas em Vigotski, como também na visão de outros autores, como segue:

A criança que não brinca, não se aventura em algo novo, desconhecido. Se ao contrário, é capaz de brincar, de fantasiar, de sonhar, está revelando ter aceito o desafio do crescimento, a possibilidade de errar, de tentar e arriscar para progredir e evoluir. (LEBOVICI e DIATKINE1985, p.07)

Sendo assim, quando a criança brinca, bem como o modo como o faz é um indicativo de como a criança é e está. Dessa maneira, o brincar passa a ser uma expressão e construção da personalidade da mesma, na qual está implicada sua estruturação e organização subjetiva.

Em Piaget, vê-se que o brincar é a forma pela qual a criança vai representar um determinado objeto, atribuindo a este, novos significados, assimilando o mundo de acordo com sua forma de pensar. Conforme Tizuko Morchida Kishimoto (1999) entende que “para Piaget3 quando brinca, a criança assimila o mundo à sua maneira, sem compromisso com a realidade, pois sua interação com o objeto não depende da natureza do objeto, mas da função que a criança lhe atribui” (pág.59)

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Para este autor, o brincar é tido como uma fase no desenvolvimento da inteligência, a qual é marcada pelo domínio da assimilação sobre a acomodação e que tem a função de consolidar a experiência passada. Para falar sobre o brincar, mais propriamente o jogo simbólico em Piaget, é preciso entender alguns de seus conceitos básicos. Dessa forma, se definirá os conceitos de acomodação, assimilação e equilibração.

 Acomodação: são as mudanças em um sistema de esquemas de um indivíduo que tem por objetivo incluir novas informações. Sua estrutura se modifica em função do meio e de suas variações.

 Assimilação: é a integração de novas informações a uma estrutura anterior, ou a constituição de uma nova estrutura sob a forma de um esquema, num processo de adaptação ao meio.

 Equilibração: é uma tendência inata do ser humano de auto-regulação que determina a mudança da assimilação para a acomodação. Através dela se mantém um estado de equilíbrio ou de adaptação em relação ao meio.

Visto isto, Piaget em sua teoria sobre o desenvolvimento do brincar na criança, vai trazer elementos relacionados ao jogo simbólico que é a representação de um objeto por outro, atribuindo-se novos significados a vários objetos. Conforme Piaget (1975): “...o jogo constitui o polo extremo da assimilação do real ao eu, tanto como participante quanto como assimilador, daquela imaginação criadora que permanecerá sendo o motor de todo pensamento ulterior e mesmo da razão.” (pág.207)

No jogo simbólico a criança vai construir uma ponte entre a fantasia e a realidade, tendo em vista que este jogo nada mais é senão o pensamento egocêntrico em estado puro. Piaget coloca a brincadeira como uma ação assimiladora, de conduta livre e espontânea em que a criança vai expressar por sua própria vontade e prazer aquilo que é de seu pensamento. Essa ponte

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entre a fantasia e a realidade vai possibilitar à criança que ela fantasie em um mundo diferente, vivendo e assimilando essa fantasia e voltando à realidade sem que se prenda nesse mundo. Conforme Piaget (1975):

Assim como o jogo de exercício é uma assimilação pela assimilação, que se manifesta na medida em que a assimilação de atividade própria se dissocia da acomodação às coisas e onde, por conseqüência, o eu toma consciência e tira prazer dos poderes que adquire, assim também o jogo simbólico representa o pólo da assimilação, no pensamento, e assimila assim, livremente, o real ao eu. (pág.212)

A criança através da experiência de fantasiar e voltar à realidade pode dar vida e criatividade ao seu pensamento, para que assim construa seu “eu” e o relacione à sua própria realidade.

Através do exposto acerca da teoria do brincar em diferentes autores, vê-se que o brincar é a forma pela qual a criança vai construir sua subjetividade, ao mesmo tempo em que vai desenvolver estruturas de ordem mental como linguagem, pensamento, coordenação motora, entre outros. Dessa forma, o brincar não é apenas algo que vai fazer com que a criança distraia-se, mas sim um processo de desenvolvimento da mesma.

1.2. Teoria e Função do Brinquedo:

O termo “brinquedo” refere-se a um objeto feito para o divertimento em que há uma relação íntima deste com a criança e uma indeterminação quanto ao seu uso. Ele vai estimular a criança à representar e expressar aspectos da realidade e de seu cotidiano. Conforme Tizuko Morchida Kishimoto ( 1999):

Admite-se que o brinquedo represente certas realidades. Uma representação é algo presente no lugar de algo. Representar é corresponder a alguma coisa e permitir sua evocação, mesmo em sua ausência. O brinquedo coloca a criança na presença de reproduções: tudo o que existe no cotidiano, a natureza e as construções humanas.

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Pode-se dizer que um dos objetivos do brinquedo é dar à criança um substituto dos objetos reais, para que possa manipulá-los. (pág.18)

Vê-se então que o brinquedo é algo que vai possibilitar à criança uma construção da cultura e de sua própria realidade, sendo que é na forma como vai manipular e/ou brincar com o objeto que vai demonstrar como está se organizando e estruturando diante desta cultura. O brinquedo é uma das vias do brincar em que a criança vai buscar expressar questionamentos acerca do momento pelo qual está passando. Por exemplo, em um caso de agressão, ela vai buscar suporte em bonecos para demonstrar a agressividade que está sofrendo, trazendo no brincar traços agressivos entre um boneco e o outro. Tisuko Morchida Kishimoto (1999) vai dizer que: “O brinquedo aparece como um pedaço de cultura colocado ao alcance da criança. É seu parceiro na brincadeira. A manipulação do brinquedo leva a criança à ação e à representação, a agir e a imaginar.” (pág.68)

O brinquedo pode ser tanto material quanto imaginário, ou seja, pode ser tanto um carrinho ou boneca, como também uma vassoura pode dar origem a um cavalo. Dessa forma, Lebovici & Diatkine (1985), classificam o brinquedo em três tipos:

1 – o brinquedo completamente pronto, simples ou mecânico (carrinhos e seus derivados);

2 – os brinquedos feitos aos poucos, que a própria criança deve completar (loteria, quebra-cabeça, etc);

3 – materiais de jogo (argila, etc). (pág. 38)

Sendo assim, o brinquedo é na maioria das vezes um objeto que a criança vai utilizar como um suporte na brincadeira, sendo um estimulante concreto capaz de fazer fluir o imaginário infantil. Através do brinquedo e dos tipos de brincadeiras que faz, a criança vai identificar-se no meio social, adaptando-o à sua própria realidade.

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A criança para desenvolver-se precisa primeiramente constituir-se enquanto sujeito e para que essa constituição aconteça necessita fazer uso da linguagem. É ela que vai permitir à criança se constituir enquanto sujeito e possibilitar que conheça e aprenda sobre o meio em que vive. O desenvolvimento da criança se dá através de suas estruturas física, mentais e também psicológicas, ou seja, é necessário que ela se desenvolva integralmente. No caso das habilidades cognitivas, essas têm um importante papel no desenvolvimento da criança, pois possibilitarão o processo de aquisição da linguagem, o processo de simbolização através de seus significados e significantes, permitindo assim, que a mesma obtenha liberdade de criar e imaginar.

É importante destacar que o desenvolvimento se dá de forma diferente para alguns autores, como Winnicott, Vigotski e Piaget.

Em Winnicott, o desenvolvimento da criança está ligado à relação que se estabelece entre mãe-bebê e o processo de “separação” que se dá entre os dois, para que a criança possa conhecer a si mesma e o ambiente em que está inserida. De acordo com Winnicott (1975):

...nas primeiras fases do desenvolvimento emocional do bebê humano, um papel vital é desempenhado pelo meio ambiente, que, de fato, o bebê ainda não separou de si mesmo. Gradativamente, a separação entre o não-eu e o eu se efetua, e o ritmo dela varia de acordo com o bebê e com o meio ambiente. As modificações principais realizam-se quanto à separação da mãe como aspecto ambiental objetivamente percebido. ( pág.153)

Ao constituir-se como sujeito é necessário que a criança encontre condições ambientais adequadas, além de uma função materna suficientemente boa, capaz de suprir suas necessidades básicas. Isso se torna necessário pelo fato de que, inicialmente no desenvolvimento do bebê, ele que possui um ego fraco, precisa ser amparado pelo ego materno. Desse modo a criança passa a fortalecer-se. A mãe sustenta a criança, suprindo suas necessidades e satisfazendo sua dependência absoluta.

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Para desenvolver-se, segundo Winnicott, a criança tem como seu precursor o uso do espelho, como um desenvolvedor do ego de cada indivíduo; espelho este, que para ele seria o rosto da mãe, o qual provocaria no bebê e na criança a possibilidade de “ver” seu próprio eu (self) refletido no olhar e nas atitudes da mãe. É necessário que haja uma identificação entre o bebê e um Outro (na maioria das vezes esse Outro é a mãe) para que sejam estabelecidas as relações objetais necessárias para o desenvolvimento da criança e de sua subjetividade, ocasionando assim, a separação do bebê do corpo materno, ou seja, à medida que se desenvolve o bebê vai se permitindo ser mais ele próprio. É o desenvolvimento, a constituição em construção.

Quando a mãe faz, através do seu olhar, a devolutiva ao bebê do seu próprio eu (self), ela possibilita que essa criança veja-se como um alguém separado da mãe. A criança passa a ser um sujeito único, possuidor de vontades e desejos próprios, capaz de desenvolver-se e constituir-se enquanto sujeito. Winnicott (1975) vai dizer que:

Naturalmente, à medida que a criança se desenvolve e os processos de amadurecimento se tornam mais apurados, e as identificações se multiplicam, a criança se torna cada vez menos dependente de obter de volta o eu (self) dos rostos da mãe e do pai, e dos rostos de outras pessoas com quem se encontra em relacionamento fraterno ou parental. (pág. 161)

A criança passa a desenvolver-se através daquilo que extrai de sua convivência e devolutiva que recebe de seu pai, mãe e demais familiares. Busca espelhar-se no que vê e no que sente no olhar de quem está à sua volta. A mãe é a principal responsável por atender às demandas do bebê e para que isso aconteça é necessário que ela também se sinta amada pelo pai e pela família, podendo proporcionar um lugar de aconchego e dedicação imprescindível à criança. Nesse processo, a família passa a ter importante papel na constituição e no desenvolvimento da criança, contribuindo no crescimento e desenvolvimento da personalidade da mesma.

Vigotski afirma que o desenvolvimento da criança ocorre através da interação entre os seres humanos e o ambiente físico e social, juntamente com

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o uso de instrumentos e do desenvolvimento da linguagem. A linguagem, segundo ele, é a responsável pela interação entre a criança e o meio social, pois através dela as funções básicas passam a ser supridas e internalizadas pelo sujeito. Entende ainda que o ser humano é um ser histórico que constrói-se a partir de suas relações com o meio físico e social. Vigotski (1998) explicita o conceito de “signo”, que seria a linguagem e a escrita, entre outros. Discorre ainda o conceito de instrumento, que seriam os objetos que atuam como meio para se realizar alguma atividade. Esses são alguns dos principais elementos explicativos desse autor, sobre o processo de desenvolvimento da criança. Para que ocorra a relação desse sujeito com o mundo é preciso que ela seja mediada através da internalização de instrumentos e signos.

O processo de internalização será responsável pela produção e transformação de comportamentos do ser humano, enquanto sujeito individual. Ira Maria Maciel (2001) a partir das ideias de Vigostki vai dizer que:

As transformações envolvidas no processo de internalização deixam bem claro a interatividade do sujeito com a cultura e como esta cultura vai produzindo o sujeito social. Sobretudo a linguagem torna-se o veículo central do processo de internalização desta cultura e conseqüentemente da construção da subjetividade. (pág.66)

O processo de internalização das funções psicológicas superiores de Vigotski consiste em três etapas. A primeira etapa consiste em dizer que uma operação que representa uma determinada atividade externa é reconstruída e passa a ocorrer internamente. A segunda etapa vai dizer que um processo que era interpessoal transforma-se em um processo intrapessoal, ou seja, primeiro o desenvolvimento da criança se dá entre pessoas e depois se dá no interior da mesma. Já a terceira etapa, consiste no fato de que essa transformação de um processo interpessoal e intrapessoal é resultado de vários eventos que ocorrem ao longo do desenvolvimento. Para Vigotski (1998): “A internalização de formas culturais de comportamento envolve a reconstrução da atividade psicológica tendo como base as operações com signos.” (pág.75)

Dessa forma, percebe-se que a internalização da função psicológica superior atua como uma combinação entre o instrumento e o signo na

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atividade psicológica, sendo responsável pelo processo de aprendizagem e interação social do sujeito com o meio.

Para entender melhor o processo de desenvolvimento da criança, Vigotski buscou trabalhar juntamente com a internalização dos processos psicológicos superiores, os conceitos de desenvolvimento real, desenvolvimento potencial e zona de desenvolvimento proximal. O nível de desenvolvimento potencial corresponde ao nível das funções mentais estabelecidas pela criança como resultado de ciclos já completados, ou seja, tudo o que a criança consegue fazer sozinha de forma independente. Já o nível de desenvolvimento potencial, seria uma fase de amadurecimento da criança, aonde que ela ainda precisa da ajuda de outros para realizar determinadas atividades. A zona de desenvolvimento proximal é a mediação entre os dois níveis. Para Vigostski (1998), a zona de desenvolvimento proximal pode ser entendida como:

Ela é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. (pág 112)

Por fim, juntamente com todos esses fatores já citados, Vigotski vai dizer que o desenvolvimento da criança também recebe forte influência do brinquedo, pois a criança passa a aprender com o manuseio de brinquedos, assim como o mesmo vai influenciar em seu comportamento e interação social. Através do brinquedo a criança passa a determinar suas próprias ações de forma livre e espontânea, demonstrando seu comportamento e percepção de objetos e também do mundo externo. Conforme Vigostki (1998):

É no brinquedo que a criança aprende a agir numa esfera cognitiva, ao invés de numa esfera visual externa, dependendo das motivações e tendências internas, e não dos incentivos fornecidos pelos objetos externos.(pág.126)

Dessa forma, vê-se que em Vigotski são vários os fatores que influenciam no desenvolvimento da criança, sendo que o principal fator é o de que

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é preciso que haja interações sociais entre o sujeito e o meio em que vive. É preciso a influência do meio externo e do outro para que a criança aprenda e se desenvolva.

Com relação ao desenvolvimento infantil, Piaget possuía como foco a questão de como o ser humano vai elaborar seus conhecimentos sobre a realidade. Para ele, o desenvolvimento do sujeito se dá através das trocas entre o homem e o meio, nas quais este adapta-se ou acomoda-se ao meio. Ao mesmo tempo em que assimila as informações, provocando um equilíbrio entre ambas. 4 Sendo assim, o desenvolvimento para Piaget é um processo de sucessivas equilibrações que vão conduzir o agir e o pensar do sujeito de forma cada vez mais complexa. Segundo Hélem Soares de Meneses (2012) traz em seu artigo:

O processo evolutivo das características genéticas do homem tem uma origem biológica que é ativada pela ação e interação do organismo com o meio ambiente – físico e social – que o rodeia, existindo uma relação de interdependência entre o sujeito conhecedor e o objeto a conhecer.

O processo de desenvolvimento piagetiano apresenta quatro períodos básicos, sendo eles o período sensório motor, o período pré- operatório, o período operacional concreto e o período operacional formal.

O período sensório-motor é aquele em que a criança organiza suas ações em relação ao ambiente em que vive, através de atividades sensórias motoras. Organiza-se diante dos fenômenos do meio, através da percepção e motricidade reconhecendo e explorando o mundo ao seu redor.

No período pré-operatório a criança passa a interiorizar o meio em que vive, representando-o mentalmente. Seu pensamento é representado através da linguagem, criando significados e significantes capazes de construir a realidade no contexto em que vive. Pensamento e linguagem para este autor são

4Adaptação, acomodação e equilibração, já foram conceituadas anteriormente quando se falava da importância do brincar para Jean Piaget.

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inseparáveis. Enquanto o pensamento é a interiorização da linguagem, esta é exteriorização do que é pensado.

O período operacional concreto ocorrendo em sequência e sem cortes abruptos, se caracteriza pelo pensamento lógico, operacional5 sobre eventos concretos. A criança passa a socializar-se mais, o que provoca o declínio do egocentrismo (característica marcante dos períodos anteriores: a criança conhece o mundo tendo como referencia central a si própria), passa a compreender as regras socialmente elaboradas e estabelecendo compromissos com tarefas e grupos sociais. A linguagem torna-se socializada e os conhecimentos que já havia construído, passam a se tornar conceitos.

No período operatório formal desenvolve-se o pensamento mais reflexivo sobre conhecimentos e conceitos abstratos. A linguagem encontra-se mais desenvolvida, havendo raciocínio lógico e também a capacidade de resolução de problemas mais complexos, permitindo-se discussões que cheguem à conclusões lógicas. A criança ou adolescente passa a atuar com mais autonomia, sendo capaz de tomar decisões próprias e pensar de forma mais sofisticada.

Atravessando esse processo, a criança vai evoluindo seu pensamento e construindo através da linguagem sua própria forma de ser, agir e pensar. Para Helem Soares de Menezes (2012): “Pode-se dizer, então, que o desenvolvimento, na concepção piagetiana, é fundamentalmente um processo de equilibrações sucessivas que conduzem a maneiras de agir e de pensar cada vez mais complexas e elaboradas.6

Assim, o processo de desenvolvimento piagetiano se dá através da equilibração entre o sujeito e seu meio e as relações estabelecidas que passam adquirir significação para o indivíduo.

Nesse primeiro capítulo, buscou-se trazer um breve estudo acerca da importância do brincar na constituição da criança bem como no seu

5 A operação é ação mental do sujeito. É o próprio pensamento.

6 Citação usada pela autora do artigo foi retirada do livro de FONTANA, Roseli. CRUZ,

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desenvolvimento. O brincar com já foi visto, difere-se de brinquedo, já que um é responsável por expressar a subjetividade do sujeito, enquanto que o outro é o material usado para que se possibilite a brincadeira. O brincar é visto de forma semelhante para os três autores citados no decorrer do capítulo, já que para os mesmos, o brincar é algo que vai possibilitar a constituição da criança enquanto sujeito.

No brincar se faz uma ponte entre a fantasia e a realidade e nessa ponte é que a criança vai expressar sua subjetividade, bem como medos, angústias e emoções podendo simbolizar através da fantasia, sua própria realidade. Com relação aos brinquedos, vê-se que podem ser tanto concretos quanto imaginários tendo a função de auxiliar a criança no seu processo de desenvolvimento e aquisição de pensamento e realidade.

O desenvolvimento infantil dá-se segundo Winnicott, Vigotski e Piaget, através da relação que se estabelece entre o sujeito e o meio em que este está inserido. Esse se desenvolve, então, através da linguagem que é o meio que vai possibilitar a criação de significados e significantes capazes de construir a realidade do mesmo.

Vê-se assim, que o brincar está intimamente ligado à subjetividade e capacidade de expressão da criança, atuando como um método clínico no trabalho da clínica psicológica infantil, que será o tema do capítulo seguinte.

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2- O BRINCAR NA CLÍNICA INFANTIL

O brincar tem papel importante na análise das crianças, podendo ser considerado um processo parecido às associações livres que ocorrem nas análises dos adultos. É através dele que a criança busca revelar suas desordens de uma forma semelhante àquela que os adultos revelam através da fala, já que é através de gestos e brincadeiras que a mesma busca revelar as situações que está vivenciando.

Na clínica psicanalítica o adulto passa a falar de forma livre a respeito de situações traumáticas e angustiantes, enquanto que a criança fecha-se durante a terapia, encontrando assim, no brincar uma válvula de escape para expressar suas questões. Autores como Melanie Klein, Arminda Aberastury e Donald Winnicott afirmam que é através do brincar que a criança expressa seus sentimentos, angustias e emoções, os quais, na maioria das vezes, não são possíveis identificar na fala. A criança recalca em seu inconsciente o fato ocorrido com ela, não falando mais sobre isso, e assim, no brincar, passa a expressar a situações vivenciadas anteriormente.

Arminda Aberastury entende que, através do brincar a criança pode repetir situações tanto prazerosas quanto dolorosas, as quais não poderiam reproduzir no mundo real. De acordo com Aberastury (1992):

Ao brincar, a criança desloca para o exterior seus medos, angústias e problemas internos, dominando-os por meio da ação. Repete no brinquedo todas as situações excessivas para seu ego fraco e isto lhe permite, devido ao domínio sobre os objetos externos a seu alcance, tornar ativo aquilo que sofreu passivamente, modificar um final que lhe foi penoso, tolerar papéis e situações que seriam proibidas na vida real tanto interna como externamente e também repetir à vontade situações prazerosas. (pág.15)

Percebe-se então que a criança passa a repetir no brincar as situações vivenciadas, o que vai possibilitar ao psicólogo uma forma de trabalhar as questões que ali se evidenciam, ou seja, em terapia o material simbólico “aparece” com a situação apresentada por ela. Segundo o que diz Aberastury

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ainda, vê-se que a criança pode, através do brincar, recriar um final para a situação que lhe foi dolorosa, ressignificando assim, sua dor e transformando-a e possibilitando dessa maneira, que seu sofrimento psíquico seja preenchido por situações imaginárias prazerosas.

O brinquedo é uma forma de a criança expressar seus conflitos tanto do passado, quanto do presente e de acordo com o que estuda Aberastury, podemos compreender que é por meio do brincar que a criança vai expressar seus conflitos, podendo reconstruir seu passado da mesma forma que o adulto vai fazê-lo através de palavras. Sendo assim, o brincar tem grande importância na clínica pelo fato de que a criança vai utilizá-lo não somente para repetir situações satisfatórias, mas principalmente para elaborar aquelas que foram traumáticas e dolorosas.

A criança vai fazer no brincar, transferências7 tanto positivas quanto negativas para os objetos, o que permitirá com que ela projete na atividade de brincar e por vezes, no próprio brinquedo, traços de sua realidade, trazendo para o meio externo, através de situações imaginárias, aquilo que excite ou alivie sua ansiedade. Conforme Aberastury ( 1992):

Uma situação traumática existiu. A criança pode imaginá-la, pensar nela, perder o sono, ser presa de pavores e até desenvolver uma fobia, porém não poderia condicionar essa nova situação no mundo externo. Pode, isto sim, repetir muitas vezes esta experiência, já que o psiquismo dispõe de uma capacidade denominada “compulsão à repetição” que impele o indivíduo a reproduzir situações não elaboradas e a levá-las cada vez mais à consciência.8(pág.16)

Na clínica o brincar passa a ser um recurso de elaboração da criança, de modo que a mesma, inconscientemente, poderá trazer à tona seus desejos e situações traumáticas. O brincar funciona, desta forma, como um instrumento capaz de revelar desordens emocionais e psíquicas da criança. A

7 Transferência: termo designado para tratar da relação/vínculo que se estabelece entre a criança- objeto

ou terapeuta-paciente

8 Nesse ponto Arminda Aberastury cita o exemplo do nascimento de um irmão onde que a criança passa a

expressar no brinquedo sua agressividade sem culpa, já que a descarga de tal sentimento recairia sobre o brinquedo e não no objeto real (no caso, o novo irmão)

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mesma pode trazer traços de sua personalidade, bem como sentimentos de raiva, repulsa e desprazer com relação a pessoas e momentos vividos.

Para Melanie Klein, o brincar é uma forma de a criança expressar suas fantasias, desejos e experiências reais de uma forma simbólica. Para isso seria necessário, segundo ela, considerar mecanismos de representação dos sonhos, juntamente com os significados atribuídos aos símbolos durante a brincadeira. De acordo com ela ( 1997):

Se desejarmos compreender o brincar da criança corretamente em relação ao seu comportamento como um todo durante a sessão analítica, não devemos nos contentar em pinçar o significado dos símbolos isoladamente na brincadeira, por impressionantes que sejam tão freqüentemente, mas devemos considerar todos os mecanismos e métodos de representação empregados pelo trabalho do sonho, sem nunca perder de vista a relação de cada fator com a situação como um todo. (pág.27)

Klein afirma ainda que, ao analisar uma criança é necessário observar que para ela, um único brinquedo pode ter vários significados diferentes, podendo em um determinado momento ter um significado e posteriormente outro, ou seja; ora o brinquedo pode ser algo prazeroso, ora pode ser doloroso. Assim sendo, destaca que só se pode interpretar o verdadeiro significado do que ali se apresenta, quando considerarem-se suas conexões de forma mais ampla e levando em conta também a situação analítica na qual esse brincar está inserido. Para expressar isso toma o exemplo da menina Rita (1997), dizendo que: “A boneca de Rita, por exemplo, às vezes representava um pênis, às vezes uma criança que ela havia roubado da mãe e às vezes o seu próprio self” (pág. 28). A partir do exemplo de Klein é possível ver como um único brinquedo pode ter vários significados e como em uma sessão analítica é necessário fazer uma relação entre o brincar e a realidade apresentada pela criança, para que assim seja possível aceder a uma interpretação clara e detalhada daquilo que a criança tem expressado e trazido à sessão analítica.

O brincar é, portanto, o meio mais importante de expressão da criança. Melanie Klein o vê concomitantemente como uma técnica, em que a criança vai poder expressar a mesma coisa que anteriormente já havia contado

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através do relato de um sonho. Ao mesmo tempo, em que pode também produzir associações de um sonho na brincadeira que o sucede. Segundo Klein (1997):

Se utilizarmos a técnica do brincar, logo descobriremos que a criança traz tantas associações aos elementos separados da sua brincadeira quanto os adultos com os elementos separados de seus sonhos. Esses elementos separados do brincar são indicações para o observador experiente; e, enquanto brinca, a criança também conversa e diz toda sorte de coisas, que têm o valor de genuínas associações. (pág.28)

Na análise com crianças, se faz uma conexão entre o brincar e a situação originalmente vivenciada, possibilitando em vista disso, que ela vivencie e elabore completamente a situação original através da fantasia. Para isso é necessário que ocorra uma transferência da criança para com o brinquedo, de maneira a transferir para a fantasia a situação real. Para Melanie Klein, é possível compreender que a transferência já poderá se dar quando a criança lança um primeiro olhar sobre os brinquedos que lhe são apresentados. Segundo Klein (1997):

Em uma mesinha, na minha sala de análise, são postos alguns brinquedos pequenos e simples – homenzinhos e mulherzinhas de madeira, carrocinhas, vagões, automóveis, trens, animais, blocos e casinhas e também papel, tesoura e lápis. Até mesmo uma criança normalmente inibida na sua atividade de brincar pelo menos lançará um olhar nos brinquedos ou tentará tocá-los, e logo me dará um primeiro vislumbre de seus complexos, pela maneira como começa a brincar com eles ou como os põe de lado, ou por sua atitude geral com relação a eles. (pág.36)

Nota-se, por conseguinte, o quão necessário se faz o uso da técnica do brincar na análise com crianças, pois como transcrito no trecho acima, através do tipo de brinquedo escolhido, a brincadeira e a expressão utilizada pela criança, se torna possível perceber o tipo de situação ou questão presente no imaginário e no real. Assim, o real vivenciado pela criança passa a ser transcrito no imaginário da mesma e expressado no brincar. É através da escolha do brinquedo e da interpretação que se faz do brincar, que o analista vai ter dimensão da situação que a criança busca trazer em análise. Com isso, obtém

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elementos para poder trabalhar as questões da criança durante o período que a mesma estiver em tratamento clínico.

É pela via do brincar que Melanie Klein, vai consequentemente afirmar a possibilidade de acesso ao inconsciente da criança, ou seja, quando a fantasia torna-se mais livre, ganha-se acesso ao inconsciente e ela passa a dar expressão aos seus sentimentos através da brincadeira. Para ela (1997):

Mas, a fim de obter acesso ao inconsciente e às fantasias da criança, deixemo-nos guiar por esses métodos de representação simbólica indireta que a criança pequena e também mais velha empregam. Uma vez que a fantasia da criança tenha se tornado mais livre como conseqüência de sua menor ansiedade, teremos não apenas ganho acesso ao seu inconsciente como também mobilizado em um grau progressivamente maior os meios ao seu dispor para dar expressão. (pág.34)

Isso significa dizer que a criança se expressa melhor por meio do brincar. Reiteramos a ideia de que é o que possibilita que diga na brincadeira, aquilo que não consegue dizer através da fala. O uso do brinquedo durante a análise passa a ser, portanto, o principal meio de expressão e de demonstração daquilo que sente e que inconscientemente lhe é proibido de falar. A criança realiza uma transferência com o brinquedo e isso permite ter acesso às fixações e experiências reprimidas, fazendo com que o psicólogo possa exercer uma influência sobre seu desenvolvimento. É através da técnica do brincar que se pode realizar uma análise da situação transferencial entre psicólogo e paciente, pois a transferência vai se dar em torno de como a criança brinca e com quem brinca durante a análise.

Enfatizamos que o principal objetivo de Klein quando trata da técnica do brincar, é o de demonstrar que esta atividade leva aos mesmos resultados da técnica utilizada com adultos – a fala – porém com uma única diferença, a de que o procedimento técnico adotado é adaptado à mente da criança. Assim, de nada adianta querer fazer a criança falar sobre o ocorrido, pois ela vai omitir detalhes, é preciso deixar que ela expresse através do brincar aquilo que lhe causa dor e sofrimento psíquico.

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No brincar a criança vai se apropriar de significantes que marcaram sua vida e a partir disso vai criar um cenário em que vai trazer momentos vividos por ela. Dessa forma, ela vai manifestar desejos e fantasias co - relacionadas ao que já ocorreu em determinado momento de sua vida. É através de brincadeiras, como o faz-de-conta, por exemplo, que a criança passa a simbolizar os desejos e fantasias, aprendendo a desenvolver sentimentos e relacionar-se com o outro. De acordo com Winnicott (1975):

...o brincar facilita o crescimento e, portanto, a saúde; o brincar conduz aos relacionamentos grupais; o brincar pode ser uma forma de comunicação na psicoterapia; finalmente, a psicanálise foi desenvolvida como forma altamente especializada do brincar, a serviço da comunicação consigo mesmo e com os outros. (pág.63)

Dessa forma, o brincar mostra-se como algo importante, fazendo com que a criança expresse seus desejos, ao mesmo tempo que possibilita a relação dela dentro de um grupo. A brincadeira passa a se constituir como algo produtor de significados na formação da subjetividade da criança, possibilitando que expresse seus sentimentos, sejam eles, de alegria, medo, dor, raiva. Ele passa a ser um elemento constituinte do sujeito. Winnicott (1975) vai dizer que:

A importância do brincar é sempre a precariedade do interjogo entre a realidade psíquica pessoal e a experiência de controle de objetos reais. É a precariedade da própria magia, magia que se origina na intimidade, num relacionamento que está sendo descoberto como digno de confiança. (pág.71)

O brincar funciona para a criança e para o analista como um ponto de acesso ao inconsciente infantil. A partir do momento em que a criança escolhe um brinquedo, ela passa a demonstrar metaforicamente os conteúdos presentes em seu inconsciente, e quando começa a brincar, o analista tem então uma sustentação para interpretar o que a criança manifesta. No momento em que se produz esse brincar, vai se produzir a associação livre na criança, associação essa, muito parecida com a que ocorre com os adultos. Porém na criança, a associação livre se dará no ato de brincar, diferente do adulto que vai produzi-la a partir da fala. Segundo Soares e Ono (2008):

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A escuta analítica deve ser entendida para além do sintoma que a criança apresenta: estendida até o seu meio familiar e social, enfatizando, assim, a dimensão histórica de cada sujeito, pois, se as respostas (sobre seu desejo) lhe forem vedadas a criança terá dificuldades em introduzir sua questão de outro modo que não pelas desordens, sejam corporais, funcionais ou comportamentais. (pág.38)

Winnicott interpreta o brincar como um ato de grande valor terapêutico e passa a ver a psicanálise como a melhor e mais especializada teoria capaz de interpretá-lo, destacando que na psicanálise ocorre uma comunicação do sujeito – nesse caso, a criança – consigo mesma e com o outro. Para ele, o brincar é algo natural e que quando posto frente a uma terapia, é preciso que se usem técnicas para compreendê-lo, vê então na psicanálise técnicas capazes de interpretar os elementos infantis presente no ato de brincar. Para ele (1975):

A psicoterapia se efetua na sobreposição de duas áreas do brincar, a do paciente e a do terapeuta. A psicoterapia trata de duas pessoas que brincam juntas. Em conseqüência, onde o brincar não é possível, o trabalho efetuado pelo terapeuta é dirigido então no sentido de trazer o paciente de um estado em que não é capaz de brincar para um estado em que o é. (pág.59)

Nota- se que para Winnicott, o jogo é uma forma de relação entre o terapeuta e o paciente, ou seja, é necessário que se atribua uma liberdade ao paciente, nesse caso, a criança, ao propor o brincar, a fim de transformar uma situação analítica em um encontro entre dois parceiros de jogo. Assim, a interpretação do jogo passa a ser um elemento fundamental para a concepção do sintoma do paciente. Trata-se de criar no jogo um espaço entre o que é objetivo e subjetivo para a criança – um espaço entre o imaginário e/ou o jogo e o real. Pensando a teoria de Winnicott, com relação à esse espaço,Gilles Brougère (1998) vai dizer que:

A terapia permite reencontrar esta dimensão da criatividade que não se confunde com a criação como resultado. O jogo tem seu sentido último neste ato de criatividade: Se o jogo é essencial, é porque é jogando que o paciente se mostra criativo. (pág. 97)

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E através do jogo, visto como uma forma de brincar, que a criança vai imitar ou simular o real, passando a expressar através do mesmo, o que em palavras não lhe é possível fazer. No ato imaginário, o paciente passa a trazer significados e significantes acerca do ocorrido consigo, ou seja, o real passa a ser representado no ato de imaginar.

Na clínica infantil, o brincar é o que faz uma ponte entre a realidade e a fantasia, tendo como principal objetivo, o fato de constituir o jogo simbólico como um gesto expressivo acompanhado da fala no sujeito. A criança passa a lidar com as mais diferentes dificuldades psicológicas, integrando no ato de brincar, as experiências de dor, medo e perda já vivenciadas. Segundo Tizuko Morchida Kishimoto (1999):

Brincando, portanto, a criança coloca-se nem papel de poder, em que ela pode dominar os vilões ou as situações que provocariam medo ou que a fariam sentir-se vulnerável e insegura. A brincadeira de super-herói, ao mesmo tempo que ajuda a criança a construir a auto-confiança, leva-a a superar obstáculos da vida real... (pág.66)9

Dessa forma, o brincar passa a ser uma forma de expressão da criança capaz de reduzir o efeito traumático de determinada situação, deixando o sujeito melhor preparado para lidar com os efeitos causados pela experiência vivida.

Através do exposto no decorrer desse segundo capítulo, vê-se o quão importante é o papel do brincar na clínica infantil. O brincar, como já foi colocado funciona como uma válvula de escape para a criança, em que a mesma passa a expressar através de jogos e atos imaginários experiências vivenciadas em determinado momento. As teorias de Melanie Klein e Winnicott, possuem muitas semelhanças, já que os dois veem no brincar uma forma da criança lidar com seus medos, angústias, dor e perdas levando-as à criar no brincar situações que fazem uma ponte entre o real e o imaginário.

Buscou-se fazer um breve relato acerca da diferença entre o trabalho clínico com adultos e com crianças, demonstrando que, enquanto o

9 A citação feita por Tizuko Morchida Kishimoto (1999) foi retirado de “ O significado dos super-heróis para

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adulto fala sobre o que está lhe angustiando, a criança o faz através do brincar, encenando, por exemplo, em uma brincadeira com bonecas, traços de que está a sofrer violência doméstica. O que a criança não consegue falar, ela encena, seja em jogos, desenhos, brincadeiras, trazendo à tona elementos recalcados em seu inconsciente e que através da interpretação do terapeuta é possível revelá-los.

É necessário que haja uma liberdade para a criança na hora de brincar, para que se instale uma transferência tanto entre ela e o brinquedo, quanto entre a criança e o terapeuta. O terapeuta precisa entrar no jogo da criança, para então interpretar os significados e significantes que ela traz nesse ato de brincar. Nessa liberdade para brincar e expressar-se, se tem acesso ao inconsciente e as fantasias do paciente, tornando-se isso, um meio de representação simbólica e expressão do real. A criança passa a evocar aquilo que lhe provoca prazer e desprazer, trazendo na brincadeira aquilo que é imaginário e principalmente aquilo que é real. Cabe ao terapeuta capturar o que é real, passando a interpretar os significantes ali expressos e os significados produzidos no brincar.

No imaginário, na forma como a criança brinca e no tipo de brincadeira produzida por ela, nota-se o tipo de situação vivenciada, sendo que o real passa a aparecer no imaginário e assim, expresso no brincar. Por conseguinte, a escolha do objeto e a interpretação daquela escolha são fundamentais para que o terapeuta tenha noção do que a criança pretende trazer em análise, para que assim, tenha elementos suficientes para trabalhar enquanto ela estiver em tratamento clínico.

O brincar ou a brincadeira são vistos como as principais formas de expressão de crianças no tratamento clinico, pois é através dessas atividades ela pode, de forma inocente e sem perceber, trazer seu sintoma principal. O brincar é visto então, como uma elaboração da criança acerca de situações traumáticas existentes, funcionando como um instrumento que revela desordens psíquicas e emocionais. Nesse ato, o sujeito – criança - repete situações vivenciadas, podendo assim, revelar sentimentos de repulsa, medo, dor ou raiva com relação às pessoas e situações vivenciadas.

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Na repetição, pode passar a reproduzir de forma constante situações não elaboradas, levando-as cada vez mais à sua consciência, ou seja, vai projetar no brincar, traços de sua realidade trazendo-a para o meio externo através de situações imaginárias. E assim, passa a tentar através das interpretações do terapeuta, uma forma de lidar com essas situações não elaboradas e que lhe provocam dor e sofrimento psíquico.

Brincar passa a ser uma forma da criança se comunicar na psicoterapia, tendo em vista que em seu uso criam-se novas relações entre as situações do pensamento e situações reais, ou seja, em qualquer que seja a brincadeira, a criança vai sempre buscar representar, embora inconscientemente, algum traço de suas vivências, sejam elas prazerosas ou dolorosas. É preciso saber interpretá-las e dissociá-las para que seu uso na clínica torne-se um espaço de representação e subjetivação da criança, capaz de fazer com que ela “fale” no brincar, aquilo que não consegue falar em palavras.

Assim como no Capítulo I, foi importante trazer os conceitos do que é o brincar para diferentes autores, e qual sua contribuição para o desenvolvimento infantil, o Capítulo II, mostrou-se de grande valia, para demonstrar o quão se faz necessário o brincar na clínica infantil, já que é através desse ato, que a criança consegue trazer à tona seus sintomas para assim, serem interpretados e fazer com que suas experiências tornem-se menos dolorosas.

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CONCLUSÃO

O brincar é de grande importância tanto para a criança, quanto para o psicólogo. Além de a criança expressar-se por meio desse ato, o psicólogo também consegue desvelar questões de ordem subjetiva e psicológica que se encontram recalcadas e que necessitam ser trabalhadas em terapia. No brincar é possível que a criança mostre de forma simbólica suas fantasias, medos, ansiedades podendo lidar com as angustias que são responsáveis pelo seu sofrimento psíquico.

No decorrer do trabalho, pode-se observar o quão importante é a ação do brincar sobre a criança, já que nele, se transmite em forma de brincadeiras o que não se consegue verbalizar. Quando brinca a criança organiza-se intelectualmente e subjetivamente, podendo desenvolver habilidades cognitivas, motricidade e expressar sentimentos e emoções. Além disso, esse ato também é responsável pela expressão e repetição de situações tanto prazerosas quanto dolorosas que foram vivenciadas pelo sujeito – nesse caso- a criança.

O trabalho desenvolvido acerca do “Brincar na Clínica Infantil” foi de grande importância, pois através das pesquisas realizadas e da experiência vivenciada em estágio, obteve-se maior aprimoramento de conhecimentos acerca dessa questão. O objetivo principal do trabalho foi o de demonstrar que o brincar é umas das principais técnicas para se trabalhar com crianças, pois ela vai expressar – mesmo que de forma inconsciente – aquilo que lhe causa dor e sofrimento e que não lhe é possível dizer em palavras.

Concluindo-se, vê-se que o trabalho foi muito satisfatório, contribuindo para a construção de conhecimentos do psicólogo enquanto profissional da área infantil. É um tema rico em detalhes e que chama a atenção para a importância que tem o brincar no trabalho com crianças e do quanto é importante que a criança brinque e expresse-se livremente nas brincadeiras, podendo assim, lidar com suas próprias angústias e emoções.

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