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A Instumentalização da Memória do Holocausto para manutenção de Política Externa dos Estados Unidos para Israel: um estudo sobre o filme A Lista de Schindler (1993)

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INSTITUTO LATINO-AMERICANO DE ECONOMIA, SOCIEDADE E POLÍTICA (ILAESP)

RELAÇÕES INTERNACIONAIS E INTEGRAÇÃO

A INSTRUMENTALIZAÇÃO DA MEMÓRIA DO HOLOCAUSTO PARA

MANUTENÇÃO DE POLÍTICA EXTERNA DOS ESTADOS UNIDOS PARA ISRAEL

UM ESTUDO SOBRE O FILME A LISTA DE SCHINDLER (1993)

ISADORA WADI STADUTO

Foz do Iguaçu 2019

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INSTITUTO LATINO-AMERICANO DE ECONOMIA, SOCIEDADE E POLÍTICA (ILAESP)

RELAÇÕES INTERNACIONAIS E INTEGRAÇÃO

A INSTRUMENTALIZAÇÃO DA MEMÓRIA DO HOLOCAUSTO PARA

MANUTENÇÃO DE POLÍTICA EXTERNA DOS ESTADOS UNIDOS PARA ISRAEL

UM ESTUDO SOBRE O FILME A LISTA DE SCHINDLER (1993)

ISADORA WADI STADUTO

Trabalho de Conclusão de Curso

apresentado ao Instituto Latino-Americano de Economia, Sociedade e Política da Universidade Federal da Integração Latino-Americana, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Relações Internacionais e Integração.

Orientadora: Prof. Dra. Tereza Maria Spyer Dulci

Foz do Iguaçu 2019

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ISADORA WADI STADUTO

A INSTRUMENTALIZAÇÃO DA MEMÓRIA DO HOLOCAUSTO PARA

MANUTENÇÃO DE POLÍTICA EXTERNA DOS ESTADOS UNIDOS PARA ISRAEL

UM ESTUDO SOBRE O FILME A LISTA DE SCHINDLER (1993)

Trabalho de Conclusão de Curso

apresentado ao Instituto Latino-Americano de Economia, Sociedade e Política da Universidade Federal da Integração Latino-Americana, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Relações Internacionais e Integração.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________ Orientadora: Prof. Dra. Tereza Maria Spyer Dulci

UNILA

________________________________________ Prof. Dr. Eduardo Dias Fonseca

UNILA

________________________________________ Prof. Dr. Fabio Allan Mendes Ramalho

UNILA

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Dedico esse trabalho a memória da minha, tia, “dinda” e amiga Fátima Marmit Wadi.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço acima de tudo, com muito amor e tremenda admiração, aos meus pais, Yonissa e Jefferson, que me proporcionaram apoio incondicional para a realização, não somente deste trabalho, mas também para todos os outros que me trouxeram até aqui.

Agradeço também a República Federativa do Brasil por me proporcionar educação em uma universidade pública, gratuita e de alta qualidade. Agradeço à Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA) por me proporcionar a oportunidade única de estudar em uma universidade de caráter internacional e interdisciplinar, que ampliou meus horizontes, como pessoa e como pesquisadora.

Digo “muito obrigada” a todos os professores que me acompanharam nessa caminhada e a todos os colegas que passaram por minha vida universitária. Deixo aqui minha admiração e apoio aos milhões de estudantes e professores deste país e da América Latina que somam forças para lutar por uma educação transformadora, democrática, livre, de qualidade, pública e gratuita.

Com todo meu coração agradeço a toda a minha família, que sempre esteve presente com palavras de apoio e incentivo, acreditando na minha capacidade. Especialmente ás minhas avós, Yone e Madalena, que foram exemplo de mulheres valentes e fortes, muito obrigada pelo amor e cuidados.

Digo shukraan para meu avô Issa Wadi que me trouxe da Palestina a vontade de buscar a justiça, a liberdade e a igualdade entre os povos, da América Latina até ao Oriente Médio. ¡Somos Sur!

Obrigada a minha irmã Carolina, que assim como meu avô, plantou a semente da luta pela libertação da Palestina e do povo palestino no meu coração, que me levou a procurar modos de contribuir de onde eu estou – a academia –, para a luta, pois creio que a produção de conhecimento acerca de temas dissidentes é, também, resistencia.

Digo gracias, com toda a minha admiração, a minha orientadora Tereza Spyer por abraçar esse tema tão diferente e pouco usual nas Relações Internacionais (RI). Ela me mostrou que RI está em todos os lados e que nenhum conhecimento é menor que outro. Obrigada por acreditar na minha pesquisa, nas

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minhas ideias, por acalmar minhas angustias e sempre me motivar.

Por último, deixo aqui minha gratidão, as amigas e aos amigos que estiveram presentes neste processo intenso e maravilhoso que foi a graduação. Obrigada pelo amor e pelo companheirismo que vocês me deram, sem vocês eu não teria vencido tantos obstáculos. Vocês foram minha maior conquista nesses anos dentro da universidade, obrigada por me darem o apoio de uma segunda família.

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Talvez me despojes da última polegada da minha terra

Talvez aprisiones minha juventude Talvez me roubes a herança de meus

antepassados

Móveis... utensílios e jarras

Talvez queimes meus poemas e meus livros Talvez atires meu corpo aos cães

Talvez levantes espantos de terror sobre nossa aldeia

Mas não me venderei Ó inimigo do sol

E até a última pulsação de minhas veias Resistirei

Talvez apagues todas as luzes de minha noite Talvez me prives da ternura de minha mãe

Talvez falsifiques minha história

Talvez ponhas máscaras para enganar meus amigos

Talvez levantes muralhas e muralhas ao meu redor

Talvez me crucifiques um dia diante de espetáculos indignos

Mas não me venderei Ó inimigo do sol

E até a última pulsação de minhas veias Resistirei

[...]

Juro que não me venderei

E até a última pulsação de minhas veias Resistirei

Resistirei Resistirei Samih Al-Qassim

A vida não é a que a gente viveu, e sim a que a gente “recorda”, e como recorda para contá-la.

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STADUTO, Isadora. A instrumentalização da memória do Holocausto para a

manutenção da política externa dos Estados Unidos para Israel: um estudo

sobre o filme a Lista de Schindler (1993). 2019. 73 p. Trabalho de Conclusão de Curso em Relações Internacionais e Integração – Universidade Federal da Integração Latino-Americana, Foz do Iguaçu, 2019.

RESUMO

Esta monografia engloba o caráter interdisciplinar inerente à disciplina de Relações Internacionais utilizando-se de contribuições da História e do Cinema, como campos de produção analítica. Neste sentido, buscou compreender como a política externa pode ser construída por elementos subjetivos, como memória e representação. A hipótese central foi que o trabalho da memória, o processo de memorialização, executado pela cultura popular e a instrumentalização da memória do Holocausto, o genocídio judeu perpetrado pelos nazistas, foi construído para legitimar a política externa dos Estados Unidos da América (EUA) para Israel. O filme “A Lista de Schindler” (1993), dirigido por Steven Spielberg, foi escolhido como estudo de caso para provar a hipótese, pois trata-se de um marco da construção da memória do Holocausto, que causa profunda transformação na memória pública acerca deste acontecimento histórico. O objetivo central do trabalho foi analisar as representações do Holocausto, as implicações e usos políticos destas na posterioridade, sem questionar ou negar o genocídio de nazista. A metodologia utilizada foi a qualitativa, assim no primeiro capítulo realizamos uma análise histórica descritiva, através de uma revisão bibliográfica, acerca de como se desenvolve a política externa estadunidense para Israel, com o intuito de compreender os objetivos e interesses centrais dessa relação, e perceber as variações presentes na mesma. No capítulo dois, por meio desta mesma metodologia questionamos, dentro do terreno das Relações Internacionais, como se conforma a história, pois esta é de suma importância para problematizarmos o próprio campo, assim discutimos aspectos das relações entre a história e as relações internacionais, focando especialmente no enquadramento da memória e na construção da narrativa histórica, bem como nas dimensões que estas questões ganham no cinema, especialmente no cinema histórico. Por fim, no terceiro capítulo abordamos como ocorrem as relações entre EUA, Israel, sionismo e Holocausto, iniciando pelo debate de como a memória do Holocausto se relaciona com a existência do Estado de Israel, para problematizar como essa narrativa histórica desde o ambiente doméstico dos EUA, a partir da Indústria do Holocausto (FINKELSTEIN, 2001) e da Americanização do Holocausto (NOVICK, 1999), mantém a relação especial com Israel. Contudo, também, nos dedicamos, a entender como a memória é usada dentro do próprio território israelense e os paradoxos gerados pela memorialização do Holocausto e as relações dos sionistas com os vizinhos árabes, mas, sobretudo, com os “estrangeiros” internos, os palestinos. Neste sentido, buscamos entender como a gramática moral do Holocausto justifica e legitima a política externa estadunidense, não somente para Israel, mas como um todo.

Palavras-chave: memória do holocausto; política externa; Estados Unidos; Israel; A

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STADUTO, Isadora. La instrumentalización de la memoria del Holocausto para

mantener la política exterior estadounidense para Israel: un estudio de la película La lista de Schindler (1993). 2019. 73 p. Trabajo de Conclusión de Grado

en Relaciones Internacionales e Integración - Universidad Federal de Integración Latinoamericana, Foz do Iguaçu, 2019.

RESUMEN

Esta monografía abarca el carácter interdisciplinario inherente a la disciplina de las Relaciones Internacionales utilizando contribuciones de Historia y Cine, como campos de producción analítica. En este sentido, buscó comprender cómo la política exterior puede ser construida por elementos subjetivos, como la memoria y la representación. La hipótesis central fue que el trabajo de la memoria, el proceso de memorización llevado a cabo por la cultura popular y la instrumentalización de la memoria del Holocausto, el genocidio judío perpetrado por los nazis, se construyó para legitimar la política exterior de los Estados Unidos de América para Israel. La película “La lista de Schindler” (1993), dirigida por Steven Spielberg, fue elegida como un caso de estudio para probar la hipótesis, ya que es un hito en la construcción de la memoria del Holocausto, lo que provoca una profunda transformación en la memoria pública sobre este evento histórico. El objetivo central del trabajo fue analizar las representaciones del Holocausto, sus implicaciones y usos políticos en la posteridad, sin cuestionar o negar el genocidio nazi. La metodología utilizada fue cualitativa, por lo que en el primer capítulo realizamos un análisis histórico descriptivo, a través de una revisión bibliográfica, sobre cómo se desarrolla la política exterior del EE.UU. para Israel, a fin de comprender los objetivos e intereses centrales de esta relación, así como percibir las variaciones presentes en la misma. En el capítulo dos, a través de esta misma metodología, cuestionamos, dentro del campo de las Relaciones Internacionales, cómo se ajusta la historia, ya que es de suma importancia problematizar el campo en sí mismo, por lo que discutimos aspectos de las relaciones entre la historia y las relaciones internacionales, enfocándonos especialmente en el encuadre de la memoria y en la construcción de la narrativa histórica, así como en las dimensiones que estos temas adquieren en el cine, especialmente en el cine histórico. Finalmente, en el tercer capítulo discutimos cómo ocurren las relaciones entre los EE.UU. e Israel, el sionismo y el Holocausto, comenzando con el debate sobre cómo la memoria del Holocausto se relaciona con la existencia del Estado de Israel, para problematizar cómo está narrativa histórica del ambiente doméstico del Estados Unidos, a través de la Industria del Holocausto (FINKELSTEIN, 2001) y la Americanización del Holocausto (NOVICK, 1999), mantiene una relación especial con Israel. Sin embargo, también estamos dedicados a comprender cómo se usa la memoria dentro del territorio israelí y las paradojas generadas por la memorización del Holocausto y las relaciones de los sionistas con sus vecinos árabes, pero especialmente con los “extranjeros” internos, los palestinos. En este sentido, buscamos comprender cómo la gramática moral del Holocausto justifica y legitima la política exterior de los Estados Unidos, no solo para Israel, sino en su conjunto.

Palabras clave: memoria del Holocausto; política externa; Estados Unidos; Israel;

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LISTA DE IMAGENS

Imagem 1: Território ocupado por Israel em 1967 ... p. 20 Imagem 2: Menina do Casaco Vermelho... p. 42 Imagem 3: Judeus de Schindler Hoje ... p. 44 Imagem 4: Tumulo de Schindler em Israel ... p. 45 Imagem 5: Pôster da Minissérie “Holocausto” (1978) ... p. 46

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AJC American Jewish Committe

AIPAC American Israel Public Committee

AFSC American Friends Service Committee

ADL Anti-Defamation League

EUA Estados Unidos da América

KKK Ku Klux Klan

LGBT+ Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais + OLP Organização para a Libertação da Palestina

ONU Organização das Nações Unidas

SI Sistema Internacional

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...11

1 O DESENVOLVIMENTO DE UMA RELAÇÃO ESPECIAL: A POLÍTICA EXTERNA ESTADUNIDENSE PARA ISRAEL ...14

1.1 INTRODUÇÃO AO CAPÍTULO ...14

1.2 A CRIAÇÃO DO ESTADO DE ISRAEL ...14

1.3 A GUERRA DOS SEIS DIAS ...18

1.4 A GUERRA DO YOM KIPPUR ...22

1.5 A PRIMEIRA INTIFADA E O TRATADO DE OSLO ...25

1.6 CONSIDERAÇÕES FINAIS DO CAPÍTULO ...29

2 O ENQUADRAMENTO DA MEMÓRIA ...30

2.1INTRODUÇÃO AO CAPÍTULO ...30

2.2 MEMÓRIA, HISTÓRIA E SEUS PROCESSOS DE CO-CONSTRUÇÃO ...30

2.3 A CONSTRUÇÃO DA NARRATIVA HISTÓRICA E DA NARRATIVA CINEMATOGRÁFICA ...34

2.4 O CINEMA E O ENQUADRAMENTO DE MEMÓRIA PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA NARRATIVA HISTÓRICA ...36

2.5 A NARRATIVA CLÁSSICA DA “A LISTA DE SCHINDLER”: A MOLDURA DO HOLOCAUSTO ...39

2.6 O HOLOCAUSTO PRÉ SPIELBERG: A MINISSÉRIE “HOLOCAUSTO” (1978) ...46

2.7 O HOLOCAUSTO DE SPIELBERG ...47

2.8 CONSIDERAÇÕES FINAIS DO CAPÍTULO ...51

3 O MITO DO HOLOCAUSTO: FORMAÇÃO E DESDOBRAMENTOS ...52

3.1 INTRODUÇÃO AO CAPÍTULO ...52

3.2 A DESCOBERTA E A COLONIZAÇÃO DO HOLOCAUSTO PELOS AMERICANOS ...52

3.3 O MUSEU DO MEMORIAL DO HOLOCAUSTO: MATERIALIZAÇÃO DO MITO O HOLOCAUSTO ...58

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3.4 ISRAEL E O QUESTIONAMENTO DO MITO SIONISTA DO HOLOCAUSTO...60

3.5 A GRAMÁTICA MORAL DO HOLOCAUSTO E A POLÍTICA EXTERNA ESTADUNIDENSE ...64

3.6 CONSIDERAÇÕES FINAIS DO CAPÍTULO ...66

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...67

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INTRODUÇÃO

Este Trabalho de Conclusão de Curso pretende englobar o caráter interdisciplinar inerente à disciplina de Relações Internacionais. Utilizando-se de contribuições da História e do Cinema, como campos de produção analítica, este trabalho buscará compreender como a política externa pode ser construída por elementos subjetivos, como memória e representação, que dão base para ações que partem da materialidade do Estado, como ações econômicas e militares.

A hipótese central desta monografia é que o trabalho da memória, ou seja processo de memorialização, executado pela cultura popular e a instrumentalização da memória do Holocausto, o genocídio judeu perpetrado pelos nazistas, é construído para legitimar a política externa dos Estados Unidos da América (EUA) para Israel. O filme “A Lista de Schindler” (1993), dirigido pelo notável diretor Steven Spieberlg, foi escolhido como estudo de caso para provar a hipótese.

A escolha ocorreu, pois esta obra é um marco da construção da memória do Holocausto, que causa profunda transformação na memória pública acerca deste acontecimento histórico (HANSEN, 1997). O filme “A Lista de Schindler” é uma obra que foi capaz de se tornar não somente um retrato da história, mas sim a própria história, transformando o Holocausto em um mito fundacional da sociedade estadunidense (KURTZ, 2017).

Entretanto, é preciso deixar claro, que nosso objetivo não é debater o acontecimento do Holocausto em si, como fato histórico. A intenção é analisar sua representação, as implicações e usos políticos destas na posterioridade. De forma alguma, questionamos ou negamos o genocídio de nazista, reconhecemos e respeitamos a morte de milhões de pessoas, incluindo, judeus, presos políticos, sobretudo comunistas e anarquistas; pessoas com deficiências, físicas e mentais; do povo romani, popularmente conhecido como ciganos; e de pessoas LGBT+’s (Lesbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais +) , assim como, todos os outros grupos que tiveram suas vidas destruídas por não se encaixarem nas políticas sociais e raciais do Estado nazista.

O tema é relevante para o debate das Relações Internacionais contemporâneas, pois faz parte de uma área pouco explorada no campo, a intersecção entre política externa e cinema. A escolha de usar o cinema para pensar

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a política externa estadunidense para Israel e em certo sentido, a própria existência e legitimação do estado israelense, ocorre por uma necessidade de buscar alternativas para refletir acerca da ocupação dos territórios palestinos e o apoio internacional a um Estado que mantém práticas neocoloniais em pleno século XXI. Esse sempre será o objetivo último deste trabalho.

Porém, para que se prove a hipótese, e para chegarmos ao objetivo de compreender como a mais longa ocupação colonial do século XXI (SAID, 1992) se sustenta, é necessário primeiro compreender como ocorre o reconhecimento e legitimidade internacional de Israel como um Estado legítimo dentro do Direito Internacional.

Para que um Estado possa inserir-se dentro do Sistema Internacional (SI) e tornar-se sujeito do Direito Internacional, este necessita o reconhecimento de seus iguais. Neste trabalho não se compreende o SI como anárquico, mas, sobretudo, como hierárquico, pois existem soberanias maiores que outras. Dentro dessa hierarquia destacam-se os Estados Unidos, maior economia e maior poder bélico dentro do SI, logo, ganhar seu reconhecimento e apoio significa muito para um jovem e pequeno Estado, como Israel.

Portanto, no primeiro capítulo realizamos uma análise histórica descritiva, através de uma revisão bibliográfica, acerca de como se desenvolve a política externa estadunidense para Israel, com o intuito de compreender os objetivos e interesses centrais dessa relação, e perceber as variações presentes na mesma. Dividido em quatro seções, este capítulo aborda, em um primeiro momento, o processo de criação do Estado de Israel; na segunda seção explica a Guerra dos Seis Dias; na terceira, e aborda a guerra do Yom Kippur; e, por fim, se debate a Primeira Intifada e como esta leva ao primeiro grande debate internacional acerca da paz entre Palestina e Israel e a assinatura do Tratado de Oslo.

Entendemos que compreender esta complexa relação desde seu início e dentro de suas nuances se faz imprescindível para observar de que maneira os interesses políticos e estratégicos dos Estados Unidos influenciam nessa inserção do Holocausto na memória pública estadunidense e como o “despertar do Holocausto” legitima tais iniciativas de política externa.

A partir da metodologia qualitativa adquirimos as ferramentas teóricas necessárias para nossa análise. Valendo-nos história, e do marco teórico dos estudos contemporâneos da memória, torna-se pertinente para a compreensão das

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relações internacionais, as categorias da disciplina dadas como naturais. Um exemplo é o mito da soberania que, segundo Ashley (1988), silencia várias questões relativas à formação do Estado Nação, apagando propositalmente diversas narrativas para que a história do nascimento da Nação seja algo coeso e sirva aos propósitos do grupo governante.

Logo, no segundo capítulo, questionamos dentro do terreno das Relações Internacionais, como se conforma a história, pois esta é de suma importância para problematizarmos o próprio campo. Sendo assim, se discutirá aspectos das relações entre a história e as relações internacionais, focando especialmente no enquadramento da memória e na construção da narrativa histórica, bem como nas dimensões que estas questões ganham no cinema, especialmente no cinema histórico. Desse modo, apresentamos um estudo sobre “A Lista de Schindler”, em conjunto com os debates teóricos.

Por fim, no terceiro capítulo abordamos como ocorrem as relações entre EUA, Israel, sionismo e Holocausto. Iniciamos pelo debate de como a memória do Holocausto se relaciona com a existência do Estado de Israel, como essa narrativa histórica desde o ambiente doméstico dos EUA, a partir da Indústria do Holocausto (FINKELSTEIN, 2001) e da Americanização do Holocausto (NOVICK, 1999), mantém a relação especial com Israel.

Contudo, também, nos dedicamos, a entender como a memória é usada dentro do próprio território israelense e os paradoxos gerados pela memorialização do Holocausto e as relações dos sionistas com os vizinhos árabes, mas, sobretudo, com os “estrangeiros” internos, os palestinos. Neste sentido, buscamos entender como a gramática moral do Holocausto justifica e legitima a política externa estadunidense, não somente para Israel, mas como um todo.

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1. O DESENVOLVIMENTO DE UMA RELAÇÃO ESPECIAL: A POLÍTICA EXTERNA ESTADUNIDENSE PARA ISRAEL

1. 1 INTRODUÇÃO AO CAPÍTULO

Este capítulo pretende realizar uma análise histórico-descritiva acerca de como se desenvolve a Política Externa estadunidense para Israel, com o intuito de compreender os objetivos e interesses centrais dessa relação, e perceber as variações presentes na mesma. Dividido em quatro seções, este capítulo abordará em um primeiro momento o processo de criação do Estado de Israel, a segunda seção explicará a Guerra dos Seis Dias, na terceira, será abordada a guerra do Yom Kippur e por fim se debaterá a Primeira Intifada e como esta leva ao primeiro grande debate internacional acerca da paz entre Palestina e Israel e a assinatura do Tratado de Oslo.

Compreender esta complexa relação desde seu início e dentro de suas nuances se faz imprescindível para observar de que maneira os interesses políticos e estratégicos dos Estados Unidos influenciam na inserção do Holocausto na memória pública estadunidense e como o “despertar do Holocausto” legitima tais iniciativas de política externa.

1.2 A CRIAÇÃO DO ESTADO DE ISRAEL

As relações Estados Unidos da América e Israel tem suas origens antes mesmo do surgimento do Estado judeu. Estas ocorrem em um primeiro momento como uma disputa pela influência que os EUA poderiam exercer na decisão pela partilha da Palestina e subsequente criação do Estado de Israel (LOOSE, 2015, p. 38), e tal influência é disputada pelo movimento sionista. Portanto, para compreender como essas relações ocorrem antes mesmo da conformação do Estado israelense, será necessário que façamos uma breve introdução ao sionismo, movimento responsável pelo nacionalismo judaico e pelo empenho para construção de um “lar judaico”.

O nacionalismo judaico nasce, sobretudo, como resposta ao antissemitismo europeu, se tornando mais popular entre a comunidade judaica a

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medida que os ataques a judeus crescem, sobretudo do final do século XIX até a primeira metade do século XX (ROTTA, 2012). O projeto de um “lar judaico”, o termo Estado judaico aparece no discurso sionista apenas em 1942, mas havia começado a se tornar concreto já a partir do primeiro congresso sionista em 1897 na Basiléia, Suíça. Convocado pelo líder do pensamento sionista, Theodor Herzl, o encontro foi importante para decidir pontos cruciais para a realização do projeto do “lar judeu”, como e onde seria, além de discutir como seria possível concretizar projeto de tamanha proporção política. A Palestina foi eleita, pois os sionistas acreditavam que os interesses britânicos na região facilitariam para que eles obtivessem apoio da importante potência (ROTTA, 2012).

Em 1901 foi criado um fundo nacional judeu, com assistência do secretário britânico para as colônias, para a arrecadação de fundos para a compra de terras e para a colonização (ROTTA, 2012). Entretanto, somente em 1917, o apoio britânico começou de maneira formal, através de uma “carta de colonização” redigida por Arthur Balfour (1917). Por meio desta, governo britânico apoiou a criação de um lar nacional para o povo judeu, afirmando que “enviará seus melhores esforços para facilitar a conquista desse objetivo” (BALFOUR, 1917, p. 1). A declaração de Balfour se tornou o principal embasamento jurídico para justificar a ocupação, usada como um direito irrefutável dos sionistas de um poder colonial sobre tal território (SAID, 1992). Tal direito era especialmente verdadeiro, por ser a favor de uma causa tão nobre quanto o sionismo, segundo a declaração de Balfour (SAID, 1992). E, por se tratar de um território tão estratégico quanto a Palestina, a causa tornava-se mais especial, segundo Magalhães (2012):

A Palestina sempre foi um território estratégico para os impérios e potências da região. Sua localização fez dela uma importante rota comercial terrestre e marítima. Ela está próxima da Europa, banhada pelo mar Mediterrâneo, e está na porta de entrada para a Ásia fazendo fronteira com a África. Pelo seu litoral sempre entraram e saíram pessoas e mercadorias, e também exércitos (p. 1-2).

O apelo a favor da empreitada sionista estava, deste seu início, deslocado para o âmbito internacional. Em vista disso o movimento sionista foi capaz de difundir sua visão e sua realidade, estabelecendo, segundo Said (1992), um projeto negativo para os árabes-palestinos, de negação e obstrução. Os sionistas

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consequentemente produziram um projeto equivalente e contrário de difusão da sua causa.

Não me refiro à mera propaganda política, que, se dependesse das mentiras sobre a Palestina, jamais teria levado o sionismo a se concretizar em Israel. O que mais me preocupa é a força do processo de difusão, cujo o foco principal era a colonização sionista na Palestina, seus êxitos, seus feitos, suas instituições fora do comum; assim como hoje, a força da mensagem israelense é sua admirável autoestima e o enaltecimento de seu espírito “pioneiro”, com o qual os norte-americanos em particular se identificam sem grandes esforços (SAID, 1992, p. 24).

Em 1947 foi aprovada na assembleia geral da Organização das Nações Unidas a Resolução 181 que estabeleceu o fim do mandato britânico na Palestina e a partilha do território em um Estado judaico e em um “Estado” árabe-palestino, determinando, também a cidade de Jerusalém como um território neutro internacional sob o mandato governamental de uma junta organizada pelas Nações Unidas (LOOSE, 2015). A Inglaterra enfraquecida pelas guerras europeias do século XX, se retirou da Palestina, deixando, assim, um vácuo de poder na região e na causa sionista. Portanto, a nova potência no cenário internacional, os Estados Unidos, assumiu o lugar deixado pelos ingleses, abraçando o projeto do “lar judaico” (ROTTA, 2012).

Em solo estadunidense havia, desde 1939, entidades judaico-sionistas que agiam em Washington em busca de apoio para a realização da partilha da Palestina (ROTTA, 2012). Em 1948, ano de eleições presidenciais e ano da declaração de independência de Israel - após a retirada total das forças britânicas na região -, essas entidades, já muito fortalecidas devido ao apoio da rica e influente comunidade judaica estadunidense, exerceram forte pressão para o reconhecimento do Estado sionista por parte do presidente estadunidense, Harry Truman1 (LITTLE, 2008).

As entidades que buscavam tal apoio às intenções sionistas tinham intenções dúbias, por exemplo, a American Jewish Committee (AJC) 2 apoiou a

1

Décimo terceiro presidente estadunidense de 1945 a 1953. Em seu governo os EUA saem da Segunda Guerra e começa a aumentar as tensão com a União Soviética, iniciando a Guerra Fria (KARNAL et al., 2017)

2 Segundo o site da organização, “a AJC é a principal organização de defesa judaica global, com

acesso incomparável a autoridades governamentais, diplomatas e outros líderes mundiais. Através dessas relações e da sua presença internacional, a AJC é capaz de influenciar a opinião e a política sobre as mais importantes questões: combater o crescente antissemitismo e extremismo, defender o

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fundação de Israel devido ao medo que houvesse uma reação interna nos EUA se os judeus, vítimas do holocausto nazista, não fossem rapidamente estabelecidos em um algum lugar. Por outro lado, é importante destacar como indica estudo de Nathan Glazer, em seu livro “American Judaism” (1957), que a criação do Estado de Israel provocou pouco efeito na vida interna da colônia judaica nos EUA; é ilusória a ideia que a criação do Estado afetou o judaísmo estadunidense (FINKELSTEIN, 2001).

O reconhecimento estadunidense do Estado de Israel ocorreu pouco após a assinatura do tratado de independência pelo presidente do Conselho Nacional Judeu, David Ben-Gurion3. Entretanto, antes que houvesse o anúncio formal, houve uma grande discussão interna do governo de. Truman sobre se o reconhecimento não colocaria os EUA em risco e não prejudicaria as relações “petrolíferas” com os países Árabes. Alguns oficiais do pentágono até mesmo temiam que a inclinação favorável do presidente Truman para a causa sionista fosse simplesmente eleitoreira, já que era demasiadamente difícil se reeleger sem o apoio da comunidade judaica, do que uma decisão estratégica levando em conta a geopolítica da região (LITTLE, 2008). Apesar de uma aparente falta de conhecimento profundo por parte do décimo terceiro presidente estadunidense acerca das relações dos EUA com o oriente médio, Truman deu o pontapé inicial nas relações políticas entre Israel e Estados Unidos. Segundo Little,

Durante o meio século seguinte, Israel e os Estados Unidos se envolveram ainda mais profundamente em uma complicada “relação especial” que alguns observadores compararam a uma aliança duradoura, mas informal e que outros comparam a um casamento instável de direito comum. (LITTLE, 2008, p. 77)

No território palestino o avanço israelense foi acompanhado de uma limpeza étnica para eliminar o maior número possível de palestinos; dessa maneira, o estado de Israel não só se apropriou de território que o plano de participação da Organização das Nações Unidas (ONU) adjudicou o estado judeu e metade do território atribuído ao estado árabe, mas se livraram da maior parte da população palestina desses territórios (VELASCO, 2009).

lugar de Israel no mundo e os direitos das liberdades de todas as pessoas”. Disponível em: https://www.ajc.org/whoweare. Acesso em 15 Mar. 2019.

3

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1.3 A GUERRA DOS SEIS DIAS

Em 1963, foi assassinado nos Estados Unidos o Presidente John F. Kennedy4, sendo substituído por Lyndon Johnson5. O contexto fazia com que o Oriente Médio não fosse a prioridade da política externa estadunidense (LOOSE, 2015), pois o país estava envolvida com o conflito militar no Vietnã, além das intervenções no Congo e na República Dominicana. Entretanto, a potência norte-americana manteve suas relações com Israel, incluindo grandes acordos de fornecimento de material militar.

Ao passo em que se mantinha a aproximação entre Estados Unidos e Israel, dava-se o movimento contrário com o Egito de Gamal Abdel Nasser6. O líder do país norte-africano tinha se tornado um símbolo do pan-arabismo7. Ademais, Síria e Iraque, além do próprio Egito, aproximavam-se cada vez mais da União Soviética. Estava montado o “tabuleiro de xadrez” do Oriente Médio (GUERRA HIJO, 2015), onde se desencadearia o conflito árabe-israelense, de caráter regional, a Guerra dos Seis Dias, que envolveu Síria, Egito, Jordânia e Iraque. Esta se insere no contexto mais amplo da Guerra Fria, sendo os israelenses aliados do bloco ocidental, e vários países árabes da potência comunista.

Na realidade, o que pode-se perceber é que nos anos que sucederam a Crise de Suez até a Guerra dos Seis Dias, as tensões ideológicas na região do Oriente Médio não mais diziam respeito aos vestígios de domínio imperial francês e britânico, mas sim ao conflito bipolar no nível sistêmico internacional e suas repercussões no nível sub sistêmico árabe. Ou seja, entre os Estados governados por grupos comprometidos com uma rápida mudança ou revolução – e que eram identificados como pró-soviéticos – e os governados por dinastias ou grupos mais cautelosos com a mudança política e social, e mais hostis à propagação da influência nasserista – e, portanto, vistos como pró- Ocidente (FERABOLLI apud. LOOSE, 2015, p. 46).

No dia 5 de junho de 1967 aconteceu o episódio que serviria de estopim para o desencadeamento do conflito árabe-israelense. O Egito expulsou do deserto do Sinai tropas das Nações Unidas, recuperando, no primeiro momento, a soberania

4

Presidente estadunidense de 1960 até 1963, ano de seu assassinato (KARNAL, et al.,2017).

5

Presidente estadunidense entre 1963 e 1969 (KARNAL, Leandro et al, 2017).

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Presidente do Egito entre 1956 e 1958. E presidente da República Árabe Unida (uma união entre as repúblicas do Egito e Síria) entre 1958 e 1970. Importante líder do movimento terceiro-mundista e do pan-arabismo.

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Movimento político que busca a união dos países árabes, vinculado ao nacionalismo árabe (VELASCO, 2009).

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sobre essa parte do seu território que permaneciam sob controle de tropas internacionais desde a Crise de Suez. A crise que iniciou em 1956, quando Nasser iniciou o processo de nacionalização da única ligação entre o Mediterrâneo e o Mar Vermelho, o maior escoadouro do petróleo para a Europa, desapropriando a administração privada de empresas de origem britânico e francesa. Provocou, assim, uma invasão de territórios egípcios por Israel, França e Inglaterra. Os EUA se opuseram à invasão (LOOSE, 2015).

Israel reagiu a iniciativa egípcia de expulsão das tropas internacionais, em julho de 1967, imediatamente, incursionando sobre territórios árabes. Quando a ONU se reuniu foi emitida a Resolução 242, determinando que Israel deixasse os territórios egípcios ocupados. Os Estados Unidos tiveram um posicionamento contraditório. Perante às Nações Unidas, mantiveram o apoio à resolução, ou seja, a defesa da retirada militar israelense; no entanto, em termos práticos, seguiram dando apoio financeiro a seu aliado e cliente, Israel (LOOSE, 2015).

Israel mantinha superioridade militar em relação aos seus vizinhos árabes, mas via essa diferença diminuir gradativamente. Portanto, o ataque israelense ao Egito é visto como uma “guerra preventiva”, no sentido de, em meio às hostilidades na região, não permitir que essa superioridade fosse ultrapassada. Além de vencer o Egito militarmente, Israel ignorou a resolução da ONU e manteve o território ocupado. Sua vitória, passando por cima do Direito Internacional e dos organismos multilaterais da ordem do pós-Segunda Guerra, disseminou no Oriente Médio a imagem de uma “invencibilidade”, o que alteraria permanentemente seu papel no Sistema Internacional. O país manteve, também, o padrão de expansão de seu território, constituído em sua maioria por ocupações ilegais, mantendo a ocupação Península do Sinai desde a Crise de Suez e anexando a Faixa de Gaza, a Cisjordânia, Jerusalém e as Colinas de Golã (ver imagem 1).

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Imagem 1 – Território ocupado por Israel em 1967

Fonte: BBC Brasil. Disponível em:

<https://www.bbc.com/portuguese/especial/2001/meast_maps/4.shtml>. Acesso em: 20 Abr. 2019

A guerra de junho de 1967 foi um ponto de virada nas relações entre Estados Unidos e Israel, que estava desgastada e distante desde a Crise de Suez (1956). A demonstração de força do aparato de dominação de Israel impressionou os EUA a ponto de tornar o jovem Estado um novo recurso estratégico para aquele, que tornou-o seu representante no Oriente Médio, enviando, assim, a Israel um crescente apoio militar e econômico (FINKELSTEIN, 2001). A Guerra dos Seis Dias é essencial para o entendimento das relações entre os dois estados analisados nesta seção, uma vez que as elites judaicas puderam acertar o passo com o poder estadunidense e a partir desse momento não havia mais a ambiguidade entre os interesses sionista-israelenses e os do governo estadunidense. Havia dentro da elite judaica, até aquele momento, uma insegurança em relação a sua inserção política nos Estados Unidos, pois sua lealdade com o país estava sempre sendo posta em voga devido aos interesses, muitas vezes, divergentes8 entre os dois estados aos quais pertenciam (FINKELSTEIN, 2001).

O êxito militar de Israel facilitou a assimilação dessa elite, abrindo as portas do “santuário” interno do poder dos EUA, “os judeus agora estavam na linha de frente, defendendo a América - na realidade a ‘civilização ocidental’ -, contra as retrógradas hordas árabes” (FINKELSTEIN, 2001, p. 32). Entretanto, havia certa

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Após 1948 houve uma significativa retração nas relações entre Estados Unidos e Israel, tendo seu ápice na crise de Suez de 1956, pois os EUA se posicionou contra a anexação da Península do Sinai pelo exército israelense.

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resistência interna na comunidade judaica, que politicamente nos EUA, demonstrava-se bastante liberal e progressista. Os judeus de esquerda opunham-se ferrenhamente ao alinhamento do EUA com a Alemanha em seu posicionamento contra a União Soviética, por outro lado, as elites judaicas com seu alinhamento irrestrito aos interesses estadunidense tornaram a Solução Final, o plano de genocídio nazista, um tabu. A esquerda judaica negava-se a interromper as alusões a ela, logo, lembrar o holocausto nazista foi etiquetado como causa comunista. Determinados a se afastar do estereótipo que confundia judeus com a esquerda, a elite judaica não hesitou a oferecer listas de judeus subversivos para sacrifício no altar do Macartismo9 (FINKELSTEIN, 2001).

A subordinação ao poder estadunidense e a ocupação dos Estados árabes vizinhos, despertava certo temor dentro da comunidade judaica estadunidense que estas posições geopolíticas se tornassem prejudiciais aos próprios interesses israelenses, pois isolaria o país entre os países árabes. Tal debate flertava com a heresia para a elite, pois “um Israel independente em paz com seus vizinhos não teria valor, um Israel alinhado a correntes do mundo árabe, em busca de uma independência dos Estados Unidos, seria um desastre” (FINKELSTEIN, 2001, p. 35). Inclusive há um debate entre os teóricos John Mearsheimer e Kenneth Waltz, em seu livro “The Israel Lobby and U.S foreign

policy” (2007), sobre como a elite pró-Israel nos Estados Unidos adquiriu tanta força

política, através de um intenso lobby, colocando os próprios interesses estadunidenses em risco em prol das vantagens obtidas com a manutenção dessa “relação especial”.

Para resguardar seu objetivo estratégico as elites pró-Israel passaram a relembrar o Holocausto provocando o que o jornalista israelense Boaz Evron chamou de “despertar do Holocausto”, ou seja, passaram a usar o Holocausto como “uma doutrina oficial de propaganda, um martelar de slogans e uma falsa visão do mundo, cujo objetivo real não é entender o passado, mas manipular o presente” (Finkelstein, 2001, p. 40). Tal despertar ocorreu de forma notável na academia e no campo das artes, principalmente na literatura e no audiovisual.

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Foi o período da segunda “caça aos vermelhos”, no período entre 1950 e 1957, perseguição a comunistas e anarquistas promovida, sobretudo pelo senador republicano Joseph McCarthy, do Wisconsin.

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Há outro modo de explicar essa mudança. Como a apresentada por Novick, em “The Holocaust in American Life” (1999), que expõe uma teoria de que esse despertar de atenção para o Holocausto ocorreu devido ao medo causado por declarações de líderes árabes de “eliminar Israel do mapa” e “levar os judeus ao mar”. Declarações estas, que trouxeram o medo de um segundo Holocausto, desencadeando campanhas de apoio a Israel. Tal mobilização foi organizada por entidades pró-Israel, algumas conhecidas por seu intenso trabalho de lobby em Washington, como a American Israel Public Affairs Committee (AIPAC)10, por exemplo, que fez um resgate de memória do Holocausto para angariar fundos para apoiar as forças militares israelenses11.

1.4 A GUERRA DO YOM KIPPUR

Em 1969, ascendeu à presidência dos Estados Unidos Richard Nixon12, que introduziu no Estado uma nova doutrina de política externa. Esta foi elaborada pelo Departamento de Estado, por meio do influente think tanker, Henry Kissinger. As novas diretrizes da Doutrina Nixon inseriram-se na conjuntura do sistema internacional da Guerra Fria, que compreendia o apoio em termos econômicos e militares aos países aliados dos Estados Unidos, distensão da União Soviética e a aproximação com a China, que passava nesse momento pelas reformas de abertura de mercado, além de ser marcada pelos erros cometidos pelos EUA no Vietnã. As diretrizes estadunidenses de contenção a URSS eram compatíveis também com o interesse israelense em combater o fortalecimento dos vizinhos árabes antissionistas (LOOSE, 2015).

Entre 1967 e 1973, Israel manteve a posse de facto sobre os territórios árabes conquistados do Egito. Fala-se em um alargamento do território (LOOSE, 2015). Os países árabes mantiveram o desejo de recuperá-los, não só por

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Segundo o site da organização, “a missão da AIPAC é fortalecer, proteger e promover o relacionamento EUA-Israel de forma a aumentar a segurança dos Estados Unidos e Israel. Os membros da AIPAC e os ativistas educam os tomadores de decisão sobre os laços que unem os Estados Unidos e Israel e com é de grande interesse da América ajudar a garantir que o Estado judeu esteja a salvo, forte e seguro” Disponível em: https://www.aipac.org/about-aipac. Acesso em 30 Mar. 2019.

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O encontro das elites judaicas com o Holocausto será explorado e debatido mais amplamente no decorrer deste trabalho.

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interesses geopolíticos, mas também como uma forma de resgatar a “honra” árabe, uma vez que o pan-arabismo havia saído fortemente fragilizado da Guerra dos Seis Dias, de 1967.

O fracasso da diplomacia em resolver o fortalecimento de Israel e do conflito árabe-israelense provocou os líderes árabes a efetuar uma ação militar conjunta. Assim, o Egito lançou uma ofensiva no território do deserto do Sinai ocupado pelas tropas israelenses, iniciando a chamada Guerra do Yom Kippur, em 1973. Consciente de que seu arsenal bélico não seria o suficiente para expulsar as tropas ocupantes, o Egito procurou manter uma “guerra de atrito”, em que, ainda que o inimigo não fosse derrotado, sofreria um desgaste constante, fragilizando-se (MAGNOLI, 2003).

Os Estados Unidos tentaram intermediar a situação propondo ao governo israelense o cumprimento da Resolução 242 da ONU, emitida seis anos antes, que determinava a retirada das tropas das áreas ocupadas. Israel, no entanto, rejeitou o apelo da potência aliada. O objetivo dos Estados Unidos, segundo Guerra-Hijo (2015) e Loose (2015), era, ao mesmo tempo, conter os aliados da União Soviética (neste caso, Egito, Síria e, embora, não envolvido neste conflito, o Iraque) e conter o potencial nuclear israelense. A ajuda com material militar, inclusive, era justificada pela necessidade de modernizar o arsenal do aliado para que ele não chegasse a utilizar armas nucleares que possuía. O período da guerra de atrito perpetrada pelo Egito contra Israel foi fundamental para o fortalecimento do vínculo entre Israel e Estados Unidos

Para os Estados Unidos, Israel agora se tornará uma peça fundamental no tabuleiro da Guerra Fria na região, para contrabalançar a influência soviética sobre os países árabes. Afinal, o Egito e a Síria estavam recebendo modernos armamentos dos soviéticos, bem como assessoria militar. [...] A par disso, os “falcões” israelenses também tinham em mente a redução da dependência de Israel de fornecimento de armas dos americanos. Afinal, o embargo armamentista imposto pela França a Israel em 1967 deixou o país à mercê da boa vontade de Washington. (MAGNOLI, 2003, p. 443).

Foi assim que, em 6 de outubro de 1973, aconteceu a ofensiva sírio-egípcia sobre a península do Sinai, o Canal de Suez e as colinas de Golã. A força aérea israelense não teve o resultado defensivo esperado, pois o Egito e a Síria contavam com mísseis antitanque e antiaéreos, fornecidos pela União Soviética. Após intensos empreendimentos, os aliados árabes conseguiram causar baixas no

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exército israelense. Imediatamente, por intermédio de Kissinger, Israel pediu a reposição de seu arsenal aos Estados Unidos, pedido que foi concedido.

Em uma tentativa de influenciar a reação dos Estados Unidos às solicitações de Israel, Dinitz [embaixador israelense em Washington] teria enfatizado, ao final da reunião com Kissinger, a urgência da situação, introduzindo o elemento nuclear. Kissinger foi informado que os mísseis Jericó haviam sido armados com ogivas nucleares e colocados em alerta. [...] A evolução das posições dos Estados Unidos permite concluir que a decisão de iniciar o abastecimento de armas a Israel teria sido composta pela combinação do interesse de evitar uma derrota israelense com a urgência de evitar um rompimento da nítida linha que separa um conflito convencional de um conflito nuclear. (FELDBERG apud. LOOSE, 2015, p. 49).

Ao final do conflito pesou mais o auxílio estadunidense e a superioridade militar de Israel, no entanto, as baixas sofridas feriram o orgulho nacional do Estado israelense, derrubando o mito de invencibilidade perante os vizinhos. Israel manteve todos os territórios ocupados, mas houve custos políticos internos, a primeira-ministra Golda Meir13 acabou renunciando em 1974.

Os passos diplomáticos que se seguiram para o fim das hostilidades determinaram o modo operandis, a partir daquele momento, das relações diplomáticas árabes, estes foram os Acordos Militares entre Egito-Israel-Síria, de 1974 e 1975, e o Acordo de Camp David, de 1978, sendo que só nesta segunda oportunidade os termos acordados foram efetivamente cumpridos. Os acordos de 1974 e 1975 tornaram latentes as intenções políticas de Kissinger para a região, pois se enfatizou o bilateralismo e o gradualismo, deteriorando as estruturas, do pan-arabismo, que vinha se fragilizando desde a Guerra dos Seis Dias. Uma característica marcante nos acordos foi o desestímulo da reflexão sobre o passado ou o futuro, procurando-se manter o historicamente instável status quo (SAID, 1992).

As intenções se concretizam no Acordo de Camp David (1978), no qual os EUA instigou os governantes árabes na região a manter-se estagnados em sua desarticulação e desagregação presente:

Somente o entrelaçamento de “acordos” por um intermediário peripatético - talvez outro Kissinger - parecia importar. Os Estados Unidos tomaram para si a intermediação entre os Estados, os povos e as instituições, fazendo de seus interesses - sua visão altamente vendável dos fatos - o sucedâneo da cooperação regional entre Estados e comunidade (SAID, 1992, p. 195).

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Além de alterar significativamente o modo de fazer negociações na região, a Guerra do Yom Kippur, de 1973 introduziu o assunto Holocausto no dia-a-dia dos cidadãos estadunidense, pois, no mesmo momento em que houve uma maciça assistência militar a Israel, houve uma forte resistência da opinião pública a este apoio (FINKELSTEIN, 2001). É possível interpretar que tal reação negativa aconteceu devido aos desgastes causados pela Guerra do Vietnã. A ideia de interferir mais uma vez em um pequeno Estado longínquo não era atraente para a população estadunidense. Portanto, a elite judaica resgatou o Holocausto como forma de despertar simpatia à causa sionista na população estadunidense (NOVICK, 1999).

1.5 A PRIMEIRA INTIFADA E O TRATADO DE OSLO

Em 9 de dezembro de 1987 se iniciou a Primeira Intifada, a mais violenta revolta da população palestina desde a declaração de 1948 até o fim de 1993, com grande sofrimento e sacrifício do povo palestino e um dano considerável na imagem internacional de Israel (LESCH, 1990). As revoltas, que se expandiram por todo o território, de modo especialmente severo na Faixa de Gaza, se caracterizavam pela luta contra o poder militarizado colonial nos territórios ocupados desde 1967 (NEFF, 1997).

A Primeira Intifada colocou sob a luz da sociedade internacional o violento regime israelense de dominação territorial. A violência televisionada, espancamentos e assassinatos de civis palestinos desarmados ou munidos apenas com pedras, por parte de soldados israelenses fortemente armados pelos Estados Unidos, provocaram protestos pelo mundo, inclusive de instituições da sociedade civil estadunidense, que se manifestaram contra a contínua e brutal ocupação. A

American Friends Service Committee (AFSC)14, por exemplo, criticou Washington por “continuar apoiando uma política de ocupação e ter falhado em se engajar em um sério processo de paz” (NEFF, 1997, p. 81).

14 Segundo o site da “American Friends Service Committee (AFSC) é uma organização quaker que

promove uma paz duradoura com a justiça, como uma expressão prática de fé em ação. Com base em insights espirituais contínuos e trabalhando com pessoas de diversas origens, nutrimos as sementes da mudança e do respeito pela vida humana que transformam as relações e os sistemas sociais”. Disponível em: https://www.afsc.org/about-us. Acesso em 20 de Mar. 2019

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No fim de dezembro de 1987 o Conselho de Segurança da ONU votou uma resolução com forte reprovação às violações dos direitos humanos da população palestina, entretanto, os EUA se absteve da votação. Esta foi a 58º resolução ineficaz do Conselho em reprovação à Israel desde 1948 (NEFF, 1997).

A despeito da abstenção, o impacto na opinião pública da sociedade civil estadunidense, devido a repressão violenta dos protestos palestinos, foi expressivo. Suscitando em uma declaração por parte de presidente Ronald Reagan15, repreendendo veementemente as ações dos militares israelenses e insistindo para o uso de métodos não-letais para o controle das revoltas (NEFF, 1997). Entretanto, o ministro de Relações Exteriores de Israel, Sherman Peres, considerou que não havia fundamento para culpar Israel pela violência, pois o Estado estava apenas respondendo aos ataques. Na mesma lógica de negação das violações, várias organizações pró-Israel protestaram contra as declarações da Casa Branca, as taxando de exageradas (NEW YORK TIMES, 1987).

Embora a Casa Branca tivesse feito declarações com teor crítico, o Congresso aprovou, em 22 de dezembro de 1987, uma expansão da ajuda dos EUA para Israel, após refinanciar uma dívida de 9 bilhões de dólares com redução de juros. Além dos já acordados 3 bilhões de dólares em ajuda econômica e militar, os EUA se dispôs usar 150 milhões de dólares em um programa avançado de pesquisa e desenvolvimento de aeronaves para Israel, bem como usar outros 400 milhões dólares de sua ajuda militar para aquisições de defesa por Israel. O país também recebeu 5 milhões adicionais para a ajuda cooperativa EUA-Israel e 25 milhões para o reassentamento de refugiados (MARK, 2005).

Enquanto o resto do mundo criticava as ações israelenses, o EUA davam, como foi interpretado por muitos, inclusive pelo próprio Estado de Israel, um incentivo às práticas repressivas e, após 1987, as políticas de repressão aos palestinos se tornaram cada vez mais severas. Tal incentivo foi dado também pelo conselheiro e formulador de política externa, Henry Kissinger, que em meados de 1988, se encontrou com líderes israelenses e aconselhou que se suprimisse a revolta o mais rápido e brutalmente possível. Segundo Julius Berman, ex-chefe da Conferência das Principais Organizações Judaicas Americanas (estadunidenses), em um memorando do encontro, Kissinger incentivou a expulsão de jornalistas do

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território, assim como foi feito pelo regime de apartheid na África do Sul (NEFF, 1997).

Apesar do poder militar superior de Israel, a luta desigual entre jovens armados com pedras contra soldados fortemente armados, foi desestabilizadora para o pequeno “lar judeu”, especialmente sua imagem no cenário internacional. Já não era mais possível que Israel se posicionasse como uma “luz” para as outras nações e nem que pedisse apoio internacional para sua pequena população, pois mostrou-se um cruel repressor de outro povo.

A revolta dos palestinos e a violenta repressão por parte dos israelenses se estendeu até 1993, quando houve uma mudança na posição do governo israelense devido a grande demanda interna por paz. A situação havia se tornado cada vez mais inviável, as pedras do início do conflito, usadas pelos palestinos, foram substituídas por fuzis soviéticos e as perdas cresciam cada vez mais, dos dois lados. Portanto, no início de 1993, o governo israelense e a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) começaram negociações em Oslo, com mediação do governo da Noruega, sem informar Washington, em um primeiro momento (AGUIAR, 2011).

As reuniões culminaram nas Declarações dos Princípios - nome formal do “Tratado de Oslo” - que tinham como princípio a formulação de um guia de negociações e relações futuras entre o governo israelense e os representantes do povo palestino. Estes princípios foram definidos em três passos:

1.autonomia palestina inicial em Gaza e Jericó, estendendo-se para outras áreas na Cisjordânia; 2.organização de uma entidade jurídica reconhecida internacionalmente como Autoridade Nacional Palestina (ANP), com as prerrogativas para gerir os assuntos políticos, administrativos e diplomáticos do povo palestino, um proto estado nacional; e 3.início para 2000 (contando cinco anos de maio de 1996, quando terminam todas as retiradas israelenses) das negociações entre o governo de Israel e a ANP para resolver as cinco questões pilares do conflito. (ABU-EL-HAJ, 2014, p.6)

As cinco questões pilares eram “Jerusalém, os refugiados, as colônias, a fronteira dos dois estados e o status político do governo palestino.” (ABU-EL-HAJ, 2014).

Em 13 de setembro 1993, o acordo foi assinado em Washington, na presença de Yasser Arafat, presidente da OLP; Yitzhak Rabin, ministro das

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Relações Exteriores de Israel; e o presidente estadunidense, Bill Clinton16 (AGUIAR, 2011). A assinatura do chamado Tratado de Oslo, que foi celebrado na Casa Branca, deu aos israelenses e seus defensores um senso de que o problema palestino havia sido resolvido,

Isso também deu aos liberais um senso de realização, particularmente quando a "paz" veio sob ataque do movimento Likud e colonizador. E esta, por sua vez, tornou inaceitável que os palestinos expressassem qualquer coisa a não ser apreciação pelo que havia sido feito por eles por Oslo. (SAID, 2007, p.5)

O teórico Edward Said em seu livro “The end of the peace process: Oslo

and after” (2007) aponta as consequências bastante cruéis que o tratado teve na

vida dos palestinos. A pobreza e o desemprego persistiram, assim como os piores aspectos da ocupação israelense, a mais longa ocupação militar do século XX. A expropriação de terras dos palestinos e a expansão de assentamentos ilegais judaicos seguiram. Os palestinos passaram a viver com “autonomia limitada” supostamente controlada pela Autoridade Palestina, entretanto, havia menos liberdade e as perspectivas de vida diminuíram. Said afirma:

Coloco a culpa nos Estados Unidos por isso, que patrocina as injustiças e desigualdades do processo; em Israel, que aproveita a fraqueza palestina para prolongar sua ocupação militar e práticas de liquidação por outros meios; e na Autoridade Palestina, que legalizou os aspectos ilegais, para não dizer absurdos, do “Processo de paz” e prossegue com ele de forma fraca e incompetente, apesar da evidência incontestável de que Israel e os Estados Unidos permanecem imutáveis na sua hostilidade às aspirações palestinas (SAID, 2007, p. 3-4).

Israel saiu internamente pouco prejudicado do processo da Intifada, comparando com as perdas palestinas, porém sua imagem internacional estava prejudicada e seu branding de Estado vítima da hostilidade árabe foi estremecido pela violência que empregou contra a população palestina. Considerando este cenário, uma das hipóteses centrais deste trabalho é a instrumentalização do holocausto judeu como mecanismo de legitimação de Israel, frente ao desgaste internacional deste, a partir de sua violenta ocupação do território palestino. Neste sentido, no próximo capítulo haverá o debate da relação entre memória, história e cinema, tendo como objeto de análise no filme a “A Lista de Schindler” (1993) como

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auge dessa política de instrumentalização da memória. Entretanto, antes mesmo de uma discussão mais profunda é possível observar uma coincidência entre o maior desgaste de imagem de Israel, até então, e a mais expressiva obra audiovisual da sobre o Holocausto.

1.6 CONSIDERAÇÕES FINAIS DO CAPÍTULO

Analisamos neste capítulo alguns marcos para traçar a história da “relação especial” entre Estados Unidos e Israel. Os objetivos e interesses da manutenção dessa relação são difíceis de se pontuar com clareza, porém é perceptível que elas são fortemente influenciadas, se não determinadas, em grande medida, por um grupo de interesse sionista pró-Israel fortemente organizado dentro da política e sociedade estadunidense, como indicam Mearsheimer e Walt (2007). Entretanto, simultaneamente os Estados Unidos se valem de Israel para materializar seus interesses na região do Oriente médio, sendo coniventes com a expansão colonial e com a violência com o povo palestino perpetrada por Israel. Essa política externa que possui uma complexidade de tal grau precisa ser baseada em forte justificativas, assim no decorrer dos próximos capítulos será elaborado de que modo estas se constroem, sobretudo pensando nos usos da memória para a construção da história, por meio do cinema.

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2. O ENQUADRAMENTO DA MEMÓRIA

2.1 INTRODUÇÃO AO CAPÍTULO

Dentro das Relações Internacionais lidamos frequentemente com suas categorias como naturais. Um exemplo é o mito da soberania que, segundo Ashley (1988), silencia várias questões relativas à formação do Estado Nação, apagando propositalmente diversas narrativas para que a história do nascimento da Nação seja algo coeso e sirva aos propósitos do grupo governante. É pertinente questionar dentro do terreno das Relações Internacionais, como se conforma a história, pois esta é de suma importância para problematizarmos o próprio campo.

Sendo assim, neste capítulo, discutiremos aspectos das relações entre a história e as relações internacionais, focando especialmente no enquadramento da memória e na construção da narrativa histórica, bem como nas dimensões que estas questões ganham no cinema.

2.2 MEMÓRIA, HISTÓRIA E SEUS PROCESSOS DE CO-CONSTRUÇÃO

O teórico Raymond Aron crê que o conhecimento histórico e o conceito do que se considera história é primordial para formação de um conhecimento humano mais eficaz sobre si e sua natureza humana, possuindo implicações de caráter ontológico e epistemológico. Através da história, segundo Aron, é possível compreender as forças, escolhas e circunstâncias que precedem o presente, e tal conhecimento abrange também as relações internacionais, na sua conformação tanto como disciplina, como quanto prática realizada pelos atores do Sistema Internacional, com destaque ao Estado. Entretanto, a história não deve ser vista como uma reconstrução alheia a materialidade. O conhecimento histórico não se dá por um ser transcendental, deslocado do tempo e espaço, a história é feita por sujeitos vivos (ARON, 1938).

A história se constitui de variadas maneiras, e o imaginário é uma forma de constituição da realidade histórica. Diversos historiadores enfatizam que o fato histórico não se detém somente a um momento determinado, mas se estende ao que traz consigo e o que possibilita no presente (OLIVEIRA, 2006). Estudos acerca

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do imaginário demonstram a construção de um sistema simbólico que auxilia na formação de um imaginário e de uma realidade histórica determinada.

O exemplo mais notável de formação de imaginário são os nacionalismos, para Anderson (2013) a nação é uma comunidade política imaginada, é produto cultural, de uma legitimidade emocional profunda, assim como o “parentesco” e a “religião”. Tais comunidades - família, religião e nação - se tornam “modulares” adaptáveis a diversas arenas sociais, capazes de serem incorporados por uma variedade de políticas e ideologias (ANDERSON, 2013).

A memória, ou melhor, a falta dela é essencial para o ápice do nosso imaginário enquanto sociedade, a nação. Anderson (2013) ilustra com um trecho de Renan (1882) quem em seu livro “O que é uma nação? afirma: “Ora, a essência de uma nação consiste em que todos os indivíduos tenham muitas coisas em comum, e também que todos tenham esquecido de muita coisa” (RENAN apud. ANDERSON, 2013, p.32). Anderson, afirma que ela é imaginada, pois a imagem de comunhão entre indivíduos que jamais se conhecerão, encontrarão ou ouvirão falar uns dos outros, é uma invenção de autoconsciência. Entretanto, na contemporaneidade em um mundo saturado pela mídia, o tempo, a história e a memória tornam-se conceitos qualitativamente diferentes "em vez de se relacionar com o passado através de um senso de lugar ou ancestralidade", os consumidores de cinema e televisão "podem experimentar uma herança comum com pessoas que nunca viram; eles podem adquirir memórias do passado com as quais não têm conexão geográfica ou biológica” (LOSHITZKY, 1997, p. 3).

Segundo Castoriadis, “todo simbolismo se edifica sobre as ruínas dos edifícios simbólicos precedentes, utilizando seus materiais, mesmo que seja só para preencher as fundações de novos templos” (1982, p. 147). Portanto, o imaginário social ao determinar identidades, exprimir crenças, constituir ações e comportamentos, torna-se uma motivação, uma justificativa e um projeto, elementos estes fundamentais para construção daquilo que se entende como realidade histórica (OLIVEIRA, 2006). A memória é também um importante componente para a construção histórica, além de estar presente na própria formação do imaginário, esta constitui “a mais autêntica versão do passado” (ZELIZER, 1995, p. 217).

Os estudos contemporâneos acerca da memória coletiva vão além do estudo unidimensional do passado, observando a memória não só como uma atividade de construção de circunstâncias sociais, históricas e culturais mas também

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como um entrelaçado entre os presente e o futuro, utilizando-se do passado (ZELIZER, 1995). Logo, segundo Pollak,

A memória, essa operação coletiva dos acontecimentos e das interpretações do passado que se quer salvaguardar, se integra como vimos, em tentativas mais ou menos conscientes de definir e de reforçar sentimentos de pertencimento e fronteiras sociais entre coletividades de tamanhos diferentes [...]. A referência ao passado serve para manter a coesão dos grupos e das instituições que compõem uma sociedade, para definir seu lugar respectivo, sua complementariedade, mas também as oposições irredutíveis. (POLLAK, 1989, p. 7).

Assim, na perspectiva de autores contemporâneos, como Pollak (1989), o lembrar deixou de ser uma atividade finita, com um começo e um fim. Passou a ser um processo em constante desdobramento, mudança e transformação, formados por duas atividades distintas: recoleção e comemoração. A recoleção é o ato de estabelecer uma relação entre um evento presente e o passado, já a comemoração consiste na reprodução do passado para cumprir objetivos do presente ressaltando uma narrativa original (ZELIZER, 1995). Na visão de Durkheim a comemoração permite “renovar o sentimento que tem de si e de sua unidade” (1965, p. 420), a reafirmação de uma identidade construída a partir da memória.

Antes de uma memória coletiva poder estabelecer vínculos com uma identidade ela passa pelo campo das batalhas da memória, na qual uma construção da memória se sobressai, sendo esta que será utilizada como sustentação da história. Essa memória coletiva conformadora de certas construções históricas não é estável, por exemplo, o tempo, para a memória, é uma construção social que está a disposição de rearranjos estratégicos, assim uma temporalidade pode se modificar para acomodar as necessidades de certo grupo (ZELIZER, 1995). A instabilidade da memória coletiva ocorre também - pois a memória não pode ser processada sem enquadramento.

O enquadramento de memória é constituído pelo material fornecido pela história, ou seja, não se reconstrói a memória, assim como a história, sem um tempo e um espaço reais. Entretanto,

Esse material pode sem dúvida ser interpretado e combinado a um sem-número de referências associadas; guiado pela preocupação não apenas de manter as fronteiras sociais, mas também de modificá-las, esse trabalho reinterpreta incessantemente o passado em função dos combates do presente e do futuro (POLLAK, 1989, p. 8).

Referências

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