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Disputas pelos rumos da educação catarinense: o Conselho Estadual de Educação de Santa Catarina sob a pauta da OCDE

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

Fernanda Denise Siems

Disputas pelos rumos da educação catarinense: o Conselho Estadual de Educação de Santa

Catarina sob a pauta da OCDE

FLORIANÓPOLIS-SC 2019

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Fernanda Denise Siems

Disputas pelos rumos da educação catarinense: o Conselho Estadual de Educação de Santa

Catarina sob a pauta da OCDE

Dissertação submetida ao Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito parcial para a obtenção do Grau de Mestre em Educação.

Orientador: Prof. Dr. Marcos Edgar Bassi.

Florianópolis 2019

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Fernanda Denise Siems

Disputas pelos rumos da educação catarinense: o Conselho Estadual de Santa Catarina sob

a pauta da OCDE

O presente trabalho em nível de mestrado foi avaliado e aprovado por banca examinadora composta pelos seguintes membros:

Prof. Rubens Barbosa de Camargo, Dr. Universidade de São Paulo

Prof.ª Jocemara Triches, Dr.ª Universidade Federal de Santa Catarina

Prof. Jéferson Dantas, Dr. Universidade Federal de Santa Catarina

(Suplente)

Certificamos que esta é a versão original e final do trabalho de conclusão que foi julgado adequado para obtenção do título de Mestre em Educação.

________________________ Prof.ª Dr.ª Andrea Brandão Lapa

Coordenadora do Curso

________________________ Prof. Dr. Marcos Edgar Bassi

Orientador

Florianópolis, 19 de agosto de 2019.

Marcos Edgar

Bassi:05528118824

Assinado de forma digital por Marcos Edgar Bassi:05528118824 Dados: 2019.09.12 17:05:01 -03'00'

Digitally signed by Andrea Brandao Lapa:41672941172

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AGRADECIMENTOS

À minha mãe, Wally Siems, por ter me ensinado a nunca desistir facilmente. Essa mulher forte e apaixonada dedicou sua vida a mim, sua única filha, e aos netos. Teve a força e a coragem necessárias para me criar sozinha, garantindo meu sustento, minha educação, a despeito da ausência de meu pai, e sempre acreditou que eu era capaz de vencer em tudo aquilo que eu ousasse sonhar. Ainda hoje, falar de meu pai é um desconforto, um terreno em que não me sinto segura ao pisar; falar dele é falar de ausências, e essa asfixia teria sido fatal se não se houvesse, na minha história, uma mulher como Dona Wally, minha mãe. Também sou grata à essa ausência: a indiferença me fortaleceu.

Ao meu orientador, Professor Marcos Bassi, por acolher meu projeto e por ter confiado e guiado meus primeiros passos na pesquisa acadêmica, sempre com extrema generosidade, humildade e paciência. Agradeço pela prontidão, a gentileza e o carinho com que sempre me ajudou. Esse trabalho não seria possível sem você!

Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSC que me acompanharam nessa caminhada, minha eterna gratidão pela generosidade e pelo enorme conhecimento que compartilharam, permitindo a conclusão dessa etapa, especialmente à Professora Eneida Shiroma, no Seminário de Dissertação, à Professora Rosalba Garcia e suas discussões críticas e instigantes durante as aulas, à Professora Luciana Marcassa, que me concedeu a oportunidade de ler Antonio Gramsci ‘na letra’, e ao Professor Jeferson Dantas, que como historiador contribuiu imensamente para a compreensão das disciplinas. Aos demais professores do PPGE que partilharam seu conhecimento em seminários, cursos e assembleias: Jocemara, Adriana, Mauro Titton, Patrícia, Célia, Soraya e àqueles que lutaram juntos na defesa da Universidade Pública, obrigada.

Aos professores da banca de qualificação, Olinda Evangelista e Rubens Barbosa de Camargo, pela imensa contribuição e suas preciosas considerações, que foram essenciais para que este trabalho tomasse a forma final.

Agradeço aos meus filhos, Rafa, Kayka e Xayra, pelo incentivo e paciência que me dispensaram ao longo desses dois anos, compreendendo minhas ausências e ansiedades. Meu agradecimento especial à Kayka, minha filha, meu porto seguro, que se tornou tão minha mãe nesse período, e à Xayra, que traduziu o resumo. À amiga Michelle Daberkow, que sempre vibrou com minhas vitórias, minha gratidão por tantos anos de amizade.

Alguns amigos tiveram um papel fundamental nesse percurso, dando o apoio necessário diante das inúmeras dificuldades impostas pela Secretaria de Educação, que não me concedeu

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afastamento para cursar este Mestrado, e por conta disso, me ajudaram a conciliar, dentro dos limites possíveis, uma carga horária de 40 horas semanais e as atividades do Mestrado. Especialmente, agradeço a Carlos Wolff, que, além de amigo e diretor de minha escola, sempre foi minha inspiração como educador, à minha amiga Mariza, pelo incentivo e por estar sempre ao meu lado, e à amiga Cristiane, pelo apoio que sempre me concedeu. Aos que não me apoiaram, também os agradeço, pois contribuíram, sem querer, dando-me mais força e inspiração para continuar.

À amiga Juçara Wolff, pelas correções ao primeiro projeto; ao Lucas, pelo apoio e pela companhia nas lutas e militâncias, e a Luciane Grutzmacher e Carlão, pela enorme generosidade. Aos colegas de Mestrado, que trilharam juntos essa parte da minha história de vida, compartilhando experiências e angústias, pelas reflexões debaixo da árvore do CED no intervalo das aulas, meu sincero agradecimento. Em especial à Marlise Oestreich, pela disposição em sempre ajudar e apaziguar nossas angústias, pelas correções no texto e pela imensa humildade e generosidade com que sempre nos acolheu, minha sincera gratidão.

A todos os colegas do Gepeto/UFSC, por partilharem suas experiências. Os valiosos momentos com este grupo aprimoraram o meu trabalho de pesquisadora, e os conhecimentos partilhados deram sustentação à pesquisa.

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Não estamos alegres, é certo, mas também por que razão haveríamos de ficar tristes? O mar da história é agitado. As ameaças e as guerras havemos de atravessá-las, rompê-las ao meio, cortando-as como uma quilha corta as ondas.

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RESUMO

Na presente pesquisa, analisamos o papel assumido pelo Conselho Estadual de Educação de Santa Catarina na relação entre o governo do Estado e a OCDE, ao legitimar as orientações desse Organismo Multilateral, que teve como consequência a materialização destas orientações em políticas públicas voltadas à Rede Estadual de Educação Básica de Santa Catarina. Realizamos uma pesquisa de natureza documental, com o objetivo de compreender o papel político do Conselho de Educação e seus modos de atuação no âmbito da produção e conformação de políticas educacionais, sob a Abordagem do Ciclo de Políticas de Stephen Ball, que permite entender o movimento de criação das políticas públicas desde a produção dos textos até sua implementação. Apoiados no referencial teórico-metodológico do materialismo histórico e nas categorias analíticas de Gramsci e Poulantzas, analisamos as origens e a constituição do Conselho Estadual de Educação de Santa Catarina, que demonstraram o caráter de classe burguês desse órgão de Estado e apontaram que sua atuação na relação entre a OCDE e a Secretaria de Educação permitiu a construção do arcabouço jurídico-normativo necessário para que as orientações da OCDE se materializassem como políticas públicas e fossem paulatinamente sendo implementadas pelo governo. Analisamos especificamente as reformas direcionadas à carreira docente e à formação de professores no período compreendido entre 2003 e 2017, buscando as concepções filosóficas presentes no governo de Luiz Henrique da Silveira que influenciaram a manufatura do relatório produzido pela OCDE. Investigamos as diversas formas de atuação política dos Conselhos de Educação, considerando suas transformações ao longo da história, levando em conta que, pertencendo à ossatura do Estado, possuem atuação limitada na sociedade capitalista, assentados em um Estado cujas demandas políticas se encontram subordinadas ao nível econômico e atuam dentro dos limites da democracia representativa. Nessa perspectiva, a pesquisa apontou que os Conselhos de Educação, sob o manto do interesse geral e da neutralidade, tanto podem atuar na defesa da educação pública como um direito de todos quanto podem contribuir para a aceitação de projetos de conteúdo mais regressivo, obscurecidos por uma linguagem que torna tais propostas mais palatáveis e aceitáveis, inclusive pela maioria da população destinatária dessas políticas.

Palavras-chave: Conselho Estadual de Educação de Santa Catarina. Políticas Educacionais.

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ABSTRACT

In the current research we analyzed the assumed role by the Education’s State Council in the relationship between the State Government and the OCDE, legitimating the orientations from this Multilateral Organism, who had as consequence the materialization of this orientations in public politics toward to the Santa Catarina’s State System of Education, we realized a documentary research with the goal of comprehending the political role of the Education’s State Council and its acting ways in the context of production and shapes of politic educations, under the approach of de Stephen Ball’s Politics Cicle, that allows to understand the creation movement of public politics since the text productions until its implementation under the form of public politics. Leant on the theorical referential methodological of the historical materialism and on the Gramsci and Poulantzas’s analytical categories, we analyzed the origins and the Santa Catarina’s State Council of Education Constitution has shown the bourgeois characteristic of this State Agency and pointed that its actuation in the relationship between the OCDE and Education’s Department allowed the construction of the legal-normative framework, necessary to the OCDE’s orientations to materialize as public politics and gradually being implemented by the government. We analyzed specifically the reforms directed to the teaching career and teacher’s training in the period comprehended between 2003 to 2017, searching for philosophical conceptions presented in Luiz Henrique da Silveira’s government that influenced the manufacture of the report produced by the OCDE. We investigated the many ways of political action in the Education’s Council considering its transformations dude the course of history, being aware that, even belonging to the State’s Framework, they have limited influence over the capitalist society, settled in a State which the political demands are subordinated to the economical level, and they act inside the limits of representative democracy. In this perspective, the research pointed that the Education Councils, under the cloak of general interest and neutrality, either can act in the education defense of human rights, or it can contribute to the acceptance of more aggressive projects, obscured by a language that makes these proposes more palatable and acceptable, including by the major population destinated by these politics.

Keywords: State Council of Education of Santa Catarina. Educational policy. OECD. Teachers education. Teaching

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Documentos oficiais selecionados ... 26

Quadro 2 – Total de trabalhos selecionados por tipo de produção – 2010 a 2017... 43

Quadro 3 – Membros mais longevos como conselheiros dos CEE/SC ... 81

Quadro 4 – Conselheiros do CEE/SC em 2012, atuação profissional e tipo de relação ... 84

Quadro 5 – Conselheiros do CEE/SC em 2015, atuação profissional e tipo de relação ... 85

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LISTA DE FIGURAS

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LISTA DE TABELAS

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Acafe Associação Catarinense das Fundações Educacionais ACT Admitidos em Caráter Temporário

Alesc Assembleia Legislativa de Santa Catarina

ANPEd Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação ANPEd-Sul Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação –

Região Sul

Art. Artigo

Bacen Banco Central do Brasil

BID Banco Interamericano de Desenvolvimento

BM Banco Mundial

Capes Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CDE Conselho Deliberativo da Escola

CEE Conselho Estadual de Educação

Ceri Centre for Educational Research and Innovation Cf. Confira/confronte

CNE Conselho Nacional de Educação

CNTE Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação Conanda Conselho Nacional da Criança e do Adolescente

CONER Coordenadoria Executiva de Negociações e Relações Funcionais Consed Conselho Nacional de Secretários de Educação

CUT Central Única dos Trabalhadores DAS Direção e Assessoramento Superior DF Distrito Federal

Esag Escola Superior de Administração e Gerência

Fapesc Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina FHC Fernando Henrique Cardoso

FIESC Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina

Fundeb Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação

Furb Fundação Universidade Regional de Blumenau

Gepeto Grupo de Estudos sobre Política Educacional e Trabalho Ideb Índice de Desenvolvimento da Educação Básica

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Inep Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais

LC Lei Complementar

LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LHS Luiz Henrique da Silveira

MCTI Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação MEC Ministério da Educação

MF Ministério da Fazenda

MG Minas Gerais

MME Ministério de Minas e Energia MP Medida Provisória

MRE Ministério da Reforma do Estado

Nº/N. Número

NGP Nova Gestão Pública

OCDE Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico OEA Organização dos Estados Americanos

OECE Organização Europeia de Cooperação Econômica OI Organismo Internacional

OM Organismo Multilateral

OMC Organização Mundial do Comércio OnG Organizações não Governamentais

PA Pará

PCC Plano de Carreira e Cargos

PDE Plano de Desenvolvimento da Educação PDT Partido Democrático Trabalhista

PEE/SC Plano Estadual de Educação de Santa Catarina Pisa Programa de Avaliação Internacional dos Estudantes PL Projeto de Lei

PLC Projeto de Lei Complementar

PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro PNE Plano Nacional de Educação

PP Partido Progressista

PPGE Programa de Pós-Graduação em Educação

Preal Programa de Reformas Educacionais da América Latina e Caribe PSD Partido Social Democrático

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PSPN Piso Salarial Profissional Nacional PT Partido dos Trabalhadores

Reesc Rede Estadual de Ensino de Santa Catarina

Sagetec Sistema de Acompanhamento e Gestão Tecnológica SciELO Scientific Electronic Library Online

SDR Secretaria de Desenvolvimento Regional SEA Secretaria de Estado da Administração

SED Secretaria Estadual de Educação de Santa Catarina SEGeT Simpósio de Excelência em Gestão e Tecnologia Senai Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial Seplan Secretaria de Estado e Planejamento

Sinte/SC Sindicato dos Trabalhadores da Educação de Santa Catarina Sisgesc Sistema de Gestão Educacional de Santa Catarina

Sociesc Sociedade Educacional de Santa Catarina STF Supremo Tribunal Federal

TCE/SC Tribunal de Contas de Santa Catarina TPE Todos pela Educação

Udesc Universidade do Estado de Santa Catarina

UNCME União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação Unesc Universidade do Extremo Sul Catarinense

Unesco Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura Uniarp Universidade Alto Vale do Rio do Peixe

Unibave Universidade Barriga Verde

Unidavi Centro Universitário para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itaja Uniplac Universidade do Planalto Catarinense

Unisul Universidade do Sul de Santa Catarina Univali Universidade do Vale do Itaja

Univille Universidade da Região de Joinville

Unochapecó Universidade Comunitária da Região de Chapecó Unoesc Universidade do Oeste de Santa Catarina

VPNI Vantagem Pessoal Nominalmente Identificável

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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ... 15 1.1 DELIMITAÇÃO DO TEMA ... 19 1.2 OBJETIVOS ... 23 1.2.1 Objetivo geral ... 23 1.2.2 Objetivos específicos ... 23

1.3 METODOLOGIA E REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO ... 23

1.4 ORGANIZAÇÃO DO TEXTO ... 31

2 AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS EM SANTA CATARINA E AS RECOMENDAÇÕES DA OCDE ... 33

2.1 A EDUCAÇÃO COMO MOTOR DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO ... 33

2.2 A PRODUÇÃO ACADÊMICA SOBRE A ATUAÇÃO DOS CONSELHOS DE EDUCAÇÃO NA PRODUÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS ... 42

2.3 CONSIDERAÇÕES SOBRE A REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ... 52

3 A RELAÇÃO DA OCDE COM O BRASIL E COM SANTA CATARINA ... 57

3.1 AS RELAÇÕES ENTRE A OCDE E O BRASIL E SUA INFLUÊNCIA NA PRODUÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIONAIS 57 3.2 A OCDE EM SANTA CATARINA: REFORMAS EDUCACIONAIS PARA O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO ... 63

4 O CEE/SC FABRICANDO O CONSENSO ... 69

4.1 O CONSELHOS AO LONGO DA HISTÓRIA: REALINHANDO INTERESSES E CONSERVANDO POSIÇÕES ... 69

4.2 O PAPEL POLÍTICO DO CEE/SC NA PRESERVAÇÃO DAS RELAÇÕES DE PODER ... 75

4.3 É PRECISO QUE TUDO MUDE PARA QUE AS COISAS PERMANEÇAM COMO ESTÃO ... 96

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 125

REFERÊNCIAS ... 131

ANEXO A – Resposta da SED/SC ... 145

ANEXO B – Folder CEE/SC – 2015 ... 147

ANEXO C – Tabela de vencimentos do Magistério – nov./2018 ... 150

ANEXO D – Vencimento dos ACTs em 2018 ... 151

ANEXO E - Portaria CEE/SC nº 167/2011 ... 153

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1 INTRODUÇÃO

Nesta pesquisa, investigamos o papel assumido pelo Conselho Estadual de Educação de Santa Catarina (CEE/SC) na materialização de políticas públicas articuladas a partir de orientações da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) à Rede Estadual de Ensino de Santa Catarina (REE/SC), no que se refere ao plano de carreira, formação docente e contratação de professores em caráter temporário (ACT), no período compreendido entre 2010 e 2017. A OCDE não atua somente na área da educação, abrangendo outras temáticas como política macroeconômica, concorrência, inovação, agricultura, investimento, meio ambiente e desenvolvimento territorial. Trata-se de um organismo multilateral (OM) que agrega e media ações/intervenções em países membros e colaboradores, como o Brasil, com intervenção na governança global, no sentido de organizar um mercado de bens e serviços, avaliando os riscos para investidores estrangeiros além de mediar acordos internacionais, visando abrir novos nichos de exploração do capital no mundo, e no caso específico, na América Latina e Brasil, por meio da desregulamentação da legislação nacional para adaptá-la a uma regulamentação internacional a partir das demandas do mercado(RABELLO, 2009, p.33). Por se tratar de um OM que colabora para o desenvolvimento econômico, de acordo com Rabello (2009,p.36) a OCDE encaminha sua Práxis pelo viés do neoliberalismo de Terceira Via, daí a sua busca por um meio de estabelecer uma inserção indireta, mas eficiente e forte na área da educação, para ajudar os Estados a operacionalizar os sistemas educativos segundo a lógica de mercado.

A fim de situar o leitor sobre as motivações que influenciaram nosso estudo e nos conduziram ao tema de pesquisa, algumas considerações se fazem necessárias e devem anteceder a problematização desta dissertação. Inicialmente, ao ingressar no Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), nossa pesquisa buscava compreender inúmeros indícios de reforma na carreira docente que percebíamos estarem em curso no âmbito da REE/SC, aliados à intensificação da cobrança nas metas de avaliações de larga escala e à utilização dos resultados de forma meramente técnica e instrumental. Somada a essa série de mudanças na REE/SC, tornava-se cada vez mais clara a grande ênfase atribuída pela Secretaria de Educação de Santa Catarina (SED/SC) ao controle sobre o trabalho pedagógico – uma pressão institucional para aprovação dos alunos – e também a instrução para observância e acompanhamento das taxas de abandono por parte dos profissionais da escola, bem como as ações de acompanhamento do rendimento escolar pela equipe gestora. Além dessas ações, constatou-se a proliferação de narrativas retóricas do

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governo sobre a necessidade econômica de mudança, propagada pela mídia oficial, especialmente em razão dos tempos de crise fiscal, e em resposta às reinvindicações dos trabalhadores e das lutas junto aos sindicatos pela melhoria dos salários dos professores.

Por fazer parte do Corpo Administrativo de uma das escolas da REE/SC desde 2006, pude acompanhar as normativas e comunicações internas que reforçavam com austeridade essas medidas, por vezes a contragosto de professores e orientadores pedagógicos que defendiam convicções contrárias à forma de avaliação instrumental sugeridas e em defesa de suas próprias concepções pedagógicas. Essas ações se tornaram mais acirradas no decorrer do ano de 2015, a despeito do cenário de lutas e manifestações travadas pelos professores nesse período, como a greve de 72 dias, deflagrada em razão do descumprimento por parte do governo de acordos1 firmados entre a SED/SC e o Sindicato dos Trabalhadores da Educação (Sinte) e motivada também pela dificuldade de diálogo para a implantação do Piso Nacional dos Professores. Além disso, havia a recusa por parte do governo na implantação do percentual referente ao piso nacional do magistério em todos os níveis da carreira,2 revelando que o discurso oficial de valorização do magistério, na prática, não se concretizaria (BOLMANN; BASSI, 2015).

O então Secretário de Educação do governo de Raimundo Colombo (PSD), Eduardo Deschamps, atuou na pasta da Educação nos dois mandatos do governador: de 2012 a 2014 e de 2014 a 2018. Acumulou, a partir de 2016, a função de Presidente do Conselho Nacional de Educação e, para isso, abriu mão, à época, da presidência do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), cargo que assumira em fevereiro de 2015. Alinhado às decisões do Ministério da Educação (MEC), Deschamps já anunciaria, em novembro de 2016, a ‘parceria’ com o Instituto Ayrton Senna, designando 14 escolas que serviriam de piloto para o projeto do novo Ensino Médio Integral no Estado de Santa Catarina, em cumprimento à Medida Provisória (MP) nº 746, de 22 de setembro de 2016 (BRASIL, 2016), que previa a ampliação da carga horária do Ensino Médio, medida tomada sem a necessária discussão com a comunidade escolar a respeito da estrutura necessária às escolas para esse tipo de atendimento, que foi imposto de forma verticalizada pelo governo federal. Essa decisão evidenciava o descompasso entre as políticas emanadas do Estado e a realidade do chão da escola, cuja estrutura física e as necessidades educacionais dos alunos não possibilitavam um projeto de Ensino Médio em período integral. Os alunos do Ensino Médio, em Joinville especificamente, uma cidade de

1 Sobre as greves de 2011, 2012 e 2015, cf. Faust (2015).

2 A greve de 2015 teve como pauta a descompactação do salário entre os níveis de carreira, a forma de contratação dos professores temporários e a controvérsia sobre o Piso Salarial Nacional dos Professores, que o governo buscava atingir incorporando regência de classe ao salário-base, cujo cálculo final não atingia o aumento previsto para aquele ano (BOLLMANN; BASSI, 2015).

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característica industrial, com inúmeras empresas que contratam os jovens a partir dos 16 anos por meio de programas de Trainee, não possuem perfil para essa modalidade de Ensino. A maioria dos jovens inicia sua vida profissional já no Ensino Médio, trabalhando no contraturno, e sua remuneração é parte importante do orçamento para a subsistência familiar. Diante da implantação do novo Ensino Médio nas três escolas designadas como pilotos do projeto, muitos alunos acabaram optando por estudar em escolas bem mais distantes de sua residência, para continuarem trabalhando, e as escolas que mantiveram o ensino regular superlotaram as salas para acolher todos os alunos.

No decorrer dos estudos no PPGE/UFSC, encontramos indícios de que grande parte destas alterações na carreira docente, as discussões sobre alterações do currículo e também a Reforma do Ensino Médio já estavam previstas em um relatório publicado pela OCDE em 2010, intitulado Avaliações de Políticas Nacionais de Educação: Estado de Santa Catarina, e claros sinais de que essas orientações vinham sendo paulatinamente implementadas ‘por dentro’ do aparelho burocrático do Estado, em cumprimento às orientações contidas no relatório. A partir daí, entendemos que seria necessário empreender um estudo mais apurado, para verificarmos como se processava a materialização das recomendações da OCDE em políticas públicas na REE/SC, ou seja, de que forma as orientações se vinculavam ao governo do Estado e quais os sujeitos envolvidos nessa relação.

As reflexões propiciadas pelo estudo nas disciplinas do curso de Pós-Graduação em Educação contribuíram para o aprofundamento e a delimitação do objeto de pesquisa e nos conduziram a outro documento que se vinculava às orientações expressas no relatório da OCDE, denominado Proposição de novos rumos para a qualidade da educação de Santa

Catarina: visão do CEE sobre a avaliação da OCDE, publicado pelo CEE/SC em 2012. Essa

publicação permitiu a formação do arcabouço normativo necessário para a materialização de grande parte das orientações da OCDE como políticas públicas no Estado de Santa Catarina. Nossa hipótese é que a reforma conduzida pelo governo estadual, particularmente no Plano de Carreira e Cargos (PCC) dos professores, nas alterações de contratação de professores ACT e na intensificação do controle do trabalho dos professores, tratou-se na realidade de um conluio entre o governo, CEE/SC, e a OCDE para que tais reformas fossem implementadas independentemente de alternância de governos, garantindo o controle de gastos com a educação e objetivando o alcance de metas das avaliações externas.

Nesse arranjo, com a atuação do CEE/SC, o percurso entre a formulação das políticas e sua materialização, ao invés de ter perpassado todo processo legislativo que lhe é característico, respeitando critérios, discussões, assembleias e o envolvimento de todas as partes interessadas,

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foi engendrado com decisões tomadas pelo alto,3 com as quais se transferiram as questões da arena legislativa para o âmbito de uma instituição burocrática. À luz das categorias de Gramsci, Oszlak (1982) considera que processos desse tipo são frequentemente utilizados pelos administradores públicos, já que se trata de um expediente assentado na falsa dicotomia entre administração e política, como se fossem instâncias sem correlação entre si, e que

Permite ao administrador imiscuir-se na política sem que tenha que dar conta de seus atos e sem a interferência dos políticos. Os políticos e cidadãos veriam assim suas ações como resultado de critérios racionais, legais ou técnicos a questões de política pública. Segundo essa interpretação também aos políticos seria dada certa liberdade ao se lhes permitir influir em decisões importantes anunciadas por instituições não políticas, que não respondem por seus atos ou transferir certas questões da arena legislativa para órgãos burocráticos relativamente autônomos. (OSZLAK, 1982, p. 4, grifos no original).

Essa estratégia se constitui, segundo o autor, em “[...] um cômodo mecanismo de criação de bodes expiatórios”, pois instaura uma dicotomia entre política e administração4 (OSZLAK, 1982, p. 7), ou burocracia estatal, que não passa de uma ilusão institucional, mas atua “apagando os rastros” do responsável por tal ou qual política implementada, obscurecendo o caminho de construção dessas políticas. Ball (2009 apud MAINARDES) possui uma posição clara a respeito do complexo processo que envolve as políticas públicas:

Quero rejeitar completamente a ideia de que as políticas são implementadas. Eu não acredito que políticas sejam implementadas, pois isso sugere um processo linear pelo qual elas se movimentam em direção à prática de maneira direta. Este é um uso descuidado e impensado do verbo. O processo de traduzir políticas em práticas é extremamente complexo; é uma alternação entre modalidades. A modalidade primária é textual, pois as políticas são escritas, enquanto que a prática é ação, inclui o fazer coisas. Assim, a pessoa que põe em prática as políticas tem que converter/transformar essas duas modalidades, entre a modalidade da palavra escrita e a da ação, e isto é algo difícil e desafiador de se fazer. (BALL apud MAINARDES, 2009, p. 305).

Outro elemento que devemos considerar ao analisarmos políticas públicas diz respeito ao fato de que muitas políticas educacionais têm sido objeto de disputa em redes políticas globais, em cenários com uma gama variada de participantes, envolvendo não somente os governos locais e outros agentes nacionais, tal como ocorre com as orientações da OCDE, que atuam em arenas políticas de alcance transnacional. Nesse contexto, torna-se cada vez mais difícil apontar o responsável por tal ou qual decisão. O relatório da OCDE, continha orientações de reforma para todo o sistema educacional, incluindo o currículo, o financiamento da

3 A expressão de Gramsci (2017) se refere à atividade reformista pelo alto, resultante de um pacto entre as classes dominantes, do qual são excluídas as classes subalternas e as forças populares.

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educação, o aumento da carga horária dos alunos do Ensino Básico e aspectos relativos à ‘governança’, no sentido de otimizar os recursos, em consonância com uma lógica gerencialista da educação, na qual se pretende transpor princípios da administração privada aos setores públicos. Segundo Newman e Clarke (2012, p. 353), o termo ‘governança’ é o sinônimo de gerencialismo, e passou a ser nomeado como uma nova forma de gestão pública

Convencionalmente denominada como Nova Gestão Pública (NGP) – tornou-se um elemento-chave desta lógica global e globalizante que informou muitos programas nacionais de reformas e foi promulgada por órgãos transnacionais como o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e outras agências de desenvolvimento (como a OCDE).

De acordo com os autores, o gerencialismo entra como fator de ‘coerência’, atribuindo certa homogeneidade aos projetos, que se caracterizam por “Fronteiras borradas, formas organizacionais hibridizadas, arranjos de governança inovadores e novos aparelhos de responsabilização e avaliação [...] articulados pelas promessas de maior liberdade e autoridade gerencial” (NEWMAN; CLARKE, 2012, p. 353).

Ao observar, nos documentos analisados, que grande parte das reformas era direcionada aos professores, como o PCC, a forma de contratação dos professores ACTs e a formação, optamos por nos deter nesse recorte, considerando os limites temporais desta dissertação, buscando analisar as orientações direcionadas aos docentes que se materializaram em políticas públicas no período de 2003 a 2017. Este marco temporal foi delimitado levando-se em conta o governo de Luiz Henrique da Silveira (LHS), que levando-se iniciou em 2003 e perdurou por dois mandatos, até 2010, período em que foram produzidos os documentos, bem como considerando-se as últimas alterações no âmbito da REE/SC, que foram realizadas em 2017. O recorte temporal foi ampliado para que pudéssemos identificar o projeto de sociedade e de educação presentes no governo LHS, que já se articulavam às orientações da OCDE, bem como os elementos condicionantes dessa ‘parceria’. Supõe-se, portanto, que a relação entre a OCDE e o governo do estado foi gestada nesses mandatos.

1.1 DELIMITAÇÃO DO TEMA

Elegemos como objeto de investigação o papel assumido pelo CEE/SC na relação entre o governo estadual de Santa Catarina e a OCDE, no período compreendido entre 2010 e 2017, tendo como fio condutor as evidências empíricas das políticas públicas assumidas pelo governo, norteadas pelas orientações deste organismo. Essas orientações, que possuem centralidade no âmbito do sistema estadual de ensino, estão contidas no relatório Avaliações de Políticas

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Nacionais de Educação: Estado de Santa Catarina, publicado em 2010, e foram materializadas

pelo CEE/SC, que atuou como um legitimador destas políticas, dando a estas orientações um caráter formal e institucionalizado por meio da publicação do relatório Proposições de novos

rumos para a qualidade da educação de Santa Catarina: visão do CEE sobre a avaliação da OCDE (SANTA CATARINA, 2012). Segundo informações contidas na proposição do

CEE/SC, a aproximação entre a OCDE e o governo do estado teve início em 2009, quando o então governador do estado de Santa Catarina, Luiz Henrique da Silveira5 (PMDB) solicitou que a OCDE empreendesse uma análise independente sobre o sistema educacional catarinense, e formulasse ações de médio e longo prazo com vistas à melhoria da educação do Estado (SANTA CATARINA, 2012).

O relatório foi elaborado levando em conta, segundo a OCDE, um documento preliminar fornecido pelas autoridades do Estado de Santa Catarina, acrescido de visitas in loco6 (OCDE, 2010). Da equipe da OCDE participaram quatro representantes da Secretaria de Educação: Antônio Elízio Pazeto (Diretor de Educação Básica ) Wilson Schuelter (Consultor da Wicfast Consult, empresa especializada em preparação de documentos e serviços especializados de apoio administrativo) Isaac Ferreira (Diretoria de Educação Básica e Profissional) e Fábio Alexandrini (Diretor de Organização, Controle e Avaliação) que atuando em funções de confiança (cargos comissionados), tinham acesso aos dados de todo sistema, dos alunos e professores e aos dados do Censo Escolar. Fábio Alexandrini foi o desenvolvedor do novo Programa para a Avaliação de Desempenho de Alunos, apresentado no IX Simpósio de Excelência em Gestão e Tecnologia (SEGeT), realizado nos dias 24, 25 e 26 de outubro de 2012. Esse projeto deu origem, em 2015, às plataformas Professoronline e Estudanteonline, implementadas na REE/SC, que abordaremos adiante. Quanto aos custos7 desse projeto, a OCDE (2010, p. 4) afirma no prefácio do relatório que

A análise das políticas educacionais foi realizada no âmbito do programa de relações globais da Diretoria de Educação da OCDE. O financiamento para este trabalho foi fornecido pelo Governo do Estado de Santa Catarina, com uma contribuição em espécie por parte da Fundação Europeia de Formação.

51º mandato: de 1º de janeiro de 2003 até 9 de abril de 2006. 2º mandado: de 1º de janeiro de 2007 até 25 de março de 2010.

6 A equipe se dividiu em três grupos, um dos quais foi ao Oeste, passando pelas cidades de Chapecó, Maravilha, Xanxerê, Concórdia, Tigrinhos, Pinhalzinho, Ipuaçu, Nova Erechim, São Miguel do Oeste e Itá. O segundo grupo realizou estudos em Florianópolis, Bombinhas, Itajaí, Brusque, Blumenau, Jaraguá do Sul, Guaramirim, Joinville e São Francisco do Sul. A terceira parte da delegação visitou Tubarão, Criciúma, Lages, São José do Cerrito, Campo Novos, Treze Tílias, Água Doce, Ibirama, Joaçaba, Curitibanos e Rio do Sul. Disponível em: https://bit.ly/32mztCy. Acesso em: 20 nov. 2018.

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O investimento total do governo de Santa Catarina foi de R$ 2.187.340, em três ações da OCDE no estado, de 2009 a 2012: Avaliação Internacional de Estudantes – PISA; custos operacionais estimados: R$ 415.600. Encontro Internacional de Especialistas em Educação: a

Escola do Futuro; custos operacionais estimados: R$ 660 mil. Avaliação da Política de Educação Superior; custos operacionais (estimativa para 18 meses): R$ 1.111.740.

A Proposição publicada pelo CEE/SC em 2012 legitima o que poderia ser entendida como simples ‘recomendação’ de um Organismo Multilateral (OM)8 e a eleva ao status de norma a ser implementada no Estado, após ser reinterpretada em âmbito local, traduzida e adequada às necessidades mais urgentes do governo, chancelando as orientações da OCDE.

Sob o aspecto formal, os conselhos de educação possuem funções definidas nas esferas federal, estadual e municipal e atuam, de forma geral, subordinados ao Executivo. O CEE/SC é órgão de deliberação coletiva que também atua como órgão de natureza consultiva, como dispõe o inciso III do art. 3º de seu regimento, com a competência de

Colaborar com sugestões na elaboração das Políticas Públicas de Educação e do plano de expansão da Educação Básica da rede pública estadual de educação. (SANTA CATARINA, 2005).

Entendemos que a função normativa do CEE/SC, além de sua atribuição de aconselhamento em matéria de educação, foi fundamental para que sua atuação fosse requisitada pela SED, para que algumas das reformas sugeridas pelo referido OM se consubstanciassem em políticas públicas. A OCDE se encontrava, naquele momento, de certa forma inserida no aparelho estatal, e contava com funcionários da SED/SC participando da equipe de avaliação, que atuavam simultaneamente no CEE/SC. No entanto, o papel do CEE/SC, longe de ser meramente formal, foi ativo na medida em que também propôs políticas- normativas complementares como demonstraremos adiante, na análise dos documentos.

O conselho é convocado a legitimar a avaliação da OCDE, e essa legitimidade pode ser compreendida com base nos pressupostos de Gramsci acerca do papel dos intelectuais (2001, p. 19), como categoria de “[...] prepostos do grupo dominante para o exercício das funções subalternas da hegemonia social e do governo político[...]”, obtendo o consenso das classes subalternas devido à certeza “[...] que nasce ‘historicamente’ do prestígio (e, portanto, da confiança) obtido pelo grupo dominante, por causa de sua posição e de sua função no mundo

8 De acordo com Triches (2010), as literaturas trazem diferentes nomenclaturas ao referirem-se às instituições internacionais que influenciam a política educacional brasileira: “organizações/organismos/agências internacionais/multilaterais/financiadoras” (TRICHES, 2010, p. 21, nota de rodapé 1). Optamos por utilizar o termo Organizações multilaterais por utilizada nas produções do Gepeto (Grupo de Estudo sobre Política Educacional e Trabalho).

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da produção”. As orientações emanadas dos OMs, por sua vez, se apresentam normalmente de forma praticamente homogênea, já que seu conteúdo

[...] é concebido com objetivos e planos em vez de intenções e julgamentos. É sobre ação em vez de reflexão. Baseia-se em análises (dividindo problemas) em vez de sínteses. Estabelece fronteiras entre “política” e “execução”, “estratégia” e “implantação”, pensar e agir. Oferece um discurso técnico que separa o debate de seus fundamentos políticos, então o debate sobre meios suplanta o debate sobre fins. (CLARKE; NEWMAN, 2006, p. 148).

Esse tipo de discurso tem como consequência a minimização da responsabilidade do Estado sobre a área social, na medida em que, o discurso técnico suplanta as discussões e debates que poderiam ocorrer com os representantes das áreas interessadas. Segundo Peroni (2016, p. 2), “[...] com esse diagnóstico, [realizado pelos Organismos Multilaterais], as prescrições são racionalizar recursos e esvaziar o poder das instituições, já que instituições públicas são permeáveis às pressões e demandas da população e improdutivas, pela lógica de mercado”.

Para compreender o sentido da atuação da OCDE na área da educação, devemos ter em conta o papel da educação para a reprodução do sistema capitalista, análise amplamente defendida entre os intelectuais acerca dos rumos das políticas educacionais na atualidade, que se tornou um dos instrumentos para a perpetuação e reprodução do sistema de acumulação do capital. Segundo Mészaros (2008, p. 44), “[...] a questão crucial, sob o domínio do capital, é assegurar que cada indivíduo adote como suas próprias as metas de reprodução objetivamente possíveis no sistema”. A educação, nessa perspectiva, está voltada à formação para o trabalho simples e destinada a formar indivíduos conforme as demandas de mercado, sendo ela própria uma mercadoria. Da mesma forma, a mercantilização da educação pública a partir dos convênios e parcerias com a iniciativa privada busca transferir a responsabilidade pela execução e direção das políticas públicas para a sociedade, com a entrada cada vez maior de grupos empresariais no setor educativo, seja pela venda de serviços, seja pelo conteúdo, como apostilas, programas educacionais, mídias, etc.

De acordo com Luís Miguel Carvalho (2009, p. 1016), apesar de ser “[...] uma organização intergovernamental direcionada para uma intervenção no campo da política econômica, a OCDE vem, desde a década de 50 do século passado, intervindo na esfera educativa”, em razão de a educação ser vista como fator de desenvolvimento econômico, capaz de produzir, segundo o discurso neoliberal, força de trabalho suficiente para atender às necessidades do mercado. O autor chama a atenção para algumas características que diferem a OCDE de outros OMs, como não recorrer a instrumentos legais nem financeiros e agir,

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sobretudo, através da “construção de consensos e da pressão pelos pares”, por meio da divulgação de relatórios de pesquisa e do “aconselhamento” oferecido tanto aos países membros como aos demais que seguem suas orientações (CARVALHO, L., 2009).

1.2 OBJETIVOS

1.2.1 Objetivo geral

Nossa pesquisa tem como objetivo geral analisar o papel do Conselho Estadual de Educação de Santa Catarina na relação estabelecida entre o governo do estado e a OCDE, que permitiu a materialização de reformas educacionais na Rede Estadual de Educação Básica de Santa Catarina voltadas à formação e à carreira docente.

1.2.2 Objetivos específicos

a) Investigar e caracterizar a relação entre o estado de Santa Catarina e a OCDE na elaboração das políticas públicas educacionais voltadas para a carreira e formação docente.

b) Analisar o papel do CEE/SC na consolidação da política educacional decorrente da relação do Estado de Santa Catarina com a OCDE;

c) Identificar e analisar como as políticas são formatadas e posteriormente conformadas pelo CEE/SC.

d) Examinar quais as concepções de educação e qual projeto de sociedade que influenciaram a busca pela cooperação internacional da OCDE e a produção do documento

1.3 METODOLOGIA E REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO

Ao nos depararmos com as questões relacionadas à metodologia e aos inúmeros desafios que a envolvem, automaticamente nos lembramos que o rigor teórico, atrelado a uma concepção de mundo, é determinante para a condução da compreensão do objeto de pesquisa. A escolha do percurso metodológico depende da visão de mundo e do lugar de fala do pesquisador, que é ele mesmo o resultado de determinações históricas e o produto de um processo sócio-histórico que interfere no modo como ele se relaciona com o objeto de pesquisa.

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Para analisar as políticas públicas que se materializaram no período analisado, optamos por utilizar a abordagem teórico-metodológica do Ciclo de Políticas (Policy cycle approach) (BOWE; BALL, 1992), a fim de apreender o movimento da política e compreendê-la na esfera das condições materiais de sua produção. Segundo os autores, o processo político é influenciado por uma variedade de intenções e disputas, que atuam em três contextos principais: contexto de influências, contexto de produção e contexto da prática. Em 1994, Ball expandiu o ciclo de políticas, acrescentando outros dois contextos ao referencial original: contexto dos resultados/efeitos e contexto de estratégia política. Os OMs, como a OCDE, o BM e a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), exercem influência sobre o processo de criação de políticas nacionais, porém elas precisam ser contextualizadas e reinterpretadas pelos Estados-nação (SHIROMA; CAMPOS; EVANGELISTA, 2005).

Também consideramos que as políticas emanadas de um OM não constituem uma unidade, pois são atravessadas por múltiplas contradições e disputas de poder entre os próprios colaboradores, técnicos e diversos sujeitos que garantem sua participação no cenário político nacional e internacional. Portanto, levamos em conta que coexistem projetos em disputa no interior desses organismos. Essa consideração é relevante, pois, como demonstraremos, havia sujeitos ligados ao governo inseridos na equipe da OCDE que produziu a avaliação em tela. Os textos, por sua vez, são produtos de múltiplas influências, que envolvem intenções e negociação do Estado. No entanto, segundo Ball (MAINARDES, 2009), nesse processo, somente algumas dessas vozes são consideradas legítimas e, desse modo, ouvidas e investidas de autoridade. O contexto de resultados sugere que as políticas têm efeitos e impactos sobre um panorama bem mais amplo, e que as mudanças acabam por vezes afetando o currículo, a avaliação e a organização escolar. O último contexto, o da estratégia política, envolve a investigação de um conjunto de atividades sociais e políticas que seriam necessárias para lidar com as desigualdades criadas ou reproduzidas pela política investigada (MAINARDES, 2006).

Com a finalidade de analisar o papel do CEE/SC na tradução das orientações da OCDE como políticas públicas, “[...] com base nos conceitos, no conteúdo e nos discursos presentes nos documentos de política educacional” (SHIROMA; CAMPOS; GARCIA, 2005, p. 427), edificamos o caminho metodológico dessa pesquisa a partir de duas estratégias metodológicas essenciais: a revisão da bibliografia e a análise documental. Nesta etapa, partimos do enunciado de Poulantzas (1980, p. 67):

Nada existe, para esse Estado, que não esteja escrito, e tudo que nele se faça, deixa uma marca escrita em alguma parte, [...] trata-se de uma escrita anônima, que não

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repete um discurso mas torna-se trajeto de um percurso, que traça os lugares e os dispositivos burocráticos, percorre e figura o espaço centralizado-hierárquico desse Estado.

Essa escrita representa muito mais do que aparentemente revela, e Poulantzas (1980, p. 67) alerta que não se trata simplesmente de “[...] papelada da organização estatal moderna, que não é simples detalhe pitoresco, mas um traço material essencial à sua existência e funcionamento, cimento interno de seus intelectuais funcionários”.

Nessa perspectiva, entendemos os documentos como fontes históricas que representam as disputas e os embates sociais num determinado espaço-tempo e expressam a visão de mundo de seus idealizadores, mas deixam escapar as reais intenções a elas subjacentes. Assim, podemos dizer que o projeto social expressado em um documento encontra-se eivado de concepções e conceitos que lhe dão sustentação, a fim de conquistar aceitação geral, e, como afirma Montaño (2014), encontra-se obscurecido pela linguagem, que trata de “[...] converter o projeto que responde aos interesses da fração de classe dominante em um projeto aceito por todos, ao entoarem os ‘cânticos das sereias’” (MONTAÑO, 2014, p. 29). Ao pressionar os países a manterem os processos de avaliação e mensuração dos seus sistemas baseados em indicadores de eficiência, eficácia e competência, a OCDE defende, no plano ideológico, um projeto de educação que se articula às demandas do capital e se justifica pela emergência de demandas para o século XXI em torno da sociedade do conhecimento voltadas ao mercado de trabalho.

Nas relações sociais burguesas, o homem produz os bens de que necessita para sua subsistência por meio do trabalho, embora não detenha para si o que é produzido. Neste processo de alienação, o homem é desconsiderado como ser social, tornando-se, ele próprio, objeto do modo de produção. Sendo objeto, torna-se quantificável, mensurável em sua capacidade de execução e produtividade para o capital, do mesmo modo que os instrumentos avaliativos da OCDE buscam mensurar os sistemas educacionais na preparação para o mundo do trabalho. As instituições formais de educação fazem parte do sistema de internalização e conformação aos princípios reprodutivos orientadores na própria sociedade capitalista e fazem com que cada indivíduo “[...] tome como suas próprias as metas de reprodução objetivamente possíveis do sistema” (MÉSZAROS, 2008, p. 44). Em síntese, os processos educacionais e os processos sociais de reprodução encontram-se intimamente conectados.

Ao buscar a essência, não queremos dizer que devemos desprezar a aparência, pois “[...] sem o fenômeno, sem sua manifestação, sem a sua revelação, a essência seria inatingível” (KOSIK, 1976, p. 12), mas, a partir dessa aparência, que não nos permite compreender a

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realidade, ir além desta, compreendendo a realidade em suas múltiplas determinações. Nesse sentido, ao analisar os documentos e textos como produtores de políticas, insistimos que não pretendemos entender o significado dos discursos contidos nos documentos, nem reproduzir suas proposições, mas sim explicar a que vieram (EVANGELISTA, 2017). Quando nos propomos a analisar uma política pública, não se trata, portanto, de compreender sua funcionalidade, seus marcos institucionais ou seus objetivos formais, mas sim compreender a quem pretendem governar e a quais processos históricos se vinculam (ALGEBAILE, 2013).

Seguindo este percurso metodológico, para esta etapa da pesquisa, selecionamos os documentos que formam o corpus documental, divididos entre principais e complementares, selecionando relatórios, leis e decretos referentes ao período entre 2003 a 2017. Tomamos como documento principal a Proposição de Novos Rumos para a Educação, organizada pela Comissão Especial do CEE/SC, sem deixar de relacioná-la dialeticamente ao relatório que serviu de base para sua elaboração, Avaliações de Políticas Nacionais de Educação: Estado de

Santa Catarina, da OCDE. As fontes complementares, relacionadas no quadro abaixo, são leis,

decretos e resoluções que sofrerem alterações, relacionam-se ou emanaram das orientações da OCDE traduzidas pela Proposição do CEE/SC:

Quadro 1 – Documentos oficiais selecionados

Fontes Complementares Fontes Principais

Lei complementar 1.139 de 28 de outubro de 1992: dispõe

sobre cargos e carreiras do Magistério Público Estadual

Lei Estadual 16.794 de 16 de dezembro de 2015 (Plano Estadual de Educação 2015-2024)

Lei complementar 668, de 28 dezembro de 2015 (Plano de Cargos e salários da REE/SC)

Lei 16.861 de 28 de dezembro de 2015 (Disciplina a admissão de pessoal por prazo determinado no âmbito do Magistério Público Estadual)

Auditoria Operacional para avaliar o Ensino Médio, realizada pela Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina. (DAE-013/2014. Instrução plenária)

Resolução 075 de 2005 – Regimento interno do CEE/SC Medida Provisória nº 198, de 10 de fevereiro de 2015, que fixava os valores de vencimento dos ACTs

Exposição de motivos PL nº 518/2015: Dispõe sobre o quadro de pessoal do magistério Público Estadual

Avaliações de Políticas Nacionais de Educação: Estado de Santa Catarina, da Organização para a Cooperação eDesenvolvimento Econômico (OCDE, 2010)

Proposição de Novos Rumos para a Educação de Santa Catarina: Visão do CEE sobre a OCDE (SANTA CATARINA, 2012)

Fonte: elaborado pela autora.

Cabe ressaltar que os documentos orientadores, como os produzidos pela OCDE, e, neste caso específico, a Proposição publicada pelo CEE/SC, têm a função de disseminar ideias

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e concepções em interlocução com a sociedade e são normalmente produzidos para gerar consenso acerca de políticas educacionais. Podem, entretanto, como já afirmamos, ter seu conteúdo apreendido não apenas como orientação mas também como norma. Principalmente no caso da Proposição publicada pelo CEE/SC, torna-se muito mais provável que seja apreendida como tal, dada a natureza essencialmente normativa do CEE/SC, o que denota, subjetivamente, um caráter de legitimidade.

Segundo o Regimento interno do CEE/SC, conforme estabelecido em seu art. 68, os atos do Conselho Estadual de Educação de Santa Catarina devem ser publicados no Diário Oficial do Estado e, conforme disposto no inciso I, devem ter a homologação dada por meio de decreto do governo do estado. A Proposição publicada pelo CEE/SC não necessitou de homologação do governo de estado, tampouco foi publicada no Diário Oficial, mas produz o consenso e se torna documento norteador, haja vista vincular-se às políticas recomendadas. A validade de uma determinada norma se apresenta, muitas vezes, antes de sua homologação, a partir do momento em que consegue o consenso em torno de sua razoabilidade, quando circulam os discursos no senso comum em torno de alguma necessidade, conformando a opinião pública em torno de seus interesses

É opinião muito difundida, ou melhor, é opinião considerada realista e inteligente que as leis devem ser antecedidas pelo costume, que a lei só é eficaz quando ratifica os costumes. Esta opinião está contra a história real do desenvolvimento do direito, que sempre exigiu uma luta para se afirmar, luta que, na realidade, é pela criação de um novo costume. (GRAMSCI, 2017, p. 252).

De fato, como assinala Gramsci (2017, p. 269), o “Estado, quando quer iniciar uma ação pouco popular, cria preventivamente a opinião pública adequada, ou seja, organiza e centraliza certos elementos da sociedade civil”, formando o consenso em torno dos projetos que pretende implementar. Segundo o autor, o Estado assume seu papel educador, na medida em que “[...] tende a criar e manter um certo tipo de civilização e de cidadão” (GRAMSCI, 2017, p. 28).

Para poder situar como os Conselhos de Educação vêm sido analisados e percebidos nas produções acadêmicas, realizamos a revisão bibliográfica a partir do levantamento de produções acadêmico-científicas, de forma a lançar luz sobre as indagações do nosso objeto. Ressaltamos que compreender as políticas públicas adotadas pelo Estado de Santa Catarina para a REE/SC, tendo como recorte as reformas direcionadas à carreira docente, requer do pesquisador um olhar atento sobre outros aspectos, como a lógica gerencialista, que tem tomado espaço na educação na fase histórica de aprofundamento do neoliberalismo, bem como as políticas de avaliação em larga escala, que têm como objetivo medir o desempenho dos alunos

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e, por consequência, responsabilizar os professores pelos fracassos, e raramente pelos sucessos da educação.

Como aporte teórico, apoiamo-nos nas categorias do materialismo histórico para apreender o movimento real do objeto. As categorias analíticas são instrumentos capazes de compreender e analisar a sociedade e dão conta de explicar as relações existentes no meio social em suas múltiplas facetas e especificidades, tanto na compreensão da relação do homem com a natureza como do homem em relação à sociedade e do homem em relação à economia. Dito isso, concordamos com Paulo Netto (2011, p. 22), quando afirma que “[...] alcançando a essência do objeto, isto é: capturando a sua estrutura e dinâmica, [...] o pesquisador reproduz, no plano ideal, a essência do objeto que investigou”. Trata-se, portanto, de empreender a análise de uma totalidade com múltiplas determinações e relações, a fim de desconstruir este “[...] todo ingenuamente percebido em sua aparência, para chegarmos à produção de teoria, de conhecimento sobre o objeto, sua estrutura e sua dinâmica” (EVANGELISTA, 2017, p. 6).

Nosso intuito é, por meio da empiria, encontrar os aspectos contraditórios da aparência anunciados nos documentos do CEE/SC, da SED/SC e da OCDE, para chegarmos à essência dentro da totalidade, que é compreender o CEE/SC na realidade das relações de classe, no modo com que se verificam essas relações em Santa Catarina nesse momento histórico e qual o papel assumido pelo Conselho nessa perspectiva, a quais interesses atende. Trata-se de analisar seu papel como órgão de Estado no âmbito da produção de políticas públicas da educação para a classe trabalhadora dentro do Estado capitalista.

Apreender esse movimento no plano ideal exige do pesquisador um grande rigor metodológico, para, através da crítica, como assinala Gramsci (2001, p. 204), ultrapassar o estágio fenomênico do objeto: “[...] descobrir a identidade real sob aparente diferenciação e contradição, e descobrir a substancial diversidade sob a aparente identidade, eis o mais delicado, incompreendido e, não obstante, essencial o dom crítico das ideias”.

Nesse sentido, a elaboração de uma análise crítica, levando em conta a base material concreta, sugere que a relação dialética considere as correlações de força existentes dentro do próprio Estado, que se encontra atravessado pelas relações de classe, contendo interesses da classe dominante e interesses particulares das frações de classe, mas que deve, de certa maneira, atender também, em certa medida, aos interesses da classe subalterna.

O trabalho necessário é complexo e deve ser articulado e graduado: deve haver dedução e indução combinadas, a lógica formal e a dialética, identificação e distinção, demonstração positiva e destruição do velho. Mas não de modo abstrato, e sim concreto, com base no real e na experiência efetiva. (GRAMSCI, 2001, p. 206).

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A lei da dialética nada mais é do que a lei da contradição inerente aos fenômenos, a unidade dos contrários. Conforme Lênin (2011, p. 128), “[...] contradição é a raiz de todo o movimento e de toda a vida; só enquanto tem em si mesma uma contradição uma coisa pode se mover, ter um impulso e uma atividade”. No sentido próprio, a dialética é o estudo da contradição na própria essência dos fenômenos, e a contradição é uma categoria analítica da totalidade condicionada e subordinada a ela, que se multiplica em totalidades cada vez mais densas e complexas, seguindo um movimento contínuo. Na sociedade capitalista, as disputas de poder sempre estão atravessadas pelas relações de classe; uma tensão entre a classe dominante e a classe explorada, a luta contra a exploração do trabalhador e a acumulação do capital pelo capitalista. Nesse movimento contínuo, a totalidade nunca se encontra acabada, está em constante movimento, elaborando continuamente novas conexões. O capital tende a buscar continuamente novas maneiras de adequar seu funcionamento para a extração de mais-valia, conforme vão sendo limitadas suas taxas de lucro. Nesse intuito, o Estado tem um papel essencial na manutenção da reprodução do sistema capitalista. Nessa perspectiva, a contradição não é apenas categoria interpretativa, mas constitutiva desse movimento do real.

Nosso ponto de partida é a análise sobre uma ação política que parece emanar do executivo e se vincula a um OM, engendrando políticas públicas pela legitimação dada a esta ação política por parte um Conselho de Educação, portanto mediada por intelectuais e funcionários de Estado. A partir do entendimento de que as políticas públicas devem ser compreendidas no interior de uma totalidade histórica, na qual se encontram em jogo uma rede de dinâmicas sociais, econômicas e políticas que engendram a realidade, optamos por adotar o referencial conceitual de Antonio Gramsci, estendendo sua compreensão teórica para outras categorias, a saber: Estado, sociedade civil, sociedade política, hegemonia, intelectuais e correlação de forças.

É fundamental lembrar que Gramsci não suprime o núcleo central do pensamento de Marx e Engels, mas desenvolve novas categorias de análise, em especial o conceito de sociedade civil, que deve ser apreendido como conceito-chave para o processo de reconstrução do pensamento político de Gramsci (COUTINHO, 2012). Além de Gramsci, Poulantzas (1980) e seus estudos de base gramsciana contribuem para a elaboração de uma síntese da concepção de Estado e nos dá as bases teóricas para compreensão do quadro de funcionários que compõem a burocracia estatal e a divisão de classes dentro do próprio Estado, entre seus funcionários.

O Estado, compreendido à luz das concepções teóricas de Gramsci, não pode ser entendido como uma estrutura burocrática unicamente a serviço de uma classe e representativa de seus interesses, mas sim como um espaço de correlação de forças e disputas entre classes,

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atravessado também pelas reinvindicações da classe trabalhadora. O conceito de Estado se amplia quando o autor sugere que o Estado representa o equilíbrio entre a sociedade civil e a sociedade política, mantendo os aparelhos coercitivos daquele, mas incluindo o consenso. Gramsci (2017) explica que o Estado não se mantém somente pela coerção, mas agrega persuasão e consenso na manutenção da hegemonia, dinâmica que ele resume da seguinte maneira: “Estado = sociedade política + sociedade civil, isto é, hegemonia couraçada de coerção” (GRAMSCI, 2017, p. 244). Isso significa que em torno do Estado existe um conjunto de organizações que participam da construção de consensos em torno de uma classe dominante, permeada por contradições e disputas. Poulantzas (1980, p. 153) avança sobre categorias e análises gramscianas e contribui ao dizer que o Estado, portanto, é a [...] “Condensação material de uma relação contraditória”, não organiza a unidade do bloco no poder, ao contrário, “é o jogo dessas contradições na materialidade do Estado que torna possível, por mais paradoxal que possa parecer, a função de organização do Estado”.

Ao conceber o Estado como “[...] a condensação material e específica de uma relação de forças entre classes e frações de classes”, Poulantzas (1980, p. 148) ajuda-nos a evitar armadilhas de conceber o Estado como sujeito ou como meio e instrumento. A partir dessa análise, podemos dizer que as contradições de classe representam a base material e organizacional do Estado, concentrada no hiato entre duas questões que se condensam: a relação do Estado com as classes dirigentes e a relação do Estado com as classes dirigidas. Dentro do Estado, o autor identifica

Os intelectuais constituídos em sua funcionalização e mercenarização pelo Estado moderno. Esses intelectuais portadores do saber-ciência tornam-se funcionários (universidades, institutos, academias, diversas sociedades de estudo) do Estado, pelo próprio mecanismo que fez dos funcionários deste Estado intelectuais. (POULANTZAS, 1980, p. 64-65).

Com base em nossos autores, e suporte nos seus referenciais teóricos, podemos afirmar que, na composição política e de educação política atual, em que o Estado, em conjunção com a sociedade civil, busca estratégias educativas e formativas objetivando o consenso, torna-se essencial ter em mente, em nossa pesquisa, os processos não aparentes nessa conjuntura, os que se universalizam e conservam a hegemonia, bem como aqueles que são voltados a ações de conformação da sociedade, de novos tipos de sociabilidade. É com esse firme propósito que nos debruçamos sobre esta dissertação, a fim de contribuir com a pesquisa em políticas educacionais no âmbito da educação pública.

Com a mediação teórica e reflexiva a que nos propomos, buscamos responder a uma questão central: qual o papel assumido pelo CEE/SC nesse processo que resultou em uma série

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de reformas educacionais, notadamente em áreas que não são de atuação ou responsabilidade direta de um Conselho Estadual de Educação, como a definição do PCC dos professores, a forma de contratação de pessoal e as mudanças estruturais no estatuto? Consequentemente, outras dúvidas também surgiram no desenvolvimento do estudo, pois, além de analisar as orientações recomendadas pela OCDE, fomos levados a pensar na construção de políticas no contexto histórico do neoliberalismo, que deixa algumas lacunas:

a) Quais concepções, ideologias e pressupostos do governo do estado de Santa Catarina influenciaram o diagnóstico apresentado pela OCDE?

b) Quais os interesses subjacentes à Comissão Especial designada para a análise do relatório da OCDE pelo CEE/SC na conformação dessas reformas?

1.4 ORGANIZAÇÃO DO TEXTO

Esta dissertação está estruturada, além das seções introdutória e das considerações finais, em mais três seções. Na segundo seção, buscamos compreender como se constituiu o período do governo de LHS e quais concepções filosóficas nortearam as políticas educacionais desde seu primeiro mandato, as quais se perpetuaram até a concretização da parceria entre o governo e a OCDE. Para analisarmos o papel do Conselho de educação nessa relação com a OCDE, realizamos pesquisa bibliográfica a fim de situarmos até que ponto as pesquisas sobre a atuação política dos Conselhos de Educação avançaram no meio acadêmico e de que modo poderíamos situar o papel do CEE/SC nessa conjuntura. Na terceira seção, discutimos sobre as origens da OCDE e sua influência na definição de políticas públicas, primeiramente no Brasil. Na sequência, analisamos especificamente a aproximação desse OM ao governo de Santa Catarina. Na quarta e última seção, debruçamo-nos sobre as concepções teóricas dos Conselhos de Educação, estudo que nos possibilitou perceber esses espaços em uma trajetória de acomodação e conciliação de interesses privados, alinhado historicamente aos interesses das camadas dirigentes (na política) e dominantes (na economia). Demonstramos ao longo desta seção como os membros dos conselhos, parafraseando Dreifuss (1989, p. 11), “fincaram os pés e as mãos” na administração desse órgão, estruturado numa infindável quantidade de “cargos de confiança” (de confiança deles). Por fim, a partir da análise dos relatórios e das políticas emanadas e materializadas em leis e decretos, discutimos o caráter reformista do qual se reveste o CEE/SC na sua proposição, que, ao traduzir as orientações da OCDE, alinhado aos interesses econômicos do governo, possibilita a acomodação da classe trabalhadora no nível do ethos

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econômico-corporativo, atuando como importante órgão de consenso para o convencimento da população sobre os benefícios das políticas focalizadas. Na última seção nosso objetivo foi tecer as considerações finais sobre este trabalho de dissertação. Realizamos um apanhado geral sobre as questões que motivaram o percurso investigativo, reafirmando nossas conclusões sobre a investigação como um todo.

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2 AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS EM SANTA CATARINA E AS RECOMENDAÇÕES DA OCDE

Nesta seção, discutiremos sobre a forma como a política educacional tem sido discutida em Santa Catarina e sob quais concepções foi construída, demonstrando a tradição política consolidada atendendo a orientações internacionais nas pautas educativas do estado. Discutimos, primeiramente, as concepções sobre a questão educacional no Estado, construída nos termos neoliberais, que se perpetuaram no ideário político catarinense, independentemente do governo ou do partido político no poder, fazendo parte da agenda de desenvolvimento econômico e social, a exemplo tanto dos países centrais quanto dos periféricos, por meio de um discurso que propaga a necessidade e a importância de criar uma sociedade do conhecimento que possa vir a respaldar a sociedade e as demandas do século XXI. Em seguida, analisamos as produções acadêmicas sobre a atuação política dos Conselhos de Educação buscando compreender como atuam esses órgãos e quais os eixos em comum nas pesquisas encontradas.

2.1 A EDUCAÇÃO COMO MOTOR DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

A questão educacional, nos termos neoliberais, faz parte da agenda de desenvolvimento econômico e social, tanto dos países centrais quanto dos periféricos, por meio de um discurso que propaga a necessidade e a importância de criar uma sociedade do conhecimento que possa vir a respaldar as demandas do século XXI. A busca por aconselhamento e consultorias para a formulação de políticas públicas por parte dos governos se dá por seus pressupostos gerencialistas, pela estratégia geral de convencimento, depositada nos experts, que seguem a mesma lógica: oferecer soluções para problemas pedagógicos nas escolas, assegurando ‘eficácia e eficiência’ nos processos, que podem ser demonstradas em avaliações de desempenho, com foco nos resultados, por meio de técnicas advindas dos processos gerenciais. Essa racionalização de procedimentos burocráticos vem acompanhada da perda do próprio significado dos serviços públicos, cujos objetivos não tem semelhança alguma com os fins da administração do setor privado, que visa, ao fim e ao cabo, o lucro. O serviço público não gera lucro.

Segundo Gentili (1996), na lógica gerencialista, a máquina estatal é classificada como obsoleta e arcaica; um Estado “velho e improdutivo”. Diante do desafio de encontrar soluções para as políticas sociais, cumpre aos governantes responder a uma importante questão: quem,

Referências

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